A estéril discussão em torno do congelamento ou redução dos salários em Portugal continua. Já aqui abordámos as falácias que estão por detrás destas trágicas prescrições e não vou repetir os argumentos de então (I II III IV). No entanto, parece que a imprensa está pouco interessada nos raciocínios que estão por detrás das propostas. O editorial de Paulo Ferreira, no Público, de hoje é um bom exemplo. Não só não se dá ao trabalho de perceber o (falso) argumento de Vítor Bento, como trata os leitores como estúpidos. Só assim se pode perceber o simplismo deste parágrafo:
“Perante a falta de encomendas ou a necessidade de baixar preços para conseguir vender produtos, as empresas têm que reduzir custos. Se é preciso cortar custos em 10 por cento, uma empresa com 100 trabalhadores tem duas vias: ou negoceia uma redução dos salários de 10 por cento, ou despede dez trabalhadores. Como a primeira via é tortuosa ou mesmo impossível, o recurso à segunda tem enchido as páginas dos jornais de todo o mundo. O que é isto senão uma redução dos salários.”
Em primeiro lugar, a alternativa proposta pelo jornalista não faz sentido. Se eu reduzo em 10% os salários continuo com a mesma força produtiva na minha empresa, se reduzo 10% da mão de obra, então a minha capacidade produtiva reduz-se aproximadamente em 10%. Na primeira situação temos um ajustamento pelo preço, na segunda pelas quantidades. Só nos manuais de introdução à microeconomia estas duas alternativas são comparáveis. A realidade é muito mais complexa. A AutoEuropa ou a Aerosoles, num contexto de crise internacional generalizada, não resolvem uma queda da procura de 10% com uma redução de 10% no preço dos seus produtos...
Em segundo lugar, para Paulo Ferreira, uma empresa só pode cortar custos se cortar os salários. Como? O valor criado por uma empresa é repartido entre o capital e o trabalho e, como já referimos, esta repartição tem penalizado os trabalhadores ao longo dos últimos oito anos. Depois o jornalista ignora qualquer hipótese de reorganização produtiva e tecnológica (novos produtos, nova maquinaria, nova gestão, mais formação profissional) das empresas. Schumpeter dá voltas na tumba... Os despedimentos e reduções de custos salariais são a única variável assumida. Claro que os custos para a produtividade nacional de um elevado turn-over e da precarização do trabalho são ignorados. Não existem ganhos de aprendizagem e a conversa do capital humano é esquecida. Os trabalhadores são custos variáveis como a quantidade de electricidade ou água que cada empresa gasta.
Finalmente, Paulo Ferreira não percebe a armadilha a que conduz o seu raciocínio. Se todas empresas tivessem a reacção prescrita pelo jornalista, o que seria uma pretensa resposta racional de cada empresa, resultaria no resultado agregado negativo que dá origem ao seu raciocínio do jornalista, a falta de encomendas, já que a procura agregada seria necessariamente menor. O actual risco de deflação e sobreprodução seria exponenciado, se os governos permitissem tal solução.
No último parágrafo, Paulo Ferreira dá a solução para a crise: o aumento da produtividade. Muito bem, mas o jornalista continua a persistir na ideia, no mínimo estreita, que cada um de nós vai produzir "mais 10% ou 20% em cada hora de trabalho" como se fosse uma questão de esforço individual. Em vez de 100 marteladas por hora numa linha de produção, o trabalhador devia chegar às 110 ou 120 marteladas. Tenho muita pena, mas a diferença entre os trabalhadores portugueses e alemães não está nem na força dos seus braços, nem na sua força de vontade. Para quem ainda acredita nesta conversa de café, compare a produtividade das empresas da Volkswagen em Portugal e na Alemanha. Nas economias contemporâneas a produtividade é sobretudo função da qualidade do capital com que trabalhamos (produzir têxteis em Portugal não é a mesma coisa que produzir bens de capital na Alemanha) e das competências dos trabalhadores. Ora, se não valorizarmos a aprendizagem no local de trabalho (que leva tempo) e se não investirmos na formação profissional, nunca conseguiremos a necessária reconversão da economia portuguesa. Tratar o trabalho como custo variável obviamente não ajuda.
Last but not least, Paulo Ferreira ouviu algures que os trabalhadores portugueses exigem salários alemães. Devo andar um pouco mouco.
