domingo, 3 de agosto de 2014

A «parte sã», «o problema» e o risco moral do Estado Social

«Ainda José Sócrates resistia à ideia de negociar um empréstimo com a troika, como a Grécia e a Irlanda tinham feito, em 2010, quando o Governador Carlos Costa chamou os principais banqueiros portugueses, ao terceiro piso da sede do Banco de Portugal, na Rua do Comércio, número 148.
No dia 4 de Abril de 2011, pelas 10h30 da manhã, Carlos Costa (...) aconselha os banqueiros: "Vocês não podem continuar a financiar [as emissões de dívida pública portuguesa]. O risco é afundarem-se os bancos, a parte sã, e a República, que é a parte que criou o problema". Era esta a visão do regulador do sistema bancário: os bancos eram a "parte sã", a República "o problema".
Vale a pena dar um salto no tempo, para o mesmo local, e ouvir o que tem, hoje, a dizer sobre "o problema" (...) o ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar: "Excesso de crescimento do crédito e da dívida privada; a persistência no défice orçamental excessivo; a exagerada transferência de recursos para sectores de bens não transaccionáveis; a diminuição da concorrência; a procura de rendas em sectores regulados e protegidos."
Nesta perspectiva, temos, então, cinco causas para o problema. Mas apenas uma delas, a segunda, (...) pode ser atribuída à República. E as outras? (...) Gaspar não o diz, mas (...) todas essas causas do problema nascem, precisamente, da "parte sã", como Carlos Costa apelidou os bancos.»

Paulo Pena, Jogos de Poder (pág. 15-16)

«Em 2008 Jardim Gonçalves era julgado em praça pública e, felizmente, na justiça, por vários crimes económicos. (...) Jorge Jardim Gonçalves era, à data, o último banqueiro que era preciso julgar para que o sistema financeiro pudesse, finalmente, voltar ao normal. (...) Em 2008 explodia o caso BPN, banco da confiança de altos quadros do PSD, entre eles Cavaco Silva. (...) José Oliveira e Costa era, à data, o último banqueiro que era preciso julgar para que o sistema financeiro pudesse, finalmente, voltar ao normal. (...) Meses depois, descobrimos o BPP. (...) João Rendeiro era, à data, o último banqueiro que era preciso julgar para que o sistema financeiro pudesse, finalmente, voltar ao normal.
(...) A administração Salgado, ontem destacada pela academia, respeitada pela comunicação social e sempre muito bem relacionada com o Estado, tornou-se no último bode expiatório. Onde esteve então a troika, que nos últimos três anos se ingeriu em todas as decisões democráticas do país, comentou e criticou cada direito laboral, cada nível salarial, sem nunca ter reparado nas imparidades que se avolumavam no GES/BES? (...) Ricardo Salgado é, hoje, o último banqueiro que é preciso julgar para que o sistema bancário possa, finalmente, voltar ao normal. Jorge, José, João e Ricardo. Todos foram os últimos a cair para que tudo pudesse ficar na mesma.
»

Mariana Mortágua, Ricardo Salgado, o último banqueiro?

«Não passa uma semana sem que se ouça alguém argumentar que a generosidade do Estado social comporta um risco moral, na medida em que dá incentivos perversos aos seus beneficiários. Os pobres encostam-se ao rendimento mínimo e os desempregados ao subsídio de desemprego, alimentando uma cultura de dependência com efeitos perversos para o conjunto da sociedade. Curiosamente, os mesmos que se apressam a falar de risco moral associado ao Estado social não aplicam a mesma bitola ao comportamento de banqueiros.
É sintomático e vale a pena colocar a questão em perspetiva. Portugal gasta hoje, por ano, com o RSI, perto de 300 milhões de euros, que servem para atenuar a pobreza de quase 250 mil portugueses; já com o subsídio de desemprego gastamos 2 mil milhões de euros, para cerca de 300 mil beneficiários. Agora comparem com o que temos tido de pagar para compensar os comportamentos moralmente inaceitáveis de muitos banqueiros. E, com o que se vai sabendo do universo BES, o futuro anuncia-se, a este propósito, muito sombrio.
(...) Há, contudo, boas razões para acreditar que a explicação para os escândalos é bem profunda e não resulta apenas da ação de uns quantos banqueiros, mas, sim, dos incentivos dados por uma cultura institucional que promove comportamentos moralmente inaceitáveis. O verdadeiro risco sistémico está no quadro organizacional e de regulação do sistema bancário. (...) Enquanto andámos entretidos na Europa a promover as miríficas reformas estruturais, que iriam devolver a competitividade às economias, ou a restaurar os Estados sociais, fomo-nos esquecendo onde estava o epicentro da crise. No sistema financeiro.»

