quarta-feira, 3 de abril de 2019

Da cooptação


Resumo numa frase do artigo de Álvaro Vasconcelos no Público de hoje: o europeísmo em crise anda à procura de idiotas úteis para acompanhar o neoliberalismo maquilhado de Macron e julga tê-los encontrado em certos sectores da esquerda dita alternativa.

Não vou contrariar Vasconcelos nesta sua realista aspiração. O europeísmo realmente existente é institucionalmente resiliente e, apesar da crise de legitimidade, mantém uma grande capacidade de cooptação e de diluição. Onde o vou contrariar, de forma breve, é na amálgama, na dicotomia e na invenção políticas que constituem uma parte do seu artigo.

Amálgama: juntar a proposta de um New Deal verde, consequente programa mínimo surgido da renovação e reforço do movimento socialista nos EUA, às manifestações objectivamente reacionárias dos que querem repetir referendos até dar o resultado desejado agora no Reino Unido. De resto, e tal como o New Deal original, a sua versão ecológica exige um Estado com instrumentos de política, o que não é dissociável de um novo processo de desglobalização. A anti-keynesiana UE não é um Estado, mas sim a manifestação institucional blindada da mais intensa globalização no continente.

Dicotomia: teríamos uma esquerda toda moderna, cosmopolita, jovem, culta e tal e uma “esquerda nacionalista conservadora”, velha e relha. Se a realidade política deste lado se resumisse a esta dicotomia simples e requentada, desde já digo que optaria pela última, mesmo que só me reste imaginar aquilo em que Vasconcelos estará a pensar. Afinal de contas, onde nos levaram “uma outra Europa é possível”, o alter-globalismo e suas derivações europeias, os partidos e fóruns sociais europeus ou Tsipras e a patética lista, em 2014, com o seu nome noutro país? Haja memória da tragédia, atentando-se nas ruínas gregas e italianas, até para colocar, por exemplo, as actuais farsas políticas no seu lugar. Sim, estou a pensar, por exemplo, em Varoufakis na Alemanha.

Invenção: regressar aos “valores fundadores” da UE, baseados na democracia e na justiça social. A UE foi desenhada para esvaziar as democracias e os Estados sociais realmente existentes, como se vê ao longo da sua breve história. Se quer democracia e justiça social, Vasconcelos terá de regressar então ao Estado nacional e a menor e mais variável integração.

9 comentários:

Anónimo disse...

Peço desculpa ao autor do post de deixar a relativamente longa citação de outro João, mas o seu livro acabou de sair do forno e não existe link para este troço:


«O carácter decisivo da soberania nacional – uma tese que a vida confirma

A realidade confirma a tese de que não há saída democrática e progressista para a crise da União Europeia que não passe pela defesa e afirmação do interesse e da soberania nacionais – sempre que possível concertando posições e buscando convergências com países em situações semelhantes e enfrentando problemas e bloqueios idênticos.

A experiência portuguesa da integração na CEE/União Europeia dá-nos ensinamentos úteis sobre a importância desta defesa. Quando a esfera da soberania encolhe, alarga-se o espaço do grande capital, nacional e transnacional, e reduz-se o alcance dos direitos e da condição dos trabalhadores e do povo, determinados na Constituição.

Na realidade concreta em que vivemos e lutamos, e não naquela que alguns gostam de idealizar, é no âmbito local ou nacional que os trabalhadores e as populações resistem. No âmbito supranacional, o grande capital, que o construiu ou desenvolveu, “joga em casa”, praticamente sem adversário que não ele próprio, enrodilhado frequentemente nas contradições das suas facções.

Não é por isso surpreendente que procure transferir a deliberação política para esse âmbito. A submissão nacional é, para o grande capital, uma forma de reforçar a sua dominação de classe. Inversamente, a soberania nacional é, ou pode ser, no terreno da luta de classes, uma trincheira da resistência dos trabalhadores e dos povos. Esta compreensão é fundamental para as suas lutas.

Alguns, à esquerda, incapazes de organizar as lutas populares nos locais de trabalho e na realidade nacional onde se enraízam, sublimam a sua impotência com a ilusão de consegui-lo no plano supranacional. Tendendo a desvalorizar ou mesmo a negar o caráter decisivo da soberania nacional, caucionam o aprofundamento federalista que tão bem tem servido o grande capital.»

