quarta-feira, 29 de abril de 2009

Regionalizar a globalização

O debate sobre a Europa que queremos não pode ignorar aquilo a que neo-liberais e socialistas modernos costumam chamar a “tentação do proteccionismo”. Para estes, há que escolher o ‘livre comércio’ (só produz benefícios) e evitar a todo o custo a imposição de barreiras ao comércio, o 'proteccionismo', porque leva ao agravamento da crise e (dizem alguns) à guerra.

Durante as últimas décadas a UE empenhou-se nos acordos de comércio internacional que, progressivamente, foram fixando a opção pelo livre comércio. Os resultados ficaram à vista de todos com a actual crise. O problema é que os desequilíbrios comerciais e financeiros gerados por esse modelo, em que o endividamento dos EUA (e de grande parte da UE) foi a contrapartida do crescimento comercial da China, não podem agora ser revertidos de um dia para o outro. Com dizia Martin Wolf neste artigo no Financial Times, “os credores precisam dos devedores. Sem estes, aqueles iriam à falência.”

Em 2007, Palley defendia neste texto um caminho intermédio entre o “livre comércio’ e ‘proteccionismo’: “Esse paradigma alternativo, com a sua ênfase em exigências sociais e ambientais, em regras para as taxas de câmbio, e num desenvolvimento puxado pela procura interna, é agora mais fácil de entender. A política comercial não pode ser conduzida isoladamente como foi no passado. Pelo contrário, deve estar intimamente ligada à legislação sobre o mercado de trabalho, o ambiente, os mercados financeiros, e ao reconhecimento de que o comércio determina a natureza da concorrência, a estrutura socioeconómica e o espaço das políticas.”

Num livro publicado em 1997 (figura), Gérard Lafay apontava as fragilidades de uma Zona Euro sem políticas macroeconómicas, algo que a actual crise colocou bem à vista de todos. Aí o autor era muito claro sobre a política comercial que a UE deve adoptar para conseguir sobreviver: “Ao afirmar com clareza a sua identidade através de uma política comercial ofensiva e de relações privilegiadas com a Euroáfrica [UE mais o conjunto dos países contíguos do Norte de África], a União Europeia seguirá a tendência para a regionalização que é cada vez mais evidente nos vários continentes.”

Dani Rodrik também admite neste artigo que, em vez de uma regulação mundial, a via mais acertada é a do reforço das regulações nacionais apoiado por um mínimo de regras comuns à escala internacional. Neste quadro, antevê que se formem blocos de países financeiramente muito integrados (Zona Euro, Ásia), cada um com o respectivo regulador comum. Mais uma vez a ideia de uma via média: regionalizar a globalização.

À atenção dos cidadãos informados, jornalistas de negócios, docentes universitários e … candidatos ao Parlamento Europeu: há mais mundo para além da dicotomia “livre comércio” versus “proteccionismo”.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Debater a crise


A propósito do lançamento do livro "A crise, e Agora?" de Jacques Attali, o João Rodrigues explica a presente crise num debate moderado por Helena Garrido que contará também com a presença do economista Miguel Rocha de Sousa. Na Bulhosa de Entrecampos (Lisboa) às 18:30. Um final de tarde certamente bem passado.

Será que se trata de mais um invejoso?

Emmanuel Saez ganhou o mais importante galardão da American Economic Association (AEA) – a John Bates Clark Medal – atribuído a economistas com menos de quarenta anos (via Paul Krugman). Saez é um dos principais estudiosos do fenómeno das desigualdades económicas, em geral, e do fenómeno da concentração de rendimentos no topo da distribuição, em particular. Estuda-se muito a pobreza, mas não são muitos os que estudam também o outro lado da moeda: como os ricos ficaram cada vez mais ricos. Os seus estudos empíricos ajudaram-nos a ter uma ideia mais precisa da extensão e das fontes das crescentes desigualdades, sobretudo nos EUA: por exemplo, este gráfico, que fala por si, foi retirado de um estudo famoso, escrito em co-autoria com Thomas Piketty, que muito contribuiu para mudar os termos do debate nos EUA. A chamada curva de Kuznets, segundo a qual as desigualdades teriam a forma de um U invertido, aumentando no início do processo de desenvolvimento e diminuindo a seguir, foi posta em causa. Nos EUA, o século vinte foi mesmo mais em forma de U. Em Portugal também. Entre outras, as variáveis institucionais, as dinâmicas do conflito social e as normas sociais baralham muito as coisas.

Como mostra este estudo, as comparações internacionais podem ser reveladoras. Portugal acompanhou as perniciosas tendências do mundo anglo-saxónico (ver os trabalhos recentes de Facundo Alvarez da Paris School of Economics ou de Jordi Rafecas da Universidade de Barcelona). A economia política da restauração neoliberal do cavaquismo deixou marcas que estão por reverter. Os resultados da «criação de incentivos» (é assim que se diz, não é?) estão à vista. Neste país quem se preocupa com estes problemas e se atreve a propor soluções igualitárias ainda é acusado de incitar à inveja social ou de ser populista. Consequências da hegemonia do «empresarialmente correcto», cada vez mais desfasado do país e do mundo. Não interessa que a explosão das desigualdades esteja na raiz dos problemas socioeconómicos ou que, tal como aconteceu nos anos vinte, esteja na base de crises devastadoras, para já não falar da forma como distorce os critérios de avaliação moral: o ter substitui o ser. A realidade interessa cada vez menos à direita e à esquerda mínima relaxada com as desigualdades. Agora colhemos as tempestades do egoísmo e autismo sociais que o empresarialmente correcto ajudou a semear através de mudanças institucionais regressivas.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Anacronismo

Um estudo do FMI (Fundo Monetário Internacional), apanhado através deste fantástico programa de rádio, sobre recessões mostra que estas são normalmente mais profundas e longas quando coincidentes com uma crise financeira. A sincronização internacional das crises têm também o mesmo efeito. Dada a confluência destes três factores, o FMI prevê uma recuperação só no ano de 2011 e defende programas de estímulo fiscal nos países mais ricos. Uma notável viragem face ao seu anterior receituário.

Por outro lado, vítima da sua própria arquitectura institucional, a União Europeia acaba de abrir procedimentos de défice excessivo a alguns dos países membros. Se se mantiver o irracional apego ao equilíbrio orçamental em tempos de profunda crise, a minha previsão é que no próximo ano a UE se arrisca a abrir estes procedimentos a todos os seus membros. Estas notícias só podem ser tomadas como um anacronismo de uma instituição que não se consegue adaptar ao tempo presente. O pacto de estabilidade pode ainda mexer, mas a sua morte está há muito anunciada.

domingo, 26 de abril de 2009

Almas puras e economia impura

«As almas puras do capitalismo transparente rasgam as vestes perante o pavor de ter as contas verificadas pelo fisco ou os prémios milionários "confiscados", já para não falar da ignomínia que seria os accionistas saberem quanto lhes pagam em salários». Vale a pena ler o resto do artigo de Francisco Louçã no Jornal de Negócios.

Hayek na Islândia

A esquerda ganhou na Islândia. Os islandeses fartaram-se de engenharias neoliberais. Descobri, através de John Quiggin, um dos mais importantes economistas australianos, como a principal organização do «colectivo intelectual neoliberal» – a Mont Pelerin Society – reconhecia, com orgulho, o seu impacto na vida política e socioeconómica islandesa. O esforço das utopias liberais para reduzir a realidade da sociedade aos sonhos de uma ordem espontânea, assente em mercados auto-regulados, só pode conduzir ao pesadelo.

sábado, 25 de abril de 2009

Liberdade para escolher um outro futuro

Hoje celebramos o dia em que gente ousada correu o risco de desobedecer à lei e ao poder instituídos num regime ditatorial para dar ao seu País um outro futuro.

Trinta e cinco anos depois, esse mesmo País encontra-se numa encruzilhada que clama por um novo gesto de ousadia. Crise, no original grego ‘krisis’, significa tempo de grandes decisões, de escolhas que vão marcar a nossa vida colectiva por longos anos.

