terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Feirar

No passado domingo, cheguei meia hora antes à Aveleira, concelho de Penacova. Só lá tinha passado, nunca lá tinha parado. O termómetro do carro marcava 8º, mas a sensação térmica era certamente inferior, caia aquela chuva molha-tolos.

Andava a namorar umas alheiras desde a última feira, a dos 7, em Bencanta, nos arredores de Coimbra; um camarada, com conversa e ar de bom garfo, já me tinha recomendado o vendedor, Alexandrina & Teresinho. Lá estava. Desta vez levantei dinheiro. Aproveitei também para comer um pão com chouriço, acabado de sair do forno de lenha. Os frangos já rodavam. Há um Jorge Jesus com utilidade para a sociedade, como se pode ver.


O nosso socialismo virá sempre com mercados, em modo de economia mista, como está plasmado na Constituição da República Portuguesa de 1976, o documento-guia, cristalização da relação de forças no melhor momento da nossa história.

E, às dez horas em ponto, lá estavam elas e eles, com moinhos – ou serão gigantes? – em pano de fundo e com Fernando Teixeira a dirigir a orquestra a que me juntei. Estavam poucos vendedores e poucos consumidores na feira. Umas poucas centenas de panfletos foram distribuídos à cidadania, com boa aceitação e alguma conversa, estava mais gente no clube recreativo, com uma salamandra aconchegante e tudo. 


Havia alguns corpos baixos, curvados e envelhecidos pelo trabalho duro, dentições marcadas pela falta de medicina dentária no SNS. Um dia, numa conferência de história do pensamento económico, conheci um especialista sueco na economia política de Jean-Jacques Rousseau. Falámos sobre Portugal e sobre a Suécia: o que mais o impressionou no país, perguntei; a má dentição dos portugueses, respondeu. Foi o início de uma conversa instrutiva. Passei a prestar muito mais atenção aos sorrisos.

Na Aveleira, conheci uma enfermeira, que conhece muita gente e que trabalha na velha prisão benthamiana de Coimbra, pretexto para breve conversa sobre o perfil dos presos e dos seus problemas, incluindo de saúde mental. A economia política do cuidado salva e as enfermeiras são a sua melhor encarnação profissional.

A chuvinha não parava, estava um céu cinza. Regressei por Vale de Canas, de volta a Coimbra. No carro passava música dos terríveis anos 1980 e eu gosto mais dessa música açucarada do que se calhar devo. Trouxe também uma caixa de morangos espanhóis, ato fora de época e nada patriótico, bem sei, mas cheiravam bem e eram vermelhos.

É difícil fazer política no ponto de consumo, que também é de cidadania, mas fizemos o melhor de que fomos capazes, nas circunstâncias dominicais que foram as nossas. 

As alheiras de caça, com batatas salteadas e salada, estavam mesmo boas. E os morangos não eram nada maus. Isto vai, haja vontade geral nacional-popular.

2 comentários:

João Vasconcelos Costa disse...

"Nacional-popular", assim termina este "post". Quando é que os gramscianos portugueses se organizam?

João Rodrigues disse...

Vamos tentando participar nas organizações que existem...