João Ferreira, A União Europeia não é a Europa, março de 2019, pp. 44-45.

Jaime Santos disse...

Menor e mais variável integração, estou a tentar decifrar isso. Como o RU já percebeu, não há integrações ou desintegrações 'a la carte', o que há no fim de contas são as relações de força entre Estados, coisa que sempre existiu. No tempo em que a URSS invadiu a Hungria ou a Checoslováquia, estou certo que houve quem chamou a isso 'internacionalismo' e luta contra o imperialismo ocidental, como há quem hoje ache que tais eventos e outros foram meros pormenores porque afinal de contas, a URSS era pelo menos útil para conter o capitalismo (mas à custa de quê, João Rodrigues?).

Por isso, essa Esquerda velha, hipócrita e totalitária, pegue-se nela e deite-se ao caixote do lixo da História. A nova, por comparação, pode ser ingénua, mas não sofre destes males...

Jaime Santos disse...

Ah, e outra coisa, eu também acho que repetir referendos é má ideia e não me parece que a UE precise de herdar a crise interna do RU, criada por Cameron e sobretudo por Corbyn, que vai acabar a dar o poder de bandeja ao sucessor de May, provavelmente Johnson. Que grande vitória da Esquerda que isso será, entregar o poder à Direita mais reaccionária, tudo se justifica na luta contra a malvada UE.

Se Johnson e Rees-Mogg e Farage transformarem o RU numa Singapura 'On-the-Thames' eu quero ver o que o João Rodrigues irá dizer, será mais uma derrota a caminho da vitória final, não é?

Mas, o que me parece improvável, se o Parlamento Britânico decidir fazer outro referendo, não estará a fazer nada de reaccionário só porque fará algo com que o João Rodrigues discorda. Mesmo que esteja errado, chama-se a isso um exercício de soberania, sabia?

Anónimo disse...

A "nova" esquerda é igual á esquerda velha quando era nova...
Enquanto a "esquerda" não perceber que não pode fazer pactos com o diabo em nome de um suposto bem maior nunca terá hipótese e nessa esquerda incluo obviamente os sociais democratas e muita gente de direita que vota PSD / CDS só porque sim, eu ainda me lembro do discurso anti-europa de Paulo Portas e no facto de ser apoiado por muita gente do PSD. A CEE não é a mesma coisa que a UE.
O brexit é mais um tiro na chalupa e nós portugueses temos de pensar muito seriamente se queremos continuar neste sistema que não respeita nações e povos.

Jose disse...

«à procura de idiotas úteis para acompanhar o neoliberalismo maquilhado de Macron »

Já os inteligentes mal podem esperar por um hard Brexit para acompanhar o Trumpismo despejado no Reino Unido.

Francisco disse...

O processo de integração europeia nasceu de modo enviesado: uma elite económica e os executores políticos das suas decisões, lançaram as amarras de aprisionamento dos povos, que beneficiando embora e durante décadas do consenso permissivo que o Estado-Providência suportou, nem por isso perderam a sua natureza e substância. Sucede porém que nem o Estado-Providência resultou de uma generosidade do sistema capitalista (foi antes uma contingência a que se viu forçado no contexto de uma luta de classes que lhe era desfavorável), nem, por outro lado, o consenso permissivo pode subsistir sem ser nutrido de modo substancial e permanente por um ideal de consumo (a medula do sistema capitalista) que é cada vez mais irrealizável, seja por razões relacionadas de modo intrínseco com o processo de acumulação e reprodução do capital, seja também pela finitude dos recursos planetários. A transmutação do capital e a sua consequente financeirização, têm sido uma espécie de acelerador das contradições que acima estão expostas: um consumo alavancado por um crédito gerador de cada vez mais "imparidades", a que se junta o clamor dos coletes amarelos, azuis, verdes, vermelhos, enfim, de todas as cores e feitios. Servindo como sempre tem servido os desígnios inerentes à perpetuação da dominação, das desigualdades, da exploração e da exclusão de muitos para o benefício de alguns, a social-democracia ainda subsistente tem um espaço de manobra cada vez mais restrito nesta União Europeia, de cuja construção, à porta fechada e contra os povos dos vários países, é inteiramente cúmplice. Resta-lhe por isso agitar espantalhos e temores, enquanto o seu cadáver, num processo biofísico absolutamente singular, apodrece, embora ainda não inteiramente morto nem jacente.