Pedro Adão e Silva, Risco moral

12 comentários:

Anónimo disse...

Quem não se lembra de vozes dúbias, profundamente vinculadas ao poder económico a defenderem de néscia forma a "razão dos bancos" e a moral da banca?

O que lhes resta senão tentar tapar o sol com a peneira?
E de que formas?

De

Jose disse...

« Excesso de crescimento do crédito e da dívida privada,…» dissociar este problema das políticas públicas de habitação (lei das rendas, bonificação de juros) e infraestruturas (PPP’s, swaps,…) diz o suficiente sobre a qualidade do opinador.

Jose disse...

Todos os eram bancários, proletários a subir na vida à custa dos accionistas, e sobre a protecção do artº 35º do CSC e demais direitos e garantias para a irrespobsabilidade.
Os Espírito Santo eram os únicos banqueiros, e tudo aponta para que, depois de toubados, tenham passado a bancários.

Jose disse...

«…os incentivos dados por uma cultura institucional que promove comportamentos moralmente inaceitáveis.»
Verdadeiro « … epicentro da crise».
O padrão moral que é proposto para os miseráveis apropriado pelos poderosos!
Assim se promove a coesão moral da Nação...

Anónimo disse...

Confirmou-se o primeiro comentário.
Tapar o sol com a peneira.Eis a confirmação sem margem para dúvidas nos escritos do sr jose

Mas será que JgMenos / Jose mudou de opinião sobre Vitor gaspar?

Ou será que a pressa e ou a irritação e ou a força dos escritos postados fizeram o sr jose não compreender que quem disse a frase citada foi...vitor gaspar?

Lol

Aquele vitor gaspar tão saudado e tão bajulado pelo mesmo jose / jgMenos que até proferiu uma ode funebre na saída do capataz da trioka do governo

É a qualidade do opinador então não é?
Perdão.Dos opinadores

De

Anónimo disse...

Já por bastas vezes se disse que os factos são uma coisa terrível para a horda neoliberal.

Não deixa de ser rísivel ver o porfiado esforço do sr jose na defesa dos néscios e putridos banqueiros, agora tornados veja-se bem "bancários" e "proletários"à laia de desculpa do modelo que defende (e de que recebe as respectivas rendas?)

Tal como é patético o "choro de baba e ranho" na vã tentativa de desculpabilização do seu idolo ricardo salgado que afinal parece que só se tornou "bancário" depois de ter sido "roubado".

Coitado do salgado que foi levado a tornar-se proletario após ter sido vítima de.

É demasiado não?

Agora os pontos nos is:
"Depois de quatro anos de pesada austeridade e de ameaça de mais uns quantos, depois do que já se passou não apenas com o BPN e o BPP, mas também com o BANIF, o BCP e o BPI, a falência do BES e o seu regate pelo Estado à custa do contribuinte (digam eles o que disserem é isso o que vai acontecer se o Estado intervier, qualquer que seja o meio), pelos montantes que envolve e pela repercussão que tudo isso acabará por ter na economia nacional, constituirão um profundo golpe que o país não está em condições de suportar por mais que o Governo atenue com palavras mansas o que se prepara para fazer. Haverá a partir daqui um antes e um depois e nunca mais nada será como dantes. As consequências serão imprevisíveis mas não será ousado afirmar que é o próprio regime político que acabará por ser posto em causa pelo colapso e consequente resgate do BES."
JM Correia Pinto

De

Anónimo disse...

