quarta-feira, 22 de setembro de 2010

John Maynard Keynes


Excertos da recensão ao livro "John Maynard Keynes", de Paul Davidson, que publiquei no Le Monde Diplomatique (edição portuguesa) deste mês.

A crise financeira de 2007-2010 revelou as fragilidades do pensamento económico dominante na academia e nos círculos políticos. A hegemónica teoria neoclássica, assente nos postulados da eficiência dos mercados, não conseguiu prever a crise, não a soube explicar, nem, consequentemente, apresentar prescrições políticas para debelar os seus efeitos. A crise teria sido um «cisne negro», provocado pela ganância e ilegalidades de uns quantos banqueiros. Assistimos, nos primeiros meses de crise, e face à urgência de não se cair numa nova «grande depressão», à recuperação das políticas monetárias (redução das taxas de juro e injecção de liquidez) e orçamentais (aumento dos défices públicos). Estas políticas pareciam simbolizar a recuperação das propostas do mais influente economista do século XX, John Maynard Keynes.(…)

Neste âmbito, a obra publicada pela Actual Editora sobre a vida e obra de Keynes pelo, provavelmente, mais destacado economista pós-keynesiano vivo, Paul Davidson, é muito significativa. Esta obra destaca-se por fornecer uma excelente síntese do pensamento de Keynes, colocando-o em confronto quer com o pensamento clássico, hegemónico durante a vida do economista, quer com a subsequente síntese dita keynesiana nascida do trabalho de Paul Samuelson, que conta, na sua versão contemporânea, «neo», com alguns dos mais conhecidos economistas da actualidade, como Paul Krugman ou Joseph Stiglitz.

Conceitos-chave do pensamento, como o de incerteza radical, procura agregada, preferên¬cia pela liquidez ou socialização do investimento, são explicados em pormenor e à luz não só da luta das ideias na teoria económica, mas recorrendo a inúmeros exemplos da economia real das últimas décadas. (…)

As prescrições políticas advogadas por Keynes e pelos seus seguidores pós-keynesianos − Abba Lerner, Hyman Minsky ou John Kenneth Galbraith − para uma maior regulação dos mercados financeiros, intervenção pública na estabilização do ciclo económico e promoção do pleno emprego ou a regulação pública internacional dos fluxos internacionais de bens e capitais surgem aqui com uma robustez teórica cuja derrota no campo político só se pode dever à marginalidade a que foram condenadas na academia.

Num mundo onde o keynesianismo é tão rapidamente proclamado como consensual (em 2008), como atirado para o caixote do lixo das ideias (vejam-se as contracíclicas medidas de austeridade impostas um pouco por todo o mundo como eloquente exemplo), Paul Davidson fornece um exaustivo mapa para o mais importante pensamento económico do século XX, mostrando habilmente como este foi apropriado e abastardado teórica e politicamente nos últimos 60 anos. Em suma, Davidson mostra, sem sectarismos, como ao contrário do que diz a afirmação que se atribui a Richard Nixon no início dos anos 70, não somos, nem nunca fomos, todos keynesianos. (…)

5 comentários:

Eduardo disse...

Este texto é muito desonesto. Sim, a crise foi abundantemente prevista por economistas que defendiam um sistema mais liberal. A crise foi provocada por um intervencionismo estatal de taxas de juro artificialmente baixas e fixadas fora dos critérios do mercado. Um economista deve saber isso.

Eduardo disse...

Ou não me diga que não sabe que a crise foi prevista?!

Eduardo disse...

E que as taxas de juro fixadas pelo Fed não eram as que correspondiam às da oferta e da procura nos mercados financeiros?!

Nuno Teles disse...

Caro Eduardo,

Ver a crise financeira só pelas taxas de juro é, no mínimo, uma visão limitada. A prova está nas baixas taxas do pós-guerra praticadas pelo Fed (num gráfico encontrado através de uma busca no google):

http://4.bp.blogspot.com/_weY0v94Mq8M/TCavsKvzDrI/AAAAAAAAALg/mZPwXlOuiA4/s1600/fed_funds_rate.png

Qual foi a diferença? Regulação financeira, a começar pelo Bretton Woods.

Normalmente, quem tem esta perspectiva estreita da política monetária está há três anos a clamar pela enorme inflação que aí vem. Vê-se...

Eduardo disse...

Nuno Teles, quem é que manda no Fed? Quem decidiu criar bancos para fazer hipotecas? É ou não verdade que a crise foi prevista?