quarta-feira, 31 de julho de 2024
terça-feira, 30 de julho de 2024
Como uma fresta de luz
Por entre os inúmeros artigos e textos de opinião assentes na ideia de que a atual crise de habitação se resume a uma mera falta de casas, que se resolve simplesmente com o aumento da construção e a subsidiação da procura, eis que, de quando em quando, na imprensa mainstream, surge uma análise a distanciar-se dessa linha, tão hegemónica quanto frágil. É o caso do recente artigo de João Silvestre, no Expresso, que sublinha duas ideias essenciais: que o imobiliário constitui um setor de investimento financeiro e que se trata de um setor de investimento financeiro muito atrativo.
«Muitos portugueses acreditam que as casas são o melhor investimento que existe. Que os seus preços sobem sempre e o retorno é garantido», e «mais ainda após anos com o mercado imobiliário a valorizar a grande velocidade», assinala João Silvestre, dando nota de um valor médio de valorização a rondar, desde 2009, os 5,1%, «superior, por exemplo, à taxa média dos depósitos a prazo (1,3%) ou à yield média das obrigações do Tesouro a 10 anos (3,9%)».
É certo que o editor do Expresso se refere a estes investimentos, nos quais as casas funcionam como ativos financeiros (para lá, portanto, da sua função residencial), sem identificar a sua intensificação e internacionalização desde a crise financeira), a par dos impactos, nos sistemas de habitação nacionais, associados à expansão do turismo internacional. Mas a noção de que a atual crise se explica pelo surgimento e recrudescimento destas novas procuras no seu conjunto - e não de um alegado desajuste entre o número de famílias e de alojamentos (que nem sequer existe), é uma fresta de luz no debate, que importa assinalar e saudar.
O turismo como problema
Alguns dos problemas decorrentes de um crescimento excessivo do turismo são evidentes e bem conhecidos de toda a população. A OCDE alerta para aspectos como as pressões sobre os preços do alojamento (que dificultam o acesso à habitação dos residentes e também dos trabalhadores sazonais), sobre as infra-estruturas e os serviços colectivos (traduzindo-se, por exemplo, na sobrelotação dos transportes públicos ou na acumulação de lixo nas zonas mais frequentadas) e sobre o ambiente (aumentando a poluição e pondo em causa a sustentabilidade dos ecossistemas e a biodiversidade). Os crescentes protestos populares em zonas de grande intensidade turística – como Barcelona ou Málaga, para dar dois exemplos recentes – são um sinal de que o excesso de turismo existe de facto e que está a tornar-se um problema político sério em diferentes partes do mundo.
A Organização Internacional do Trabalho, por sua vez, tem alertado para as más condições laborais no sector, marcado pela prevalência do trabalho ocasional e informal, horários de trabalho variáveis e longos, salários baixos e fraca protecção social (decorrente da informalidade, da sazonalidade e dos rendimentos reduzidos dos trabalhadores). Para além dos impactos mais directos e evidentes, o turismo tem implicações estruturais para o desenvolvimento das economias a prazo.
Há três aspectos que vale a pena ter em consideração a este respeito.
O primeiro tem que ver com a relação entre turismo e imobiliário. A expansão rápida da actividade turística num determinado território está frequentemente associada a um aumento do investimento imobiliário em hotéis e alojamento local, mas também em estabelecimentos comerciais e de restauração. O crescimento dos preços desses activos pode dar origem a fenómenos especulativos, que põem em causa a estabilidade financeira do país.
Segundo, o aumento dos preços do imobiliário representa um acréscimo de custos para a generalidade das actividades produtivas (não apenas as que estão directamente associadas ao turismo). Para além disso, o grande afluxo de turistas – que, em geral, têm um poder de compra superior à média dos residentes – traduz-se num aumento geral dos preços dos bens e serviços, reduzindo assim o rendimento disponível da população local e aumentando ainda mais os custos para as empresas de todos os sectores. Estes fenómenos inflacionistas, a par da disputa de recursos humanos, financeiros e materiais, originam um fenómeno conhecido por “doença holandesa”, ou seja, o crescimento do turismo provoca uma perda de competitividade em outros sectores de actividade mais expostos à concorrência internacional, em particular as indústrias transformadoras. Isto tem efeitos nefastos a nível estrutural: embora o turismo estimule a actividade económica e o emprego no curto prazo, em geral não tem o mesmo potencial de desenvolvimento tecnológico e de aumento da produtividade que o sector industrial. Ao favorecer a desindustrialização das economias locais, a sobre-especialização no turismo põe assim em causa o desenvolvimento da economia a prazo.
