Obrigado Mário Soares
sábado, 7 de janeiro de 2017
sexta-feira, 6 de janeiro de 2017
E estes modelos, para quê?
Em 2008 foram incapazes de perceber que a economia mundial estava à beira do colapso - depois foi o que se viu. No ano passado previram que a economia britânica ia colapsar com o Brexit - e afinal parece ir de vento em popa. O economista-chefe do Banco de Inglaterra vem agora dar a mão à palmatória, reconhecendo que os modelos de previsão macroeconómica habitualmente utilizados reflectem muito mal o mundo tal como ele existe.
É um alerta importante - ainda que velho de barbas - para aqueles que se deixam enfeitiçar pela sofisticação dos modelos matemáticos aplicados à análise económica. Esses modelos são úteis? Podem ser, desde que não esperemos mais deles do que têm para dar. Desde que não façamos deles o princípio e o fim da ciência económica. E desde que não abdiquemos de analisar a evolução económica nos contextos institucionais e políticos em que tem efectivamente lugar.
É um alerta importante - ainda que velho de barbas - para aqueles que se deixam enfeitiçar pela sofisticação dos modelos matemáticos aplicados à análise económica. Esses modelos são úteis? Podem ser, desde que não esperemos mais deles do que têm para dar. Desde que não façamos deles o princípio e o fim da ciência económica. E desde que não abdiquemos de analisar a evolução económica nos contextos institucionais e políticos em que tem efectivamente lugar.
quinta-feira, 5 de janeiro de 2017
quarta-feira, 4 de janeiro de 2017
Amar como o partido de Cristas amou
É difícil não concordar com Assunção Cristas quanto à necessidade de responder com o «radicalismo do amor» ao «radicalismo dos populismos». Na melhor tradição da própria democracia cristã, esta sua recente formulação seria um bom enunciado para devolver credibilidade e esperança a «muita gente que se foi sentindo abandonada, esquecida pela política, pela economia, pela sociedade». No limite, poderíamos até admitir que esta noção inspirou Pedro Mota Soares em 2011, quando defendeu a necessidade de uma «ética social na austeridade». Isto é, uma ação política comprometida com o «tratamento excecional para aqueles que são os mais excluídos e carenciados».
O problema é que existe uma diferença abissal entre a retórica do CDS/PP e as suas escolhas concretas na hora da governação, quando o partido tem a oportunidade de ser consequente e de traduzir em medidas efetivas aquilo que proclama. De facto, ao aumento da pobreza nos últimos anos, induzido pelas políticas de austeridade que diligentemente prosseguiu, o anterior governo - a que pertenciam Cristas e Mota Soares - respondeu com uma redução da cobertura de crianças e jovens em risco de pobreza abrangidos pelo RSI (de 37 para 22%, entre 2011 e 2015) e dos idosos em risco de pobreza abrangidos pelo RSI e CSI (de 74 para 46%, no mesmo período).
Esta estranha forma de concretizar o tal «radicalismo do amor» é particularmente acentuada entre 2011 e 2013 no caso das crianças e jovens: perante o aumento da pobreza nestas faixas etárias, em cerca de 60 mil, o governo opta por cortar o RSI a quase 38 mil menores. E o mesmo se passa com os idosos: perante um aumento contínuo do risco de pobreza (mais 95 mil entre 2012 e 2015), o anterior governo escolhe cortar o RSI e o CSI a quase 77 mil beneficiários com mais de 64 anos. Tudo isto num período em que se aprofundou a já de si desigual distribuição de rendimentos no nosso país.
Não sabemos se os dirigentes do CDS/PP têm noção de que os tais «populismos radicais» florescem com o aumento da pobreza e das desigualdades, indissociáveis de cortes no Estado Social, nos salários e nas pensões, em nome de uma «economia do pingo» que acaba por nunca pingar. O que sabemos é que o partido de Assunção Cristas e Mota Soares é pródigo em alinhavar o discurso conforme a maré, num jogo de insanáveis contradições e de oportunas intermitências entre o «amor» e uns certos «populismos».
O problema é que existe uma diferença abissal entre a retórica do CDS/PP e as suas escolhas concretas na hora da governação, quando o partido tem a oportunidade de ser consequente e de traduzir em medidas efetivas aquilo que proclama. De facto, ao aumento da pobreza nos últimos anos, induzido pelas políticas de austeridade que diligentemente prosseguiu, o anterior governo - a que pertenciam Cristas e Mota Soares - respondeu com uma redução da cobertura de crianças e jovens em risco de pobreza abrangidos pelo RSI (de 37 para 22%, entre 2011 e 2015) e dos idosos em risco de pobreza abrangidos pelo RSI e CSI (de 74 para 46%, no mesmo período).
Esta estranha forma de concretizar o tal «radicalismo do amor» é particularmente acentuada entre 2011 e 2013 no caso das crianças e jovens: perante o aumento da pobreza nestas faixas etárias, em cerca de 60 mil, o governo opta por cortar o RSI a quase 38 mil menores. E o mesmo se passa com os idosos: perante um aumento contínuo do risco de pobreza (mais 95 mil entre 2012 e 2015), o anterior governo escolhe cortar o RSI e o CSI a quase 77 mil beneficiários com mais de 64 anos. Tudo isto num período em que se aprofundou a já de si desigual distribuição de rendimentos no nosso país.
Não sabemos se os dirigentes do CDS/PP têm noção de que os tais «populismos radicais» florescem com o aumento da pobreza e das desigualdades, indissociáveis de cortes no Estado Social, nos salários e nas pensões, em nome de uma «economia do pingo» que acaba por nunca pingar. O que sabemos é que o partido de Assunção Cristas e Mota Soares é pródigo em alinhavar o discurso conforme a maré, num jogo de insanáveis contradições e de oportunas intermitências entre o «amor» e uns certos «populismos».
terça-feira, 3 de janeiro de 2017
Pagar na nossa moeda
Num discurso claro, Carlos Carvalhas defendeu o futuro pagamento da dívida, emitida no quadro legal nacional, na moeda que voltará a ter curso legal no país, ou seja, em escudos. Em artigo posterior, no Público, abordou esta e outras questões relacionadas com a perversa economia política do Euro. Entretanto, Henrique Neto decidiu expor a confusão mais ou menos propositada da sabedoria convencional. Com toda a paciência, Carlos Carvalhas respondeu-lhe hoje: “A lex monetae é um princípio de direito internacional que implica a conversão automática da dívida na nova moeda em curso em Portugal. O que conta não é a nacionalidade dos credores, mas a nacionalidade dos contratos.”
Pela minha parte gostaria de sublinhar um ponto. Henrique Neto está desactualizado: “O Dr. Carlos Carvalhas deve explicar aos portugueses o que fará no caso de o crédito externo ser cortado à República Portuguesa, às empresas portuguesas e aos portugueses em geral.” A verdade é que Portugal tem, graças à desvalorização interna por via da austeridade, um superávite na balança corrente desde 2013, o que significa, grosso modo, que Portugal tem estado a ceder poupança ao exterior nos últimos anos.
Claro que este foi um modo social e economicamente destrutivo de reequilibrar as relações com o exterior, por via da compressão da procura interna, consumo e investimento, públicos e privados, conseguida também graças ao desemprego de massas e à redução dos salários. O investimento é, em percentagem do PIB, cerca de metade do registado nos últimos anos em que houve escudo. Toda a conversa sobre modernização é neste contexto uma fraude.
Para lá do controlo político da finança e dos seus usos, a chamada desfinanceirização, um outro aspecto potencialmente vantajoso da saída do Euro que sublinhamos no livro A Financeirização do Capitalismo em Portugal é o seguinte:
O país terá de adotar uma política monetária inflacionária e uma política orçamental de estímulo à procura. O único constrangimento, de natureza externa, está associado à necessidade de manter uma balança corrente tanto quanto possível equilibrada, assegurando que o país não volta a depender em montantes significativos de endividamento externo. Manter o equilíbrio externo tem de ser um objetivo da política económica, o que exige, entre outros instrumentos, a mobilização da política cambial, assegurando uma taxa de câmbio competitiva, parte de uma política industrial de promoção das capacidades produtivas de um país independente.
No presente contexto, será necessária uma desvalorização cambial acentuada, que torne as nossas exportações globalmente mais baratas e as nossas importações globalmente mais caras, incentivando a produção nacional de bens transacionáveis orientada para os mercados externo e interno, constituindo uma forma mais eficaz e eficiente de garantir o equilíbrio externo do que a desvalorização interna centrada no corte de salários diretos e indiretos.
segunda-feira, 2 de janeiro de 2017
Breve encontro

Encontrámo-nos num dos hotéis de Lisboa. Estava um dia muito agradável, um sol de princípio de verão. Nunca gostei muito de fazer entrevistas antecipadamente estabelecidas como pergunta-resposta, porque sempre achei que as coisas deviam fluir como uma conversa... Mas a entrevista foi isso mesmo. Atkinson tinha uma candura ao mesmo tempo contida e afável. Deixava-nos muito à vontade.
E perpassou igualmente uma sensação de dissabor, de frustração, com tudo o que se estava a acontecer, a desmoronar pela Europa naquele ano maldito de 2012. Quatro anos passados, o ambiente mudou um pouco, mas tudo está ainda por fazer. Que esta conversa não tenha sido em vão.
Leia-se aqui. Espero que o Rui Gaudêncio e o Público me permitam este abuso no uso das fotografias.
Novos alvos
Eis a lista dos paraísos fiscais considerados por Portugal como paraísos fiscais em que se procedeu à eliminação da lista dos paraísos fiscais de Jersey, Ilha de Man e Uruguai... por terem aderido às convenções de troca de informações. A formulação é muito infeliz: "a lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis"...
Para lá da ideia macabra de ter sido retirado da lista o Luxemburgo, mesmo depois de se ter provado que foi aí que se realizaram os acordos mais vergonhosos de isenção fiscal por parte de multinacionais mais ricas do planeta, a dúvida que se suscita é como extinguir estes buracos negros do sistema democrático?
Como é que a social-democracia que sobra considera aceitável que todas as regras e convenções de troca de informação resolvam o problema, quando tudo prova que as regras sejam simplesmente ineficazes?
Como qualificar sistemas que viabilizam e necessitam desses buracos negros como forma de retirar ao controlo democrático o valor criado na sociedade, em proveito privado de uma minoria de pessoas, deixando o sistema fiscal sobre o rendimento incidir sobretudo sobre o valor do trabalho e das pensões?
Para lá da ideia macabra de ter sido retirado da lista o Luxemburgo, mesmo depois de se ter provado que foi aí que se realizaram os acordos mais vergonhosos de isenção fiscal por parte de multinacionais mais ricas do planeta, a dúvida que se suscita é como extinguir estes buracos negros do sistema democrático?
Como é que a social-democracia que sobra considera aceitável que todas as regras e convenções de troca de informação resolvam o problema, quando tudo prova que as regras sejam simplesmente ineficazes?
