Parece haver em Portugal quem acredite que a diferença entre esquerda e direita, no que às políticas económicas diz respeito, está na existência ou não de intervenções selectivas. Segundo esta visão, a esquerda defenderia a intervenção do Estado em actividades específicas, enquanto a direita veria essa intervenção como uma distorção indesejável dos mecanismos de mercado. Esta suposta clivagem política, se existisse de facto, seria uma bizarria portuguesa. Na verdade, a tese não cola sequer com a realidade nacional.
Quem acha que o actual Governo português diverge do anterior por uma atitude menos selectiva quanto às medidas de política económica adoptadas deveria olhar com atenção para o recente programa “Acelerar a Economia”. Das 60 medidas anunciadas pelo ministro da tutela, 24 são dedicadas aos sectores do turismo e do mar. Concorde-se ou não com a escolha das prioridades, 40% do “pacote para a economia” apresentado há dias corresponde assim a medidas dirigidas a duas áreas específicas. Se analisarmos com cuidado, as medidas em causa não só privilegiam os sectores referidos, como tendem a beneficiar mais uns tipos de actividades e empresas do que outros, ainda que todas ligadas ao mar e ao turismo. Isto chama-se selectividade.
Entre as medidas para a economia anunciadas pelo Governo, há também uma dedicada à “Indústria 2045”. Na verdade, não é ainda uma medida, mas a intenção declarada de definir “uma estratégia nacional para a reindustrialização sustentável” e “um plano de acção da política industrial nacional para os próximos 20 anos”. Para que não restem dúvidas sobre a selectividade inerente a este plano, o Governo acrescenta que a desejada “reindustrialização permitirá consolidar a espinha dorsal da economia portuguesa tornando-a mais competitiva”, “substituindo importações e acoplando ainda uma série de serviços agregados de alto valor acrescentado”. Mais uma vez, é o Governo a fazer escolhas.
Haverá sempre uma minoria de fundamentalistas de mercado para defender que o papel do Estado é sair da frente e deixar os mercados funcionar – como se os ditos mercados não fossem um conjunto de agentes com poder assimétrico, que defendem os seus interesses, os quais podem estar mais ou menos alinhados com o bem-estar geral. Quem não pertence àquela seita não deve perder tempo a discutir se o Estado deve ou não intervir – mais relevante é debater que objectivos devem ser prosseguidos e qual a melhor forma de o fazer.
(Excerto do meu artigo no Público desta 2ª feira.)
Em plena campanha eleitoral para as eleições de 10 de março último, vários intelectuais de café do psd, enxamearam as notícias com a teoria da sovietização da nossa economia em resposta às intenções da esquerda, nomeadamente do ps, de seleccionar os sectores com elevado interesse para o país.
ResponderEliminarCertamente que há uns dinheirinhos à espera em Bruxelas. Quanto a preferências é assim mesmo, cada um tem os seus pobres. Os nossos pobres são sempre virtuosos, os dos outros não passam de bêbedos e vadios.
ResponderEliminar