Por fim, a actividade turística é particularmente vulnerável à ocorrência de fenómenos extremos – como pandemias, desastres naturais, alterações climáticas, ataques terroristas, conflitos armados, entre outros – tornando ainda mais arriscada a sobreespecialização económica neste sector.
O resto do meu texto pode ser lido no Público.
segunda-feira, 29 de julho de 2024
Olhar e ver
Miúdo, olha um poluente covidário para ricos a passar. E ele para e vê o que andam a fazer no mais magnífico dos rios portugueses, o Douro, onde se escrevem poemas geológicos, mas com grandes dificuldades.
domingo, 28 de julho de 2024
Vasco Granja
Vasco Granja (1925-2009) faz parte da minha memória mais querida, de tantas horas passadas em frente ao pequeno grande ecrã, em liberdade. Tenho uma dívida política e cultural imensa. Temos. Era um tempo em que os nossos pais, felizmente para eles e para nós, não tinham “escolha”, algo muito sobrestimado hoje em dia, mas em que havia mais diversidade.
sábado, 27 de julho de 2024
A transparência que lhes convém
Aos pulinhos, todo contente, o liberal Rui Rocha (IL) saudou a iniciativa, tomada por algumas empresas, de passar a incluir nos recibos de vencimento o peso dos impostos e contribuições no salário bruto dos seus trabalhadores. Impostos e contribuições que as empresas «suportam», diz Rocha para enfatizar o sentido negativo que pretende transmitir, advogando tratar-se de uma questão de transparência.
Querendo colocar as coisas nesses termos, esperemos que a Iniciativa Liberal não se tenha esquecido, na proposta que voltou a apresentar ao Parlamento, de incluir também nos recibos de vencimento os apoios públicos de que as empresas beneficiam, bem como - já que fala em «suportar» -, os dividendos distribuídos e a diferença de vencimento entre os cargos de topo e o salário médio praticado nas empresas (que chega a atingir valores obscenos). E sem esquecer, ainda, que os descontos para a segurança social são o salário indireto, por via das pensões.
Por uma questão de transparência, a IL devia igualmente propor que o Estado desse nota do investimento em redes de estradas, energia, comunicações, abastecimento de água, entre muitas outras coisas decisivas para que as empresas funcionem. Para já nem falar dos serviços públicos universais de educação e saúde - que significam não só salário indireto, mas também redistribuição e decência - que garantem que as empresas dispõem de mão de obra qualificada e apta para trabalhar e produzir. Tudo pago, vejam lá, com as contribuições e impostos de todos para todos. Mas há de facto quem pareça não saber estar, nem viver, em comunidade.
sexta-feira, 26 de julho de 2024
Papel
No verão volto ao jornal em papel. É realmente outra coisa. No entanto, desde ontem que tenho estas duas páginas entaladas, ainda para mais porque foram escritas por Sofia Lorena. É impressão minha ou são o enésimo exemplo do processo de normalização do genocídio em curso na Palestina, tratando o seu responsável principal com uma neutralidade tão inadmissível quanto impossível neste contexto? E que dizer do tratamento dado ao principal apoiante do genocídio, Biden? O imperialismo norte-americano e o colonialismo sionista gozam de boa imprensa.
4º Pedalada | O Ensino da Economia
Como se ensina hoje a Economia nas universidades? Quais as relações entre o ensino da Economia, a reprodução do paradigma dominante e a reprodução das desigualdades no capitalismo? Que espaços de alternativa e pluralismo subsistem e vão surgindo? Qual tem sido o papel dos estudantes na reivindicação da mudança?
Para debater estas e outras questões relacionadas com o ensino da Economia, o quarto episódio do Pedalada junta Ana Costa (professora do ICSTE e presidente da Associação Portugesa de Economia Política), Guilherme Rodrigues (economista e coautor do substack República dos Pijamas), José Reis (professor da FEUC e coordenador do Observatório das Crises e Alternativas), Sandra Monteiro (diretora do Le Monde Diplomatique - edição portuguesa) e Alexandre Abreu (professor do ISEG e coautor do Ladrões de Bicicletas).