Quanto ao epicentro da crise...

Lastima-se mas aconselha-se que o sr jose leia de novo o escrito e não tente fazer recortes e colagens para deturpar o que é dito.E sobretudo quando o que está em causa é esconder o papel do sistema financeiro e do capitalismo que o sr jose venera.

A questão não está em "comportamentos morais" vagos e utilizados pelo governo e seus militantes empenhados. Ou pelos discursos "moralistas" dos detentores do poder económico que acabam por ruir quando se estudam mais detalhadamente tais "missas", como o texto aqui postado no Ladrões o faz.

O problema tem mesmo a ver com quem explora e com quem é explorado.

Ou seja ." A coesão moral da nação"de que fala o sr jose parece vinda do corporativismo manhoso das sebentas dos fascismos derrotados ( agora em vias de se reerguer).
Não há coesão moral entre tipos como relvas, ou como cavaco ou como portas ou como ricardo salgado ou como dias loureiro ou como vitor constâncio ou como carlos costa ou como maria albuquerque e os que trabalham honestamente, vivem do produto do seu trabalho e vêm-se roubados quotidianamente pelo governo troikista, pela elite do poder e pelo patronato ávido de mais lucro

De

Jose disse...

Estrebucha, esbaralha-se e acaba sempre refugiada por trás das barbas do Tio Marx, no conforto desse século XIX, ainda assim visto a preto-e-branco sem tonalidades que perturbem espíritos débeis.

Anónimo disse...

("Estrebucha e esbaralha-se" deve ser uma auto-crítica involuntária da "qualidade de opinador" do Vitor gaspar.
Está certo.Os "espíritos débeis" são assim)

Adiante.Passemos a coisas substantivas:
"Não nos parece sério querer colocar a religião ao serviço de doutrinas económicas iníquas, mas esta sempre foi a intenção das oligarquias. O seu pensamento nesta matéria é exemplarmente desvendado por Voltaire: "Meu amigo, acredito tão pouco como tu nas penas eternas, mas é bom que a tua criada, o teu alfaiate e até o teu procurador, acreditem nelas."

A forma mais eficaz que os oligarcas e seus defensores encontraram para controlar os povos, foi apresentar os seus interesses privados quer em termos morais quer baseados numa pseudo ciência económica. É a forma de iludirem os "termos colectivos" e fugir à realidade. Considera então que o principal problema da economia no século XXI é a moral: "o que falta é um padrão moral como aquele que a religião impôs às sociedades".

Preocupado com os "padrões morais" o sr. Vítor Bento fala que "uma sociedade não pode funcionar assim". Era de supor que se referisse aos banqueiros fraudulentos, às suas ilegalidades, aos paraísos fiscais, aos contratos leoninos das PPP, à extorsão financeira dos SWAP, etc. Mas não, pelo exemplo dado, o problema são os borlistas nos transportes públicos… Está, assim, plenamente justificada a sua ida para o BES!

O refúgio em "valores", entendidos como moral individual, tem sido de facto um álibi para a direita e a extrema-direita. As contradições deixariam de pertencer à realidade objectiva sendo explicados por factores subjectivos. E isto tanto mais, quanto mais se verifica a corrupção, a fraude: "uma classe cleptocrática tomou conta da economia".

É este capitalismo corrupto, infiltrado pelo crime organizado em conluio com a finança, que se pretende regenerar com pregação moral…Moral que a UE reduz à baixeza mais vil ao propor que se introduzam no PIB (por estimativa) as actividades dos tráficos e crueldades do crime organizado. Afinal, os "valores" que contam são apenas os do dinheiro."

Daniel Vaz de Carvalho:
A degradação ideológica da direita: três componentes

De

Anónimo disse...

