quarta-feira, 27 de maio de 2009

Um governo anacrónico

A propósito das recentes provas de aferição, o Ministério da Educação pôs à
disposição dos professores um manual de instruções sobre como devem proceder nas referidas provas. O grau de detalhe chega a roçar o patético, de tão óbvio. Estas instruções evidenciam ainda que o governo lida de forma anacrónica e jacobina com os quadros superiores da administração: os professores não devem “decorar as instruções ou interpretá-las, mas antes lê-las exactamente como lhes são apresentadas”. Por tudo isso, dizia Manuel Carvalho (PÚBLICO, 23/5/09), “os professores recebem um manual (…) que os coloca uns furos abaixo da indigência mental.”

Numa sociedade moderna, seja ao nível das empresas, seja ao nível da administração, espera-se que os quadros superiores detenham elevados níveis de autonomia e de responsabilidade, e sejam depois avaliados e responsabilizados pela sua actuação, nunca que sejam meros executantes de ordens vindas de cima (de burocratas e políticos iluminados, subentende-se…). Mas estes anacronismo e jacobinismo espelham bem a forma hierárquica, tutelar e policial como este governo demasiadas vezes se relaciona com os profissionais mais bem qualificados da administração.

Aliás, tem sido assim também no ensino superior, onde a tutela não só não consegue entender-se com os reitores e com os professores, como é ela própria a estabelecer acordos entre as universidades portuguesas e estrangeiras, como se as primeiras e os seus profissionais não fossem capazes de o fazer por si sem a tutela orientadora de um Ministério iluminado.

Acumulam-se pois os indícios de que, com este governo, a modernização da administração poderá não passar de uma pura falácia com intuitos meramente economicistas e que, na melhor das hipóteses, estas actuações poderão trazer até algumas poupanças no curto prazo, mas trarão com certeza elevadíssimos custos (no moral dos profissionais e na eficácia da sua actuação) no médio e longo prazo.

Excertos do meu último artigo no Público, 25/5/2009: "Notas soltas".

7 comentários:

Fábio disse...

Sim, o Manual é uma bela auto-caricatura da indigência da 5 de Outubro. Há, também, a tese "conspirativa" que José Gil ("Em busca da identidade") indica: o Ministério quer levar milhares de professores a desistirem da profissão.

Anónimo disse...

Anacronismo e jacobinismo é no que está mergulhado o sistema de ensino em portugal á 30 anos. Este governo, e bem, abanou a arvore da mediocridade.
Tratam os professores como atrasados mentais? Ainda bem. É o que merece gente mediocre que não quer ser avalidada e que nem falar sabe.

Anónimo disse...

"espelham bem a forma hierárquica, tutelar e policial como este governo demasiadas vezes se relaciona com os profissionais mais bem qualificados da administração."

E esta frase espelha bem o que é uma sociedade que não gosta de andar na ordem. Vê autoritarismo em tudo sem saber o que isso é.

Dias disse...

“Numa sociedade moderna, seja ao nível das empresas, seja ao nível da administração, espera-se que os quadros superiores detenham elevados níveis de autonomia e de responsabilidade, e sejam depois avaliados e responsabilizados pela sua actuação, nunca que sejam meros executantes de ordens vindas de cima”.

Há muita gente, quer gestor ou dirigente, quer dirigido ou gerido, que não sabe interpretar esta maneira de estar e de viver. Aí, a cadeia de consequências acontece, provocando enormes perdas de energia…Ao contrário, há sectores e empresas que já o perceberam.

Falemos em concreto num tema que se tornou premente: a famigerada avaliação. É óbvio que tem que haver avaliação. Mas tem que haver transparência e justiça, com regras de jogo objectivas.
Todos têm que compreender e sentir porquê o profissional A é repreendido ou punido ao ter “beneficiado” de uma baixa fraudulenta, ou como B é de facto excelente…
O ataque às diversas classes profissionais, a generalização abusiva que foi feita, manchando o brio profissional de TODOS, é uma nódoa negra desta governação.

