terça-feira, 9 de setembro de 2014

Confessar, involuntariamente, o fracasso


1. Há menos de quinze dias, no âmbito da aprovação do Orçamento Rectificativo. Maria Luís Albuquerque rejeitava, contra toda a evidência, a ideia de que a dívida estivesse «fora de controlo» (encontrando-se, segundo a ministra, «dentro das previsões» do governo). No passado sábado, porém, Maria Luís Albuquerque decide desafiar os partidos da oposição a apresentar «soluções estruturadas» no âmbito de um «debate sobre a dívida», a ter lugar no Parlamento.
Fica a interrogação: a que se deverá esta vontade súbita de «ouvir soluções»? Teriam afinal razão os autores e subscritores do Manifesto dos 74, «Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente», cuja petição, entrada em Abril na Assembleia da República, reuniu mais de 35 mil assinaturas em menos de dois meses? E, assim sendo, como qualificar hoje as reacções que manifesto e petição suscitaram na altura, por parte do governo e da própria presidência da República?

2. Também na Universidade de Verão do PSD, Maria Luís Albuquerque garantiu que iria «chegar um ciclo de crescimento», admitindo contudo não saber «nem quando, nem como». O que significa, sintomaticamente, que já lá vão os tempos em que as ilusões neoliberais tinham, apesar de tudo, sentido e data marcada. Há dois anos, decretava-se sem dificuldade a iminência do «fim da crise» (Álvaro Santos Pereira) e da «recuperação económica» (Passos Coelho), antevendo-se assim, num horizonte «não muito distante» (Cavaco Silva), um prodigioso «ponto de viragem» (Vítor Gaspar) na economia portuguesa.
Nesse tempo, a lógica era simples: as virtudes prodigiosas da austeridade expansionista (empobrecimento e corte de salários, flexibilização e desregulamentação da legislação laboral, desmantelamento do Estado e das políticas públicas), levariam a economia a florescer de forma súbita e espontânea, numa explosão de emprego e competitividade. Mas como a realidade tratou de desmentir esta crença, sobrou à teimosia cega, e ao fanatismo, a resignação da fé infundada: para a ministra das Finanças, devemos ficar simplesmente à espera, com os olhos fixos na azinheira, que a retoma, essa senhora vestida de luz, há-de chegar um dia (só não se sabendo «nem quando, nem como»).

3. Ainda em Castelo de Vide, a ministra das Finanças assegurou que o ensino superior também teria de se adaptar às «fortíssimas restrições de recursos», sugerindo assim, implicitamente, que este sector tem sido poupado aos sacrifícios. Nada mais falso, evidentemente: não só a componente relativa às transferências do OE para o ensino superior tem diminuído sistematicamente nos últimos anos, como o seu peso relativo, no orçamento das instituições, é cada vez menor.
Estamos a falar, bem se sabe, de um sector reconhecido pela boa gestão de dinheiros públicos e no qual a questão do sobredimensionamento face à procura não se coloca. Ou seja, de uma área onde a converseta das «gorduras e da ineficiência do Estado» é igualmente fraudulenta e não faz qualquer sentido. Recordemo-nos: não era esse o fundamento para os cortes no Estado e nas políticas sociais públicas? Era, eleitoralmente era. Mas passou-se, num pestanejar de olhos, dos supostos «cortes das gorduras» e do «combate à ineficiência» do Estado (nunca demonstradas, aliás), para os cortes «porque sim». Isto é, para os cortes sem justificação decente e que não visam senão saciar - como se de um caso de toxicodependência se tratasse - a voragem infinita que a austeridade intrinsecamente gera (sobretudo quando aplicada «além da troika»).

14 comentários:

Jose disse...

Sendo o tema a dívida, esperar-se-ia que após tantas queixinhas não terminasse por uma sentença não explicada: «a voragem infinita que a austeridade intrinsecamente gera».
Intrínsecamente o que se diz é que, se anulada a dícida, tudo ficaria bem se a pudessemos reconstituir, paulatinamente, por mais uns trinta anos muito progressistas...

Anónimo disse...

ATENÇÃO ESTA A FOMAR-SE UM GRANDE GRUPO DE JOVENS E NÃO SÓ NO FACEBOOK PARA VOTAR NA ESQUERDA ,DESEMPREGADOS ,REFORMADOS E MILHARES DE OUTROS QUE NÃO ESTÃO CONTENTES COM AS PLITICAS FASCISTAS DESTA DIREITA "QUANDO VOTARES VOTA ESQUERDA " E JA ESTÁ EM ANDAMENTO ,QUEREMOS DERROTAR A DIREITA NEOLIBERAL COM TIQUES FASCISTAS , A ESQUERDA VENCERÁ !!!

Daniel Ferreira disse...

Peço que educadamente contraponham, tal como eu sou educado nos comentários:

"Maria Luís Albuquerque decide desafiar os partidos da oposição a apresentar «soluções estruturadas» no âmbito de um «debate sobre a dívida», a ter lugar no Parlamento.
Fica a interrogação: a que se deverá esta vontade súbita de «ouvir soluções»?" - não vejo este desafio como um reconhecimento de divida descontrolada: é reconhecer sim que a divida existe (mesmo que de forma controlada), e tem que ser resolvida. Porque as dividas são para ser pagas, não geridas

"(...)as virtudes prodigiosas da austeridade expansionista (...), levariam a economia a florescer de forma súbita e espontânea, numa explosão de emprego e competitividade" - quem disse isso? Eu fiquei com ideia que sempre se admitiu que era situação para durar anos, mais que uma legislatura, coisa que a esquerda não quer aceitar.
Mais "(...)para a ministra das Finanças, devemos ficar simplesmente à espera(...)" não, ela lançou um desafio para ideias, isto não é ficar à espera.