Os neoliberais também têm consciência de que estamos num tempo de grandes decisões e, por isso, já iniciaram uma campanha focada nesta ideia-chave:
o neoliberalismo, quando bem aplicado, é o caminho para o desenvolvimento, pelo que são necessárias “reformas” dolorosas que só um governo de “bloco central” tem condições para executar. Como dizia Margaret Thatcher, “não há alternativa”.

O editorial do Público de anteontem é um bom exemplo:

“Não tenhamos ilusões e digamo-lo com toda a frontalidade: a) Portugal é uma pequena economia aberta e periférica muito exposta a qualquer crise, pois dependemos das exportações de produtos que nem sequer são muito diferenciados; b) em Portugal o peso do Estado na economia continua a ser asfixiante e incapaz de atrair o investimento estrangeiro ou de permitir que as melhores empresas portuguesas ganhem dimensão; c) não houve milagres e ao país continuam a faltar as elites de qualidade, os hábitos de exigência e as rotinas de trabalho que são tão ou mais importantes do que um título académico; d) estamos endividados, pagamos caro o crédito e habituámo-nos a viver acima das nossas possibilidades.”

No dia em que festejamos a rebeldia de ousar viver em liberdade, também eu acho que não devemos alimentar ilusões e que devemos falar com frontalidade.

Por isso, com todo o respeito pessoal, digo ao director do Público que no seu editorial tentou fazer passar por evidentes, como algo do senso comum, aquilo que são as suas opções neoliberais. Na ausência (diria mesmo, impossibilidade) de um contraditório sério no âmbito do próprio jornal, assumo aqui uma alternativa àquele texto:

a) Portugal tem uma pequena economia integrada numa economia (UE) maior que a dos EUA, num mercado onde vende quase tudo o que produz. A sua indústria, tal como a de toda a UE, está condenada a desaparecer se a UE mantiver a actual abertura comercial concedida à China;

b) A importância do Estado em Portugal deve crescer, em peso económico, em qualidade dos serviços prestados e em escrutínio democrático, para se aproximar dos países mais desenvolvidos do norte da Europa;

c) Portugal não deve confiar em milagres de conversão de um grupo social que alguns designam por “elites”. São regra geral profissionalmente medíocres e, frequentemente, também corruptas. Portugal deve dar poder a um projecto político que tenha ideias claras sobre um novo modelo de desenvolvimento e seja liderado por agentes políticos que, pela forma como vivem, e pela exigência ética que impõem aos seus colaboradores, possam constituir modelos de referência para o conjunto da sociedade;

d) Portugal não é uma família para ser gerido segundo os princípios da boa gestão doméstica. O actual endividamento é uma consequência do modelo neoliberal, de que a Irlanda e o Reino Unido são os exemplos mais conseguidos e, por isso mesmo, mais esclarecedores. A desastrosa ausência de políticas macroeconómicas à escala da UE exige de Portugal uma política diplomática enérgica, mobilizadora de uma coligação de países da Zona Euro que, actuando em bloco, force a adopção de instrumentos orçamentais próprios, de natureza federal, para acorrer aos países em maiores dificuldades antes que ocorram bancarrotas de efeitos imprevisíveis (para aprofundar a questão, ver aqui).

Num ano em que Portugal e a UE estão a caminho do desastre social, num ano em que a liberdade que o 25 de Abril nos deu também se manifesta através de eleições, os Portugueses estão mesmo confrontados com grandes decisões.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Um novo Bancor?

O trabalho da comissão criada pela ONU, presidida por Joseph Stiglitz, para a reforma do sistema financeiro internacional tem sido completamente ignorado. No entanto, o seu último relatório, para além de algumas generalidades sobre transparência dos mercados, tem uma proposta muito interessante. A criação de um novo sistema de reservas globais financiado pela taxação internacional e/ou por licenças de uso de bens públicos globais (por exemplo, direitos de pesca internacionais).

Este sistema seria uma expansão do actual sistema de direitos especiais de saque do FMI (para os quais todos os países pertencentes contribuem), que através de emissões de reservas, ajustadas ao ciclo económico, corrigisse os actuais desequilíbrios das balanças de pagamentos, em que os países mais pobres emprestam aos mais ricos. Este sistema, fácil de concretizar, parece claramente próximo da proposta de Keynes para o Bancor (moeda internacional usada exclusivamente para pagamentos internacionais). Esta proposta asseguraria uma nova estabilidade do sistema financeiro internacional, atacando uma das causas estruturais da presente crise.

Se é certo que a crise tem derrubado, consecutivamente, os tabus na política económica, não me parece que haja condições políticas para qualquer desafio à hegemonia actual do dólar como quase-moeda mundial. Todavia, estas boas ideias podem lançar as bases para as futuras mudanças radicais que o sistema financeiro internacional, mais cedo do que tarde, exigirá.

Aprender com os investidores estrangeiros

Numa entrevista publicada hoje no Jornal de Negócios, um administrador da Bosh (uma empresa com vários investimentos - e desinvestimentos recentes - em Portugal) responde assim a uma questão sobre a importância do nosso país enquanto destino de investimentos: «Portugal ainda tem custos laborais muito interessantes, comparando com os países vizinhos. Em segundo lugar, oferece mão-de-obra qualificada. Isso é uma boa razão para ficar em Portugal, mesmo se a concorrência de outros países for suficiente para reequacionarmos investimentos. E também temos uma boa relação com o Governo, que dá um sinal claro de como está interessado no investimento externo.» Estas posições não são únicas, reflectem antes a visão que os investidores estrangeiros tendem a transmitir em vários tipos de inquéritos internacionais (ver, por exemplo, o World Investment Report, da UNCTAD ou o World Investment Prospects, da Economist Intelligence Unit).

São três as ilações a tirar: primeiro, a ideia de que é preciso baixar salários para promover a competitividade da economia é sistematicamente desmentida por quem tem a possibilidade de decidir onde localizar os seus investimentos a nível internacional; segundo, parecem já existir focos de competência do capital humano em alguns segmentos do mercado de trabalho que deveriam ser devidamente considerados nos discursos genralistas e pouco riogorosos acerca das debilidades das qualificações dos portugueses; por último - e, seguramente não menos importante - os investidores estrangeiros em Portugal dão frequentes sinais de satisfação sobre o tratamento que recebem das autoridades públicas em Portugal.

Resta saber se há razões para os contribuintes portugueses estarem tão satisfeitos quanto os investidores estrangeiros. Alguém sabe quanto é que se tem gasto em Portugal com a atracção de investimento directo estrangeiro (incluindo despesas orçamentais e quebra de receitas associadas aos benefícios fiscais concedidos)? Alguém sabe quais os benefícios que derivam dessa política de hospitalidade em relação ao capital estrangeiro? Desconfio que não. E, como já aqui referi, há razões para pensarmos que os benefícios muitas vezes anunciados não são tão certos quanto isso. Num momento em que todas as semanas lemos notícias de fecho de fábricas que há poucos anos foram objecto de propaganda (e do correspondente apoio generoso) por parte das autoridades públicas, já vai sendo tempo de exigirmos que as contas sejam feitas.

Paradoxos da depressão

Dois títulos do Público: «Desemprego registado cresceu 23,8 por cento em Março» e «Mesmo com maior rendimento, a ameaça do desemprego leva os portugueses a poupar mais». E depois ainda andam por aí umas almas a clamar contra a «rigidez do mercado de trabalho» (muitas aspas, muitas aspas), que supostamente impede os «ajustamentos» da economia. Antes impedisse. O desemprego é hoje um problema de procura, de procura e de procura. Repetir mil vezes e retirar todas as consequências disso. Investimento público. Muito investimento público. E ainda mais investimento público. E controlo público do crédito. É preciso evitar o paradoxo da poupança: o que parece racional para cada agente individualmente considerado – poupar mais devido à incerteza face ao futuro – gera um resultado global de compressão da procura efectiva, do rendimento e no final da própria poupança. A economia da depressão está cheia de paradoxos que só a política pública pode superar.