Como habitualmente, na plataforma MyGIGpt, onde podem aceder aos episódios anteriores.
quinta-feira, 25 de julho de 2024
Por uma esquerda nacionalista
«Que máis ten que pasar para que Europa deixe de ser comparsa dos Estados Unidos, da OTAN e do estado criminal de Israel? Nós sabemos que estamos no lado correcto da historia e hoxe desde aquí queremos dicirlle ao pobo palestino que non están sos, que teñen toda a nosa solidariedade e apoio, que Palestina Vencerá e será libre do río até o mar.»
quarta-feira, 24 de julho de 2024
Haja noção em tempos financeiros
Recentemente, Diogo Vasconcelos chamou a atenção para as “performances públicas de ‘domínio’ das tricas e das mais irrelevantes personagens da política americana” por parte da nossa “dispensável” elite, considerando que tal “ser ainda hoje fonte de capital social é só sinal do quão bimba e colonizada é.”
terça-feira, 23 de julho de 2024
A miséria moral da direita está de volta
É neste contexto que a maioria de direita na Assembleia Regional do arquipélago aprovou, na semana passada, um Projeto de Resolução do Chega que altera os critérios de acesso às creches gratuitas, atirando para o fim das listas de espera os filhos de pais desempregados ou que estejam a receber prestações sociais. A Resolução foi aprovada com os votos do Chega e do PSD, CDS-PP e PPM (partidos da coligação de Governo), beneficiando ainda da abstenção da Iniciativa Liberal (IL). PS, BE e PAN votaram contra.
Dada a insuficiência de oferta de lugares em creche (de outro modo o critério seria dispensável), mandaria o bom senso e o mais elementar sentido de justiça social, que a prioridade de acesso às creches gratuitas tivesse por base os rendimentos das famílias. Mas a pulsão moralista da direita face a desempregados (assente no preconceito torpe de que o são por vontade própria) e face a pobres (no pressuposto demagógico de que o são porque preferem viver de subsídios), fala mais alto, unindo o espectro que vai do Chega ao PSD, passando pela IL.
À semelhança da direita dos tempos da troika, cujas políticas provocaram um aumento do desemprego sem precedentes, em nome de um mirífico «empobrecimento competitivo» que iria fazer disparar a economia, e que procedeu a cortes nas prestações sociais, a maioria de direita que hoje governa os Açores parece apostada na persistência da pobreza, secundarizando o direito à educação das camadas desfavorecidas da população, como se não soubesse, desde logo, que o risco de pobreza aumenta com o desemprego e os baixos níveis de escolaridade. Vá, depois venham lá queixar-se, com total desplante, que o elevador social não está a funcionar.
segunda-feira, 22 de julho de 2024
Uma história da presente política económica
A política económica deste governo é a versão periférica, 13.0, da Reaganomics. Com este governo não se negoceia. Este governo tem de ser combatido nos planos social, político e ideológico, sem separações artificiais, antes com fusões espontâneas. A espontaneidade tem sempre de ser organizacionalmente cultivada, como sabemos da leitura atenta de Hayek.
E nada acontece
«O primado da lei é o que mantém a nossa União coesa. Estas palavras são suas, senhora Von Der Leyen. Assim sendo, porque é que, aos seus olhos, algumas pessoas são mais iguais perante a lei do que outras? Porque é que os Direitos Humanos são aplicados em alguns conflitos mas noutros não? Porque é que as vidas dos palestinianos não são dignas dos mesmos Direitos Humanos, da mesma lei internacional, da mesma humanidade? Estamos a testemunhar o genocídio mais bem documentado da História e mesmo assim não há quaisquer consequências para Israel.
Quando declarou que a Europa está com Israel, quando se colocou ombro com ombro com Netanyahu, deu luz verde a este genocídio. A duplicidade de critérios, a forma hipócrita com que reage ao conflito na Ucrânia, em comparação com Gaza, gerou danos à União Europeia no cenário internacional. Não há sanções nem suspensão das trocas comerciais. Na verdade, o dinheiro e o armamento europeu continuam a dirigir-se para Israel. 40 mil civis mortos, crianças queimadas vivas nas suas tendas, e mesmo assim nenhumas consequências».
