segunda-feira, 4 de maio de 2009

Gastar, gastar e gastar...

«Eu sou a favor de défices baixos, mas nesta altura quando é preciso reanimar a economia parece-me razoável» (José Silva Lopes). Um «economista antigo», com quem aqui estamos muitas vezes em desacordo, sabe que a palavra razoável não vem nos manuais de economia ortodoxa, mas também sabe que há poucas palavras que melhor sirvam para as economias realmente existentes. Os défices baixos são uma consequência do bom desempenho económico e os défices altos uma consequência de uma recessão aguda. Os défices são uma variável de ajustamento. O seu crescimento mais ou menos deliberado pode evitar desastres maiores, por exemplo, na área do emprego. Nos tempos de Cavaco (esse paladino do «rigor orçamental»), os défices públicos atingiram uma média de 5,7% (7,1% na crise de 1993).

Quem é que transformou o défice no objectivo último da política económica? Agora que os défices dos países da UE atingem, em média, os 6% do PIB, onde fica o Pacto de Estabilidade e Crescimento? Será que a Comissão vai processar toda a gente por não cumprir um «pacto estúpido» (Romano Prodi)? Enfim, valem-nos os economistas que defenderam a privatização da CGD e da Segurança Social: «Permanece uma obstinação no gastar, gastar e gastar» diz o inenarrável António Borges ao Jornal de Negócios, à margem de uma conferência sobre «responsabilidade social» (deve ser uma piada…). Populismo de mercado no seu melhor.

Em que mundo é que vive esta gente? Será que ainda não perceberam a natureza da crise? Sigamos os seus conselhos. Com a receita fiscal a diminuir e as despesa a aumentar (efeitos inevitáveis da crise), Borges propõe o quê? Que o governo corte nas despesas públicas? No investimento público? Isto num contexto de uma crise de procura sem precedentes daria certamente bons resultados. Adicionar crise à crise.

O que fazer? Aumentar a protecção social, o emprego público na satisfação das necessidades sociais e acelerar a reconversão ecológica das economias. Deve ser a isto que Borges chama «gastar, gastar e gastar». Só um empregador, um investidor e um comprador de última instância, só os poderes públicos coordenados à escala europeia, é que nos podem tirar da crise. A UE tem de abrir rapidamente os cordões à bolsa. E, entretanto, convém não esquecer que o sistema financeiro dos principais países europeus está, segundo Wolfgang Munchau do FT, praticamente falido. É o que dá dar rédea solta aos Borges desta vida. Agora com responsabilidade social…Enfim, a especulação paga-se cara. A solução decente passa pela nacionalização e reestruturação do sistema financeiro. Um regresso ao futuro. É a única forma de evitar mais de uma década perdida à japonesa…

6 comentários:

Luís disse...

Bem; como tou com pressa, só alguns apontamentos.


Ainda vai chegar o dia e os economistas aqui do fórum organizam um seminário, eu diria melhor, uma workshop!, sobre DESPESA! Porque é um conceito crítico,

pq se lhe perguntares, àquela ruiva de olhos azuis, o que andou a fazer hoje à tarde:

ela diz! gastei! fui às compras! fiz uso do carro eléctrico q o papá me deu!; estacionei num parque daqueles geridos pelos amigos do Presidente Costa; pedi poucos embrulhos, pouco pensei na Amazónia a desaparecer; e bebi o meu suco, ao lanche através de uma palhinha ecológica.!


Claro, meu queridos,
enquanto o papá sustentar;
não há-de fazer outra coisa senão gastar!

Papá, papá! Para o ano vou para Londres aprender Bioquímica - linda menina, deixa desgraçados morrer à fome! segue a tua vida!
Já trataste do papéis?


E Sócrates gania aos 80 anos... eu que não me fartei de gastar, gastar, gastar...
que foi feito de tanto gasto?
Inda não perceberam? Q a sola gasta? E qd "esta sola vai à vida é preciso haver guita para comprar uma nova?" Porquê? Porque a velha tá gasta; já não serve; e assim nem pedir consigo!

boa apresentação acima de tudo.
olhem os cartazes da manela, boa apresentação, belo cabeleireiro e tb já com call-center: são os gastos do PSD! (tb uma pequena ajuda para a retoma. ou não é assim?)

Anónimo disse...

Quando refere "dar rédea solta aos Borges", imagino que se refere aos Borges economistas...., pois o que faz falta, e muita, neste mundo de "cinzentões", é dar mais rédea solta aos Borges .... o Poeta claro.

Luís disse...