Como mostra Eugénio Rosa, o governo, apesar dos discursos recentes, está muito atrasado e ainda não é, através do investimento público, parte da solução. Os estabilizadores automáticos não chegam. Por toda a Europa anda toda a gente muito atrasada. Mesmo muito atrasada. É o elo mais fraco à escala global. Coordenem-se. As regras económicas neoliberais da UE, onde as medidas de relançamento ainda não ultrapassavam uns irrelevantes 0,85% do PIB há pouco tempo, têm de ser todas abolidas. Todas. Repito: precisamos de um credor, investidor e comprador de última instância disposto usar todos os instrumentos de política disponíveis e por disponibilizar. Todos. Quanta destruição económica e quanto sofrimento social pode uma construção política tolerar?

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Parabéns a um economista de combate

Continuando, na esteira da última posta do José Maria, a relembrar mais análises certeiras do Nuno Teles sobre a crise eminente. Dos nosso arquivos de Maio de 2007: « Na sede da rentabilidade rápida, os bancos de investimento negoceiam com instrumentos cada vez mais complexos, exóticos e sobretudo arriscados. E já sabemos: a moeda é o "sangue" da economia, quando o sistema circulatório (o sector financeiro) entra em colapso, todo o corpo sofre». Isto resulta, obviamente, de uma boa e heterodoxa educação em economia: «No entanto, a recuperação está longe de ser uma realidade. O ajustamento à euforia financeira dos anos noventa está por fazer e o enorme fardo da dívida que pesa sob a economia norte-americana não permite antever um futuro sorridente. A instabilidade financeira, como já analisámos, está inscrita neste novo período do capitalismo. O futuro parece sombrio» (Nuno Teles, Racines de la financiarisation de la economie, Tese de Mestrado em Economia Internacional e Regulação, Universidade de Paris XIII, 2004, minha tradução). Duplos parabéns camarada e amigo: 29 anos.

Não vê quem não quer


Assisti ontem a uma mesa redonda de jornalistas (dois deles económicos) na RTP 2. Com uma franqueza que me pareceu sincera reconheciam que tinham falhado redondamente na sua missão de jornalistas ao não antecipar o descalabro que estamos a viver. Tomara que os economistas em geral e os que têm responsabilidades no ensino da Economia, em particular, tivessem a mesma atitude.

De facto para ver não basta ter olhos, é preciso não ter a cabeça mergulhada na opinião da maioria. Não era ainda ladrão de bicicletas nesses tempos remotos e por isso mesmo sinto-me livre e ao mesmo tempo obrigado a tirar o chapéu a quem teve olhos e cabeça desimpedida para ver. Numa rápida prospecção histórica pelo arquivo dos ladrões recolhi: 2 de Julho 2007 e 26 de Julho de 2007 e 27 de Julho de 2007

Continuando encontraria mais e melhor.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

E se nem todas as crises do capitalismo fossem cíclicas?


A ideia de que depois da tempestade vem a bonança e depois do inverno a primavera ajuda-nos a viver com esperança, apesar de toda a incerteza. A retoma depois da recessão é o seu equivalente económico.

Evoca-se a retoma que vem lá para dois mil e tal para sugerir que o que estamos a viver é só intervalo. Mas será que a retoma tem mesmo de vir lá? Podemos acreditar nisso como se acredita durante a noite que o sol vai nascer?

As crises do capitalismo têm sido cíclicas, é verdade. Mas sendo cíclicas algumas delas deixaram para trás rastos de destruição indescritíveis (a de 29 “resolveu-se” com a II guerra) – e mudanças estruturais do capitalismo profundas (a de 29 deu origem ao capitalismo de bem-estar).

A ideia não é nova, foi Keynes quem descobriu: não existe nenhum mecanismo automático que nos permita sair de uma situação de deflação. Qual seria o ajustamento que permitiria restabelecer um “equilíbrio de pleno emprego”? Para um país, isoladamente, talvez a redução dos salários. Com custos salariais mais baixos esse país poderia exportar mais e portanto criar mais emprego. Mas isto é ficção. Nenhum país está isolado. Reduções de salários dum lado têm como resposta reduções competitivas noutros. E isto é o que se chama uma espiral deflacionista sem fundo à vista. A coisa não se resolve pois com descidas de salários, por muito que isso custe aos economistas trágicos (da linha velho FMI) que como terapia escolhem sempre sangrias mesmo quando o doente precisa de caldos de galinha.

Não havendo mecanismo automático resta a acção política coordenada. Diz-se que é isso o que se está a fazer. Mas o crédito continua a não fluir. Os mesmos bancos que emprestaram ao deus dará, apertam agora os cordões à bolsa. E nas circunstâncias que são as suas não seria de esperar que fizessem outra coisa. O problema como sempre resulta sobretudo das circunstâncias e não da velhacaria das pessoas, sem excepção para os banqueiros.

O que está a ser feito não chega. As revisões em baixa sucedem-se e a data da retoma avança de adiamento em adiamento. Mas é preciso esperar que as medidas façam efeito, dizem eles. A ideia de que depois da tempestade vem a bonança e depois da recessão a expansão serve de sedativo. Não admira que seja tão repetida pelos capitães deste enorme Titanic que insistem em ficar no posto a repisar os velhos hábitos, apesar de todos sabermos (eles incluídos) que são responsáveis pelo desastre.

É o tempo da corrupção geral?

João Cravinho, uma das figuras mais conhecedoras da actual situação e mais inconformadas com a persistente impotência pública, considera que a corrupção política não pára de crescer no nosso país. Muitos dizem que isto é o resultado do peso excessivo do Estado. Trata-se de um diagnóstico tão previsível quanto preguiçoso. Se estivesse correcto, outros países europeus, com os países escandinavos à cabeça, seriam os mais corruptos e os menos transparentes. Nada é mais errado, como o leitor bem sabe. A corrupção não se combate pelo esvaziamento do Estado, mas sim pelo encolhimento das possibilidades que o dinheiro tem de influenciar o processo democrático de definição das regras e da sua aplicação. A corrupção tem, entre outras, causas institucionais, intelectuais e morais complexas. Defendo que a neoliberalização do Estado português está hoje no seu centro. O resto do meu artigo no Jornal de Negócios pode ser lido aqui.

Sobre a relação entre a desigualdade de rendimentos e a corrupção ver isto. Sobre o perigo da consolidação, em Portugal, de um Estado predador e sobre a alternativa de um Estado estratega ver isto e isto. Em Supercapitalism, Robert Reich desenvolve um argumento interessante: a intensificação das pressões concorrenciais levou as grandes empresas a procurar influenciar o inevitável processo político de estruturação das «regras do jogo» nos mercados em expansão de forma a conseguirem alcançar condições mais vantajosas para os seus negócios que passaram a depender cada vez mais da forma como os arranjos de mercado são definidos. Assim, não é de admirar que o processo político de expansão dos mercados ou a entrada das empresas privadas em áreas onde os mercados concorrenciais não passam, apesar da enganadora retórica dominante, de uma ficção, tenha originado um incremento generalizado do investimento das empresas e dos capitalistas no processo político, traduzido num exponencial crescimento dos grupos de pressão e do financiamento privados e num aumento das oportunidades para a corrupção. Isto é para os EUA. Será que não existem processos semelhantes em Portugal?

terça-feira, 21 de abril de 2009

Ler, ler, ler sempre

O que pode fazer com que um muito recomendável ensaio de história da América Latina, escrito em 1970 e tributário da chamada teoria da dependência, ocupe um lugar cimeiro no ranking de vendas da amazon? Uma simpática prenda de Hugo Chávez a Barack Obama em plena cimeira das Américas. Há algum tempo atrás, um livro de Noam Chomsky, brandido por Chávez numa Assembleia-Geral da ONU, tinha tido o mesmo destino. Fica a recomendação para outros presidentes apostados em promover a leitura de bons ensaístas.

Descobri, através de Rui Bebiano, um excelente leitor, que a edição portuguesa de As Veias Abertas da América Latina de Eduardo Galeano, que tinha sido editada entre nós pela Dinossauro em 1998, está disponível na integra aqui. Não percam. De Galeano foi também publicado, pela «defunta» Caminho em 2002, este livro. Como o mundo continua de pernas para o ar, as penetrantes e tragicómicas observações de Galeano continuam actuais.