Lynn Boylan, deputada irlandesa ao Parlamento Europeu
domingo, 21 de julho de 2024
Uma estranha distribuição
Se dúvidas houvesse em relação à inflação de notas no privado - cuja diferença face ao público quase desaparece quando se comparam as médias internas com os resultados dos exames (passando-se de uma diferença de 2,2 valores para 1,0) - a distribuição claramente anómala das classificações internas dos alunos do privado deveria ser suficiente, logo à partida, para dissipar tais dúvidas.
Não é expectável, de facto, que a distribuição do número de alunos nas classificações internas (0 a 20), seja a de um contínuo crescente (ensino privado) e não a tendência para uma concentração em valores intermédios (ensino público). De facto, se no privado a moda corresponde à classificação de 20 (a que é obtida mais vezes, por 21% dos alunos), no público é de 17 (com apenas 6% a atingir a nota máxima). Nas três melhores notas (18 a 20), o ensino privado concentra 57% dos seus alunos, mais do dobro dos alunos da escola pública com essas classificações (25%).
Diferenças que se desfazem, como referido, quando todos os alunos são submetidos à mesma prova (exames nacionais), evidenciando a vantagem artificial de partida dos alunos do privado, mas que não deixa ter peso na classificação final de conclusão do ensino secundário, com reflexos, por exemplo, no acesso ao ensino superior. E mesmo que, mais tarde, venha a demonstrar-se que a escola pública prepara melhor os alunos para a universidade. Até desse ponto de vista, e para lá da intolerável iniquidade, os ganhos do privado são só aparentes.
Um raio de luz indireta
Ontem, pela manhã, fiz uma viagem longa e aproveitei para ouvir na rádio o Hotel Califórnia, programa de música onde pontifica a memória de elefante de Júlio Isidro. Houve boas histórias e uma pérola musical romântica: a versão de Alice Caymmi, acabada de lançar, da canção El Amor.
sábado, 20 de julho de 2024
Repita-se
Ninguém é tão ignorante ou ingénuo ao ponto de achar que as centenas de milhões de euros que a CUF investiu no capitalismo da doença, vendendo a participação na Brisa e tudo, não teriam implicações na economia política de um setor que pela sua natureza depende sempre de decisões do Governo, agora descaradamente o Governo da CUF e quejandos.
quinta-feira, 18 de julho de 2024
Lealdade em democracia
No debate do Estado da Nação, o Primeiro-Ministro Luís Montenegro tem esta frase notável: «Até ao dia que aprovarem uma moção de censura a este governo, as oposições, além do seu trabalho político, têm dever de lealdade com os portugueses de nos deixarem governar». A tradução é simples: ou me derrubam ou me deixam fazer exatamente tudo o que eu quero, mesmo quando o meu governo é minoritário.
Deve ser a isto que chama, com uma bizarra noção de democracia, o «dever de lealdade» da oposição, parecendo não entender duas coisas. Desde logo, que a lealdade democrática de cada partido é, em primeira instância, para com os seus eleitores e o programa político que os mesmos sufragaram. Depois, que não dispõe de uma maioria parlamentar que lhe permita fazer tudo o que quer, como se a tivesse, sem ter que negociar nem ter que ceder.
Mas que esperar de quem, também no debate de ontem, ainda acusa o PS, quase dez anos depois, de ter sido «o maior usurpador de uma herança política (...), a herança de um caminho que estava na direção certa e que os senhores interromperam» (sic), por ter encontrado, na configuração parlamentar saída das eleições de 2015, uma solução política que lhe permitiu governar? Sobre a cultura democrática de Luís Montenegro estamos, de facto, conversados.
quarta-feira, 17 de julho de 2024
Siempre
A festa do Primeiro de Maio português é um marco na História da dignidade humana. Aconteça o que acontecer no futuro, acontecimentos como os que se viveram nesse dia na capital de Portugal são a prova do esforço feito ao longo de milhares de anos para que o ‘macaco nu’ se vestisse com o manto da respeitabilidade conquistada à custa de muito sacrifício. Foi uma festa de solidariedade, que teve ainda a virtude de transformar em algo concreto e exemplar essa velha e prostituída abstração chamada liberdade.
Manuel Vásquez Montalbán, 13 de maio de 1974
Obrigado, Rita Luís, pela seleção, organização, tradução e informativa introdução. O resultado, também graças a mais uma bela capa de Vera Tavares, é um magnífico livro da Tinta da China. É realmente um gosto poder ler as crónicas, escritas entre 14 de março de 1974 e 29 de dezembro de 1975, do meu escritor e ensaísta favorito, sobre a nossa revolução democrática e nacional.
