domingo, 22 de abril de 2007

Lições Eleitorais


Sarkozy ganhou. A soma dos votos da direita é superior a 60% e mostra uma correlação de forças desfavorável. A esquerda à esquerda perdeu porque não soube ou não quis construir a unidade necessária em torno de um programa comum de ruptura com o neoliberalismo. Um programa construido a partir da acumulação de forças saida da vitória do não no referendo ao Tratado Constitucional. Agora é o apelo ao voto útil numa candidata socialista que dá poucas garantias. Como sempre a pulverização política impede a esquerda de pesar.

A alternativa a Ségolène é, no entanto, bem pior. Em Sarkozy temos a mais letal das combinações: uma direita autoritária que quer usar o Estado para reforçar o papel do mercado em esferas crescentes da vida social. A questão está agora na capacidade de construir um arco progressista que conquiste parte da base eleitoral de Bayrou. Este último apresentou-se com um programa fundado na ideia, convenientemente elástica, de economia social. Esta, no entanto, representa o reconhecimento, por parte de uma fracção da direita, de que os franceses (a maioria?) não irão prescindir facilmente do seu Estado Social.

10 comentários:

A. Cabral disse...

A "pulverização política" sera' talvez o sintoma mas qual sera' a doenca?

João Rodrigues disse...

Boa questão. Sinceramente não sei a resposta. Questão de programa, o peso da tradição de confrontação (PCF versus trotskistas...), ambições pessoais, dificuldade em ceder, falta de liderança forte...

A. Cabral disse...

E se for a estrutura discursiva, talvez proximo da tua hipotese da "falta de lideranca forte"? A direita tem um discurso de autoridade pessoalista e piramidal. A esquerda tem um discurso de autoridade de massas. Assim e' impossivel justificar a linha politica sem cisoes, tendencias, e prolongados debates. Qualquer afirmacao dirigista soa a violacao da liberdade.

'As vezes quando o bailarino danca mal e' mesmo porque o chao esta' torto. Talvez a democracia partidaria nacional nao favoreca a cultura da esquerda?

Hugo Mendes disse...

Teria alguma hipótese esta "esquerda à esquerda" de Ségolène construir alguma alternativa de "ruptura ao neoliberalismo" (este "neoliberalismo" à francesa também tem que se lhe diga)?

João Rodrigues disse...

Interessante A. cabral essa hipótese, mas que outros espaços existem para alavancar a hegemonia?

Neoliberalismo à francesa Hugo: começou em 1983 com a desinflação competitiva, prosseguiu com as privatizações e a reconstituição do capital financeiro altamente concentrado, com a liberalização dos fluxos de capitais... É evidente que não foi ainda tão longe como noutros sitios. Questão de resistência e de lutas. Mas que estão reunidas as condições objectivas lá isso estão...

Alternativas: um polo socialista (mesmo...) que pegasse no património de luta e de proposta da esquerda francesa.

Hugo Mendes disse...

"Neoliberalismo à francesa Hugo: começou em 1983 com a desinflação competitiva, prosseguiu com as privatizações e a reconstituição do capital financeiro altamente concentrado, com a liberalização dos fluxos de capitais"

Isso foi a morte do socialismo (Stiglitz dix it), não foi a vitoria do neoliberalismo. Com a regulação que existe ainda hoje no mercado de trabalho e de produtos/serviços, ou a participação do Estado na economia, desculpem, mas não faz sentido falar em "neo-liberalismo"; a não ser que neo-liberalismo seja tudo o que cheire a liberalismo, mas assim não sabemos separar o trigo do joio...(é um bocado como no Blasfémias quando, inversamente, dizem que Portugal ainda é um Estado socialista...). Isto não tem nada que se compare que o Reino Unido de Thatcher, por exemplo.

Em 1983 aconteceu o que tinha logicamente que acontecer em função da realidade europeia/mundial e do programa Miterrand. As privatizações de 1986 aconteceram, obviamente, depois da vaga irracional de privatizações em 1981-2 (a liberalização de capitais é comum a todas as economias europeias).

Hugo Mendes disse...

"Alternativas: um polo socialista (mesmo...) que pegasse no património de luta e de proposta da esquerda francesa."

Já colocaram a pergunta porque é que o país que mais pensa à "esquerda da esquerda" teve tão poucas vezes a esquerda "moderada" no poder? E preparam-se para ser 5, ou mais 10 anos. Ou muito me engano - mas esta é uma discussão para continuar - ou é esse velho mito da "verdadeira esquerda socialista" a pesar (eleitoral e ideologicamente) sobre o PSF, que nunca se tornou um partido social-democrata, em parte, por causa disto. Quem se ri, claro, é a direita. E parece que, infelizmente, vai continuar a rir.

João Rodrigues disse...