E já que estou em matéria de leituras, leiam, para abrir o apetite para outros debates, o excerto do novo livro de Rui Bebiano sobre a Revolução de Outubro: «A revolução é agora um processo em curso, aberto, não um meio fundamentalmente orientado para alcançar um fim último». Como o socialismo? Não me parece é que a «anti-política» de John Holloway, expressão da fuga, infelizmente comum em alguns sectores da esquerda dita radical, a todas as questões difíceis sobre os modelos de Estado, os centros de poder político, os seus exercícios e as suas possibilidade e limites, nos ajude nesse processo. Francisco Louçã explora os limites da economia política de Holloway neste ensaio.

Acho que o mesmo já não se pode dizer de quem aprendeu com a «Era dos Extremos» e continua a viver para nos ensinar: Eric Hobsbawm. Talvez um marxista verdadeiramente aberto seja o que se mistura com o liberalismo político, sobretudo na sua versão perfeccionista: Amartya Sen, Martha Nussbaum ou a pluralidade das instituições e das políticas que permitem o florescimento das capacidades para atingirmos funcionamentos genuinamente humanos. Talvez até seja por aqui que passa o futuro da economia. No fundo, esta sempre foi pouco mais, quer os economistas gostem disso ou não, do que um ramo da filosofia política e moral. Trata-se então de substituir o utilitarismo grosseiro, a opção por defeito do senso comum económico, por uma economia essencialmente humana.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Lembram-se do défice externo?

Perante a gravidade da crise, Cavaco Silva, na sua comunicação de Ano Novo, escolheu apontar o défice externo português como prioridade nacional de resposta à crise. No entanto, parece que a própria crise se encarregou de o diminuir. O economista João Ferreira do Amaral explica porquê e aponta quais as verdadeiras prioridades que devem guiar a nossa política económica.
Fica aqui um excerto do artigo:

“Como se sabe, o défice estrutural da economia portuguesa face ao exterior é porventura o problema mais grave que, em circunstâncias normais, a nossa economia enfrenta. Mas na situação actual este efeito não parece ser tão significativo. Pelo contrário, o facto das importações terem descido a um ritmo relativamente próximo do das exportações e sendo o valor destas significativamente inferior ao daquelas, leva a que, com quebras desta ordem de grandeza o défice comercial não aumente, antes tenha tendência a diminuir - como de facto sucedeu no período que estamos a tratar.

Por consequência, o efeito negativo da quebra das exportações e das importações não é o agravamento do défice. É outro e muito grave. Tem a ver com o emprego. A quebra das exportações vai ter como efeito imediato e directo o aumento do desemprego no sector exportador e, indirectamente, sobre os sectores produtores de matérias-primas e produtos intermédios que são utilizados pelo sector exportador. (...)”

Sair do euro?

Que a inserção de Portugal na moeda única foi mal conduzida é algo que se defende por estas bandas desde Abril de 2007. No entanto, é surpreendente como a recente discussão sobre cortes salariais se baseia nos desequilíbrios que a entrada na moeda única trouxe ao nosso país e como a solução tradicional da desvalorização monetária é hoje impossível. De repente, o quase unanimismo em que vivíamos desapareceu. Como desafia Pedro Lains, está na altura de pesar os prós e contras de uma eventual saída de Portugal.

Acho que esse debate vale a pena. Não tanto pela hipótese de uma saída real do nosso país. Portugal não seria, com certeza, o primeiro país da lista de candidatos potenciais. A existir um dominó de saídas, o euro não teria futuro, por mais marginal que fosse o peso das economias que optassem por essa via. Contudo, não me parece que voltarmos à situação “ex-ante” de um alinhamento, com ajustamentos pontuais, das moedas nacionais com a moeda alemã seja desejável. A autonomia na política monetária para um país pequeno como Portugal é ilusória. Estaríamos muito vulneráveis à instabilidade cambial internacional nascida do fim de Bretton Woods.

Penso que vale, sim, a pena repensarmos esta arquitectura monetária europeia. A situação de economias em divergência com o todo do seu espaço monetário não é nova. Basta pensarmos no nosso país no tempo do escudo. As regiões do interior eram (e são) claramente menos competitivas e deficitárias em relação ao litoral. A estrutura das suas economias locais não necessitou, no entanto, que se criassem, por absurdo, moedas locais que se iam desvalorizando em função das necessidades. Porquê? Porque existiu (e existe) um Estado central que age como redistribuidor do rendimento no espaço monetário. Por exemplo, dada a sua estrutura económica mais frágil, todos os salários na cidade de Viseu deveriam ser substancialmente menores do que os de Lisboa. Em termos médios é isso que acontece na realidade, mas todos os funcionários públicos que trabalham em Viseu recebem o mesmo que os de Lisboa. A economia desta região sai redinamizada por esta redistribuição de rendimento, beneficiando mesmo os trabalhadores do sector privado. Por outro lado, esta região beneficia de investimentos e discriminações positivas por parte do Estado Central que, ainda que sejam insuficientes, permitem almejar alguma convergência real com as zonas mais ricas do país. A região de Viseu nunca teria a capacidade fiscal autónoma para financiar tais investimentos.

Este exemplo serve grosseiramente para percebermos o que tem de mudar na U.E. Além das necessárias mudanças de política monetária repetidas ad nauseaum neste blogue (ver aqui, por exemplo), a UE necessita de um verdadeiro orçamento federal capaz de corrigir assimetrias entre as suas regiões como também aqui já assinalámos. Actualmente este orçamento, sem capacidade de emitir dívida pública, é de 1% do PIB europeu, face aos quase 30% do orçamento federal norte-americano. As desigualdades são menores nos EUA do que na UE como um todo. Só com um reforço substancial do orçamento comunitário, capaz de uma política redistributiva robusta e de políticas contra-cíclicas direccionadas, pode a moeda única sobreviver no longo prazo.

Que tal perguntar aos nosso candidatos ao Parlamento Europeu o que pensam sobre o assunto?

domingo, 19 de abril de 2009

Somos todos populistas!

Para além de sermos invejosos e estúpidos, os nossos editorialistas também nos informam que somos, pasmem-se com a imaginação, «populistas». Porquê? Porque defendemos a convergência do nosso país com as melhores práticas europeias em matéria de combate à fraude fiscal, ou seja, porque defendemos, e estamos tão bem acompanhados nisso, algo tão sensato, abstracto e geral como isto: «A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários relevantes sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos, sempre que o solicite às instituições de crédito, sociedades financeiras e demais entidades para efeito exclusivo da verificação da compatibilidade entre os totais dos depósitos e aplicações e o total dos rendimentos declarados para efeitos de cálculo do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (….)consideram-se relevantes as informações ou documentos bancários referentes às operações de depósitos e transferências para as contas e resultados de aplicações financeiras dos contribuintes, excluindo-se as ordens de pagamento e outras despesas do contribuinte e ainda as informações prestadas pelo cliente da instituição bancária para justificar o recurso ao crédito».

Os novos cães de guarda, que assinam editoriais destes, estão apenas a ensaiar a enésima ronda da retórica da reacção, usada para contestar todos os avanços democráticos, e que o economista Albert Hirschman tão bem analisou: perversidade, futilidade e risco. O editorial do DE carrega no risco – «a perseguição moral e política» (sic) – e na futilidade – «apenas 5% dos contribuintes recusaram em 2008 o pedido de levantamento do sigilo bancário e, por isso, o Fisco recorreu aos tribunais». Presumo que o editorial do DE se esteja a referir à estranhamente confusa proposta do governo que Pedro Sales já descascou. Os socialistas, que sabem que todas liberdades dependem, em última instância, de um Estado com recursos para as transformar em realidade para todos, terão apenas de ignorar a proposta do governo e aprovar na especialidade uma proposta simples e transparente como a que acima se citou. Quanto à futilidade, será que esta gente não percebe a diferença, em termos de eficiência e equidade, entre o acesso automático às informações bancárias relevantes por parte da adminstração fiscal, num país onde a fuga ao fisco representa 5 a 10% do PIB, e um processo que pode acabar em tribunal ainda que para uma minoria de contribuintes?

sábado, 18 de abril de 2009

Somos todos estúpidos!