Como qualificar sistemas que viabilizam e necessitam desses buracos negros como forma de retirar ao controlo democrático o valor criado na sociedade, em proveito privado de uma minoria de pessoas, deixando o sistema fiscal sobre o rendimento incidir sobretudo sobre o valor do trabalho e das pensões?
Pode ser que 2017 seja assim-assim
Há oito anos o mundo passou pela maior crise das últimas oito décadas. Há seis anos a zona euro passou pela maior crise da sua história. Até hoje ainda não se encontrou forma de evitar uma repetição dos problemas que originaram aquelas crises, nem de lidar com as suas consequências.
Como dizia Gramsci, enquanto o velho está a morrer e o novo tarda em nascer, os sintomas mórbidos aparecem. Neste momento parece mais provável que em 2017 se assista à continuação do interregno do que à emergência de uma nova era.
Iremos começar a perceber o que significaram as vitórias do Brexit e de Trump. Iremos também ver quais os danos causados nos sistemas políticos da Alemanha, França e Itália pela combinação da crise internacional, da disfuncionalidade da zona euro e da instabilidade generalizada no Médio Oriente (depois da esperança ingénua das "primaveras árabes"). Talvez não acabe o ano sem assistirmos ao rebentamento de uma grande bolha especulativa (nos EUA? na China?) causada por anos a fio de dinheiro fácil sem criação de emprego.
Pode ser que em Portugal não se dê muito pela acumulação de sintomas mórbidos no quadro mundial. Se o euro continuar a desvalorizar face a dólar, se as taxas de juro continuarem baixas, se o preço do petróleo não subir demasiado, se as políticas orçamentais das maiores economias europeias forem um pouco mais expansionistas, se a taxa de execução dos fundos estruturais acelerar, pode ser que a economia portuguesa não dê pelo estado pouco recomendável do mundo em que vivemos.
(Texto publicado no suplemento Dinheiro Vivo do DN/JN de 31 de Dezembro)
Como dizia Gramsci, enquanto o velho está a morrer e o novo tarda em nascer, os sintomas mórbidos aparecem. Neste momento parece mais provável que em 2017 se assista à continuação do interregno do que à emergência de uma nova era.
Iremos começar a perceber o que significaram as vitórias do Brexit e de Trump. Iremos também ver quais os danos causados nos sistemas políticos da Alemanha, França e Itália pela combinação da crise internacional, da disfuncionalidade da zona euro e da instabilidade generalizada no Médio Oriente (depois da esperança ingénua das "primaveras árabes"). Talvez não acabe o ano sem assistirmos ao rebentamento de uma grande bolha especulativa (nos EUA? na China?) causada por anos a fio de dinheiro fácil sem criação de emprego.
Pode ser que em Portugal não se dê muito pela acumulação de sintomas mórbidos no quadro mundial. Se o euro continuar a desvalorizar face a dólar, se as taxas de juro continuarem baixas, se o preço do petróleo não subir demasiado, se as políticas orçamentais das maiores economias europeias forem um pouco mais expansionistas, se a taxa de execução dos fundos estruturais acelerar, pode ser que a economia portuguesa não dê pelo estado pouco recomendável do mundo em que vivemos.
(Texto publicado no suplemento Dinheiro Vivo do DN/JN de 31 de Dezembro)
sábado, 31 de dezembro de 2016
Ladrões em dezembro
Depois de sete meses consecutivos com um número de visitas superior a 100 mil, o Ladrões de Bicicletas atinge em dezembro de 2016 cerca de 170 mil visualizações. É não só o melhor dezembro de sempre mas também o melhor mês de visitas desde que o blogue foi criado, em abril de 2007.
Este crescimento em 2016 muito deve, evidentemente, ao aumento de likes no facebook (hoje com mais de 7 mil) e do número de seguidores no twitter (superior a 700). Mesmo assim, tudo indica que as notícias sobre a morte dos blogues eram, pelo menos no caso do Ladrões, um pouco exageradas.
Temos portanto boas razões para continuar, nesta transição para um 2017 cheio de sombras, desafios e incertezas, que é preciso debater e enfrentar. Pedalar, pedalar sempre. A todos, votos de um bom ano.
Este crescimento em 2016 muito deve, evidentemente, ao aumento de likes no facebook (hoje com mais de 7 mil) e do número de seguidores no twitter (superior a 700). Mesmo assim, tudo indica que as notícias sobre a morte dos blogues eram, pelo menos no caso do Ladrões, um pouco exageradas.
Temos portanto boas razões para continuar, nesta transição para um 2017 cheio de sombras, desafios e incertezas, que é preciso debater e enfrentar. Pedalar, pedalar sempre. A todos, votos de um bom ano.
sexta-feira, 30 de dezembro de 2016
A Itália na encruzilhada
Tradução livre de parte de um artigo de Jean-Luc Gréau na revista Causeur.
É possível salvar os bancos italianos?
A seguir ao referendo de 4 de Dezembro, a nacionalização do banco Monte dei Paschi di Siena estava na ordem do dia. (…) Na realidade, estão em causa oito bancos, dos quais o célebre Monte dei Paschi ocupa o terceiro lugar quanto ao volume de negócios.
Mas porque é que não se pode fazer com a Itália o que já se fez com a Espanha? Bastariam, segundo os contabilistas especializados, entre 70 e 80 mil milhões de euros de dinheiro público. Há dois obstáculos que formalmente o impedem.
Primeiro, um obstáculo financeiro: a Itália apresenta a segunda maior dívida pública europeia, cerca de 133% do PIB, depois da Grécia que está próxima dos 200% ! Um resgate consequente implicaria uma nova deriva na dívida pública que os enormes esforços de austeridade não conseguiram reduzir por falta de crescimento público.
Mas existe também um obstáculo político: a zona euro está sujeita desde 1 de Janeiro de 2016 às novas regras da união bancária. Regras que comportam uma inovação devastadora: o dinheiro público só pode ser injetado se, antes, forem contabilizadas as perdas dos credores do banco, de acordo com uma regra imposta por Berlim. E quem são os credores? Os outros bancos que fizeram empréstimos ao Monte dei Paschi, mas também, e sobretudo, os seus clientesque subscreveram as obrigações do banco. Estes, são milhões de italianos que tinham confiança nos seus banqueiros, no quadro de uma política de poupança que é específica da península da Europa. Na Itália, país com uma fecundidade baixa, as poupanças são um complemento necessário à futura pensão de reforma. Assim, qual é o governo que ousará impor perdas substanciais à massa dos clientes bancários?
O Fundo Europeu de Estabilidade, que permitiu a manutenção no euro da Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Chipre, poderia ser o último recurso. No entanto, teria de obter o acordo das autoridades europeias, aliás colocadas sob estrita vigilância de Berlim. Porém, a opinião pública alemã já não quer resgatar mais vizinhos falidos. Assim sendo, o resgate dos bancos parece problemático de um duplo ponto de vista, financeiro e político.
O calvário da Itália
(...) O euro teve um duplo papel nesta crise: impediu a desvalorização relativamente aos concorrentes asiáticos e relativamente à Alemanha. O euro é a cruz que a Itália carrega às costas ao longo de um calvário que começou em 1999. O produto italiano por habitante caiu para o nível de 1997. Durante este período, a Itália acumulou, tal como os estados do sul da Europa e a França, défices para com a Alemanha que atingem uma dívida total de 359 mil milhões de euros, enquanto a Alemanha lidera um crédito total de 754 mil milhões sobre o conjunto dos parceiros da zona! Qualquer pessoa entende facilmente que a Itália só tem uma alternativa: carregar a cruz até à sua crucificação final, sob o olhar dos legionários merkelianos, ou rejeitá-la.
Um réveillon sem champanhe
Em vésperas de 2017, a decisão sobre o Monte dei Paschi é o mais importante. O BCE já deu o sinal de alerta sobre “a brutal deterioração da posição líquida” do banco de Siena. O “buraco” nas contas excede largamente o que estava anunciado pelos dirigentes, a saída de depósitos totaliza 20 mil milhões de euros desde 1 de Janeiro, dos quais 2 mil milhões desde 1 de Dezembro. Impõem-se decisões urgentes. Uma coisa é certa: os dirigentes italianos não vão saborear champanhe na noite de São Silvestre.
Para construir mais pensamento

Não terá toda a informação de que gostaríamos - nomeadamente aquela que permite fazer contas ao impacto do aumento do salário mínimo - mas tem muita, mas mesmo muita, informação.
Usem-na bem e tentem construir alternativas a este pensamento tão complexo como dominante que raia até ao subliminar nas mentes de todos nós, ideias que nos têm governado desde a década de 90 e que pugnaram por um autêntico desarme nacional no preciso momento em que precisávamos de ser fortes, tudo sempre alimentado por esferas externas e por falcões, pontas de lança das mais entrincheiradas em estranhas barricadas (como é prova o curriculum vitae na Comissão Trilateral de Jorge Braga de Macedo, onde estão igualmente nomes conhecidos como Carrapatoso (todos juntos no Observador), Luís Amado, António Vitorino... ). Um pensamento que redundou nesta pobre existência de um povo empobrecido e, a julgar pela vontade externa, a continuar empobrecido e dominado para sempre.
Usem esta informação, porque senão outros a usarão por nós.
quarta-feira, 28 de dezembro de 2016
O gado devia ter sido melhor negociado
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Quadros de Pessoal, 2012 |
Primeiro, porque não se trata de uma regalia: trata-se de dignificar o Trabalho, impedindo que haja pessoas que, apesar de trabalhar, sejam pobres.
Segundo, nunca se deveria dar a ideia - às empresas - de que é possível usar a TSU para negociar medidas avulsas e sem que haja alguma prova consistente de que descontos na TSU favoreçam o emprego. As contribuições para a Segurança Social deveriam ser sagradas. Ainda para mais aumentando o apoio dado em 2016, de 0,75 para 1,25 pontos percentuais na TSU patronal de 23,75%, e de forma generalizada, incluindo grandes grupos económicos.
Se em 2016, por cada 25 euros de aumento do salário mínimo (de 505 para 530 euros), o desconto feito foi de 3,9 euros (15,6% do aumento ou 12,8% da massa salarial correspondente), para o aumento que vem para o ano de 27 euros (de 530 para 557 euros), o Estado vai pagar 6,96 euros (ou seja, 24,7% dele ou 20,8% da massa salarial correspondente).
É como se, por um lado, fosse normal criar uma “condição de recursos” para beneficiários sociais, dada a escassez de recursos financeiros da Segurança Social, obrigando-os a provar que não têm dinheito nas contas bancárias nem património; e, por outro, se isente dessa “burocracia” as empresas. Deve ter algo a ver com aquilo que o Presidente da República disse em relação ao acordo: "Quem é que faz o investimento? Os empresários. Portanto tem de haver uma compensação, uma contrapartida, a pensar nos empresários". Ora, que coisa! E os trabalhadores são os beneficiários das empresas?!