Lembro-me de um Domingo de 2003. Comprei o Público numa banca perto dos pastéis de Belém e li a notícia da sua súbita morte em Banguecoque. Fazia sol, mas tudo ficou negro e amargo. Um camarada de tantas horas de leitura e de bem regadas e alimentadas discussões imaginárias tinha súbita e precocemente morrido.
Assassinato no comité central foi o primeiro livro que li dele, creio que foi o primeiro da série do icónico detetive Pepe Carvalho a ser lançado entre nós, e o último, até ontem, tinha sido o ensaio histórico sobre Dolores Ibárruri, Passionaria y los siete enanitos, que não está editado entre nós. O meu romance favorito é O Pianista, sublime história de amor e de memória. Recentemente, ofereci ao meu filho a adaptação, sob a forma de novela gráfica, de Os Mares do Sul.
Montalbán vive, porque o continuamos a ler. Siempre.
terça-feira, 16 de julho de 2024
O governo da AD também escolhe que sectores quer apoiar
Quem acha que o actual Governo português diverge do anterior por uma atitude menos selectiva quanto às medidas de política económica adoptadas deveria olhar com atenção para o recente programa “Acelerar a Economia”. Das 60 medidas anunciadas pelo ministro da tutela, 24 são dedicadas aos sectores do turismo e do mar. Concorde-se ou não com a escolha das prioridades, 40% do “pacote para a economia” apresentado há dias corresponde assim a medidas dirigidas a duas áreas específicas. Se analisarmos com cuidado, as medidas em causa não só privilegiam os sectores referidos, como tendem a beneficiar mais uns tipos de actividades e empresas do que outros, ainda que todas ligadas ao mar e ao turismo. Isto chama-se selectividade.
Entre as medidas para a economia anunciadas pelo Governo, há também uma dedicada à “Indústria 2045”. Na verdade, não é ainda uma medida, mas a intenção declarada de definir “uma estratégia nacional para a reindustrialização sustentável” e “um plano de acção da política industrial nacional para os próximos 20 anos”. Para que não restem dúvidas sobre a selectividade inerente a este plano, o Governo acrescenta que a desejada “reindustrialização permitirá consolidar a espinha dorsal da economia portuguesa tornando-a mais competitiva”, “substituindo importações e acoplando ainda uma série de serviços agregados de alto valor acrescentado”. Mais uma vez, é o Governo a fazer escolhas.
Haverá sempre uma minoria de fundamentalistas de mercado para defender que o papel do Estado é sair da frente e deixar os mercados funcionar – como se os ditos mercados não fossem um conjunto de agentes com poder assimétrico, que defendem os seus interesses, os quais podem estar mais ou menos alinhados com o bem-estar geral. Quem não pertence àquela seita não deve perder tempo a discutir se o Estado deve ou não intervir – mais relevante é debater que objectivos devem ser prosseguidos e qual a melhor forma de o fazer.
(Excerto do meu artigo no Público desta 2ª feira.)
A alegada vantagem do ensino privado é bastante inflacionada
Comparando as médias internas (classificações no final do ano) com os resultados nos exames, o jornalista constata que a redução é mais expressiva no ensino privado (-4,8 valores) do que no ensino público (-3,6 valores). Quando os alunos dos dois subsistemas são sujeitos à mesma prova (exame nacional), a vantagem de partida do privado, em termos de resultados, diminui substancialmente, passando de 2,2 para 1,0 valores. O que, considerando o facto de os privados captarem em regra melhores alunos (desde logo os que podem pagar), esvazia a tese da sua vantagem comparativa.
Não surpreende por isso que «as dez escolas com maiores diferenças entre notas de exames e média interna» sejam privadas, tendo a diferença de valores, no universo dos colégios, aumentado face ao ano passado (de -4,2 para os referidos -4,8). Ao que acresce o facto de a inflação de notas ser «superior a 5 valores em quase todas as disciplinas», ao contrário do que sucede no ensino público, onde «nenhuma disciplina chegou aos 4 valores de discrepância».
Significa isto que há uma vantagem induzida do ensino privado, com reflexos no acesso ao ensino superior, por exemplo, que não decorre, por isso - e ao contrário do que é propalado -, de um alegado melhor desempenho das escolas deste subsistema. Uma vantagem artificial, portanto, que de resto é confirmada a posteriori por estudos que demonstram que «os alunos das privadas têm piores notas no ensino superior».