O que essa malta anda a preparar, com essa argumentação repetitiva-obsessiva, parece-me que poderá ser um valente arraial de porrada!
ResponderEliminarTudo aquilo em que acreditavam já foi com a enxurrada, e ainda assim querem mais do mesmo...?
Caro Nuno Teles,
ResponderEliminarNesse caso somos dois moucos. No blogue eleitoral do Público ouvi o inefável Gabriel do Blasfémias culpar a Esquerda pela crise. E acho que dou em tolo com tanto disparate económico junto:
http://ovalordasideias.blogspot.com/2009/04/treinadores-de-bancada-e-disparates.html
Sou novo na leitura do "Ladrões de Bicicletas" mas gostei imenso do post aqui referido.
ResponderEliminarAntes de mais gostaria de referir que trabalhei 10 anos na Autoeuropa e nem tudo o que transparece cá para fora é o que efectivamente se passa lá dentro. Actualmente a AE está numa fase difícil, pois com a baixa da produção existe um excedente de mão de obra, que, será difícil encaixar noutros lugares. Aquando do lanaçamento do modelo Eos, com a baixa da produção do monovolume, os trabalhadores que ficaram em excendete foram canalizados para acções de formação. Essas formações - e isto muita gente não sabe - foram sempre pagas pelo Estado. Coisa que certamente muitas empresas gostariam de ter acesso, mas sempre foi previlégio só de alguns. E aqui é que está uma das grandes críticas a este governo, dando razão a palavras recentes de Manuela Ferreira Leite. Agora de novo este problema existe. Há uma baixa de produção, não tanto nos modelos novos, como o Scirocco ou o Eos, mas no monovolume, havendo excesso de mão de obra. Claro que uma baixa dos salários não ia fazer diferença nenhuma, porque estando o produto mais barato, isso não se reflectiria no preço final, e, ainda que acontecesse, não é líquido que aumentasse, no contexto actual, as vendas. Logo a redução da mão de obra é o caminho mais fácil. Mas não é o único. A formação veio de novo à baila, o problema é que desta vez a redução é muito maior e a empresa a reboque da crise quer proteger-se e garantir que consegue melhores condições de contratação, nomeadamente, despedir os que estão a mais e os que ficam, ficam em piores condições. O problema é que no governo, ao mesmo tempo que se apregoam medidas de esquerda e sociais, se estrangulam ops empregados destas grandes empresas, apenas para as manterem cá a todo o custo.
Por vezes quetiono-me se não será melhor que acabe logo quem não consegue, ou não sabe, viver em economia de mercado e está constantemente à espera do subsidiosinho do Estado.
Apetecia-me perguntar ao Paulo Ferreira se já viu o seu salário reduzido.
ResponderEliminarNeste raciocínio simplório do Paulo Ferreira irrita-me também aquele tom doutoral de quem descobriu a pólvora e a apresenta ao resto do mundo à espera dos aplausos de uma multidão deslumbradacom tanta sapiência e a bater com a cabeça na parede enquanto diz: Como sou estúpido! Nunca me tinha lembrado disso..."
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarBem,
ResponderEliminaroutra coisa não seria de esperar; que os Editoriais do Público no que toca a economia vão de mal a pior. E olhem, sem resultados visíveis, na produtividade, isto é, nos resultados do Jornal -PÚBLICO. É por certo com muito carinho e dedicação que o grupo Sonae o acolhe no seu seio; e depois aquelas campanhas anti-sócrates, aquela última (q essa sim, foi ratice) de tentar promover a música dos Xutos..
Mas eu até oiço o(s) belmiro(s). E falam bem; mandam umas bocas contra a banca, dizem q naquele grupo não vai haver despedimentos, homens do Norte, ia-se dizendo. Então menos se percebe que tenham a soldo tamanho pedante; tamanha cabeça oca; pois diga-se a verdade, se economia fosse msmo o forte desse tal P. Ferreira, já o Bel o teria coopatado para umas das muitas operações de internacionalização que o seu esmerado (e diga-s d passagem, mt alavancado) grupo nortenho quer fazer lá fora; puxa-puxa, com o know-how q eles têm em malls, vulgo, centros comerciais, a alemanha é um mercado quasi-infinito para a nossa "pequena economia aberta" e os Belmiros dizem que se querem continuar a "expandir"; lá fora, vcs sabem: gráficos de penetração área alocável bruta.. E temos o problema assim resolvido: planeamento e estratégia em Portugal (grupo sonae, sócrates esforça-se em dar o moral, mesmo na adversidade) com gente a ganhar bem, já se sabe!, nesses gabinetes, alfa-pendular para cima e para baixo, malas pretas, casacos compridos... e obreiros e obreiras do leste a levantar betão por essa europa continental fora!