Deu para perceber que o ministro do Trabalho José António Vieira da Silva gostaria de não ter de apoiar quem não precisa. Mas o intuito de fechar antes do final do ano um acordo sobre o salário mínimo – consonante com o acordo político – deve tê-lo colocado em estado de necessidade. A ponto do ministro dos Negócios Estrangeiros o ter felicitado naquela forma desabrida. Disse Vieira da Silva, na entrevista que deu ao jornal online Eco: (15:18): “Há sectores da economia que terão mais dificuldades que outros em encaixar este acréscimo de responsabilidades salariais. E nesse sentido tem alguma racionalidade que haja um esforço colectivo que auxilie essas empresas a melhor encaixarem esse acréscimo. Poder-me-á dizer: 'Não são todas as empresas'. É verdade que não são. Mas estas medidas têm sempre esta natureza. Se pudéssemos isolar de forma matemática, científica, esta e aquela empresa que têm mais dificuldade e apoiá-las, a outras que têm menos... Poderá no futuro haver um modelo que se aproxime dessa...” A ideia é os apoios públicos estarem ligados às habilitações literárias do trabalhador. A medida agora aprovada era uma forma de "integrar sectores com dificuldades em integração no mercado de trabalho".
Ora, a redução da TSU patronal para todas os trabalhadores a receber salário mínimo e mesmo aqueles que recebam outras remunerações até 700 euros, está longe desse universo de "empresas em dificuldade".
Não há dados oficiais públicos divulgados que permitam fazer contas. Mas em 2012, os Quadros de Pessoal das empresas – usados pelo Observatório sobre Crises e Alternativas para a elaboração de um estudo sobre o SMN – mostravam que não eram apenas as micro empresas as que usavam pessoal com salário mínimo. É de admitir que, com o aumento para 557 euros, a Segurança Social receberá mais do que perde (e não perde nada porque o Estado vai pagar o desconto). Mas percebe-se que muitas médias e grandes empresas beneficiarão do apoio do Estado. Possivelmente, serão poucas dezenas de milhões de euros, mas são milhões de euros!
Se o Governo não quer criar uma “condição de recursos” para as empresas, talvez possa afunilar este apoio apenas às empresas até certa dimensão. Era o mínimo.
Para fechar e abrir
Tenho defendido que temos de ser apoiantes críticos e críticos apoiantes da solução governativa em vigor. Apoiantes há muitos e alguns andam tão contentes que correm o risco de esquecer que esta solução limitada, dada a correlação de forças, só foi possível devido à histórica regressão verificada e ao encolhimento das expectativas populares, dando o governo sinais contraditórios ao longo do ano, embora desgraçadamente coincidentes a fechar estes dois anos.
Assim, em 2015, o governo fechou mal o ano por causa do Banif; em 2016, o ano fecha com uma chave que é tudo menos de ouro: estou a pensar no uso da TSU para garantir, qual feira, o desnecessário assentimento de patrões medíocres a uma subida do salário mínimo sempre aquém das necessidades, sacrificando neste processo o espírito e letra dos acordos com partidos à esquerda e excluindo a única central sindical que não assina de cruz e que negoceia duramente antes de assinar o que quer que seja, como o caso do salário mínimo já ilustrou no passado.
Há alguma coisa a unir estes dois fechos de ano para lá de más decisões governamentais? Creio que sim: a ausência de instrumentos decentes de política, combinada com a vigilância dos credores externos, no quadro do protectorado europeu, ou seja, alemão. Ter os representantes dos patrões a bordo sinaliza um trajecto para fora, o mesmo que faz com que este governo corra o risco de ser só uma interrupção em matéria de legislação laboral, em geral, e de contratação colectiva, em particular.
E mesmo assim estamos perante um governo que só se livrou de um golpe financeiro por causa da multiplicação de crises que as elites de Bruxelas-Frankfurt tiveram de enfrentar, como bem sublinhou Carlos Carvalhas.
Críticos apoiantes, apoiantes críticos, com nervos de aço: nada que pela esquerda não esteja a ser feito partidariamente. É por estas e por outras que não vejo necessidade, nem de resto a possibilidade real, de espaços políticos de opinião e de intervenção favoráveis a esta solução para lá dos espaços protagonizados pelos partidos que a apoiam.
Deixem-me ser ainda mais claro, concretizando fraternalmente uma chamada de atenção que tinha ficado diplomaticamente implícita num artigo que escrevi: não aprecio a geringonça. Não gosto do nome, irremediavelmente associado à ideia de insegurança (não há como fugir dos significados das palavras), e da coisa, já que duvido que precisemos de um sítio só de boas notícias conjunturais seleccionadas, muitas vezes com duvidosos mecanismos causais em termos de política pública, e de um discurso europeísta em modo de psicologia positiva. É muito mais útil um espaço que, por exemplo, exponha os enviesamentos de uma comunicação social tutelada pelas direitas, que exponha os truques da imprensa.
terça-feira, 27 de dezembro de 2016
A economia em 2016 no espelho retrovisor
Em termos económicos (e não só) este foi um ano vivido com o coração nas mãos. Só em parte isto é explicado pela tendência dos meios de comunicação social e das redes sociais para tratar com dramatismo exacerbado qualquer sinal de que a Terra gira.
Na verdade, a economia portuguesa esteve sobre o fio da navalha ao longo de 2016, numa incerteza política e financeira permanente associada a dois factores principais.
O primeiro foi a tensão que se instalou entre o governo português e as instituições europeias em torno das regras orçamentais. Foi assim em Janeiro e Fevereiro com a elaboração do Orçamento de Estado para 2016, em Abril e Maio com a elaboração do Programa de Estabilidade 2016-2020, e entre Junho e Novembro com a ameaça de sanções a Portugal pelo incumprimento das metas orçamentais nos anos anteriores.
O segundo factor de tensão, não menos relevante que o primeiro, foi a fragilidade revelada pelo sistema financeiro português, acentuada pela entrada em vigor das novas regras da União Bancária da UE. O final de 2015 tinha sido marcado pela resolução do BANIF e pela decisão do Banco de Portugal de recapitalizar o Novo Banco através de uma transferência de obrigações do Novo Banco para o BES. Se o caso BANIF fez abertura de telejornais durante semanas, a complexidade técnica do segundo caso levou a que fosse muito menos enfatizado no debate público. No entanto, foi provavelmente o evento mais marcante para o financiamento da economia portuguesa em 2016. Com aquela decisão do Banco de Portugal alguns grandes bancos internacionais viram fortemente reduzidas as probabilidades de recuperar o dinheiro que haviam investido no antigo BES. Por causa disto alguns dos maiores bancos do mundo (Bank of America, Barclays, BNP Paribas, Deutsche Bank, Credit Suisse, Goldman Sachs, etc.) estiveram durante dois meses de olhos postos em Portugal. Mais do que as suspeitas sobre as intenções da "Geringonça", este processo e a desconfiança que gerou junto dos investidores internacionais explicam grande parte do aumento das taxas de juro da dívida pública portuguesa em 2016.
Ao longo do ano não faltaram motivos para deixar os “mercados financeiros” nervosos: a vitória do Brexit no referendo britânico, as dificuldades de implementação do terceiro resgate à Grécia, os problemas da banca italiana, as intenções assumidas pela Reserva Federal para aumentar as taxas de juro nos EUA, a vitória de Trump nas presidenciais americanas, o referendo constitucional em Itália, os ataques terroristas na Europa e não só. Portugal, como segundo elo mais fraco da zona euro (depois da Grécia) foi particularmente penalizado nos custos de financiamento: a taxa de juro sobre os títulos da dívida pública Portuguesa a 10 anos nos mercados secundários passou de cerca de 2,6% no início para 3,8% no final de 2016. Para um país que tem um dos mais elevados níveis de endividamento público e privado da zona euro, o aumento dos custos de financiamento não podem ser boas notícias. A sombra de um novo resgate – ou de uma ruptura com as amarras da UE – esteve presente ao longo de 2016 e não foi por acaso.
No meio de tanta incerteza e tensão, o ano económico em Portugal correu razoavelmente bem: o emprego aumentou em cerca de 90 mil postos de trabalho, as exportações irão crescer perto de 3,5% em termos reais (apesar da queda de 40% nas exportações para Angola e de 28% nas exportações de produtos petrolíferos refinados), o investimento empresarial cresceu cerca de 1,7% (apesar da quebra de investimento público em mais de 25%). Para tal terão contribuído três factores principais:
• Uma política orçamental menos restritiva por parte do novo governo (e.g., devolução de rendimentos, eliminação da sobretaxa de IRS), dando seguimento ao desafogo pré-eleitoral de 2015.
• A decisão das instituições europeias em minimizar os riscos políticos, num ano que tinha tudo para correr mal. Isto ficou patente na intervenção activa do Banco Central Europeu nos mercados de dívida pública e no financiamento dos bancos da zona euro (permitindo a manutenção de juros baixos), bem como na atitude menos restritiva da Comissão Europeia na interpretação das regras orçamentais europeias (aliviando a pressão sentida no início do ano).
• Um contexto económico internacional razoavelmente favorável, reflectido na continuação dos baixos preços do petróleo (reduzindo assim o valor das importações) e do nível modesto do euro face ao dólar nos mercados cambiais (favorecendo as exportações líquidas).
2016 foi também um ano de oportunidades perdidas. A visibilidade que ganharam - e a polémica que geraram - temas como os paraísos fiscais (em torno do escândalo dos Panama Papers), as alterações climáticas (na sequência da Conferência de Paris sobre o clima), os acordos internacionais de comércio e investimento (com a resistência cidadã ao TTIP e ao CETA), os apelos à adopção de políticas orçamentais menos restritivas na zona euro (feito já não apenas por economistas heterodoxos, mas também pelo FMI, pela OCDE, pelo G20, etc.), ou a guerra na Síria (com as leituras antagónicas sobre a tomada de Alepo pelas forças governamentais), acabaram por não se reflectir em nada de muito substancial.
O ano que agora termina não ficará na memória como aquele em que se deram passos decisivos em algumas das coisas que mais interessam ao mundo: a paz; a redução do desemprego, das desigualdades e das injustiças às várias escalas; a inversão na trajectória da destruição do planeta.
Venha 2017: no ano que agora acaba ficou quase tudo por fazer.
Na verdade, a economia portuguesa esteve sobre o fio da navalha ao longo de 2016, numa incerteza política e financeira permanente associada a dois factores principais.
O primeiro foi a tensão que se instalou entre o governo português e as instituições europeias em torno das regras orçamentais. Foi assim em Janeiro e Fevereiro com a elaboração do Orçamento de Estado para 2016, em Abril e Maio com a elaboração do Programa de Estabilidade 2016-2020, e entre Junho e Novembro com a ameaça de sanções a Portugal pelo incumprimento das metas orçamentais nos anos anteriores.