Num comentário aos recentes resultados, o agora secretário de Estado Alexandre Homem-Cristo referiu que os rankings são uma «mais-valia», uma «ferramenta útil» para perceber o que pode ser melhorado, em sintonia com a opinião, igualmente favorável, do seu ministro. Pois bem, tem aqui matéria objetiva para pensar e agir, nas suas novas responsabilidades de governante. Até porque não se trata de uma simples questão de «melhorias», mas antes de uma gravíssima situação de inaceitável iniquidade. E não venham depois dizer que o elevador social não funciona.
domingo, 14 de julho de 2024
Do twitter para o blogue
Não se conhece a autoria do imponente cartaz que enquadra, com a gigantesca foto do ministro da tutela, o evento em que participou, para assinalar o 35º aniversário da Federação Académica do Porto. Mas sabe-se que o Ministério da Educação, Ciência e Inovação escolheu este enquadramento para dar nota da sessão nas suas redes sociais.
Tempo, tempos
Viva o 14 de julho de 1789, hoje feriado revolucionário em França. Há uma semana, milhares de pessoas estavam imensamente expectantes e logo ficaram imensamente felizes. Algumas choraram, assim que foram conhecidas as primeiras projeções à boca das urnas nas eleições francesas. Estavam reunidas na praça da Batalha de Estalinegrado, em Paris, quartel-general dos insubmissos que fizeram frente.
sábado, 13 de julho de 2024
Gramscianos
Não podemos aceitar a falsa antinomia – colocada e utilizada pela própria ditadura – entre nacionalismo e democracia. Não se trata de contrapor medidas liberalizantes, a um suposto nacional-estatismo de fundo autoritário, mas sim de opor um autêntico nacionalismo democrático e popular às manobras demagógicas e “patrioteiras” de um fascismo objetivamente entreguista.
sexta-feira, 12 de julho de 2024
Uma fraude mediaticamente instituída
As paragonas repetem, uma vez mais, o registo habitual, de aparente supremacia do ensino privado, redutoramente medido através da simples ordenação dos resultados dos exames, sem considerar o perfil socioeconómico dos alunos. Porque, uma vez mais, a generalidade dos jornais, rádios e televisões se dispõe a publicar as notas das escolas privadas sem que estas forneçam - ao contrário das públicas - informação de contexto dos seus alunos (escolaridade dos pais, idade face ao ano escolar que frequentam e ação social escolar). Por mais que se saiba que estas são as variáveis com maior capacidade explicativa das médias obtidas nos exames pelas escolas.
Que os privados possam escolher os seus alunos, selecionando logo à partida os que apresentam perfis e classificações favoráveis à obtenção de bons lugares nos rankings, é coisa que não inquieta os órgãos de comunicação social que decidem elaborá-los e publicá-los sem dispor da referida informação de contexto, essencial para calibrar esses mesmos resultados. Um exercício fraudulento portanto, de pura desinformação, que está mais que instituído.
Lanchar e conversar
A vitória da Nova Frente Popular (NFP) na segunda volta das eleições francesas de 7 de Julho veio mostrar que é possível rejeitar o espartilho político-mediático que gostaria que os povos passassem a escolher apenas entre a direita neoliberal e a extrema-direita neoliberal, conservadora e xenófoba.
quinta-feira, 11 de julho de 2024
Cem dias de menos liberdade
Para assinalar os 100 dias de Governo, a AD fez mais um powerpoint. Entre medidas que não passam de intenções, referências aos múltiplos powerpoints divulgados todas as semanas e o anúncio de medidas que já estavam em curso como se fossem da iniciativa do atual governo, chega-se à página 10 do documento. E eis que parece que, para assinalar a data, ofereceram um slide da apresentação à Iniciativa Liberal. É que nem a referência ao stink-tank, faltou, no título do slide. Para que não restassem quaisquer dúvidas.