As coisas não se fazem assim!
Tudo este propagandear da excelência tem pouco valor enquanto as pessoas continuarem a sentir que não são avaliados pela sua actuação, ou que as regras constam só no papel…

C. disse...

Caro Professor André Freire,
Se a modernização da administração não passasse "de uma pura falácia com intuitos meramente economicistas" já seria preocupante, mas ainda assim não tanto como aquilo que estamos a ver. Subjacente a este ímpeto reformista está - antes de mais - o desejo de efectuar a maior purga de que há memória em Portugal, em nada comparável com os tímidos saneamentos dos tempos do PREC. A liderança neo-fascista deste país quer uma admnistração pública restrita a boys and girls, controlável, subservientemente grata e absolutamente canina.
Talvez por ainda não ter chegado à Academia, não saberá o prezado Professor do clima de terror em que vivem todos os serviços públicos, desde a Junta da Freguesia às secretarias dos ministérios.
No meio disto tudo, posso dizer-lhe que - apesar de tanta malfeitoria - o Ministério da Educação ainda é dos que trata menos mal os seus funcionários e ainda que a indignação dos professores seja absolutamente legítima, ela relaciona-se com questões muitíssimo menos graves do que as que se passam na esmagadora maioria dos serviços públicos. Infelizmente, devido à sua autonomia e "distância" do patrão/chefe, os profs são os únicos que se podem manifestar sem receio de fortíssimas represálias.
Foi pena que estes mesmos profs, que enchem avenidas em desfiles, nunca antes estivessem disponíveis para participar nas dezenas de greves e acções de protesto que os restantes funcionários públicos faziam. Sempre foram demasiado "amarelos", contribuindo - pela inacção - para que o estado das coisas aqui chegasse.
Recordam o poema de Brecht, que falava de algue´m que nunca quis saber dos outros quando eram perseguidos e, entretanto, quando chegou a sua vez, não havia ninguém que o defendesse.

Esta reforma é muito mais do que uma preocupação economicista. Ela tem um filosofia neo-fascista subjacente, de "criação do homem novo", fundado nas aparências, no delírio do marketing, nos gostos e delírios de Sua Excelência O Grande Líder, licenciado ao domingo e guindado ao topo através de caminhos ínvios e do contributo de seitas obscuras.
Este é novo tempo em que a forma se assume - ela mesma - como a verdadeira substância.
E não se arrisque em falar de cultura e do conhecimento, senão mandam-lhe logo com uma Fundação para cima!

MAD ed! disse...

não sou professor.
sou mais um dos tratados como atrasados mentais.
sei que algo está errado.
sei que já não escolhemos, cumprimos.
sei que já não sabemos, sonhamos.
sei que alguns são culpados.
sei que outros não fazem nada.
sei muito para nada.
sei que todos sabem.
sei que uns sabem mais.

mas o que melhor sei é que qualquer dia não há bicicletas para roubar...

força para todos!

croky disse...

"A liderança neo-fascista deste país quer uma admnistração pública restrita a boys and girls, controlável, subservientemente grata e absolutamente canina."

Só os cães têm dono ! Nenhum deles entrará no templo do senhor ...

Mas frases feitas e profecias aparte. A revolução de 75 só serviu para ganhar liberdade de expressão. Emendou-se a Constituição aqui e ali. O código civil ainda menos. E aqui temos mais 35 anos do mesmo cocktail de antigamente... e a dizer o que nos dá na gana!

Como haveremos de evoluir num sistema obsoleto ? Liberdade de expressão não basta. Os nossos pais falharam no mais importante: Educar um geração capaz de mudar o paradigma de pobreza e de fazer do conhecimento a sua principal arma.

Conhecimento, lol. Hoje em dia conhecimento significa ter dinheiro, casar, comprar carro, uma casa , ter 1.5 filhos e férias do verão na praia. Patético ...