O segundo factor de tensão, não menos relevante que o primeiro, foi a fragilidade revelada pelo sistema financeiro português, acentuada pela entrada em vigor das novas regras da União Bancária da UE. O final de 2015 tinha sido marcado pela resolução do BANIF e pela decisão do Banco de Portugal de recapitalizar o Novo Banco através de uma transferência de obrigações do Novo Banco para o BES. Se o caso BANIF fez abertura de telejornais durante semanas, a complexidade técnica do segundo caso levou a que fosse muito menos enfatizado no debate público. No entanto, foi provavelmente o evento mais marcante para o financiamento da economia portuguesa em 2016. Com aquela decisão do Banco de Portugal alguns grandes bancos internacionais viram fortemente reduzidas as probabilidades de recuperar o dinheiro que haviam investido no antigo BES. Por causa disto alguns dos maiores bancos do mundo (Bank of America, Barclays, BNP Paribas, Deutsche Bank, Credit Suisse, Goldman Sachs, etc.) estiveram durante dois meses de olhos postos em Portugal. Mais do que as suspeitas sobre as intenções da "Geringonça", este processo e a desconfiança que gerou junto dos investidores internacionais explicam grande parte do aumento das taxas de juro da dívida pública portuguesa em 2016.
Ao longo do ano não faltaram motivos para deixar os “mercados financeiros” nervosos: a vitória do Brexit no referendo britânico, as dificuldades de implementação do terceiro resgate à Grécia, os problemas da banca italiana, as intenções assumidas pela Reserva Federal para aumentar as taxas de juro nos EUA, a vitória de Trump nas presidenciais americanas, o referendo constitucional em Itália, os ataques terroristas na Europa e não só. Portugal, como segundo elo mais fraco da zona euro (depois da Grécia) foi particularmente penalizado nos custos de financiamento: a taxa de juro sobre os títulos da dívida pública Portuguesa a 10 anos nos mercados secundários passou de cerca de 2,6% no início para 3,8% no final de 2016. Para um país que tem um dos mais elevados níveis de endividamento público e privado da zona euro, o aumento dos custos de financiamento não podem ser boas notícias. A sombra de um novo resgate – ou de uma ruptura com as amarras da UE – esteve presente ao longo de 2016 e não foi por acaso.
No meio de tanta incerteza e tensão, o ano económico em Portugal correu razoavelmente bem: o emprego aumentou em cerca de 90 mil postos de trabalho, as exportações irão crescer perto de 3,5% em termos reais (apesar da queda de 40% nas exportações para Angola e de 28% nas exportações de produtos petrolíferos refinados), o investimento empresarial cresceu cerca de 1,7% (apesar da quebra de investimento público em mais de 25%). Para tal terão contribuído três factores principais:
• Uma política orçamental menos restritiva por parte do novo governo (e.g., devolução de rendimentos, eliminação da sobretaxa de IRS), dando seguimento ao desafogo pré-eleitoral de 2015.
• A decisão das instituições europeias em minimizar os riscos políticos, num ano que tinha tudo para correr mal. Isto ficou patente na intervenção activa do Banco Central Europeu nos mercados de dívida pública e no financiamento dos bancos da zona euro (permitindo a manutenção de juros baixos), bem como na atitude menos restritiva da Comissão Europeia na interpretação das regras orçamentais europeias (aliviando a pressão sentida no início do ano).
• Um contexto económico internacional razoavelmente favorável, reflectido na continuação dos baixos preços do petróleo (reduzindo assim o valor das importações) e do nível modesto do euro face ao dólar nos mercados cambiais (favorecendo as exportações líquidas).
2016 foi também um ano de oportunidades perdidas. A visibilidade que ganharam - e a polémica que geraram - temas como os paraísos fiscais (em torno do escândalo dos Panama Papers), as alterações climáticas (na sequência da Conferência de Paris sobre o clima), os acordos internacionais de comércio e investimento (com a resistência cidadã ao TTIP e ao CETA), os apelos à adopção de políticas orçamentais menos restritivas na zona euro (feito já não apenas por economistas heterodoxos, mas também pelo FMI, pela OCDE, pelo G20, etc.), ou a guerra na Síria (com as leituras antagónicas sobre a tomada de Alepo pelas forças governamentais), acabaram por não se reflectir em nada de muito substancial.
O ano que agora termina não ficará na memória como aquele em que se deram passos decisivos em algumas das coisas que mais interessam ao mundo: a paz; a redução do desemprego, das desigualdades e das injustiças às várias escalas; a inversão na trajectória da destruição do planeta.
Venha 2017: no ano que agora acaba ficou quase tudo por fazer.
segunda-feira, 26 de dezembro de 2016
Bancarrotas
«Que se passa no mundo de hoje que, quando um banco entra em bancarrota, aparecem imediatamente somas escandalosas para o salvar, mas quando há esta bancarrota da humanidade, não há nem uma milésima parte para salvar esses irmãos que sofrem tanto?»
Perguntava o Papa Francisco, em novembro passado. No mesmo dia em que cerca de duas mil e duzentas pessoas, que viajavam em treze botes sobrelotados, eram resgatadas pela guarda costeira italiana. No mesmo ano em que mais de cinco mil e pessoas perderam a vida, nas águas do Mediterrâneo.
sábado, 24 de dezembro de 2016
Nem caramelo nem chocolate
Mas sim uma fotografia de dunas com neve, no deserto do Sahara, perto da pequena cidade de Ain Sefra, na Argélia, a cerca de mil metros de altitude, onde não nevava há quarenta anos. Boas Festas!
sexta-feira, 23 de dezembro de 2016
O falso problema da dívida pública
A esquerda que faz da reestruturação da dívida pública o eixo do seu discurso comete um erro estratégico: sugere ao povo que um dos sintomas da crise é a causa da própria crise. Como o povo não é estúpido, evidentemente suspeita de que não lhe querem dizer a verdade toda.
No fim de contas, o discurso é pouco convincente porque toda a gente percebe que dentro do euro nada de relevante se fará a respeito da dívida - nem depois das eleições alemãs, das últimas, das próximas ou das futuras - e fica-se com a sensação de que a omissão da causa da crise - a participação na zona euro e o seu bloqueio ao desenvolvimento do país - se deve a receios e divisões ideológicas internas. Enquanto não tivermos em Portugal uma grande coligação política - uma frente de libertação do euro - a dizer sem papas na língua que o euro nos tornou um protectorado da Alemanha, não haverá luz ao fundo do túnel.
quinta-feira, 22 de dezembro de 2016
Utopias há mesmo muitas
A filosofia pessimista da história de Benjamim manifesta-se de maneira particularmente aguda na sua visão do futuro europeu: «Pessimismo em toda a linha. Sim, na verdade, e totalmente. Desconfiança quanto ao destino da literatura, desconfiança quanto ao destino da liberdade, desconfiança quanto ao destino do homem europeu, mas sobretudo desconfiança tripla diante de qualquer acomodação: entre as classes, entre os povos, entre os indivíduos. E confiança ilimitada apenas na I. G. Farben e no aperfeiçoamento pacífico da Lutfwaffe».
Essa visão crítica permite a Benjamim perceber – intuitivamente, mas com uma estranha acuidade – as catástrofes que esperavam a Europa, perfeitamente resumidas na frase irónica sobre a «confiança ilimitada». Evidentemente, mesmo ele, o mais pessimista de todos, não podia prever as destruições que a Lutfwaffe iria infligir às cidades e populações civis europeias; e ainda menos imaginar que a I. G. Farben, passados apenas doze anos, se destacaria pelo fabrico do gás Ziklon B utilizado para «racionalizar» o genocídio, e que as suas fábricas empregariam, na casa das centenas de milhares, a mão de obra de prisioneiros de campos de concentração. Entretanto, único entre os pensadores e dirigentes marxistas daqueles anos, Benjamim teve a premonição dos monstruosos desastres que podia engendrar a civilização industrial/burguesa em crise.
Excerto do ensaio de Michael Löwy sobre “a filosofia da história de Walter Benjamim”, um dos oito magníficos “ensaios sobre política, história e religião” deste investigador marxista franco-brasileiro, agora reunidos em livro Utopias. Parte importante do que houve, do que há, de mais interessante no marxismo passa pelos autores expostos nestas páginas: a valorização das suas correntes ditas quentes, o romantismo revolucionário, sem esquecer as articulações com as suas correntes ditas frias, mais cientistas, por assim dizer; as relações complexas com a “abundância utópica” das religiões, que não se resumem à frase descontextualizada sobre o “ópio do povo”; o resgate da memória dos perdedores, o respeito por todos os que lutaram, como base para uma história dos de baixo com futuro; a hipótese da emancipação de que não se desiste e que não está garantida por nada, até porque se tem consciência do espectro da regressão e da perda; a permanente imaginação de uma comunidade com escala humana, olhando para o passado em busca de pistas: não há assim nenhum paradoxo quando fala a certa altura numa “sociedade pós-capitalista enraizada em valores pré-capitalistas”.
Entretanto, o que é eu mais aprecio no trabalho de Löwy, o que faz dele um modelo para quem se interessa por história das ideias em movimento, é o seguinte: para lá da erudição e do radicalismo, para lá da escolha de temas difíceis, da religião à questão nacional, é a forma simples, tão acessível quanto pode ser possível, como expõe a complexidade das relações, tantas vezes inesperadas, entre várias tradições intelectuais, como nos ajuda a ter consciência, em textos enxutos e depurados, da riqueza e da diversidade da tradição marxista, sem ao mesmo tempo a diluir numa sopa onde cabe tudo. E não a dilui porque não perde o norte: a verdade há-de estar na totalidade sistémica, do capitalismo às suas alternativas no passado, no presente e no futuro.
Muito bem editado, com organização e enquadramento gerador de debate da autoria de José Neves, beneficiando da colaboração do próprio Löwy, que no próximo ano estará entre nós para assinalar os cem anos dos dias que mudaram o mundo, este é definitivamente um pequeno grande livro.
Das ideias feitas, «que se arrastam pelos corredores dos media e afins»

Pedro Lains, Lição do ano.
quarta-feira, 21 de dezembro de 2016
O outro lado do SMN: a negociaçao colectiva
Todos os economistas estão de acordo em aumentar o salário mínimo nacional (SMN). Mas depois há uns que vêem mais os problemas em aumentá-lo. Aonde é que, na sua ideia, surge esse problema?
Surge quando, ao aumentar o salário mínimo, esse aumento fá-lo aproximar-se do salário mediano (seta amarela) – ou seja, aquele valor que separa a metade inferior do universo dos assalariados da metade superior. Por outras palavras, quanto mais o SMN se aproximar do mediano, maior o risco do aumento do SMN se reflectir na escala salarial.
E qual é o problema disso? Ah! Aqui surgem todos os argumentos da fragilidades das empresas, da concorrência e da competitividade nacional que, tudo junto, fazem com que, nos últimos anos, os salários tenham perdido peso na distribuição do rendimento em favor dos lucros, contribuindo para uma maior desigualdade. E isso sem resolver o problema de competitividade que se propunham combater.