Mais um fragmento do texto acima citado:

"Quando se afirma que o "Estado Social tem de ser associado às disponibilidades que o Estado tem", está a dizer-se que as prioridades são as da especulação e da agiotagem fomentada e protegida pelo BCE. Porém, que "disponibilidades" existem ou se criam quando o Estado deixa fugir a riqueza criada no país para paraísos fiscais e entrega ao desbarato a grupos privados empresas públicas lucrativas?

Que padrão moral existe num sistema que apela ao consumismo como virtude e vive disso, para depois condenar à austeridade povos que alegadamente teriam cedido aos seus apelos? Eis como o solipsismo remete as questões sociais para a moral individual. Santo Antão resistiu às tentações do demónio, mas era santo…

Para a direita a "ciência económica só existe enquanto "economia de mercado". Rotundo disparate. O que será "economia de mercado"? O neoliberalismo ou capitalismo keynesiano de economia planeada? O termo mercado refere-se a realidades muito diversas: mercado das MPME, mercado mono e oligopolista, mercado globalizado das transnacionais. Em socialismo há mercado. Ignora-se que a economia moderna é pela sua complexidade planificada. Sê-lo-á pelo Estado em função de custos e benefícios sociais ou pelo grande capital em função dos seus exclusivos interesses.

"Economia de mercado" foi a que Pinochet e outros criminosos que os EUA promoveram na América Latina: "Ninguém fez mais que Pinochet e os seus conselheiros para demonstrar a superioridade da economia de mercado"

Michael Hudson recorda-nos que no Chile a chamada escola de Chicago verificou que para impor o "mercado livre" controlado pelos bancos era necessário controlar a imprensa, o sistema educativo, e neutralizar a oposição. Sindicalistas, jornalistas, professores, juntamente com outros democratas, foram assassinados por toda a América Latina e mesmo nos EUA por se oporem à rapina da oligarquia financeira e à teoria económica que racionaliza estes métodos.

"No Chile de Pinochet os monetaristas da escola de Chicago mostraram a sua intolerância intelectual ao fecharem todos os departamentos de economia e ciências sociais excepto na Universidade Católica onde regeram inquestionados"

As intervenções do ministro da "solidariedade social", Mota Soares, assemelham-se a delírios retóricos, enquanto a pobreza não cessa de aumentar. A política liberal é oposta à redistribuição de rendimento. O liberalismo no século XIX, como no século XXI, só trouxe pobreza e desigualdades crescentes. As leis de protecção aos pobres que existiam na Inglaterra desde o século XVI foram revogadas pelo capitalismo triunfante.

A melhoria das condições de vida foi arrancada a ferro e sangue pela luta dos trabalhadores, pelo sacrifício das vidas de tantos heróis anónimos que lutaram contra o arbítrio dos poderosos. Contra o que agora se pretende repor a coberto de hipotéticos "ajustamentos orçamentais".

O neoliberalismo conduz os países à estagnação, ao desemprego, à austeridade "ad eterno". A sua política laboral centra-se na total dependência do trabalhador em relação ao patronato, promovendo o contrato individual de trabalho, procurando anular a contratação colectiva, esteio do progresso social e também económico, direito conquistado pelos trabalhadores já antes do 25 de ABRIL,

O neoliberalismo, é na realidade um neofascismo. Pode pregar-se moral e religião, mas ignora-se um sistema iníquo que produz 30 milhões de pessoas em condições de escravatura, segundo o "Global Slavery Index 2013". Em nenhuma época histórica existiram tantos escravos no mundo, esta a realidade do capitalismo global. "

A degradação ideológica da direita: três componentes (1)
por Daniel Vaz de Carvalho

(De)

Aleixo disse...

Ele é o Jardim Gonçalves...o Oliveira e Costa...o João Rendeiro...o Ricardo Salgado...???...???...

isto, na Banca mas,

também temos...

o Guterres...O Durão Barroso...o Santana Lopes...o Sócrates...o Passos...???...???...

...de uma maneira ou outra,

vai-se "fulanizando a coisa", para entreter a populaça e...

entretanto...!!!

Anónimo disse...

https://www.youtube.com/watch?v=eLyfeo9iGgM

Abraços
Francisco Oneto