"Isso foi a morte do socialismo (Stiglitz dix it), não foi a vitoria do neoliberalismo". Aí é que te enganas Hugo. Ou melhor, o neoliberalismo (na sua variedade francesa) foi a resposta a uma tentativa de introduzir mudanças de fundo na estrutura dos direitos de propriedade num segmento da economia francesa (entre outras coisas)...
Vamos lá definir as coisas: neoliberalismo é a expressão ideológica de um movimento global que procurou desde os anos setenta restablecer o controlo do capital sobre o processo de acumulação e assim superar a crise de rentabilidade dos anos setenta (ameaçada por vários factores entre os quais a dinâmica do movimento operário). Traduziu-se um pouco por todo o lado em financeirização (hegemonia das fracções do capital que privilegiam a liquidez), privatizações, mercantlização, alteração das regras do jogo na maior parte dos mercados. Tem experessões variadas nacionalmente. Tal como existem variedades de capitalismo, também existem variedades de neoliberalismo. A França não é excepção. É claro que o Stiglitz não é a melhor referência na economia para isto. Ainda está demasiado preso às categorias neoclássicas.

Quanto ao PSF não se ter tornado um partido social-democrata, isso é para rir. A social-democracia há muito que foi deixada para trás. O PSF há muito que abandonou, com alguma retórica à parte, qualquer projecto de reforma de fundo do capitalismo. Até o governo de Jospin bateu o recorde de privatizações, aceitou o PEC, o BCE...Muitas leituras da The Economist Hugo...:)

Hugo Mendes disse...

João,

Imagino que o Stiglitz seja também mais um neo-liberal....

O PSF nunca foi um partido social-democrata. Nunca, e isto é facilemnte explicável pela relação de forças que levou à sua refundação em 1971-3. Foi e continua a ser um partido estatista, ou se quiseres, que privilegia os monopólios, independentemente da propriedade ser privada ou pública. Isso das privatizações é irrelevante para esta questão. O que interessa aqui é a estrutura de mercado. Boa parte dos dinossauros do PSF são avessos a qualquer ideia de competição. E ela só existe minimamente em França porque é imposta - arrisco-me a dizer bem imposta - pela UE. Já agora, qual todas as privatizações são más? Qual é o fundamento económico para este raciocínio?

"O PSF há muito que abandonou com alguma retórica à parte, qualquer projecto de reforma de fundo do capitalismo"...

Bom, felizmente, terá revelado alguma capacidade de aprendizagem depois do que fez em 1981-2, sem saber muito bem o que fazer a seguir. A alternativa era sair o Sistema Monetário Europeu, etc.. E por isso ficou num pântano. E pântano por pântano, costuma ganhar a direita.

Mas explica-me, por favor, o que é isso da "reforma de fundo do capitalismo", sem demagogia?

João Rodrigues disse...

Hugo,

Para finalizar.
É evidente que o Stiglitz não é um neoliberal. Mas é um economista neoclássico. Ou pelo menos todos os seus trabalhos importantes se filiam nessa tradição. Que um economista "mainstream" (embora cada vez menos) seja visto como um tipo radical é mais sinal dos tempos do que outra coisa. Acho que não está em boa posição teórica para analisar o enquadramento institucional de uma economia real. Mas adiante.

Folgo em saber que a propriedade já não conta. Suponho que a estratégia das empresas seja definida pelo espírito santo.

Não sei o que é isso do estatismo...Não me parece uma categoria muito boa para definir o que quer que seja.

A actual UE no seu período de maior fôlego foi dirigida por um socialista que por acaso era o ministro das finanças em 1983: chamava-se Jacques Delors e é um dos responsáveis pelo pântano em que nos encontramos ao ter ajudado a criar o muito neoliberal mercado interno. Não batas tanto no PSF. Os rapazes estão bastante na linha da terceira via.

Em 1981-82 havia para simplificar duas soluções ou ceder à pressão do capital ou confrontá-lo. 1983 assinala a abdicação do socialismo francês. O que tu chamas aprendizagem eu chamo cedência...

As privatizações de sectores estratégicos são quase sempre más. Questão de economia política. E não há nada que prove que um monopólio privado seja melhor (melhor é um critério multidimensional…) do que um público (vê aqui o Stiglitz em Whither Socialism). Já agora continuo a achar que quem detém a propriedade controla o rumo da economia. E tem um certo poder sobre o Estado. De tal forma que a definição de governo como comité privado dos assuntos da burguesia do Marx se torna de novo crescentemente verdadeira em muitas áreas cruciais como resultado das privatizações e da liberdade de circulação irrestrita de capitais (se é que alguma vez o deixou de ser).

Reforma de fundo do capitalismo é perguntares: que transformações institucionais tenho que realizar para assegurar pleno-emprego, desmercantilização de esferas cruciais da vida social (um processo desejavelmente em expansão...), controlo público democrático do processo de acumulação (o que pressupõe propriedade pública de sectores-chave). Democracia económica e igualdade efectiva. É por isso que sou Keynesiano no curto prazo. Acredito que tentar alcançar o pleno-emprego e segurá-lo de forma duradoura altera a correlação de forças criando condições para voos de mais largo alcance (foi Kalecki, um economista polaco que antecipou as ideias keyenesianas bsobre a procura, que defendeu e muito bem esta tese).