Quando se analisa o 3º relatorio sobre o SMN, verifica-se que, em 2015, se havia 21% dos trabalhadores a ganhar o SMN (!), o conjunto da massa salarial afecta a eles representa apenas 7,6% do total! Isso devido a uma grande desigualdade salarial. Muitos recebem pouco, mas poucos recebem muito. Ou seja, um aumento de 5% no SMN representa um aumento da massa salarial total de 0,5% (sem contar com os novos trabalhadores abrangidos)! E quanto contaria isso para os preços finais? Os salários contam com menos 20% dos custos de produção! Mas dos outros – os denominados “custos de contexto” (lindo nome, não é?) - nunca se fala. Vai se falando, mas nunca se ataca o problema porque atinge outras empresas. Fala-se agora no acordo chegado na concertação social, mas para que se estude - mais uma vez - o problema...
Ora, o que é que está a acontecer em Portugal? Em Portugal, esse “problema” da relação entre o salário mediano e o SMN existe.
Porquê? Porque o salário mediano se mantém incrivelmente baixo (782 euros). Recorde-se que o SMN foi aumentado para 557 euros. Algo que mostra a elevada desigualdade salarial existente em Portugal face a outros países da Europa.
E por que se mantém o salário mediano tão baixo? Ah! Aqui surgem todos os argumentos da fragilidades das empresas, da concorrência e da competitividade nacional... etc, etc.
Na verdade, para as empresas, surge como uma espiral virtuosa: Quando mais se pressionar os salários médios para baixo – vidé esvaziamento da negociação colectiva – mais o salário mediano baixa, mais se aproxima do SMN e menos probabilidade haverá de aumentar o SMN (com base nestes argumentos). E supostamente, tudo isso deveria diminuir o desemprego. Mas não é isso que se vê: o desemprego aumentou e desceu independentemente do SMN ter sido congelado ou aumentado.
Para os trabalhadores, surge como uma espiral recessiva: quanto mais baixo o salário médio, mais baixa o mediano, menos aumenta o SMN, maior a pobreza entre os assalariados. E isso sem que os novos empregos tenham ordenados dignos. Segundo o 3º relatório do SMN, quase 40% dos novos contratos eram pagos com o SMN, contribuindo para a aproximação do salário mediano do mínimo...
Portanto, há duas formas de resolver a questão:
1) Manter esta lógica assente em 20% dos custos das empresas – em que o SMN tem de ser aumentado com apoio do Estado porque as empresas se recusam a aceitá-lo...;
2) Inverter a lógica e criar alguma ansiedade para o lado das empresas, fortalecendo a negociação colectiva e fazendo o ordenado mediano aumentar (seta vermelha no grafico).
Como se enquadra o acordo chegado sobre o SMN? Isso fica para outro post.
Fonte: 3º Relatorio do SMN
Surge quando, ao aumentar o salário mínimo, esse aumento fá-lo aproximar-se do salário mediano (seta amarela) – ou seja, aquele valor que separa a metade inferior do universo dos assalariados da metade superior. Por outras palavras, quanto mais o SMN se aproximar do mediano, maior o risco do aumento do SMN se reflectir na escala salarial.
E qual é o problema disso? Ah! Aqui surgem todos os argumentos da fragilidades das empresas, da concorrência e da competitividade nacional que, tudo junto, fazem com que, nos últimos anos, os salários tenham perdido peso na distribuição do rendimento em favor dos lucros, contribuindo para uma maior desigualdade. E isso sem resolver o problema de competitividade que se propunham combater.
Quando se analisa o 3º relatorio sobre o SMN, verifica-se que, em 2015, se havia 21% dos trabalhadores a ganhar o SMN (!), o conjunto da massa salarial afecta a eles representa apenas 7,6% do total! Isso devido a uma grande desigualdade salarial. Muitos recebem pouco, mas poucos recebem muito. Ou seja, um aumento de 5% no SMN representa um aumento da massa salarial total de 0,5% (sem contar com os novos trabalhadores abrangidos)! E quanto contaria isso para os preços finais? Os salários contam com menos 20% dos custos de produção! Mas dos outros – os denominados “custos de contexto” (lindo nome, não é?) - nunca se fala. Vai se falando, mas nunca se ataca o problema porque atinge outras empresas. Fala-se agora no acordo chegado na concertação social, mas para que se estude - mais uma vez - o problema...
Ora, o que é que está a acontecer em Portugal? Em Portugal, esse “problema” da relação entre o salário mediano e o SMN existe.
Porquê? Porque o salário mediano se mantém incrivelmente baixo (782 euros). Recorde-se que o SMN foi aumentado para 557 euros. Algo que mostra a elevada desigualdade salarial existente em Portugal face a outros países da Europa.
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Fonte: 3º Relatorio do SMN |
E por que se mantém o salário mediano tão baixo? Ah! Aqui surgem todos os argumentos da fragilidades das empresas, da concorrência e da competitividade nacional... etc, etc.
Na verdade, para as empresas, surge como uma espiral virtuosa: Quando mais se pressionar os salários médios para baixo – vidé esvaziamento da negociação colectiva – mais o salário mediano baixa, mais se aproxima do SMN e menos probabilidade haverá de aumentar o SMN (com base nestes argumentos). E supostamente, tudo isso deveria diminuir o desemprego. Mas não é isso que se vê: o desemprego aumentou e desceu independentemente do SMN ter sido congelado ou aumentado.
Para os trabalhadores, surge como uma espiral recessiva: quanto mais baixo o salário médio, mais baixa o mediano, menos aumenta o SMN, maior a pobreza entre os assalariados. E isso sem que os novos empregos tenham ordenados dignos. Segundo o 3º relatório do SMN, quase 40% dos novos contratos eram pagos com o SMN, contribuindo para a aproximação do salário mediano do mínimo...
Portanto, há duas formas de resolver a questão:
1) Manter esta lógica assente em 20% dos custos das empresas – em que o SMN tem de ser aumentado com apoio do Estado porque as empresas se recusam a aceitá-lo...;
2) Inverter a lógica e criar alguma ansiedade para o lado das empresas, fortalecendo a negociação colectiva e fazendo o ordenado mediano aumentar (seta vermelha no grafico).
Como se enquadra o acordo chegado sobre o SMN? Isso fica para outro post.
Quatro notas sobre os rankings de escolas
1. A maior parte dos jornais, rádios e televisões que constroem e divulgam rankings de escolas, a partir dos resultados dos exames disponibilizados pelo Ministério da Educação, é hoje mais exigente na interpretação dos dados, começando por fim a abdicar da lógica inane que resulta da simples ordenação das médias dos exames para sentenciar quais são as melhores e as piores escolas. A necessidade de enquadrar os resultados com dados de contexto (como as habilitações escolares dos pais ou o perfil socioeconómico das famílias), ou com dados relativos ao percurso escolar dos alunos, é cada vez mais evidente e assumida.
2. O Ministério da Educação permitiu que se desse um passo importante neste sentido ao criar o indicador relativo aos «percursos diretos de sucesso», que permite aferir o progresso dos alunos através da comparação entre os resultados da avaliação e as notas de entrada no ciclo, possibilitando assim uma aproximação muito mais substantiva e fiável à análise do desempenho das escolas. Recorrendo a este indicador, como fez a Rádio Renascença, obtém-se de facto um retrato bastante diferente daquele que resulta da simples ordenação de médias. Se no «ranking convencional» (ordenação de médias) a concentração de escolas privadas entre os cinquenta primeiros lugares ronda os 53%, no «ranking alternativo» («percursos diretos de sucesso»), esse valor cai para 34%, passando as escolas públicas a integrar, em muito maior número, os lugares cimeiros da lista.
3. Subsistem contudo vícios e enviesamentos graves na informação disponível, que distorcem de forma irremediável a comparação entre os estabelecimentos de ensino público e do ensino privado (incluindo o privado com contrato de associação). De facto, as escolas privadas continuam a não disponibilizar dados de contexto, isto é, informação de caracterização dos alunos e das suas famílias, transformando os exercícios de ordenação que assentam exclusivamente nas médias dos exames numa perfeita anedota, dadas as indisfarçáveis diferenças entre os alunos que as frequentam relativamente ao perfil dos alunos do ensino público. E isto para já não falar das práticas instituídas de inflação de notas no privado, que cavam ainda mais fundo o fosso das desigualdades, desde logo aberto com as conhecidas práticas, também elas instituídas e sistemáticas, de seleção de alunos.
4. Enquanto se pretender continuar a elaborar «rankings» de escolas, é essencial resolver este défice de informação. Tal como é essencial que este tipo de exercícios sirva sobretudo para a reflexão interna das escolas (reforçando ainda mais, para esse efeito, os indicadores disponíveis) e para a identificação - por cada comunidade educativa - dos aspetos a melhorar, tendo em vista o aumento dos níveis de inclusão e de sucesso escolar. De facto, a educação não é uma competição entre escolas (era esse o principal desejo dos defensores dos rankings, desde a primeira hora) e menos ainda uma corrida em que as desvantagens de partida são ignoradas no momento de fazer comparações. Existe realmente muito mais vida nas escolas para lá dos rankings e é muito mais o que eles ocultam do que aquilo que revelam.
2. O Ministério da Educação permitiu que se desse um passo importante neste sentido ao criar o indicador relativo aos «percursos diretos de sucesso», que permite aferir o progresso dos alunos através da comparação entre os resultados da avaliação e as notas de entrada no ciclo, possibilitando assim uma aproximação muito mais substantiva e fiável à análise do desempenho das escolas. Recorrendo a este indicador, como fez a Rádio Renascença, obtém-se de facto um retrato bastante diferente daquele que resulta da simples ordenação de médias. Se no «ranking convencional» (ordenação de médias) a concentração de escolas privadas entre os cinquenta primeiros lugares ronda os 53%, no «ranking alternativo» («percursos diretos de sucesso»), esse valor cai para 34%, passando as escolas públicas a integrar, em muito maior número, os lugares cimeiros da lista.
3. Subsistem contudo vícios e enviesamentos graves na informação disponível, que distorcem de forma irremediável a comparação entre os estabelecimentos de ensino público e do ensino privado (incluindo o privado com contrato de associação). De facto, as escolas privadas continuam a não disponibilizar dados de contexto, isto é, informação de caracterização dos alunos e das suas famílias, transformando os exercícios de ordenação que assentam exclusivamente nas médias dos exames numa perfeita anedota, dadas as indisfarçáveis diferenças entre os alunos que as frequentam relativamente ao perfil dos alunos do ensino público. E isto para já não falar das práticas instituídas de inflação de notas no privado, que cavam ainda mais fundo o fosso das desigualdades, desde logo aberto com as conhecidas práticas, também elas instituídas e sistemáticas, de seleção de alunos.
