segunda-feira, 6 de julho de 2020

Os doutores Salgado e Mexia: fantasmas de um flirt passado do ISEG


A última semana trouxe a debate a crescente ingerência do dinheiro das grandes empresas privadas na universidade pública. O tema veio a discussão na sequência de uma notícia na revista Sábado, que dava nota da tentativa, por parte do conselho de catedráticos da NOVA SBE, de impedir que os seus docentes indicassem a sua filiação institucional nos seus artigos de opinião. A fixação da regra, soube-se, não era inocente. Susana Peralta, docente da instituição com afirmação crescente no espaço da opinião portuguesa, assinara um artigo onde criticava a EDP, importante financiadora do novo campus da faculdade.

Este episódio, chocante pelo que representa na ameaça da independência académica, é apenas a face mais visível de uma longa relação de proximidade entre os maiores interesses privados e políticos e a faculdade de economia da Universidade Nova, como bem assinalou João Rodrigues (aqui). No que se refere a esta faculdade, essa ligação é estrutural, representa a mimetização do modelo anglo-saxónico no contexto da universidade pública portuguesa e é uma ameaça ao ensino superior entendido como nivelador das oportunidades no contexto de uma sociedade democrática.

Aquando da saída da notícia, tive a oportunidade de elogiar o ISEG por, ao contrário de tentar impor o monolitismo de pensamento dos seus docentes, ter lançado uma publicação onde se orgulha da pluralidade de pensamento que alberga (aqui). Nessa publicação periódica são listados todos os artigos de opinião que os seus docentes assinaram nesse período, numa demonstração de valorização da intervenção cívica da academia no espaço público.

Mas reconhecer a virtude de ações presentes não pode deixar cair no esquecimento ações passadas cujos efeitos para a reputação das instituições se fazem sentir ainda hoje.

A suspensão de funções de António Mexia e João Manso Neto, por iniciativa judicial, torna oportuno lembrar que também o ISEG ensaiou a sua subjugação à pequena elite económica portuguesa.

Entre 2012 e 2013, o ISEG concedeu seis doutoramentos Honoris Causa. Quatro desses doutoramentos foram para figuras peculiares. Três foram concedidos a figuras que estavam então ligadas ao topo da estrutura da EDP. António Mexia, Presidente Executivo, Eduardo Catroga, Chairman, e António de Almeida, Presidente da Fundação EDP. O restante foi concedido a Ricardo Salgado, então Presidente do BES.

A escolha chocou porque constituía um corte profundo com os critérios que até então tinham sido definidos pela faculdade para a atribuição deste grau. Nos seus mais de 100 anos de história, o ISEG só havia atribuído esta distinção a personalidades de elevado prestígio internacional, tais como Tinbergen, Fraçois Perroux, Stiglitz ou Amartya Sen, ou nacional, caso de José Silva Lopes e Manuela Silva.

As razões para esta mudança de critério e para concessão de tão elevado número de doutoramentos honoris causa com estes contornos continuam um mistério. Mas há interpretações possíveis. A mais benigna sugere que se terá tratado de um deslumbramento ao discurso da modernidade que impunha uma maior ligação entre a universidade e a sociedade. Este discurso, embora tenha elevado poder persuasor junto de alguns setores, tem apenas o efeito de aumentar a vulnerabilidade das universidades públicas aos interesses privados que nela circulam. É falsa e enferma de uma ingenuidade típica daqueles que se rejeitam a ver as instituições como o que elas realmente são: espaços de permanente disputa de poder. A segunda interpretação, menos benigna, sugere que alguns dos responsáveis pela decisão aguardassem pequenas facilidades no plano do seu posicionamento empresarial e político vindos dessas figuras, que sabiam influentes. Esta interpretação, colocada em termos suficientemente crípticos para evitar acusações de difamação, não deve, porém, ser descartada.

Com os olhos do presente, sabemos os resultados desta decisão. O ISEG, uma instituição de elevado prestígio no ensino da economia em Portugal, tem uma mancha descredibilizadora sobre o seu nome, ao ver dois dos seus doutores honoris causa envolvidos em escândalos de corrupção. Essa mancha poderia ter sido evitada se os critérios de exigência para a atribuição deste grau se tivessem mantido durante esses anos.

Ufano e sem sinal de pudor continua o responsável maior pela atribuição destas distinções. João Duque, então presidente do ISEG, prossegue despreocupado a sua ação de papagaio-mor do reino, vertendo teses sobre os mais variados temas, em tom frequentemente moralista. Que não haja um jornalista que o confronte com o sucedido é um enorme mistério.

Se existem faculdades com uma relação duradoura com os interesses privados em Portugal, como a NOVA SBE, também há faculdades que têm sabido resguardar a sua independência, como o ISEG, mas que não estão isentas de flirts passados que mancham a sua respeitabilidade no presente.

