domingo, 12 de janeiro de 2020

Quem tem ganho com o corte de impostos de Trump?

Quando, em Novembro de 2017, Trump assinou a lei "Tax Cuts and Jobs Act" que reduziu a taxa de imposto sobre as empresas de 35% para 21%, o enorme benefício para o setor empresarial foi justificado pelo que ia trazer em investimento e criação de emprego nos EUA. A ideia não é nova e costuma ser defendida à direita como estratégia de desenvolvimento. A história, no entanto, tem sido outra, como argumentam os economistas William Lazonick, Mustafa Sakinç e Matt Hopkins num artigo publicado esta semana na Harvard Business Review.

Ao contrário do reinvestimento dos lucros prometido, os autores apontam que as empresas têm gasto o dinheiro noutros lados: "Só em 2018, num ano em que os lucros empresariais foram impulsionados pelo Tax Cuts and Jobs Act de 2017, o conjunto das empresas representadas no Índice S&P 500 foram responsáveis por 806 mil milhões de dólares em recompra de ações, cerca de 200 mil milhões acima do recorde anterior, registado em 2007. Os 370 mil milhões em recompra de ações que estas empresas fizeram na primeira metade de 2019 mantém-nas a caminho de um total anual que apenas é superado pelo de 2018."

A compra das próprias ações (buybacks) é uma forma das empresas aumentaram artificialmente o seu valor bolsista e distribuir o lucro pelos acionistas. A manipulação do preço beneficia gestores de topo cuja remuneração depende do desempenho da empresa. O problema é que, ao fazê-lo, não só reduzem a liquidez disponível na empresa para investir ou fazer face a choques como aumentam a instabilidade financeira, ao contribuírem para uma bolha no mercado de ações. Pior, o FMI alertou recentemente que uma parte importante das recompras têm sido financiadas com recurso a dívida - o endividamento das empresas norte-americanas tem batido recordes nos últimos tempos, o que as deixa ainda mais vulneráveis face à próxima recessão.

Em vez de serem reinvestidos no desenvolvimento da capacidade produtiva, na aquisição de novos equipamentos ou no reforço dos salários, os lucros das empresas têm sido canalizados para buybacks. De facto, como é notado no artigo, mais de metade destas empresas não registou qualquer investimento em investigação e desenvolvimento (I&D) em 2018. Mas o problema adensa-se: esta redistribuição do lucro pelos acionistas, num contexto de fraco crescimento dos salários, implica que as desigualdades não pararam de aumentar nos últimos anos.

É aqui que entra o corte de impostos de Trump, que explica o salto nos buybacks observado em 2018. A margem dada às empresas permitiu-lhes aumentar o volume de recompras sem recorrer a crédito. É o que explica casos como o da FedEx: em 2017, a empresa pagou 1,5 mil milhões em impostos; com o corte de impostos de Trump, pagou 0$ em 2018. O reinvestimento dos lucros foi diminuto, mas a poupança fiscal permitiu à empresa gastar este ano mais de 2 mil milhões na compra das próprias ações e em aumentos de dividendos para os acionistas.

A conclusão é clara: o Estado perde receita fiscal e capacidade de financiar os serviços públicos, enquanto os acionistas recebem a fatia de leão dos ganhos. Os rendimentos de capital aumentam, as desigualdades acentuam-se e cresce a vulnerabilidade financeira das empresas. É a racionalidade do mercado a funcionar.

10 comentários:

Jose disse...

Baixar o imposto não reduz a zero o imposto a pagar.
O impacto da recompra no lucro tributável não é descrito.
O efeito da política monetária de baixos juros que viabiliza o endividamento para a recompra, tão pouco.
A recompra consome e gera liquidez por igual montante.
Evidente é que o resultado é uma valorização largamente artificiosa.

tempus fugit à pressa disse...

é o mercado a funcionar sem regulamentação eficiente

Anónimo disse...

José alardeia mais uma vez a sua ignorancia.

Haja uma alminha caridosa que lhe explique que a política "monetária de baixos juros" não é uma "escolha" de per si. É uma consequência indesejável da estagnação e uma ferramenta para evitar males maiores.