Unir os pontos
1. Tiago Dores ficou conhecido e ganhou muito dinheiro, graças ao talento de Ricardo Araújo Pereira. Tem assinado uns artigos de “humor” no Observador. Popularizou a racista tese da grande substituição, ingrediente central do fascismo nos dias de hoje. Da cultura neoliberal reacionária ao fascismo, expediente sempre à mão, é só um pulinho. E é para consolidar esta cultura de ódio à esquerda que existe o Observador, um perdócio financiado, tal como o menos liberdade, pelo milionário Luís Amaral.
quarta-feira, 10 de julho de 2024
Carta
terça-feira, 9 de julho de 2024
Lutter
Sophie Binet, secretária-geral da Confederação Geral do Trabalho (CGT), declarou em entrevista: “A Nova Frente Popular tem o dever de ser bem-sucedida, não pode trair, nem dececionar”. Para isso, a mobilização laboral é realmente crucial.
Diagnósticos errados esbarram na realidade
Deve sublinhar-se, aliás, que nem todos os países registaram descidas dos preços no período em que o índice desceu no conjunto da UE, entre o primeiro trimestre de 2022 e o trimestre homólogo de 2023. Pelo contrário, nesse período apenas 10 Estados membros (em 26, dado que não existem valores para a Grécia) assistiram a uma redução dos seus valores. E apenas 2 países, a Alemanha e o Luxemburgo, têm quebras consecutivas desde o primeiro trimestre de 2022 até ao trimestre homólogo de 2024. Em contrapartida, são 6 os países, entre os quais Portugal, que nunca registaram nenhum movimento de descida neste período. Ou seja, mesmo antes desta nova tendência de subida era exagerado falar em fim de crise.
O problema é que, de facto, a crise habitacional que afeta a generalidade dos países europeus não resulta de uma mera «falta de casas», como errada e insistentemente se afirma, mas antes da presença de novas procuras. Isto é, de investimentos no imobiliário que encaram as habitações como meros ativos financeiros, competindo em termos de procura com as famílias e estando estas em desvantagem comparativa. O que significa, portanto, que se a apetência destes investimentos se mantiver, bem podem ser construídas muitas casas (bem para lá dos rácios entre alojamentos e famílias), que as mesmas continuarão a ser absorvidas, sem que os preços desçam. Na ausência de medidas robustas de regulação, a crise de habitação tem por isso tudo para se manter, enquanto a especulação estiver para aí virada.
segunda-feira, 8 de julho de 2024
Depois interrogam-se muito porque cresce a extrema-direita
Em face desta terrível possibilidade, antes da primeira volta, segundo o Financial Times, as “empresas francesas assustaram-se e cortejaram Marine Le Pen”.
Agora, na segunda volta, parece que, diz-nos a Bloomberg, “[e]nquanto toda a gente esperava para ver se o partido de extrema-direita de Marine Le Pen iria obter a maioria na segunda volta das eleições francesas, um choque muito maior chegou: a vitória da esquerda”.
Choque e, acrescento eu, pavor. De ‘toda a gente’, claro está.
Assim sendo e em resultado, também segundo a Bloomberg, “[c]om os investidores a confrontar-se com um governo minoritário generoso do ponto de vista orçamental, ou com dois anos de impasse, (…) o euro caiu”.
Caiu, digamos, alegadamente.
A Alemanha já deixou claras as suas ordens; o BCE obedece e manipula, como de costume, na calada, com a sua inação premeditada e golpista, mas os mercados não estão a ajudar. Uma maçada.
“O que os franceses pediram esta noite não foi que elegêssemos um extremo contra outro extremo”.
E é isto. Depois interrogam-se muito porque cresce a extrema-direita. Esquecem tudo e não aprendem nada.
Isto, sem mais nem menos
domingo, 7 de julho de 2024
Merci beaucoup, Jean-Luc
Viva a França das grandes mobilizações sociais – dos coletes amarelos à luta para travar as contrarreformas neoliberais no campo da segurança social ou das relações laborais. Sem estas, não teria havido frente.
sábado, 6 de julho de 2024
O complexo de vira-lata dos vende-pátrias
Luís Montenegro participou numa conferência da Business Roundtable Portugal (BRP), que teve lugar há uns dias na inevitável Nova School of Business & Economics. O inglês misturado com o português revela o “complexo de vira-lata”, como dizem os brasileiros.
sexta-feira, 5 de julho de 2024
Ridiculamente antidemocrático
Os efeitos ridiculamente antidemocráticos do sistema eleitoral britânico estão à vista: um partido com pouco mais de um terço dos votos tem praticamente dois terços dos lugares. O pior do blairismo – “o meu maior triunfo”, disse Thatcher – tomou o poder e promete ser a alternância sem alternativa. A extrema-direita em ascensão agradecerá ainda mais.