A estéril discussão em torno do congelamento ou redução dos salários em Portugal continua. Já aqui abordámos as falácias que estão por detrás destas trágicas prescrições e não vou repetir os argumentos de então (I II III IV). No entanto, parece que a imprensa está pouco interessada nos raciocínios que estão por detrás das propostas. O editorial de Paulo Ferreira, no Público, de hoje é um bom exemplo. Não só não se dá ao trabalho de perceber o (falso) argumento de Vítor Bento, como trata os leitores como estúpidos. Só assim se pode perceber o simplismo deste parágrafo:

“Perante a falta de encomendas ou a necessidade de baixar preços para conseguir vender produtos, as empresas têm que reduzir custos. Se é preciso cortar custos em 10 por cento, uma empresa com 100 trabalhadores tem duas vias: ou negoceia uma redução dos salários de 10 por cento, ou despede dez trabalhadores. Como a primeira via é tortuosa ou mesmo impossível, o recurso à segunda tem enchido as páginas dos jornais de todo o mundo. O que é isto senão uma redução dos salários.”

Em primeiro lugar, a alternativa proposta pelo jornalista não faz sentido. Se eu reduzo em 10% os salários continuo com a mesma força produtiva na minha empresa, se reduzo 10% da mão de obra, então a minha capacidade produtiva reduz-se aproximadamente em 10%. Na primeira situação temos um ajustamento pelo preço, na segunda pelas quantidades. Só nos manuais de introdução à microeconomia estas duas alternativas são comparáveis. A realidade é muito mais complexa. A AutoEuropa ou a Aerosoles, num contexto de crise internacional generalizada, não resolvem uma queda da procura de 10% com uma redução de 10% no preço dos seus produtos...

Em segundo lugar, para Paulo Ferreira, uma empresa só pode cortar custos se cortar os salários. Como? O valor criado por uma empresa é repartido entre o capital e o trabalho e, como já referimos, esta repartição tem penalizado os trabalhadores ao longo dos últimos oito anos. Depois o jornalista ignora qualquer hipótese de reorganização produtiva e tecnológica (novos produtos, nova maquinaria, nova gestão, mais formação profissional) das empresas. Schumpeter dá voltas na tumba... Os despedimentos e reduções de custos salariais são a única variável assumida. Claro que os custos para a produtividade nacional de um elevado turn-over e da precarização do trabalho são ignorados. Não existem ganhos de aprendizagem e a conversa do capital humano é esquecida. Os trabalhadores são custos variáveis como a quantidade de electricidade ou água que cada empresa gasta.

Finalmente, Paulo Ferreira não percebe a armadilha a que conduz o seu raciocínio. Se todas empresas tivessem a reacção prescrita pelo jornalista, o que seria uma pretensa resposta racional de cada empresa, resultaria no resultado agregado negativo que dá origem ao seu raciocínio do jornalista, a falta de encomendas, já que a procura agregada seria necessariamente menor. O actual risco de deflação e sobreprodução seria exponenciado, se os governos permitissem tal solução.

No último parágrafo, Paulo Ferreira dá a solução para a crise: o aumento da produtividade. Muito bem, mas o jornalista continua a persistir na ideia, no mínimo estreita, que cada um de nós vai produzir "mais 10% ou 20% em cada hora de trabalho" como se fosse uma questão de esforço individual. Em vez de 100 marteladas por hora numa linha de produção, o trabalhador devia chegar às 110 ou 120 marteladas. Tenho muita pena, mas a diferença entre os trabalhadores portugueses e alemães não está nem na força dos seus braços, nem na sua força de vontade. Para quem ainda acredita nesta conversa de café, compare a produtividade das empresas da Volkswagen em Portugal e na Alemanha. Nas economias contemporâneas a produtividade é sobretudo função da qualidade do capital com que trabalhamos (produzir têxteis em Portugal não é a mesma coisa que produzir bens de capital na Alemanha) e das competências dos trabalhadores. Ora, se não valorizarmos a aprendizagem no local de trabalho (que leva tempo) e se não investirmos na formação profissional, nunca conseguiremos a necessária reconversão da economia portuguesa. Tratar o trabalho como custo variável obviamente não ajuda.


Last but not least, Paulo Ferreira ouviu algures que os trabalhadores portugueses exigem salários alemães. Devo andar um pouco mouco.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Somos todos invejosos!

Não interessa que a elevada desigualdade de rendimentos seja uma das principais causas de problemas sociais. Não interessa que a desigualdade tenda a estar associada a uma menor contribuição do crescimento económico para a redução da pobreza. Não interessa que a desigualdade esteja associada a maior corrupção e a uma menor legitimidade das regras. Não interessa que a desigualdade esteja associada a maiores despesas improdutivas com custos de monitorização e de segurança. Não interessa que a desigualdade tenha sido uma das principais causas da actual crise. Não interessa que os incentivos dirigidos para os gestores de topo, que fizeram explodir as desigualdades salariais, e que se revelaram agora tão perversos no sector financeiro, tenham inscrito a cobiça e a miopia no centro do sistema económico. Já sabemos que para alguns a realidade interessa cada vez menos.

O que fazer quando a esquerda socialista apresenta e consegue aprovar, na linha do que se passa em outros países, uma medida sensata para acabar com o abuso do poder dos gestores de topo, para reduzir as desigualdades num país onde o fosso salarial não cessa de se aprofundar? «Os rendimentos provenientes de indemnizações acima do montante estabelecido por lei geral para o caso de cessação do contrato de trabalho, bem como todos os outros valores que tenham sido atribuídos a título de compensação, de prémio ou outro a quem tenha exercido funções de administração em empresas, são tributados à taxa especial de 75% (…) Os prémios recebidos anualmente por administradores de empresas são tributados à taxa especial de 75%». Há mais em sede de IRC. O que fazer neste caso? João Cândido da Silva, no Jornal de Negócios, decidiu terminar uma boa análise com um «PS» onde não consegue fazer mais do que invocar a estafada «inveja social» para contestar esta proposta. Fraco, muito fraco. Não é inveja. É a eficiência das políticas de igualdade num dos países mais desiguais e ineficientes. Habituem-se.

Conferência Sistema eleitoral e qualidade da democracia






Conferência
Sistema eleitoral e qualidade da democracia
ISCSP – 21 de Abril de 2009

Coordenadores: Manuel Meirinho e André Freire

Painel I – O contexto das reformas eleitorais em Portugal

16.00 h. Manuel Meirinho (ISCSP-UTL)
Breve síntese das reformas eleitorais

16.15 h. André Freire (CIES-ISCTE)
Reformas eleitorais: objectivos, soluções, efeitos prováveis e trade-offs necessários

16.30 h. Diogo Moreira (ICS-UL)
Equívocos na análise das propostas de reforma eleitoral

Painel II – Comentários à proposta de reforma do sistema eleitoral: “Para uma melhoria da representação política”

16.45 h. Comentários de:
António José Seguro (Deputado do PS)
Miguel Relvas (Deputado do PSD)
António Filipe (Deputado do PCP)
Pedro Pestana Bastos (Dirigente do CDS)
Pedro Soares (Representante do BE)

18.00 h. Debate

18.30 h. Encerramento

Organização
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (Unidade de Coordenação de Ciência Política)
Instituto Universitário de Lisboa – ISCTE (Licenciatura em Ciência Política e CIES)
Núcleo de Ciência Política do ISCSP

Organização
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (Unidade de Coordenação de Ciência Política)
&
Instituto Universitário de Lisboa – ISCTE (Licenciatura em Ciência Política e CIES)
Núcleo de Ciência Política do ISCSP

A conferência integra o programa das Jornadas de Ciência Política do ISCSP
e o ciclo de debates em Ciência Política da Licenciatura de Ciência Política do ISCTE, 2009

O distinto cheiro do esturro

Ontem, na Assembleia da República, foi aprovado um diploma do BE que permite o levantamento do sigilo bancário à Administração Fiscal, à semelhança do que acontece por essa Europa fora. No mesmo dia, o Governo aprovou um projecto de lei extremamente tímido (apresentado como muito radical) sobre essas e outras matérias. Se as duas medidas forem adoptadas em conjunto, tratar-se-á de uma viragem importante no combate à evasão em Portugal.