A recompra não consome e gera liquidez por igual montante se fôr feita com recurso ao crédito, como tem sido costume até ao corte de impostos de Trump. Se há recurso ao crédito aumenta a liquidez.
Se a recompra de acções é feita com o uso de lucros que assim escapam à tributação tal significa que são recursos que o estado iria gastar estimulando a economia por via da procura que são "congelados", valorizando o mercado accionista mas retirando liquidez de circulação. E como não se trata de investimento em aumento de capacidade nem de produtividade é uma mera operação especulativa. Casino, portanto.

Pior ainda. Até como modo de gerar mais-valias artificialmente é um processo ineficiente e arriscado. Se eu comprar acções próprias por 100$ hoje e daqui a um ano valerem os mesmo 100$ a empresa está a perder dinheiro porque a valorização não acompanhou a maior escassez da acção no mercado. Em termos simples gastei dinheiro para ficar na mesma, o que não é uma operação rentável do ponto de vista da empresa.
Muitas empresas americanas fizeram operações de recompra a preços superiores às cotações actuais. Isso significa que "queimaram" somas de capital astronómicas.

Por outro lado muitas dessas empresas estão voluntáriamente e técnicamente insolventes porque sabem que os juros nunca poderão subir sob pena de afundarem sectores inteiros da economia americana. São as chamadas companhias "zombie". Informem-se!

Anónimo disse...

Se esse José é empresário é tão incompetente que não admira que tenha que andar a esmifrar os "colaboradores". LOL

João Pimentel Ferreira disse...

Já a Uber, a malfadada empresa para a esquerda, não distribui dividendos desde que foi criada e todo o lucro é reusado em I&D. Para a esquerda é à vontade do freguês, i.e., qualquer argumento serve para criticar o que lhe apraz.

O desemprego desde que Trump tomou posse nunca parou de descer.

E o crescimento económico americano na era Trump está bem e recomenda-se.

Jose disse...

(Regime das acções próprias)
1 - Enquanto as acções pertencerem à sociedade, devem:
a) Considerar-se suspensos todos os direitos inerentes às acções, excepto o de o seu titular receber novas acções no caso de aumento de capital por incorporação de reservas;
b) Tornar-se indisponível uma reserva de montante igual àquele por que elas estejam contabilizadas.

O rebéubéu está sempre fácil...saber qual seja o regime EUA fica para mais tarde.

Anónimo disse...

Olha o Pimentel a tentar vender o seu peixe podre!

Então vamos lá à UBER. Os gastos em I&D da UBER são uma das histórias mais mal contadas de todos os unicórnios.
Os carros sem condutor têm ainda muitos problemas por resolver. Um deles é o custo dos sensores. Outro é a fiabilidade de todo o sistema.
Depois temos os carros voadores que iriam acabar com os engarrafamentos. Além do balanço energético escandaloso que isso implicaria, ainda falta saber como evitar as colisões quando a densidade de veículos aumentasse. Já tentou conduzir um hovercraft dentro da cidade? Não? Agora pense na manobrabilidade de um hovercraft em 3D.
Na realidade os programas arrojados de R&D da Uber destinam-se a aliciar investidores a apostar numa empresa que joga na criação de um monopólio porque é a uma forma de se tornar rentável.
A UBER é uma empresa que não tem um modelo de negócio rentável. Perde dinheiro desde o início e apenas sobrevive com injecções maciças de capital.
E sabe porquê? Porque na realidade é uma empresa de baixa tecnologia disfarçada de Hi-Tec.