Com efeito, e porque o que se atribui também se pode retirar, é urgente que o ISEG considere retirar os doutoramentos honoris causa que atribuiu a Ricardo Salgado e a António Mexia. Sob pena de se distinguir em mais um ranking internacional, desta vez como (provavelmente) a única faculdade cujos dois doutores honoris causa acabaram acusados em processos de corrupção.

14 comentários:

Anónimo disse...

O mercado dos doutoramentos honoris causa.
Quanto custa um doutoramento?

jose duarte disse...

O ISE, ISCEF ISEG, foi uma das escolas universitárias que pugnou pela liberdade de pensamento e pela abertura `diferença.Isto aplicava-se , particularmente a ECONOMIA.
A área financeira era claramente menos forte no campo da investigação e ensino
No entanto os tempos...obrigaram, foram no sentido de "afastar" o ISEG dessas coisas da ECONOMIA e foram aparecendo os arautos do "mundo da finanças", no fervor dos tempos,a tomar conta dos desígnios do ISEG.Joao Duque foi dos primeiros a fazer tudo por isso e a fazer tudo para afastar o ISEG das referências menos mainstream do liberalismo qualquer coisa....??? ...~
Se calhar há muita gente no ISEG que acha que a Nova "SBE" é que é.
Alguns dos doutoramentos honoris causa dados pelo ISEG são uma verdadeira vergonha para a academia....
José Duarte

Francisco disse...

Bm escrito e bem pensado. Parabéns ao autor, que coloca os dedos em feridas que precisam mesmo de ser abertas, para não gangrenarem.

Jose disse...

'chocante pelo que representa na ameaça da indepmendência académica'

A independência académica é antes demais o direito da instituição de não se ver cooptada pelas opiniões pessoais dos seus docentes.
E se a instituição ensina multiplas matérias, mormente se de uma universidade se trata, tem todo o direito a que os docentes de cada departamento não conduzam acções pessoais que comprometam o fundamento do departamento a que pertencem.

Imagine-se um comuna docente de uma escola de negócios a dizer horrores do sistema capitalista nas horas vagas e a assinar Fulano da BS|

Quando invoca a instituição não pode ignorar que a compromete, pois só a invoca para da sua reputação obter vantagem reputacional pessoal. Ignorar esse facto é pura desonestidade.

Victor Nogueira disse...

E a sacrossanta "presunção da inocência" até uma eventual sentença transitada em julgado? Isto sem prejuízo de reconhecer que quando as grandes empresas "financiam" o que quer que seja, o não fazem a troco de refeições grátis. Mas o problema não se reduz ao ISEG (Lisbon School of Economics & Management) ou à Nova SBE (Nova School of Business & Econiomics), integrados na Rede Pública de Ensino Superior, "esquecendo" a rede das privadas. A análise deveria também contemplar o conteúdo a a "ideologia" dominantes, incluindo, porque não, a generalidade doas "agraciamentos" com "Honoris Causa" e sua razão de ser.

Jose disse...

Os processos de corrupção sempre me impressionam pela enorme hipocrisia que está associada à desvalorização do papel do corrompido.

Se um gestor, a lidar com um governo corrupto, num país com défices de investigação e de legislação anti-corrupção, se vê compelido a introduzir despesas adicionais nos seus projectos como condição para os vir a realizar, de vítima da corrupção logo é erigido a seu autor.

Tudo o mais, legislação, investigação, cultura de honestidade e rigor, é esquecido para dar lugar à imolação sacrificial do 'homem do dinheiro'.

Força Força Camarada Vasco disse...

Quando se fala de ingerência do capital nas universidades portuguesas até parece que há muito, quando na verdade se limita à SBE e pouco mais. Em verdade vos digo as grandes empresas pouco ligam à maioria das universidades, nem recrutam activamente recém-licenciados como acontece noutros países.

Paulo Guerra disse...

Quem verdadeiramente frequentou o Quelhas não reconhece o ISEG há muito tempo. Então esta caça ao turismo estudantil.... Mas ainda há algum tipo de turismo a que Portugal não se dedique? Já pugnar para que todos os nacionais TAMBÉM pudessem usufruir de todos os destinos turísticos na sua própria terra... Porque eu não vejo problema algum, muito menos uma desonra, em um trabalhador servir uma bica a um bife. O problema é que a esmagadora maioria dos portugueses não ganham para tomar a mesma bica em muitos sítios em Portugal. Mas de certeza que o Duque, entre duas piruetas, também arranja solução para o maior cancro da economia portuguesa.

Anónimo disse...

O Guerra andou no quelhas?
A fazer turismo?
Então não era “professor” em Estocolmo?

Essa do maior cancro da economia portuguesa faz lembrar aquele tumorzito holandês Entre duas piruetas

Anónimo disse...

O problema não é a bica. Nem a bica ser oferecida ao bife.