No entanto, há sintomas preocupantes de que não é essa a agenda do PS. Vera Jardim e Alberto Martins fizeram questão de frisar repetidamente que o projecto do Bloco será "revisto" na especialidade. Para bom entendedor, esta palavra basta. O PS votou na generalidade o levantamento do Sigilo Bancário, para inglês ver, e prepara-se agora para fazer aprovar a sua proposta, "revendo" na especialidade (quando ninguém estiver a olhar) a proposta do Bloco até não sobrar nada de relevante. Método já testado e provado em outras ocasiões como a lei do divórcio.

É esperto, mas pouco inteligente. Há demasiada atenção sobre este tema para que a manobra passe despercebida, e o PS só tem a ganhar em fazer uma reforma fiscal a sério, que nunca existirá sem o levantamento do sigilo bancário. Sobretudo depois de um mandato em que acumulou demonstrações de cobardia e promiscuidade com os que têm a perder com essa reforma.

É só por causa dessa cobardia e promiscuidade que o administrador de um dos maiores bancos nacionais, Ricardo Salgado, se permite afirmar "Só a amnistia fiscal pode acabar com os off-shores". A inércia dos governos permite o descaramento mais despudorado dos que continuam a fugir às suas responsabilidade. Até quando?

Dois anos a pedalar

Este blogue nasceu a 17 de Abril de 2007. Obrigado aos leitores, aos comentadores e aos blogues que acharam que valia a pena discutir o que por aqui se ia dizendo. Vamos continuar a pedalar. Nunca se desiste. Relembro apenas o que escrevemos há dois anos atrás. Uma alteração: onde se lê economistas deve agora ler-se cientistas sociais e activistas de esquerda. De resto, não retiro uma vírgula ao que escrevemos a 17 de Abril de 2007. O que acham?

Os dilemas trágicos que os indivíduos têm de enfrentar em resultado da falta de recursos e de poder tornam-se visíveis num belo filme italiano a que este blogue roubou o nome. Não somos cineastas, mas economistas. Acreditamos que a economia, como o cinema, pode ser um ‘desporto de combate’. Temos partidos e ideologias diferentes e divergentes, mas convergimos no que hoje importa. Pleno emprego, serviços públicos, redistribuição da riqueza e do rendimento, controlo democrático da economia fazem parte do caminho que queremos percorrer. Recusamos e combatemos as 'evidências' e mitos que alimentam o actual consenso neoliberal. Acreditamos que o mercado sem fim é a ideologia transponível do nosso tempo. Mas uma coisa reconhecemos aos nossos adversários e a F. Hayek, o seu grande ideólogo: ‘nada é inevitável na existência social e só o pensamento faz que as coisas sejam o que são’. Este blogue é portanto um espaço de opinião de esquerda, socialista e que pretende desafiar o actual domínio da direita na luta das ideias. Pedalemos então!

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Debater as políticas de igualdade na economia

«Não partilho o diagnóstico do texto posto em discussão. Mas concordo com as propostas e junto-me à noção de que o Estado é central numa agenda de esquerda. Mais do que isso, parece-me que o desafio essencial da esquerda hoje é, justamente, construir uma agenda para a governação pública. Este texto tem, portanto, a qualidade de não fazer da luta política uma simples questão de luta posicional, assumindo uma atitude de intervenção na governabilidade» (José Reis).

«Admiram-se alguns com as queimas de automóveis nos subúrbios de Paris e a guerrilha urbana no centro de Atenas. Eu admiro-me com a paz dos outros dias. Espantam-se uns com as greves em França e as manifestações de Lisboa. A mim surpreende-me a massa humana pacata que todas as manhãs vai trabalhar ou procurar emprego» (José Maria Castro Caldas).

Estes artigos são um bom ponto de partida para o debate de hoje à noite: O Esquerda.net vai transmitir online o terceiro debate em directo sobre políticas de igualdade. Desta vez é a economia: José Reis, José Maria Castro Caldas, Nuno Teles, Gustavo Toshiaki e eu. A moderação será de João Romão. A partir das 21h30 façam as vossas ligações. Todas as perguntas e comentários são bem-vindos. Apenas sabemos que a esquerda que não desiste é a esquerda que pode vencer. O sigilo bancário é só o começo do novo ciclo das políticas de igualdade. Esperança.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Economia para todos

O Centro de Estudos Sociais e o Le Monde diplomatique – edição portuguesa vão organizar, durante alguns sábados de Maio e Junho, em Lisboa, dois cursos de formação – Afinal o que é a Economia? O que nos ensina a sua história e Assuntos privados e serviço público: o que nos faz correr. Estes cursos estão abertos a todos os interessados. Os detalhes dos dois cursos também estão disponíveis aqui. As inscrições já estão abertas. Lá nos encontraremos. Aprender sempre.


Temos direito a melhor jornalismo

Este parágrafo remata o editorial da edição de ontem do Diário Económico:

“O risco de deflação não está completamente posto de parte, mas é mínimo. E mais: tendo em conta os planos de injecção de liquidez nos mercados internacionais, a subida acelerada de preços comporta hoje, de certa forma, um risco maior na zona euro - e também em Portugal.”

Será que o jornalista está seriamente convencido do que escreveu?

Todos sabemos que, como Portugal, também a Espanha entrou “em terreno negativo” no mês de Março (ver aqui). Aliás, o jornalista sabe que o receio da deflação na Zona Euro não é recente e tem sérios fundamentos macroeconómicos que não são camufláveis por raciocínios de aritmética sobre o índice de preços (ver aqui e aqui). Em Janeiro, o Financial Times alertava para o risco da deflação (ver aqui) e, no fim de Março, voltou ao tema destacando a diversidade das situações no seio da Zona Euro (ver aqui). Então para Portugal o risco é “mínimo” ?!

Mas se a intenção é pôr o DE a ajudar as autoridades portuguesas, desvalorizando os factos para evitar discutir a realidade, não creio que resulte. Nesse caso, cabe perguntar: isto é jornalismo?

Ainda por cima, o editorialista vem dizer-nos que o verdadeiro risco que actualmente corremos é o da inflação!

Francamente, aqui é mesmo ignorância. Mas nisso sempre pode dizer que está bem acompanhado pelo monetarismo radical. Aliás, a maioria dos economistas que o DE contacta precisa de deitar fora muito do que aprenderam e começar de imediato uma reciclagem acelerada. Para tomarem consciência da dimensão da tarefa, deviam começar por ler este artigo de Willem Buiter.

É que, nos assuntos económicos como nos demais, o País tem direito a melhor jornalismo.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Viver em tempos interessantes?

Dizem que os tempos continuam interessantes. Aos 92 anos, o meu historiador preferido – Eric Hobsbawm – continua a escrutinar os tempos que correm como poucos. Não percam o seu último artigo no The Guardian. Talvez um jornal de referência possa traduzir o artigo. É que está lá, de forma necessariamente resumida, mas límpida, muito do que importa: economia política como história interpretada. Para ver se descobrimos como viver juntos numa sociedade decente. Talvez assim os tempos se tornem verdadeiramente interessantes. Talvez.

Lisboa à esquerda?


Há dois anos atrás defendi aqui a união das esquerdas em Lisboa. Em ano de eleições legislativas, o acordo para uma lista conjunta parece impossível. Em boa hora um conjunto de cidadãos dinamiza uma petição onde se apela à convergência das diferentes esquerdas nas autárquicas deste ano. Com quatro prováveis diferentes listas à esquerda face à direita unida em torno de Santana, este apelo parece ser do mais básico bom senso político.

É assinar e passar a palavra.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Miúdos com fome

O Público de hoje tem uma notícia intitulada «Crise leva crianças com fome ao hospital» (Lusa). Na entrada fica-se a saber que o hospital é o Amadora-Sintra, que as crianças em causa são sobretudo filhos de pais com baixa escolaridade e que o director-geral da Saúde admite alargar o horário das cantinas escolares.