É o mesmo que chamar a um chulo um empresa de serviços de alta tecnologia só porque agora usa smartphone.

https://www.news.com.au/finance/business/travel/uber-would-need-to-quadruple-fares-to-become-profitable-expert-claims/news-story/df96001b40f6d9bf0412714e7362b64a

Claro que isto já não é novidade e todos os que têm a boa informação fogem de um objecto voador que não tem sustentabilidade. Não é de estranhar que as acções estejam cotadas abaixo do preço da IPO (Oferta Pública de Venda).
Travis Kalanick, primeiro CEO da UBER, logo que as acções que detinha foram liberadas do embargo apressou-se a passá-las a patacos. Ora, quando os ratos abandonam o navio na última escala só passageiros muito burros embarcam. O gráfico das cotações é bastante óbvio.

https://www.zerohedge.com/markets/travis-kalanick-dumps-20-uber-stake-after-lockup

O Business Insider até veicula algumas informações interessantes, mas para saber o que é relevante ou não é preciso saber ler. Pimentel claramente não sabe.
Felicidades ao Pimentel se estiver investido em UBER! Quando tiver o seu carro voador mostre-o ao pessoal! LOL

Anónimo disse...

O José confunde micro com macro. É o que dá ler sem perceber aquelas coisas maradas libertário-neoclássicas.

Quando se diz que uma operação de recompra financiada por empréstimo gera liquidez estamos a falar ao nível macro em que as operações de concessão de crédito aumentam a massa monetária em circulação. Repare-se que não estamos a discutir onde é que essa liquidez é injectada, que no caso dos buybacks é apenas mais dinheiro apostado no casino, nada chega à economia real.

Mas muito pior é quando esses buybacks são feitos com os lucros extra provenientes do corte de impostos, porque nesse caso se está a drenar liquidez da economia real em proveito apenas dos bónus das administrações, muitas vezes em detrimento até dos interesses das empresas.

"When companies borrow billions to then blow that moolah on buying their own shares that then promptly decline in value, it doesn’t create a loss on the income statement. Instead, those billions quietly go up in smoke. What’s left behind? Fewer shares outstanding, piles of additional debt, mauled cash balances, and much higher financial risk."

https://www.zerohedge.com/news/2016-03-21/share-buybacks-turn-toxic

"In 2018 compared with 2017, corporate tax revenues declined to $205 billion from $297 billion, hypothetically increasing the financial capacity of U.S.-based corporations to do as much as $92 billion more in buybacks in 2018 without taking on debt. Given that from 2017 to 2018 stock buybacks by S&P 500 companies increased by $287 billion (from $519 billion to $806 billion), the reality is that, through the corporate tax cuts, the federal government essentially funded $92 billion in buybacks by issuing debt and printing money to replace the lost corporate tax revenues."

E através dos cortes de impostos transformados em buybacks, o contribuinte subsidia as grandes empresas aumentando o défice.

"Since the total federal government deficit increased by $114 billion (from $665 billion in 2017 to $779 billion in 2018), we can (again hypothetically) think of $92 billion of this additional government debt as taxpaying households’ gift to business corporations to enable them to do even more buybacks debt-free, shifting the debt burden of stock buybacks from corporations to taxpayers.

https://www.zerohedge.com/markets/finance-professors-buybacks-done-open-market-repurchases-should-be-banned

E claro, parabéns ao Vicente Ferreira por mais uma boas malhas.

João Pimentel Ferreira disse...

Diz que a Uber vive num regime de monopólio. A sério? Apenas em Lisboa há a Uber, a Bolt e a Kapten. Será que o chulo com smartphone tem mais de 300 patentes de invenção em seu nome?
https://www.google.com/search?tbo=p&tbm=pts&hl=en&q=inassignee:uber&num=10
Esperar que estes "cientistas sociais" percebam alguma coisa de tecnologia, é como esperar que um jumento saiba cantar a Traviata.

Jose disse...

Micro-macro...vão as empresas privadas condicionar a sua gestão aos efeitos macro?

Quanto a eventuais manobras do proletariado de topo para sacar benefícios das empresas - que desde que os donos do capital não exercem a gestão são a moderna praga de dirigentes predadores - funda-se em tradição antiga e no novel capitalismo popular.

Mas aí é ainda na área financeira (o mesmo é dizer política) que está a origem do problema.
Recordo um tempo em que os bancos não transacionavam valores mobiliários e os corretores não ganhavam por transacção. Agora até lhes põem os juros a negativo...