O mais grave ainda, meus senhores!; que é que aqui também ainda se aperceberam dos descrédito da situação a que chegámos. Os velhos economistas, como os novos, são meros papagaios de imitação de teorias que a história já deixou para trás. E isto vale tanto para um keynesianismo, como para um liberalismo, como para um tal vitalismo!

A política hoje faz-se pelo dinheiro! O Estado é um dos lugares onde se quer estar para garantir um rendimento fixo, e mais fixo agora, com a bonança das baixas de preços. O Estado hoje também contribui para a desigualdades de rendimentos; porque está a querer emular um jogo, o do mercado, estrutura essa que é ela mesma deficitária: então Estado-e-Mercado são os dois melhores aliados, hoje, no Portugal da crise. A banca endividou-nos, as construtoras encheram-se de €€, e o Estado javardou em cima de tudo isto pela colecta de impostos. A base fiscal também vai desaparecer. Como desaparece 1/3 na Irlanda; depois a fasquia vai ter de ser outra vez baixado: para os funcionários públicos, para os reformados, para os desempregados!

A dinâmica da dívida que nos trouxe cá é já na sua alma uma lógica keynesiana; mais despesa vais accionar o multiplicador; mas o multiplicador é um artifício matemático!; mas os senhores dizem que é uma política: pois é! É a política do deficit spending: das famílias, do Estado, das Empresas; ontologicamente o multiplicador está-se a borrifar para quem está a gastar! Mas que é q andámos a fazer nas últimas duas décadas?!

Andámos a construir um país com uma mega metrópole; um Norte ao deus de ará e um interior esquecido e vencido pelo cacequismo partidário. A restrição aproxima-se; não há saltos mágicos; uma coisa é a quântica, outra é a acumulação! Muita confusão se produziu por mal se entender estas duas. Pedir que não se repita o erro desta vez seria bom de mais.

A crise veio para ficar. Vai-se instalar. É gerível? O que não é gerível são os estádios, os parques, os centros comerciais, os lugares no estados, as 300 e muitas freguesias, os 10% de défice exterior!! isso não é que não é gerível; há muito tempo; e não se fez prospecção nenhuma!

Pois para finalizar, a filosofia iluminista continua a sua saga por encontrar o objecto quando o objecto há muito não se quer no lugar do sujeito. O objecto já se foi; não façam o sujeito ir correr atrás dele. Deixem-no; entregue; ao seu ser!

João Pedro Santos disse...

A frase "Os défices baixos são uma consequência do bom desempenho económico e os défices altos uma consequência de uma recessão aguda" aponta para uma irrelevância da política orçamental (que me recorda a falácia oposta da "equivalência ricardiana") que parece ser contrariada pelo resto do texto.
Quanto ao resto fiz um post em que humildemente procuro de algum modo responder a este post (e outros no mesmo sentido).

Sérgio Bernardo disse...

Fantástica receita para a crise: o Esatdo em tempo de crise garante a universalidade do emprego e das protecções sociais, mesmo à custa de um aumentosito do défice. Mas onde raio é que o Estado vai buscar o dinheiro. É que se não se pode baixar impostos porque o Estado precisa de se financiar, como diz o VM, com o crescimento das necessidades de emprego e social, o financiamento do Estado vai ter de aumentar. Sendo assim provavelmente o que é preciso é aumentar os impostos: aumentar o IVA, o IRS e o IRC, cancelar os reembolsos, tudo em nome da garantia de emprego e da estabilidade social. Onde essa espiral nos leva é que eu gostaria que alguém me explicasse.
Acho tudo isso um erro.
O Estado não se deve comportar como o senhor e dono de toda a economia. Todo o dinheiro que tem, vindo dos impostos de quem cria riqueza no país devem ser rigorosamente gastos, com todo o cuidado, transparência, justificando cada tostão. O Estado deve ser escrupuloso nos gastos e não esbamjador como é actualmente. Se não for para baixar impostos, porque isso causa muita comichão a boa gente, seja porque assim, com rigor, certamente que o dinheiro rfenderá muito mais.
Tenham vergonha e não pensem que o Estado é o Big Brother que cuida de todos. Equilíbrio é a chave e parece que os ex.mos srs. não o têm.
http://atexturadotexto.blogspot.com
www.mudarportugal.pt
http://mms-mudarportugal.blogs.sapo.pt

CS disse...

Caro João,

Além de limitarem a despesa os neoliberais desenvolveram a mais surreal das teses: a culpa da crise foi da existência de crédito, sendo que o grande investimento especulativo puro alavancado (tipo short selling) não é obviamente crédito para eles. Estou a tentar desmontá-los em dois textos:
http://tinyurl.com/dzu2vy
Abraço,
Carlos