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O problema com a proposta do PSD é que propõe que esta nova solução possa coexistir com a anterior (art. 194): a MCC implica a indigitação de um novo primeiro-ministro o qual, se votado favoravelmente por uma maioria de deputados, deverá ser necessariamente aceite pelo presidente; a “moção de censura simples” (a oposição une-se só para fazer cair o governo, sem ser capaz de gerar uma alternativa) faz o governo cair mas passa a implicar necessariamente novas eleições (uma novidade). Portanto, como bem se vê, a proposta do PSD fica aquém das soluções alemã ou espanhola e, portanto, seria quanto muito um paliativo (aquém do desejável) para favorecer a estabilidade dos governos e a formação de oposições responsáveis.
Mas mesmo em Portugal a discussão sobre o reforço da estabilidade dos governos, embora sem se beliscar a representação dos pequenos, já evoluiu mais. Por exemplo, para reforçar a estabilidade dos gabinetes e a formação de oposições responsáveis era desejável que o executivo pudesse converter o orçamento numa espécie de moção de confiança (como em França) só derrubável por quem tivesse um primeiro-ministro e um governo alternativos e com apoio maioritário no Parlamento (“orçamento construtivo”). O PSD também aqui não foi tão longe.
Um dos problemas por vezes apontados pelos constitucionalistas à adopção da MCC em regimes semipresidenciais é que esta solução implica alguma limitação dos poderes do PR. Na verdade, creio que este problema está algo empolado. Por um lado, é óbvio que, para que a medida seja consequente, o PR deve ser “obrigado” a aceitar a solução de governo alternativo decorrente de uma MCC votada favoravelmente (como aliás o PSD propõe). Por outro lado, também é verdade que eventuais governos minoritários que qualquer PR venha a nomear ficarão mais reforçados: os poderes do PR saem por esta via indirectamente robustecidos. Finalmente, ao continuar a deter na íntegra o poder de dissolução do Parlamento, o PR continuará a ser sempre a última ratio do funcionamento do sistema político, a derradeira válvula de escape deste. Neste domínio, o problema da proposta do PSD é a possibilidade que concede ao PR demitir livremente o governo, uma solução que existia até 1982 e que funcionou mal (gerou instabilidade). Esta solução só funciona em regimes onde o PR comanda o partido maioritário, como é tradição em França (mas não em Portugal), e, mesmo assim só em situações de confluência entre a maioria parlamentar e presidencial. Portanto, por um lado, o PSD pegou em algumas boas ideias e operacionalizou-as de forma deficiente e contraditória, prejudicando-as por isso. Por outro lado, parece que não preparou bem as suas próprias propostas pois mal as apresentou começou logo a recuar… Finalmente, algumas boas medidas como a possibilidade de aparentamento de listas nos círculos locais (um incentivo à cooperação entre os partidos: art. 149, 3), a ineligibilidade dos condenados por crimes no exercício de funções públicas (art. 150), ou o fim do quorúm mínimo nos referendos (art. 115, 11) perderam-se com a atenção que certas medidas chave, mas mal operacionalizadas, mereceram. Esperava-se mais ponderação do PSD.
Publicado originalmente no Público, 26/7/2010.