É natural que se comece a imaginar um artigo que relacione a baixa escolaridade dos pais com menores rendimentos familiares disponíveis, e que venha à memória o que se sabe sobre os custos de um deficiente investimento na elevação do nível de escolaridade das populações, o que se sabe sobre as consequências para a saúde das desigualdades socioeconómicas ou o que se sabe sobre a necessidade de políticas e medidas públicas que invertam esses rumos desastrosos. Porque as desigualdades matam, mas antes disso moem.

Em 2008, um relatório da Organização Mundial da Saúde focava os «determinantes sociais da saúde» e demonstrava o papel que as desigualdades geradas pelas opções neoliberais tinham na sua degradação (o João Rodrigues, por exemplo, já escreveu sobre isto aqui e aqui). Um dos autores desse relatório, Micheal Marmot, assina aliás recentemente, com a investigadora Ruth Bell, um artigo no British Medical Journal («How Will The Financial Crisis Affect Health?», 1 de Abril de 2009), em que defende que a única forma de mitigar os efeitos da actual crise sobre a saúde passa por criar um novo modelo global que retire do centro os «mercados não regulados», a «privatização» e «menos acção pública», e que «consiga uma justa distribuição de poder, dinheiro e recursos» (excerto aqui).

As deficiências alimentares são uma espécie de epicentro da degradação da saúde. Instalam-se de forma surda, antes de se transformarem em fome pura. Na família, os filhos são os últimos a ser atingidos pela situação, tal como são os últimos cujos medicamentos deixam de ser comprados. Um médico, falando da crise dos anos oitenta, disse-me um dia que ela tinha tido duas fases: na primeira, as mulheres deixaram de ir ao ginecologista; na segunda, de levar os filhos ao pediatra. Foi nesse momento que ele se sentiu francamente angustiado.

A notícia do Público também angustia. A crise está a causar muita fome, mas no artigo todo o enquadramento parece estar ao serviço de uma narrativa que de facto se centra na denúncia de «casos de negligência». Ali insiste-se em miúdos «que chegam bem arranjados, mas mal alimentados», que têm mães com a «escolaridade obrigatória ou nem isso» e que estão mais preocupadas com a «imagem» do que com os «cuidados básicos». No meio de citações de técnicos, alinha-se um discurso que critica as famílias mais carenciadas por fazerem más opções no orçamento familiar e por viverem acima das possibilidades.

É claro que o consumismo, mesmo em famílias de baixos rendimentos, existe. As responsabilidades do neoliberalismo e da financeirização da economia na criação dessa realidade são conhecidas. Mas quando se fala, não de uma caso a denunciar, mas de crianças «de muitas famílias» que entram num hospital com fome – situações identificadas há um ano e meio –, não se pode fazer misturas. Não se pode confundir casos de negligência parental ou familiar, que são casos de justiça a exigir a intervenção das autoridades próprias (dos tribunais à assistência social), com situações de carência absoluta, talvez recentes, que decorrem de uma crise global. Estas situações exigem políticas públicas que protejam quem se vê em situações dramáticas e exigem medidas pensadas no longo prazo. Na melhor das hipóteses, essa confusão é uma leviandade. Na pior, é mais um episódio da culpabilização de quem sofre pelos seus próprios sofrimentos. E isso já não é só angustiante: é cada vez mais insuportável.

É o desastre da deflação...

Em Julho de 2008, quando o BCE, guiado por teorias monetárias bizarras (I e II), ainda andava preocupado com a inflação, já aqui se alertava para os enviesamentos deflacionários das suas políticas e para o desastre das suas escolhas. Agora podemos estar trancados num ciclo vicioso com semelhanças ao que Fisher, aqui lembrado, tinha diagnosticado nos anos trinta. Estamos mesmo em muito maus lençóis: a taxa de inflação homóloga atingiu menos 0,4% em Março. Não estamos sós.

O jornalista Vítor Costa do Público sintetiza bem alguns dos problemas: «[M]esmo os que conservam a sua capacidade de consumo tendem a adiar as suas compras uma vez que têm a expectativa de que os preços irão continuar a descer. Com a quebra do consumo, as empresas, ao não conseguirem vender, são levadas a reduzir a produção e a baixar ainda mais os preços na tentativa de escoar os seus produtos. Mas com menos necessidade de produção são levadas a não aumentar os salários dos seus funcionários ou mesmo a recorrerem a despedimentos. Sem aumentos salariais e com mais desemprego, a tendência é para que haja novos cortes no consumo, criando-se assim um ciclo vicioso de descida continuada dos preços e de abrandamento económico». O desemprego em larga escala segue dentro de momentos.

Que fazer? Ben Bernanke, como já aqui se assinalou, tem uma resposta monetária que já está muito para além do que é convencional: a moeda é uma criação do Estado e é preciso retirar todas as consequências deste facto simples. O controlo central directo dos mecanismos de crédito, associado a nacionalizações do sistema financeiro, também pode ajudar.

Só os poderes públicos podem superar a descoordenação mercantil que, no actual contexto, gera uma dissociação radical entre o que é racional do ponto de vista 'individual' e o que é racional do ponto de vista colectivo em todas as esferas da economia. Combinar por todo o lado aumento dos gastos públicos, nacionalizações dos bancos e capacidade de manter e forjar regras exigentes que diminuam a discricionariedade empresarial. Só um credor, comprador e investidor de última instância pode superar a incerteza radical e forjar novos pontos focais que estabilizem as expectativas dos agentes. Haja vontade porque há poder. Depois disto temos de garantir que as utopias liberais se tornam irrelevantes no campo das políticas públicas por muitos e bons anos. Já basta o que basta.

As perguntas que não se colocam no supermercado das ideias

«Por que é que se diz que os empresários criam ‘postos de trabalho’ e nunca ouvi dizer que os trabalhadores criam ‘postos de investimento’?» (Miguel Madeira). A arte de colocar uma pergunta que nos pode obrigar a ir à raiz do sistema socioeconómico vigente e das ideologias que o sustentam. Perguntas como esta, que revelam mais do que muitas respostas, não podem deixar de se multiplicar em tempos de crise. Estes são tempos em que os contestáveis fundamentos políticos da economia, que muitos tentam naturalizar, se tornam visíveis. Tempos de destruição e de (re)construção. Tempos de escolhas sociais.

"Universalismo, questões nacionais e conflitos para a Hegemonia"


É com muito prazer que divulgo o seguinte call for papers que me foi remetido pela reitoria da Universidade de Lisboa.

Um Congresso que promete!

"Exmos. Senhores,

A Universidade de Lisboa vai organizar de 28 a 30 de Maio de 2009 o Congresso da Internationale Gesellschaft Hegel-Marx für Dialektisches Denken, subordinado ao tema "Universalismo, questões nacionais e conflitos para a Hegemonia".

Este Congresso tem o intuito de discutir as questões emergentes em torno do tema da crise do capitalismo num mundo globalizado, numa abordagem histórico-filosófica que abarca diferentes espaços temporais e conceptuais. Esta reunião incluirá conferências plenárias e grupos de trabalho e dirige-se não só a professores e estudantes mas também a especialistas das áreas de Filosofia, Ciência Política e História, sendo o painel de oradores constituído por conceituados filósofos internacionais.

Os participantes que desejarem apresentar uma comunicação no Congresso devem enviar o texto de resumo da sua apresentação até dia 4 de Maio. A organização do Congresso Hegel-Marx confirmará a aceitação das propostas até dia 15 de Maio. Por favor envie o seu resumo da apresentação para hegelmarx2009@reitoria.ul.pt.

Solicitamos a vossa colaboração na divulgação desta Reunião para que seja possível uma participação ampla das instituições de ensino superior cujo contributo, dada a relevância e abrangência do tema, deverá proporcionar um debate frutuoso.

O programa, inscrição e outras informações sobre o Congresso podem ser consultados em http://www.hegel-marx2009.ul.pt/.

