sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Morre um gatinho sempre que alguém fala da reedição de 2011

 

Morre um gatinho de cada vez de que alguém diz que fazer pressão sobre o conteúdo do orçamento foi brincar com o fogo e que isto podia ter sido a reedição de 2011, com as taxas de juro da dívida pública a dispararem e Portugal ficar sem acesso a liquidez, empurrando-nos para um novo resgate e para a direita no poder.

Em 2011, o BCE deixara claro aos mercados que não iria comprar dívida dos países em mercado secundário. O que significa isso? Significa que quem tinha títulos de dívida estaria numa posição de tremendo risco caso os países soberanos (incapazes de emitir euros) não pudessem pagar. Foi essa espiral de pânico que criou, num momento de grande stress financeiro e de dívidas crescentes pela resposta à crise de 2009, a subida das taxas de juro.

Essas mesmas taxas de juro viriam a descer em 2012 não devido à austeridade, mas porque o BCE anunciou que faria o que fosse necessário para conservar a zona euro. Passado pouco tempo, começou a comprar dívida pública no mercado secundário e os investidores souberam que teriam a quem vender os seus ativos em caso de stress financeiro.

Desde então, o BCE tem mantido esse programa de estímulos. Com a pandemia, expandiu o seu balanço para níveis estratosféricos, comprando ativos com menos critério do que uma tia de Cascais nos saldos. Entre outras coisas, isto evidenciou que um banco central que emite uma moeda de referência internacional pode facilmente expandir o seu balanço para diminuir a perceção de risco e evitar crises, sem que daí advenham pressões inflacionárias. 

A taxa de juro a 10 anos (notem, a 10 anos!) da economia portuguesa está a roçar terreno negativo. O que isto significa é que, enquanto este enquadramento durar, Portugal pode endividar-se de forma considerável sem comprometer a sustentabilidade da sua dívida. Até se o governo português se endividar par investir na venda de missangas da D. Mónica é possível que seja um investimento sustentável, porque a banca de missangas da D. Mónica há-de conseguir uma taxa de retorno superior a 0%. Este deveria ser o momento de o Estado ser o agente de acumulação de capital na economia, face à margem de financiamento e à paralisação do investimento privado. 

A única forma de este enquadramento mudar seria o BCE anunciar que não compraria mais dívida portuguesa caso o orçamento não fosse aprovado. Mas nesse caso, meus amigos, isso seria uma declaração de guerra, porque de outra forma não se pode interpretar a ação de um banco central que se imiscuísse dessa forma nas decisões soberanas. Ainda assim, eu dava um rim em como isto não aconteceria, porque a tentativa de evitar qualquer abalo na zona euro neste momento é muito forte.

Isto não é 2011. Aliás, o que isto demonstra é que aqueles que disseram que a austeridade não era solução para a crise em 2011 tinham razão. Tivesse o BCE agido atempadamente então e o sofrimento infligido à população portuguesa, o desemprego e a emigração teriam sido poupados. Comprar esta narrativa é comprar uma visão manietada da ação do Estado e uma visão moral da dívida que só interessa à direita e ao seu projeto.

Poderá haver quem ache, à esquerda, que este discurso hoje lhes volta a fazer jeito. São eles quem brinca com o fogo. Ao favorecer um discurso moral sobre a dívida, estão a semear a lançar as sementes de que a direita se virá alimentar.

12 comentários:

Jaime Santos disse...

Ora agora é que disse tudo quando escreveu 'banco central que emite uma moeda de referência internacional'. Lembrem-se sempre da palavra 'referência' quando quiserem propor a saída do Euro. Eu lembro-me dos anos 80, da inflação a dois dígitos e garanto-lhe que não quero voltar para lá.

O resto é conversa para enganar meninos e para o BE (ou Rio) encherem o peito a fazer de conta que contam...

Anónimo disse...

Em 2011 foi o chumbo do PEC IV que meteu cá a Troika; o resto é tanga de gente com problemas em assumir as consequências dos seus actos!

Geringonço disse...

O período em que o Banco Central Europeu não comprou a dívida, criando assim uma crise desnecessária, foi um acto de guerra deliberado Diogo Martins.

Jean-Claude Trichet sabia o que estava a fazer, como aquele banqueiro central Japonês sabia o que estava a fazer quando criou uma crise no Japão nos anos 90.

As populações dos vários países, especialmente dos países que foram alvo desta criminalidade, têm que ter a consciência que os sacrifícios e o sofrimento não foi causado pela ira do Deus "Mercado" mas pela vontade das "elites".

Nós temos que ser realistas o BCE, o Euro e a União Europeia são construções neoliberais desde a sua génese. O “europeísmo” existe para servir as “elites” oligarca-capitalistas mais ou menos periféricas às custas da miséria da restante população.

Geringonço disse...

Como se o PEC 4 (e todos os PEC que se seguissem) não fosse austeridade...