4. Enquanto se pretender continuar a elaborar «rankings» de escolas, é essencial resolver este défice de informação. Tal como é essencial que este tipo de exercícios sirva sobretudo para a reflexão interna das escolas (reforçando ainda mais, para esse efeito, os indicadores disponíveis) e para a identificação - por cada comunidade educativa - dos aspetos a melhorar, tendo em vista o aumento dos níveis de inclusão e de sucesso escolar. De facto, a educação não é uma competição entre escolas (era esse o principal desejo dos defensores dos rankings, desde a primeira hora) e menos ainda uma corrida em que as desvantagens de partida são ignoradas no momento de fazer comparações. Existe realmente muito mais vida nas escolas para lá dos rankings e é muito mais o que eles ocultam do que aquilo que revelam.
terça-feira, 20 de dezembro de 2016
Ao café com Vítor Bento sobre o SMN
Primeira linha de defesa: "É um tema difícil porque mistura a emoção com a razão", "a justiça aparente" com a "justiça real, que é aquilo que pode ser. E aquilo que pode ser é-nos desagradável e é por isso que reagimos de forma muito emotiva". "É óbvio que o SMN é muito baixo, como são baixos todos os salários", corrigindo depois para "em geral".
--> Pois, não são todos os salários que são muito baixos. Há salários muito baixos e salários muito altos, o que faz com que um aumento do SMN pese muito pouco na massa salarial conjunta. E por isso é fundamental fazer contas antes de argumentar. Mas já lá vamos.
Segunda linha de defesa. Aumentar o SMN tem mais "consequências adversas" que os benefícios porque há muita gente com SMN. Há 30% dos assalariados e este número tem vindo a aumentar: "isto significa que e uma variável restritiva. E está cada vez mais próximo do salário mediano". "Somos a segunda ou terceira economia da OCDE com uma relação mais elevada entre o SMN e o salário mediano". E "temos um desemprego muito elevado".
--> Mas depois - já não falando do facto de, se há uma elevada percentagem de trabalhadores com SMN, é porque há uma elevada probabilidade de pessoas trabalharem e serem pobres - a ideia de Bento não resiste ao mínimo embate de actualização de números: Não, não são 30%, são 21,1% diz o último relatório oficial trimestral de acompanhamento do SMN. Não, não somos a segunda ou terceira economia da OCDE, mas somos "das mais elevadas" da OCDE. "Pronto, ok", diz Vitor Bento. E pega num artigo do Luís Aguiar-Conraria, que é da Universidade do Minho, publicado no Observador. E fecha com a ideia: "Eu não tenho opinião, não fiz cálculos, se 557 euros é muito, se é pouco, mas temos de ter em atenção que...", rematou Bento.
Terceira linha de defesa: "Os estudos credenciados e credíveis dizem que um aumento do SMN pode levar a uma redução do emprego". Um aumento de 1% pode levar à queda do emprego de 1 a 2%".
--> E depois escolhe o estudo - entre centenas que existem, segundo o Ricardo - que vai ao encontro da teoria que defende...
Quarta linha de defesa: "O salário mínimo pode criar desemprego" ao dificultar a vida das empresa e impedir mais emprego.
--> Mas depois não rebate os números existentes que mostram que um aumento do SMN tem um impacto marginal na massa salarial. E isso porque a assimetria salarial é de tal ordem que o encargo com SMN mal pesa nos salários pagos. O Ricardo Paes Mamede fez referência à sua experiência no Ministério da Economia em 2008 e chegou a um valor "irrisório" do aumento do SMN (0,13% da massa salarial), mas há um ano o Observatório sobre Crises e Alternativas fez essas contas com base nos Quadros de Pessoal de 2012 e chegou à mesma conclusão. Uma subida na altura de 505 para 532 euros (aumento de quase 30 euros) , representaria mais 0,6% da massa salarial das empresas em geral, que por sua vez representariam 0,13% dos custos totais de produção! E mesmo que fosse de 505 para 600 euros representaria um aumento de 2,9% da massa salarial e de 0,6% dos custos totais de produção!
Quinta e última linha de defesa: "O tecido empresarial nacional é o que é e é feito de micro-empresas".
--> Mas depois não apresenta números sobre o impacto nesse universo de empresas. Ora, o estudo já citado do Observatório conclui que mesmo para as micro-empresas (com 40% do seu pessoal com SMN) e para os sectores mais trabalho intensivos (vestuário = 78% do pessoal) o impacto seria relativamente pequeno.
Micro-empresas: Aumento de 505 para 532 euros corresponderia a aumento da massa salarial de 1,5%. Se fosse para 600 euros (mais 95 euros) o aumento seria de 6,1%.
Vestuário: Aumento de 505 para 532 euros representaria uma subida da massa salarial de 3,1% no vestuário. Se fosse para 600 euros (mais 95 euros) o aumento seria de 11,3%.
A conversa de café é ilusória, mas é tão eficaz. Porque nos obriga a falar de tanta coisa para contestar uma ideia (mal) feita.
segunda-feira, 19 de dezembro de 2016
As palavras são importantes
«Por alguma razão as relações laborais são reguladas pelo Código do Trabalho, não pelo Código da Colaboração.
Por alguma razão na Constituição da República Portuguesa o seu artigo 58 fala em Direito ao Trabalho e não em Direito à Colaboração.
Por alguma razão o feriado do 1º de Maio que celebra as conquistas laborais se chama Dia do Trabalhador e não Dia do Colaborador.
Parece-me cada vez mais claro que a utilização do termo colaborador em vez de Trabalhador serve, por vezes sem que quem o utiliza se dê conta, para mascarar a existência de classes sociais dentro de uma empresa ou organismo do Estado. Vai na linha da utilização da expressão, Entidade Empregadora, que tenta reduzir unicamente ao positivo a verdadeira expressão, Entidade Patronal.
Um trabalhador vende a sua força de trabalho tem, como os seus patrões, direitos e deveres. Um colaborador não vende necessariamente a sua força de trabalho e não tem nada na lei que regule a sua colaboração.
Bom dia de trabalho para todos.»
Pedro Mendonça, Pensamentos avulsos sobre Colaborador Vs Trabalhador
Por alguma razão na Constituição da República Portuguesa o seu artigo 58 fala em Direito ao Trabalho e não em Direito à Colaboração.
Por alguma razão o feriado do 1º de Maio que celebra as conquistas laborais se chama Dia do Trabalhador e não Dia do Colaborador.
Parece-me cada vez mais claro que a utilização do termo colaborador em vez de Trabalhador serve, por vezes sem que quem o utiliza se dê conta, para mascarar a existência de classes sociais dentro de uma empresa ou organismo do Estado. Vai na linha da utilização da expressão, Entidade Empregadora, que tenta reduzir unicamente ao positivo a verdadeira expressão, Entidade Patronal.
Um trabalhador vende a sua força de trabalho tem, como os seus patrões, direitos e deveres. Um colaborador não vende necessariamente a sua força de trabalho e não tem nada na lei que regule a sua colaboração.
Bom dia de trabalho para todos.»
Pedro Mendonça, Pensamentos avulsos sobre Colaborador Vs Trabalhador
domingo, 18 de dezembro de 2016
A inevitabilidade da reestruturação da dívida: Não há como esconder o elefante na sala de visitas...
Tudo é Economia - Choque de Ideias (12 Dezembro)
O problema da dívida impagável está na ordem do dia. De acordo com o Orçamento de Estado para 2017, a despesa com juros da dívida pública representa 4.4 pontos percentuais (p.p.) da riqueza criada (o Produto Interno Bruto) enquanto que o crescimento nominal dessa riqueza é de apenas 3.9 p.p.. A sustentabilidade no longo prazo está assim comprometida pelo designado efeito bola de neve que implica um aumento de 0.5 p.p. ao ano. As autoridade europeias pretendem contrariar esta insustentabilidade impondo superavits primários ao longo das próximas décadas nunca vistos nas economias europeias nos últimos 30 anos. O impacto deste grau de austeridade sobre a procura agregada interna, sobre a formação bruta de capital, sobre o Estado Social e sobre os direitos humanos é relegado para plano secundário. Para as instituições europeias a primazia dos credores financeiros sobrepõe-se ao risco de um ciclo vicioso de estagnação, ou mesmo de depressão, económica, social e sobre os direitos humanos, que é relegado para plano secundário.
Apesar da primazia dada aos credores financeiros, começa a existir um consenso interno sobre a necessidade de uma reestruturação da dívida pública. Ela é entendida como fundamental para a revitalização da economia. São múltiplas as vozes dentro do governo que assumem a necessidade de uma restruturação da dívida no contexto da União Europeia. Talvez por isso, Marcelo Rebelo de Sousa se tenha visto obrigado a calar essas vozes relegando essas discussões para o plano teórico e retirando-lhes peso político, referindo que a discussão sobre a reestruturação da dívida é "prematura e extemporânea". Estranha-se esta atitude por parte de alguém com o seu percurso. Alguém que tão bem sabe que tudo é político, cuja gestão da sua carreira assentou sobre essa premissa.
Importa referir que para além daquelas declarações, Marcelo Rebelo de Sousa tem que assumir a responsabilidade da escolha política que está a defender. Ficou bem claro que ao pretender adiar a resolução do problema da dívida, escolheu prolongar o resgate aos credores financeiros em detrimento do povo português, prolongando a violação do princípio da igualdade entre credores e devedores e, subsequentemente, co-responsabilização das partes.
O crescente consenso sobre a inevitabilidade da restruturação da dívida pública parece estar também presente nas escolhas do recém lançado programa “Tudo é economia”. Na verdade, o primeiro programa escolheu para a rúbrica “Choque de ideias”, que oporá semanalmente Ricardo Paes Mamede a Victor Bento, o escaldante tema da restruturação da dívida (ver a partir do minuto 24).
Só é pena que a visão excessivamente economicista e moralizadora de Victor Bento se tenha ficado por uma análise custo-benefício hermeticamente focada na antecipação da distribuição de recursos (é isso que a dívida é teoricamente) que não possuíamos. Esta visão é parcial e excessivamente preocupada em apurar culpados. Estes são os suspeitos do costume: o Estado sobredimensionado e os portugueses que viveram acima das suas possibilidades.
Porém, como Ricardo Paes Mamede demonstrou a única despesa pública que aumentou nos últimos 20 anos foi a despesa com a segurança social. Sabe-se também que a maior parcela do endividamento das famílias, de acordo com dados de 2010, é com a hipoteca da casa (80% do endividamento das famílias e apenas 11.6% nos 10% mais pobres), fundamental para ter acesso a um direito constitucional, o direito à habitação, quando o Estado se desresponsabiliza dessa obrigação. Na verdade, há muito que o Estado desinveste em habitação social, cujas rendas sociais ou apoiadas representam apenas 1.7% dos alojamentos (68 mil fogos) enquanto que as cooperativas de habitação representam apenas 0.8% do parque habitacional.