Sobre o ensino superior "Estamos a falar, bem se sabe, de um sector reconhecido pela boa gestão de dinheiros públicos e no qual a questão do sobredimensionamento face à procura não se coloca" - isto é novidade: cursos sobredimensionados sem qualquer procura, universidade públicas em roda livre de despesismo e contratação sem critérios, gestão altamente burocratica em nada facilitadora de quem, por exemplo, é trabalhador-estudante, relatórios de contas sem supervisão, leis próprias de quem se recusa a sujeitar-se às leis básicas do país.

L. Rodrigues disse...

Daniel Ferreira:
A ministra não sabe "nem quando nem como" "chegará o ciclo de crescimento". Isso é quanto a mim argumentação suficiente.
Não "saber como" é evidência de descontrolo da dívida já que ela tem crescido apesar de todos os sacrifícios alegadamente a sanariam.

Lançar um desafio para ideias neste quadro é um testemunho de preconceito ideológico absoluto. Desde que começou a crise não falta quem diga, cá dentro e lá fora, o que está errado, e adiante o que seria certo. É claro que as melhores soluções implicam rasgar cartilhas ideológicas e provavelmente uns quantos tratados. Isso não entra sequer em certas cabeças. Que acreditam que a terra é plana, provavelmente.

Jose disse...

«...ela tem crescido apesar de todos os sacrifícios alegadamente a sanariam.»
Há défice há dívida - qual a dúvida?
Os sacrifífios alegados não foram alcançados: nem pensões nem funcionários públicos tiveram o tratamento adequado - uns são aos milhões de beneficiados, os outros às centenas de milhares de priveligiados com direito a emprego para a vida.
Veremos o que virá a seguir.

Anónimo disse...

Uma sugestão séria:

Que jose leia de novo e se necessário uma outra vez.
E depois verifique que a "a voragem infinita que a austeridade intrinsecamente gera" está de facto mais bem explicada do que jose assume.

E muitíssimo mais do que o último parágrafo do mesmo jose, que vendo de forma objectiva e fria, não passa dum não explicado...slogan

De

Diogo disse...

Não haverá uma alminha entre os autores deste blogue (eu sei que há um) que não se questione: Isto é uma dívida de quê? Nas faculdades de economia que frequentaram não vos incentivaram a pensar, só a encornar os canhanhos dos clássicos? Os «economistas» (honestos) têm vindo continuamente a cair na minha consideração... Cada vez me convenço mais de que vocês não percebem nada de nada: nem de economia,nem de finanças, nem de política, nem da vida real. Parecem navegar em nebulosas que não têm qualquer contacto com este mundo. Just shadows using expensive words to say nothing.

Anónimo disse...

Queres ver que o artigo do Nuno Serra fez acordar os "mágicos" neo-qualquer coisa ?
Eles até falam estrangeiro carago. Eles é que sabem, eles é que pensam eles são os verdadeiros presidentes da junta saídos directamente da casa dos segredos.

Anónimo disse...

Mais uma vez não pode passar este expoente de pensamento ultramontano Cite-se ipsis verbis:

"nem pensões nem funcionários públicos tiveram o tratamento adequado - uns são aos milhões de beneficiados, os outros às centenas de milhares de priveligiados com direito a emprego para a vida."

Esqueça-se as agressões à língua-mãe e atente-se nas verdadeiras barbaridades daquela frase.

Ou de como as pensões são vistas por alguns como benefícios a serem gozados espuriamente por "beneficiados". E os funcionários públicos são considerados como o eram outrora os judeus nos primórdios do nazismo...uns "privilegiados"

Voltámos atrás quantos anos?

De

Jose disse...

Atente-se como DE, comuna do mais miserável, apela aos nazis e outros fantasmas congéneres para apelar à tolerância pela sua inconsequente indigência ideológica.

Anónimo disse...

Talvez fosse melhor o sr jose ler de novo o texto e verificar que a sua interpretação deste meu ultimo comentário está mos antípodas do que se escreve.

Nem vale a pena referir o "comuna miserável", termo que levanta muitas dúvidas. Vale a pena sim serenamente ver que não há nenhum apelo a nazis. Perfeitamente nos antipodas de coisas destas.

O espanto permanece da forma como alguém consegue dizer as barbaridades sobre pensionistas e os anátemas sobre funcionários públicos. Tal como eram apontados os judeus nos inícios do nazismo, como responsáveis pelos males da sociedade alemã.
Depois partiu-se para a "resolução do problema" nos idos tempos de 1933-1945.

Daí que permaneça em nebulosa intrigante esta frase tão característica e vou citá-la , do mesmo sr jose:
"nem pensões nem funcionários públicos tiveram o tratamento adequado !"

"O tratamento adequado" ?
Pois

De

Jose disse...

Atente-se que não foi publicado que atentava na indigência ideológica de DE!

Jose disse...

'Adequado' para DE é seguramente fazer desaparecer quem se lhe oponha, e o modelo nazi sempre o tem presente.
Adequado é que as pensões sejam a capitalização dos descontos e que para além disso seja assistencialismo e não esta mascarada de 'direitos' e 'roubos'.
E se a maior corrupção promovida pelos políticos é comprar votos e prometer empregos, a que propósito é que estes vão com o privilégio de irrevugáveis?

meirelesportuense disse...

Não se esqueçam do relógio do Portas!...Não sei em que relojoaria mora agora, mas que foi-lhe dada corda em data bem assinalada, lá isso é verdade, quando terminará a contagem -se não terminou já- ninguém sabe...