Salientamos que a data limite de inscrição é 22 de Maio de 2009. Qualquer esclarecimento pode ser solicitado à organização, através do e-mail hegelmarx2009@reitoria.ul.pt

Agradecemos, desde já, a vossa colaboração.

Com os melhores cumprimentos,

A Comissão Organizadora
Divisão de Relações Externas da DSRE
Reitoria da Universidade de Lisboa
Alameda da Universidade
1649-004 Lisboa

Telefone: + 351 217 939 193"

domingo, 12 de abril de 2009

No supermercado das ideias

Em plena crise do modelo de desenvolvimento neoliberal, António Barreto (AB), inspirado pelo banqueiro Fernando Ulrich, vem propor no Público de hoje uma «medida de excepção» para acentuar o desemprego, a crise e as desigualdades salariais: a liberalização temporária dos despedimentos. Eu não ligaria muito a estas previsíveis opiniões das nossas desgraçadas «elites», mas como AB está agora sentado em muitos milhões de euros, generosidade do sítio do costume, é melhor que tomemos nota. Alexandre Soares dos Santos já mostrou que não brinca em serviço e criou uma espécie de supermercado das ideias que servirá como tecnologia de persuasão para difundir estas coisas num tempo que a sua fragilidade intelectual está à vista. O dinheiro pode muito mesmo quando as razões escasseiam.

Estas coisas são defendidas perante uma crise de procura sem precedentes, perante a interacção perversa entre o sobreendividamento e a deflação, quando até economistas convencionais reconhecem que um forte impulso público, coordenado à escala europeia e mundial, um recorte de direitos e obrigações que proteja mais os trabalhadores e um Estado social robusto são a única coisa que pode prevenir um desastre absoluto. Como defendeu recentemente o economista Paul De Grauwe, que assessora o cherne, a maior dificuldade em despedir ou em contrair os salários, o acesso a subsídios de desemprego mais generosos, que evitam cortes tão intensos na procura, a maior viscosidade dos preços, que bloqueia, pelo menos parcialmente, espirais descendentes geradoras de falência e de aumentos de desemprego, ajudam a estabilizar as economias. O aumento do investimento e da despesa dos Estados, keynesianismo ecológico e social, é uma condição necessária para superar a crise. Não há alternativa. Depois é preciso encetar um processo de reformas estruturais igualitárias que alterem a face do sistema socioeconómico e que revertam décadas de utopias de mercado.

Enfim, nada disto interessa a AB. Como não lhe interessa que a maior precariedade desincentive o investimento no aumento das qualificações por parte de trabalhadores e de patrões. Não lhe interessa que um dos efeitos mais salientes da desregulamentação unilateral das relações laborais seja o aumento das desigualdades que, como mostra a experiência de vários países, é prejudicial à criação de emprego. Não lhe interessa que a precariedade e a contracção permanente dos salários que lhe está associada reduzam os incentivos à modernização e à inovação empresariais.

A AB não interessa ainda que a UE, que, com as políticas keynesianas adequadas, poderia ser parte da solução para crise, esteja antes trancada num jogo concorrencial perverso em que o que parece racional para cada país individualmente considerado – promover as suas exportações por via da compressão dos custos relativos do trabalho e seduzir o capital por via fiscal – gera um resultado global irracional sob a forma de um mercado interno desequilibrado e contraído por um défice permanente de procura salarial. Não lhe interessa que este jogo seja hoje um dos grandes responsáveis pelo desemprego europeu que a crise vai acentuar. Não lhe interessa que a actual configuração da globalização tenha acentuado este problema. A realidade não lhe interessa para nada. Ao director do supermercado das ideias apenas interessa ver na crise uma oportunidade para reforçar as elites dos sítios do costume. Excepcionalmente, claro.

sábado, 11 de abril de 2009

Dois novos blogues sobre assuntos políticos



Têm ambos muita discussão política, muita ciência política, muita teoria política, muita economia política, etc., enfim resumindo pois, muitas notícias, debates, informações, etc., sobre a política portuguesa, europeia e mundial:

Um da autoria do meu colega e amigo Manuel Meirinho, politólogo, chama-se homocivicus.

O outro é um espaço de debate político muitissimo plural – que bom! – alojado no sítio do jornal Público e dedicado às eleições (europeias, autárquicas e legislativas) de 2009: Eleições 2009.

A seguir com atenção, pois claro!

Discutir, discutir, discutir sempre

São José Almeida escreve hoje no Público sobre «as razões por que a crise se discute pouco ou nada em Portugal». Razões. No plural, como deve ser. Na linha do que aqui temos escrito, acho que este défice no nosso país pode, em parte, mas só mesmo em parte, ser explicado pelo medo do pluralismo que ainda domina o ensino e o debate da economia dentro e fora da academia num contexto marcado por um paradoxo: a acção de muitos economistas académicos convencionais foi parcialmente responsável pelo retorno dos padrões de instabilidade e de desigualdade que tornaram cada vez mais pertinente a teoria económica crítica, que sobreviveu nas margens da disciplina e que sempre se preocupou em estudar as crises do capitalismo. Acho que há muita gente, sobretudo economistas, com receio de perder o pé num debate aberto sobre as origens da crise. Nem todos estão dispostos a assumir responsabilidades, a aprender e a rever posições.

A experiência ensina-nos que na academia há sempre quem prefira recorrer a métodos que podemos designar por «extra-científicos» para evitar debates que agora são fundamentais e para manter e difundir convicções que agora são obsoletas. Essas convicções suportaram todos os idealismos de mercado. Estes últimos são inofensivos e até podem ser intelectualmente estimulantes se não se desse o caso dos economistas que os defendem serem particularmente afectados pelo que Schumpeter designou por «vício ricardiano», ou seja, pela tendência para a prescrição de políticas e de soluções institucionais a partir de saltos mortais que se iniciam em pressupostos irrealistas sobre as dinâmicas socioeconómicas e acabam em propostas liberais com resultados quase sempre catastróficos.

Felizmente, a crise pode acelerar a tendência para que a economia, enquanto objecto de estudo e campo de inevitável e instrumental experimentação, deixe de ser monopólio dos que alinharam com uma «ciência esquálida», manipuladora e claramente enviesada do ponto de vista ideológico. A necessária perda de monopólio da «ciência esquálida» poderá vir, entre outros, do crescente interesse nas outras ciências sociais por temas económicos que a economia dominante tendeu a descurar: os fundamentos institucionais da economia que determinam quem se apropria do quê e porquê, a relação entre a diversidade das instituições e a diversidade dos hábitos e comportamentos humanos ou a necessária compatibilização de uma multiplicidade de fins no campo da provisão. Economia, economia política, filosofia social, sociologia ou antropologia económica. Chamem-lhe o quiserem.

De qualquer forma, há quem continue apostado em discutir a história das ideias económicas ou os actuais fundamentos das políticas públicas no campo da provisão. São os temas de dois cursos de formação abertos a todos. Porque os temas económicos são demasiado importantes para serem deixados aos economistas esquálidos e porque uma das formas de superar os défices de discussão no nosso país passa por democratizar a discussão. Não percam.

Dez anos a pensar o impensável em português

Não percam o balanço, feito por Sandra Monteiro, dos dez anos da secção portuguesa dessa «espécie de ‘internacional de jornalismo crítico’ que constituem as edições internacionais do Le Monde diplomatique, composta por 73 edições, em 26 línguas».

No sítio do jornal podem ainda ler o excelente editorial de Serge Halimi sobre a nacionalização dos bancos: «Tratar-se-ia, em suma, de fazer a limpeza da casa para a restituir a quem a saqueou. Mas porquê? Sistemas bancários nacionalizados impulsionaram, com custos baixos, décadas de expansão. De que balanço comparável podem de facto orgulhar-se os bancos privados?».

Sobre as virtudes da nacionalização do sistema financeiro e da existência de um sector empresarial do Estado (SEE) podem ler o que se escreveu aqui, aqui ou aqui. A reconstrução de um SEE robusto é uma crucial reforma estrutural (as palavras têm de ser reconquistadas…) que, no actual contexto, muito aceleraria o urgente processo de socialização da economia.