Em suma, o aumento da despesa pública foi com o crescimento da dívida que resultou do resgate à banca após a crise, o que aumentou o serviço da dívida, em especial a despesa com os juros da dívida pública que entre 2007 e 2017 passaram de 2.7% para 4.3% do PIB, de €4.6 mil milhões para €8 mil milhões. Ora acontece que para isto não é isenta a arquitectura institucional do Euro, que em muito contribuiu para a perda de competitividade portuguesa e para a assunção desmesurada de riscos pelo sistema financeiro.
Ricardo Paes Mamede ainda tentou alargar o âmbito do debate direcionando-o para formas de resolução do problema nos dias que correm. Porém, Victor Bento não vinha preparado para isso dado que a sua visão superficial apenas contempla a necessidade de sujeição dos devedores quando se “sentam à mesa com os credores”, dado que estes serão sempre entidades menos recomendáveis por “quererem não para o que devem”. Questões como não ter forma de pagar, o custo social e humano que implica angariar fundos para o cumprimento da dívida, a injusta transferência de riqueza para aqueles que tem liquidez, ou no caso do Estado, o retrocesso ou mesmo a violação de direitos humanos constitucionalmente aprovados que isso implica, a perda de sectores estratégicos, e lucrativos em alguns casos, para a economia portuguesa, com a sua venda ao desbarato, são aspectos inexistentes ou secundários para uma perspectiva neoliberal.
Perdeu-se uma oportunidade de debater a resolução do problema da dívida, que é o assunto que preocupa os portugueses neste momento.
sábado, 17 de dezembro de 2016
Entre a ameaça e o desejo
«Temos quase a certeza de que haverá uma nova crise, não sabemos quando, mas haverá. Nós gostaríamos de estar bem preparados para a enfrentar quando ela acontecer e ainda não estamos» (declarações de Pedro Passos Coelho num debate sobre o Futuro da Europa e o Plano Juncker, que ontem se realizou no Porto).
E vem-nos à memória a aquela frase batida. A frase que se atribui a Marco António Costa e que, adaptada às circunstâncias atuais, fica mais ou menos assim: «ou tens uma crise na Europa e em Portugal ou tens eleições no teu partido».
sexta-feira, 16 de dezembro de 2016
Arquivar o salário mínimo numa gaveta funda
O debate hoje no Parlamento, da iniciativa do PCP, sobre o Salário Mínimo Nacional (SMN), foi elucidativo do pensamento da direita. A sua tentativa é, sempre na prática, evitar que suba, embora sempre fingindo que tem de ser um assunto a negociar entre confederações e sindicais.
Foi exemplar a intervenção da deputada Clara Marques Mendes - a deputada de 46 anos, da família dos Marques Mendes, que não queria ser deputada e que chegou a S. Bento, não por ser militante do PSD, mas por ter recebido um convite da concelhia do PSD de Fafe para um lugar elegível: Deve ser a concertação social, as confederações patronais e sindicais, a determinar o montante do SMN e não o governo, porque "isso não é diálogo: é imposição".
No mesmo sentido, foi a intervenção de Filipe Anacoreta Correia do CDS - de 44 anos, da família de um histórico daquele partido, um ex-adviser na Presidência do Conselho de Ministros no Governo Durão/Santana Lopes, advogado do escritório PLMJ e deputado desde 2015: Que decidir sobre o SMN é uma "desvalorização da concertação social, muito irresponsável". Que "temos todos de criar condições para criar rendimento, o rendimentos das empresas". Por outras palavras, o SMN só deve aumentar com o aumento da produtividade, ou seja, só pode haver aumentos se esse aumento não alterar a actual repartição de rendimento entre lucros e salários.
Já não falamos naquelas célebres declarações de Passos Coelho, porque o PSD já nem quer falar dele. Mas os dois deputados advogados esquecem tudo o que se passou desde Março de 2011 a 2015 na Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS), presidida pelo Governo. Nesse período, a CPCS discutiu o tema do SMN cinco vezes (cinco!). Os parceiros queriam discuti-lo, mas o Governo chutou literalmente para canto. O debate na concertação social sobre o SMN é um caso paradigmático de como se adiou um problema, por falta de vontade política. Repetidamente, o assunto era proposto, era sempre prometida a sua discussão, mas nunca realizada.
Mas depois os deputados nunca se esquecem de dizer que foi o PS quem congelou o SMN ao negociar o Memorando com a troika. É verdade, mas escamoteiam que o Memorando sempre foi a sua cartilha do PSD/CDS, assumido como programa de governo. Pior, quando o PSD sempre se reivindicou a autoria do Memorando.
Veja-se: este é um resumo que se retira da leitura da totalidade das actas da CPCS.
Foi exemplar a intervenção da deputada Clara Marques Mendes - a deputada de 46 anos, da família dos Marques Mendes, que não queria ser deputada e que chegou a S. Bento, não por ser militante do PSD, mas por ter recebido um convite da concelhia do PSD de Fafe para um lugar elegível: Deve ser a concertação social, as confederações patronais e sindicais, a determinar o montante do SMN e não o governo, porque "isso não é diálogo: é imposição".
No mesmo sentido, foi a intervenção de Filipe Anacoreta Correia do CDS - de 44 anos, da família de um histórico daquele partido, um ex-adviser na Presidência do Conselho de Ministros no Governo Durão/Santana Lopes, advogado do escritório PLMJ e deputado desde 2015: Que decidir sobre o SMN é uma "desvalorização da concertação social, muito irresponsável". Que "temos todos de criar condições para criar rendimento, o rendimentos das empresas". Por outras palavras, o SMN só deve aumentar com o aumento da produtividade, ou seja, só pode haver aumentos se esse aumento não alterar a actual repartição de rendimento entre lucros e salários.
Já não falamos naquelas célebres declarações de Passos Coelho, porque o PSD já nem quer falar dele. Mas os dois deputados advogados esquecem tudo o que se passou desde Março de 2011 a 2015 na Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS), presidida pelo Governo. Nesse período, a CPCS discutiu o tema do SMN cinco vezes (cinco!). Os parceiros queriam discuti-lo, mas o Governo chutou literalmente para canto. O debate na concertação social sobre o SMN é um caso paradigmático de como se adiou um problema, por falta de vontade política. Repetidamente, o assunto era proposto, era sempre prometida a sua discussão, mas nunca realizada.
Mas depois os deputados nunca se esquecem de dizer que foi o PS quem congelou o SMN ao negociar o Memorando com a troika. É verdade, mas escamoteiam que o Memorando sempre foi a sua cartilha do PSD/CDS, assumido como programa de governo. Pior, quando o PSD sempre se reivindicou a autoria do Memorando.
Veja-se: este é um resumo que se retira da leitura da totalidade das actas da CPCS.
quinta-feira, 15 de dezembro de 2016
O senhor Subir Lall e a realidade
Há qualquer coisa de Italo Calvino no modo como Nicolau Santos escreveu recentemente sobre o senhor Subir Lall. É talvez na forma como se refere ao traço de «regularidade» que o chefe de missão do FMI deixa nas suas visitas ao nosso país, com o «desembarque trimestral no aeroporto Humberto Delgado, para avaliar o andamento das contas públicas e da economia portuguesa», ou as litúrgicas declarações à imprensa, no final das visitas, para ditar as sentenças «sobre o que devemos fazer e quão longe estamos de chegar ao paraíso económico que ele imagina para nós».
Mas existe pelo menos uma diferença particularmente saliente entre o senhor Palomar de Italo Calvino e o senhor Subir Lall do FMI. Se o primeiro se permite que o mundo o interpele, alimentando a sua reflexão e pondo em causa as suas percepções e convicções, já o segundo (ou a instituição que representa, não sabemos ao certo), parece ficar sempre imperturbável perante quaisquer sinais da realidade, como se esta fosse apenas uma máquina tão bem regulada e conhecida que é incapaz de surpreender ou de abalar as sólidas certezas.
É que, aparentemente, não há mesmo maneira de o senhor Subir Lall reconhecer o quão infundadas se revelaram as suas teses sobre os impactos negativos do aumento do salário mínimo na criação de emprego, ou a necessidade de introduzir ainda mais «reformas laborais» no mercado de trabalho português. Por mais que entre pelos olhos dentro a trajetória de evolução do emprego em Portugal ao longo de 2016, naquele que é o mais robusto crescimento na UE28 e na zona euro. Nada. Aconteça o que acontecer, a missa será sempre a mesma e as advertências e conjuras não se deslocam um milímetro.
Mas o que surpreende ainda mais é que esta ausência de interação entre o senhor Subir Lall e a realidade tem um duplo sentido: não só o chefe de missão do FMI parece não conseguir apreender os impactos devastadores que resultaram da aplicação da sua receita a Portugal, como se mostra incapaz de reconhecer os efeitos que a suspensão dessa mesma receita gerou no emprego e na economia. O senhor Subir Lall será sempre muito bem-vindo, claro, mas não deixa de fazer sentido perguntar: se é para não ter contacto com a realidade, que vem tecnicamente o chefe de missão do FMI fazer ao nosso país, com a sua trimestral regularidade?
quarta-feira, 14 de dezembro de 2016
Ir às origens
O estudo [sobre crises económicas e saúde mental em Portugal], ao analisar as evoluções na saúde mental ocorridas neste período [2008-2015] – que coincide com a eclosão da crise financeira internacional e com a aplicação a Portugal de destruidores programas de austeridade –, regista um significativo agravamento das depressões e das perturbações de ansiedade. Note-se que isto acontece num país que já em 2008 tinha uma prevalência de doença mental superior à média europeia (e em crise desde o início do século, curiosamente) (…) Este é um dos retratos mais eloquentes das políticas de austeridade como construção do sofrimento na vida das pessoas comuns. De um sofrimento que se vai generalizando e intensificando – e que vai demorar muito tempo até ser revertido. Para o combater, os autores do estudo apontam, como lhes compete, medidas de reforço na área da saúde e de uma assistência médica (que não pode limitar-se à prescrição de fármacos, antidepressivos e ansiolíticos) dirigida para os grupos mais afectados, dos idosos aos jovens, e com especial atenção às situações familiares mais desestruturadas, o que implica apostar em serviços integrados e de proximidade. Mas desfazer o sofrimento que os números da doença mental revelam (e ainda se aguardam os dados dos suicídios ou do consumo do álcool) não é tarefa apenas para os profissionais da saúde. Fazê-lo exige, justamente, mudanças de políticas em todos os determinantes sociais e económicos que estão a montante da doença.
Sandra Monteiro, Desfazer o sofrimento, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Dezembro.
A área dos determinantes sociais da saúde é das mais radicais pela forma como tem tornado rigorosamente visível uma parte dos custos sociais do regime ainda dominante de economia política: a injustiça social tem feito mesmo muito mal à saúde. Esta é, creio, uma das dimensões da certeira tese do Papa Francisco, segundo a qual esta economia mata.