E essa de aventar sequer a hipótese de ser desonra um trabalhador servir um bife ou uma bica, é um espanto

Só mesmo de quem não faz aquilo para que se tenta fazer passar

No fundo, os candidatos a Doutores Mexia / Salgado, por onde começam? E quem fica no caminho a bajulá-los e a aplaudi-los?

E as marionetas também contam?

JE disse...

Ao jose "os processos de corrupção sempre (o) impressionam pela enorme hipocrisia que está associada à desvalorização do papel do corrompido".

Pois é. Isso sabemos nós.Andou por aqui a defender o direito aos corruptores corromperem assim daquele jeito fofinho, aqui em baixo transcrito:

"É estúpido ignorar que se há corruptores é porque há corruptos, e pelo que sei são os corruptos que promovem a corrupção e não o contrário"

Não se riam por favor. Mas eis diante de todos nós o conceito de "cultura de honestidade e rigor" dum que afinal não passa de um treteiro

JE disse...

A cultura de honestidade e rigor de jose é assim aquilo que de facto é:

Uma farsa

Tenta desconhecer jose que o corrupto é a maior parte das vezes um corruptor...e vice-versa.

Tenta desconhecer que um e outro são crime.

Perorava assim deste modo sobre o papel louvável de quem era corruptor

Dizia jose: "Porque entendem que o poder económico é corruptor, e inevitavelmente é bem sucedido na sua acção porque a natureza do poder político é ser corrompido, não vêm melhor solução que agregar num mesma camarilha o poder económico e o político."

Uma delícia esta de jose, no papel de assumido evangelista, a tentar perdoar os corruptores...afinal o poder económico, o grande poder económico

Que é até "bem sucedido na sua acção"

A água benta que jose tenta deitar aos corruptores tem a ver com a sua solidariedade ideológica e de classe com essa categoria de canalhas

A sua agitação em prol dos ditos corruptores começou a ser mais marcada e atabalhoada a partir do momento em que os seus terratenentes banqueiros foram caindo um a um. E à medida que as suas odes quer a Barroso, quer a Mexia, quer a tanto outros ia esbarrando sucessivamente nas falcatruas que estes iam cometendo.

E ele, jose, num esforço árduo de branqueamento de crimes e de criminosos ( os de colarinho-branco, pois então), defendia os acumuladores de riqueza e os corruptores ( são os ricos que corrompem,está explicado)

E tem estas "ansias " pela "enorme hipocrisia dos corrompidos"...que como se sabe são as mais das vezes os corruptores de ontem ou os de amanhã

JE disse...

Vitor Nogueira falava aí em cima da sacrossanta "presunção da inocência" até uma eventual sentença transitada em julgado.

E eu estou completamente de acordo

Até no caso ou casos de Ricardo Salgado

Mas sabem como este "jose" começou por defender este mesmo banqueiro quando o fumo já se tinha convertido em verdadeiro fogo?

Dizia jose:

"Se roubou é porque foi roubado"

Desta forma tão "solidária", manifesto exemplo de rigor e honestidade.

E de cumplicidade com o crime e com o putativo criminoso? Afinal era um terratenente, com os diabos

JE disse...

Não vale a pena nenhum comentário sobre aquele arremedo de comentário do "força,força"

Este não é outro senão joão pimentel ferreira,a querer palco, depois de outros dos seus nicks terem sido desnudados. É apenas uma tentativa tosca que o tomem como coisa séria, ao mesmo tempo que tenta limpar a trampa da intromissão do Capital na vida académica, aqui denunciado neste oportuno post


Já não se pode ignorar o faduncho de jose sobre a "pura desonestidade"

Sejamos frontais.

É inadmissível ver censores ( coisa admirada por jose) a tentar censurar o que os seus docentes dizem ou escrevem. Com todo o direito a assumirem a posição que ocupam na escola ou na vida pública. Estão lá, em princípio, por mérito e com provas dadas. Só os cobardes têm medo do debate e da livre assumpção do que se escreve. Os cobardes e os trauliteiros anti-democratas


Fadunchos de escola de pensamento único já tivémos o suficiente

TINAs também, de tão má memória

Uma escola pública tentar ensinar apenas o catecismo neoliberal é uma fraude. É um crime.É um acto de censura.É um acto repugnante e de canalhas

Não resisto a publicar aqui este texto tirado de um outro post:

"É engraçado mas quanto mais se escava na Nova SBE mais porcaria sai

O director da escola deve ter exclusividade. Mas ganha 143 000 euros do Santander

Esta é a escola que “ se destina à formação de quadros para operarem na economia capitalista”

O cheiro que de lá se desprende permite ver a merda que se agarra logo no início a tal ensino destes “ quadros” dos “negócios das empresas capitalistas”

Entretanto recomendo a leitura do texto de Fernanda Câncio sobre o assunto.As coisas ainda são mais abjectas do que se pensava


"Parabéns ao autor, que coloca os dedos em feridas que precisam mesmo de ser abertas, para não gangrenarem".