José M. Sousa disse...


A União Europeia é uma entidade imperial, com a Alemanha no centro, diz Wolfgang Streeck (Max Planck Institut).

https://blogs.lse.ac.uk/brexit/2019/03/06/long-read-the-european-union-is-a-liberal-empire-and-it-is-about-to-fall/

«What is the European Union? The closest concept I can come up with is that of a liberal empire. An empire is a hierarchically structured block of states held together by a gradient of power from a centre to a periphery. At the centre of the EU is Germany, trying more or less successfully to hide inside a “Core Europe” (Kerneuropa) formed together with France. Germany doesn’t want to be seen as what the British used to call a Continental Unifier, even if in fact this is what it is.»

António Vaz disse...

E "prontos", JR volta à carga com a sua obsessiva obsessão de sair da UE, sair da Zona Euro, sair da Europa para, finalmente, regressar ao "orgulhosamente sós" da pátria dos lusitanos indomáveis, esses ibéricos periféricos! Se o JR não foi educado com o livro de História da 4.a classe de 1969, é apenas um acontecimento periférico: ele é, todo ele, um seu produto natural!
O que eu gostaria mesmo, era de ver o JR, a explicar por A e mais B, quais as vantagens reais - para lá da sua lengalenga nacionalista (que, por este caminho, ele até ainda vai acabar a seguir a trajectória do Mussolini e criar um partido "nacionalista"!) - que isso traria ao "Zé" funcionário público ou segurança num hipermercado! Julgo eu que eles não estejam interessados em receber uma bandeirinha de papel para poderem acenar num próximo comício que reuniria o JR ao Mário Machado, ambos apresentados pelo Paulo Portas, como verdadeiros nacionalistas... numa mais do que histórica ambição salazarenta, de finalmente reunir em torno da Nação, famílias ideológicas antagónicas! Nacionalismo? Sim, todos nós sabemos o que isso significa em nações com centenas de anos de existência - não, o nacionalismo em Portugal não tem o mesmo significado que o nacionalismo em Angola ou em Timor...
Mas também todos nós sabemos o que é a UE, o problema é que não perdemos a memória sobre o que era Portugal antes de aderir à CEE!
Parafraseando um revolucionário da nossa praça: «Desconfiem dos que falam da Nação em vez do seu povo!»
Em Angola, depois da independência, conheci um "JR" que, nem um papagaio, repetia ad eternum uma das suas "máximas" preferidas: "a liberdade é supérflua!" Infelizmente, no dia 27 de Maio de 1977, confirmou com a sua própria vida a sua própria retórica!
JR, um desafio: escreva um "post" a explicar em que é que o comum tuga tem a ganhar com a saída de Portugal da UE! Toda essa lengalenga que lhe vejo a recorrer, desde sei lá quando, é paleio para os seu amigos intelectuais enquanto bebem a bica e não dão esmola ao ceguinho porque isso é um acto capitalista...
PS. 1) Não me lembro na História Universal de uma revolução não se desenvolver porque um país pertencia a esta ou aquela organização supranacional... assim como não me lembro de, no geral, um trabalhador preferir ser explorado por um patrão nacional, em vez de um estrangeiro! Ah, e a independência de Portugal até foi proclamada há séculos e o resto é ruído de fundo.
2) E claro, V. até pode atacar os «certos sectores, da esquerda dita alternativa», e/ou os da «esquerda toda moderna, cosmopolita, jovem, culta e tal»... o que me vem à cabeça é que, pelo menos Estaline tinha uma ambição pessoal a justificar a sua atitude - o que V. ganha com isso para além de demonstrar que se estivesse no poder, provavelmente até iniciaria uma purga?

Anónimo disse...

Vergonhoso o comentário dum tal António Vaz. Com processos de intenção e com colagens que têm tanto de desonesto como de asqueroso

Um Mário Machado a fazer exercícios de pantomina? Será que este António gosta que lhe colem à pele os facinoras com que se entretém a debitar?

Um sicário a gritar que quem não ê pela UE é “ provavelmente “ aquilo que o António acha que é

Que asco