Entretanto, deixo-vos o sumário de um número com muito para ler: “Um extenso dossiê para se compreender as eleições nos Estados Unidos; as intervenções de Serge Halimi e de Mário Mesquita sobre media no Colóquio dos 10 anos do jornal; as contradições entre o discurso sobre a ‘redução da pobreza dos idosos’ e a defesa da Segurança Social, por Maria Clara Murteira; a precariedade no trabalho científico e propostas para alterar a lei este mês em discussão, por Paulo Granjo; as razões do caos na Venezuela e uma cartografia sobre quem são os rebeldes sírios para se perceber este sangrento conflito. E ainda Jean Ziegler sobre a ONU, uma discussão sobre as ambivalências do projecto dos ‘bens comuns’, uma reportagem em território sami, entre renas e mineiros, e um cartoon de Vasco Gargalo em formato de poster para guardar.”
terça-feira, 13 de dezembro de 2016
Acabar com o Natal ou com o Conselho de Finanças Públicas?
A Presidente de um dos ecos nacionais de Bruxelas, o Conselho de Finanças Públicas, Teodora Cardoso, deu mais uma entrevista, desta vez ao Negócios e à Antena 1. Não destaco as banalidades sobre o crescimento sem instrumentos decentes de política ou a defesa do controlo estrangeiro sobre o sistema financeiro. Realmente, eco de outras paragens.
Destaco, isso sim, a sua breve definição de Natal: “é uma época para consumir, o que não é muito positivo para Portugal”. Pareceu-me a versão macroeconómica de um célebre artigo de microeconomia, publicado na American Economic Review, sobre a ineficiência do Natal, um daqueles exercícios imperialistas para avaliar as interacções sociais pela bitola do mercado idealizado e sem fronteiras.
No caso de Cardoso, trata-se também de algo sinistro, versão economia da oferta com todo o habitual moralismo imoral: o tempo passado fora do trabalho é uma ameaça, a devolução de rendimentos e de tempo de lazer são uma ameaça. É a enésima versão do gastam tudo em vinho.
Aproveito para deixar um lembrete: em todo o liberal há um elitista autoritário em potência. Vem ao de cima quando as crises sistémicas, geradas com o contributo desta ideologia, surgem, como historiadores atentos, caso de Manuel Loff, bem sabem. E deixo um pequeno contributo para eliminar gorduras desnecessárias: acabar com o Conselho de Finanças Públicas.
segunda-feira, 12 de dezembro de 2016
Leituras
«O PISA é um modelo de avaliação por competências, de base marcadamente construtivista, na forma como os seus itens são construídos. Se reconhecemos o valor de provas que mobilizam conhecimentos desta forma, terá de haver coerência no discurso em torno dos pressupostos que subjazem à sua conceção. Não se pode um dia banir a palavra competência do sistema educativo e, no dia seguinte, enaltecer as provas que avaliam competências.»
João Costa, O sucesso escolar não tem dono
«Se sairmos da simplificação absurda da coincidência temporal, estes resultados não são mérito de nenhuma medida em particular porque correspondem a uma evolução de 15 anos em que tudo conta, desde a escolarização da família até ao estado de degradação das escolas, desde as coisas positivas como a rede de bibliotecas escolares e o Plano Nacional de Leitura, como as menos positivas como o abandono da formação de professores.»
Joana Mortágua, PISA 2015, resultados inclinados?
«Tão importante como o reconhecimento do impacto positivo das políticas educativas foi o ambiente de consenso com que foram recebidos os resultados. (...) É, contudo, irónico que a perspetiva reacionária que tomou conta do sector da educação no espaço do centro-direita, e que nunca escondeu a sua desconfiança face às políticas desenvolvidas em Portugal desde os anos noventa, se tenha apressado a reclamar louros por estes resultados.»
Pedro Adão e Silva, Que diferença faz?
«Com estes resultados, cai por terra a ideia do "facilitismo" e de que os jovens "hoje sabem menos". Nada mais falso. Têm conhecimentos diferentes, maior capacidade de sistematizar informação e adaptá-la em contextos distintos, mas são hoje inegavelmente mais qualificados. E também há questões metodológicas importantes, como o facto de os alunos encaminhados para as vias vocacionais por Nuno Crato não serem avaliados, o que melhora os resultados.»
Fernando Medina, Uma excelente notícia
«Não fossem tantas as retenções e estaríamos entre os primeiros da OCDE, diz quem fez as contas com os parâmetros do PISA. Porque falo de facilitismo? Porque apostar numa avaliação contínua que detete o aluno que está a ficar para trás e ter um plano de recuperação para ele é muitíssimo mais difícil e exigente do que chumbar quem não acompanhou a matéria. É esta exigência que nos falta.»
Daniel Oliveira, A tal década perdida
domingo, 11 de dezembro de 2016
Dívida e controlo
Nada mais claro. E nada mais actual, como se pode ler no post anterior do João Rodrigues.
Este curto diálogo é um excerto de um pequeno filme The International, divulgado em plena crise financeira (2009). Claro que o resto do filme é mais uma enorme correria, com montes de tiros, heróis/actores e aquela tom azulado-cartão de visita dos filmes de "acção", do que a ideia de que de nada vale derrubar um banco porque outro o substituirá. Não é a ideia de que o sistema explica as peças, mas mais que é impossível derrubar o sistema, porque o sistema é isto: omnipresente, somos nós ("o nosso modo de vida") e não há outro. Ou então, mata-se chefe do banco mau, e todos viveram felizes desde então. As duas mensagens passam no fim.
Aliás, tivesse eu tempo tentaria investigar sobre a importância - actualidade e intenção - do cinema norte-americano mainstream e dos filmes que se passam a cada minuto no cabo.
Assim como, nos anos vinte, a Revolução Russa ergueu a arte do cinema ao instrumento de mostrar o que não se vê, impregnada da vivacidade desses esperançosos tempo de mudança ("é preciso dar ao povo o que ele não sabe"), hoje o cinema que nos é entregue em casa parece promover um denso cocktail de combinação de valores conservadores ("é preciso dar ao povo o que ele quer", "não arrisques porque perderás"), visões do que se passa a cada minuto (género: "os russos são o inimigo", "devemos matar os nossos inimigos sem julgamento") e, mais do que tudo, de interpretações da História, como forma de a refazer a cada momento, para corroborar o que se pretende na actualidade ("Quem domina o presente, domina o passado e quem domina o passado, domina o futuro").
Mas de ora em quando há momentos de lucidez neste carrocel. Como se, nesta imensa letargia, nos despertassem num instante, nos seduzissem com o sabor da vida, para melhor nos adormecer de seguida, com uma avalanche de imagens/ideias sem valor. Sem risco. Medrosas e corrompidas.
Este curto diálogo é um excerto de um pequeno filme The International, divulgado em plena crise financeira (2009). Claro que o resto do filme é mais uma enorme correria, com montes de tiros, heróis/actores e aquela tom azulado-cartão de visita dos filmes de "acção", do que a ideia de que de nada vale derrubar um banco porque outro o substituirá. Não é a ideia de que o sistema explica as peças, mas mais que é impossível derrubar o sistema, porque o sistema é isto: omnipresente, somos nós ("o nosso modo de vida") e não há outro. Ou então, mata-se chefe do banco mau, e todos viveram felizes desde então. As duas mensagens passam no fim.
Aliás, tivesse eu tempo tentaria investigar sobre a importância - actualidade e intenção - do cinema norte-americano mainstream e dos filmes que se passam a cada minuto no cabo.
Assim como, nos anos vinte, a Revolução Russa ergueu a arte do cinema ao instrumento de mostrar o que não se vê, impregnada da vivacidade desses esperançosos tempo de mudança ("é preciso dar ao povo o que ele não sabe"), hoje o cinema que nos é entregue em casa parece promover um denso cocktail de combinação de valores conservadores ("é preciso dar ao povo o que ele quer", "não arrisques porque perderás"), visões do que se passa a cada minuto (género: "os russos são o inimigo", "devemos matar os nossos inimigos sem julgamento") e, mais do que tudo, de interpretações da História, como forma de a refazer a cada momento, para corroborar o que se pretende na actualidade ("Quem domina o presente, domina o passado e quem domina o passado, domina o futuro").
Mas de ora em quando há momentos de lucidez neste carrocel. Como se, nesta imensa letargia, nos despertassem num instante, nos seduzissem com o sabor da vida, para melhor nos adormecer de seguida, com uma avalanche de imagens/ideias sem valor. Sem risco. Medrosas e corrompidas.
sábado, 10 de dezembro de 2016
Quem manda mesmo aqui?
Em Novembro de 2013, queixava-me do seguinte: durante meses a fio tivemos de suportar os euro-iludidos com a narrativa das eleições alemãs; aguentem, depois é que pode começar a mudança na Europa, diziam.
Agora, em final de 2016, falta menos de um ano para as novas eleições legislativas alemãs e já recomeçou o discurso aparentemente euro-iludido: aguardemos por 2017, diz-se, então as coisas podem começar a mudar depois das eleições alemãs; por exemplo, no que à renegociação da dívida diz respeito.
Nada mudará para melhor pela Alemanha, claro, dado o consenso ordoliberal entranhado numa potência credora: a renegociação da dívida é sempre para ir sendo feita nos tempos e nos termos dos credores, para ir sendo usada como instrumento de condicionalidade política, garantindo a neoliberalização das economias políticas nacionais periféricas, sobretudo no campo onde quase tudo se decide, o das relações laborais, ou seja, garantindo custos salariais, directos e indirectos, relativamente baixos para os capitais que circulam por aí a partir do centro.
A Grécia, em greve geral esta semana contra este regime externo e os seus executantes internos, aí está a ilustrar pela enésima vez a economia política europeia da dívida. O eco de Bruxelas cá no burgo, também conhecido pelo nome de Conselho de Finanças Públicas, também confirma à sua ideológica maneira isto.
E como isto está tudo ligado, não causará admiração que um governo que não quer tomar qualquer iniciativa na área da dívida, com receio das implicações de tal acto de desobediência em termos da pertença a uma zona monetária disfuncional, seja também um governo que, pelos vistos, não quer mexer nas regras laborais regressivas herdadas da troika e do seu espírito nos anos anteriores à agressão externa, em particular na área onde as vitórias de classe foram mais fortes: a destruição da contratação colectiva. Se isto se confirmar, a política de um governo apoiado pelas esquerdas será apenas um momento temporário de travagem do tal comboio rumo ao abismo.
Na melhor das hipóteses, tal dever-se-á ao facto de não se querer afrontar o eixo Bruxelas-Frankfurt numa área que este segue com particular atenção. Não preciso de dizer mais nada sobre a natureza da integração europeia e das suas instituições de suporte. Já só não vê, quem não quer mesmo ver. Sejamos francos: o aprofundamento da crise de legitimação destas instituições controladas pela grande potência da zona, fruto do agudizar das contradicções que lhe são inerentes, é uma condição necessária, se bem que obviamente não suficiente, para mudar as regras viciadas deste jogo e para dar mais margem de manobra aos governos democráticos nacionais das periferias.
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