Partido "Socialista": "A minha austeridade é melhor que a tua!"

Os "socialistas" da Terceira Via julgam que sua ladainha neoliberal funciona como antigamente...

Anónimo disse...

O pânico de 2011 aconteceu na sequência do anúncio do duo trágico-cómico-patético Merkel/Sarkozy, na cimeira de Deauville de outubro de 2010, de que as dívidas dos países periféricos seriam re-estruturadas até 2013.
Quem é que estava disposto a emprestar dinheiro aos ditos periféricos, se sabia que ia ficar sem parte dele?
Ora, os especuladores, pois estes sempre souberam ganhar dinheiro com as crises (e o que eles ganharam na Grécia, que re-estruturou parte da dívida, o que permitiu ganhos astronómicos, ao comprar títulos da dívida Grega ao desbarato e exigindo ao governo Grego o pagamento do valor facial).
Os outros retraíram-se, sem saber qual seria a ideia da zona euro quanto ao futuro do euro.
Depois, o BCE veio contornar os tratados, com os vários programas QE, financiando os déficits dos vários países do euro, a começar pela Alemanha (as compras do BCE são feitas em percentagem da posição que cada país ocupa na constituição do BCE e a Alemanha está em primeiro lugar, logo seguido da França), que nem déficit tinha mas sim uma sucessão de excedentes, fruto da subvalorização do marco/euro.
E aquilo que era um pecado - "imprimir dinheiro"/digitar zeros no computador de Dhragi/Lagarde - fez-se/faz-se em quantidades estratosféricas, sem que a inflação saia da zona de perigo, na vizinhança do terreno negativo (que com a pandemia, dificilmente escapará).
Resultado: o bce e o fmi impuseram a austeridade, os bancos Portugueses faliram, o contribuinte pagou/está a pagar as dívidas com austeridade (estão a ver a questão da "injeção" no NB? pois, não é mais que dívidas que o antigo BES deixou nos bancos dos rothschild).
Que a direita gostava de repetir 2011, não haja dúvida nenhuma.
Aliás, basta ver o histerismo de Rui Rio para perceber que "é agora ou nunca".

Anónimo disse...

Sobre John Carpenter, aqui tratado há algum tempo atrás:
https://www.jacobinmag.com/2020/11/john-carpenter-apocalyptic-filmmaker

Álvaro disse...

Pois. No entanto, a intoxicação da opinião pública foi tão bem orquestrada que hoje poucos sabem e poucos querem saber que assim foi. Outra coisa, que bem sabe: no imediato, tudo depende da capacidade para criar relações de força, nunca da validade dos argumentos.

Jose disse...

Pois se há hipótese de nos endividarmos, porque não aproveitar?
Pois a produtividade em Portugal não é o espanto das nações!
Será que os investimentos públicos não são autênticas 'vacas leiteiras' (de juros)?

Anónimo disse...

A conversa de Jaume Santis é conversa para enganar meninos, graúdos, idosos e bebés. Com aquele toque surrealista sobre a “ tolerância” dum que espalha aí o seu ódio por tudo o que não seja tolerante à sua medida e semelhança

Zé disse...

Já se não lembra é de ter perdido emigrado o emprego (enfim, saido da "zona de conforto") em 2011/2012... Ah, espere aí, isso não foi consigo (pimenta no rabo dos outros é refresco!)...
O problema, como D. Jaime não ignorará, é que emitir dívida em moeda estrangeira é, sempre, depender da bondade de estranhos. Nada que incomode certa elite compradora.

JE disse...

Jose há pouco dizia entre o apologético e o crispado uma frase que o define e que mostra por quem tange a sua alma sensível:
"O que os marxistas têm por fundamental é assegurar que a corrupção vem dos corruptores e não dos corruptos".

Estas coisas de corrupção, de corruptores e de corruptos não vão bem nem com a produtividade nacional nem com os investimentos públicos.

As vacas leiteiras destas coisas sabemos nós o que são. Jose apenas abre o seu livrinho duma forma mais clara e mais rancorosa. Que diacho, os facilitadores de processos têm de continuar a ganhar muito bem a sua vida

JE disse...

Deixemos Jaime Santos no lugar onde Jaime Santos quer ficar.
Parece que o que lhe põe em transe e em frenesim de escrevinhador são os "anos 80",a que ele não quer voltar... Já ao tempo de chumbo do governo passisto-cavaquista não estará tão incomodado. Foram anos de referência, esses...

Deixemos também joão pimentel ferreira a dizer que a sua austeridade é melhor do que a austeridade do ministro holandês

Aproveitemos antes a substância do que nos trás o autor do post. E no anónimo de 27 de Novembro de 2020 às 17:52 que nos volta a trazer Carpenter e a um belo artigo no Jacobin

Adivinha-se que Jaime Santos não goste destas filmografias