Agora vem o pedido:
não tratem os trabalhadores com um objecto (já dizia o velho Lukács..), não os tratem como um "custo"; "uma variável"; que aconteceu aos processos emergentes: à capacidade de inovação, à formação profissional (ó Zé Vieira, faz lá um esforço, põe mais uns homens na formação profissional que o orçamento aguenta; q remédio tem ele se não aguentar..); à diversificão de mercados e produtos;; sim, sim, vão lá ler uma resenha qualquer de
Schumpeter e depois reapareçam; não é preciso um Phd; basta qualquer coisa que contemple a ligação do cabo terra!
Depois como a economia além de ser muitas coisas é também a ciência do banal; queres fruta? toma fruta! (convém, será q convém sempre?, é q discutamos primeiro o preço...)! Mtos tugas mal ganham para comer, outros tugas mal ganham para pagar a prestação da casa, outros tugas mal ganham para pagar todas as dívidas em geral; e a grande maioria, em geral, ganha o que ganha e ná consegue poupar; o banco quando empresta, meteu Keynes numa bolsinha, vai ao exterior, importa "crédito", vende felicidade; e a conta corrente é q sofre! Atão meus senhores,a crise era para os "desempregados" quase exclusivamente, porque quem "conservar" o lugarzinho até tem rendimento acrescido; mas q porra! mesmo com 10% de desempregados os outros 90% com poder de compra reforçado, num tou a ver onde tá a crise..vista assim, pela lei dos GRANDES NÚMEROS.
Acho q o senhor P. Ferreira devia propor primeiro uma redução no seu ordenado, casos particulares são casos particulares, e o trabalhador em causa não justifica o que ganha; se depois tiver que ir renegociar o empréstimo ao BES; aí é q começam as arguras! Mas eu não as vejo aparecer, mais um pedinte aqui, menos uma fábrica acolá; umas linhas de crédito b-o-onificado para balançar; estágios pós jovens; o Coelho gestor de sucesso já na Mota e Engil;; como pensa o venerável Mendonça:: quando é que é mesmo que a retoma acontece?
Assim se vai produzindo pensamento em Portugal; não queria tar desse lado;
mas por outra;
são coisas que o Estado-social tece; e tou a escrever num LG E500; à prova de toda a crítica! E a Coreia do Sul não tem por certo o nosso clima; eles dão a matéria em bruto e nós só precisamos de mais um quantos de santos milagreiros!! ~
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Por sinal, tou deveras a escrever a dois passos do Condestável! Já lá tem uma fita, a anunciar,a lembrar, a relembrar; segue-se o santo dentro de momentos. Não, não... num é o min. das Finanças, que esse é SANTOS e de milagreiro não tem mesmo nada; aqueles -1,5% jã eram magia negra, .... ao tempo que já o eram!!
Entretanto a nova proposta
ResponderEliminardo governo salva a ladroagem impondo uma coima de 60%
sugerindo que as quadrilhas devem rever a sua actividade com 40% e deste modo evitar falência.
Peço desculpa por este "assalto", mas queria deixar um link para um artigo que gostava que lessem:
ResponderEliminarhttp://blogdotuga.blogspot.com/2009/04/blogues-de-excelencia.html
Afinal é o que merecem...
Nuno,
ResponderEliminarSobre essa questão deixo aqui um pequeno contributo http://tinyurl.com/chpeqv
Tanta estupidez...
ResponderEliminarUm empregador paga aos seus semelhantes enquanto cidadãos, 23,75% para a Segurança Social (agora 22,75%) acima dos seus salários, mais dois subsídios, mais subsídio de alimentação. Ou seja, para um trabalhador que ganhe 600€, por 11 meses de trabalho tem o custo de quase 19 salários. O salário tem como lógica basilar ser o preço do trabalho, o preço do trabalho em Portugal é baixo porque é excessivo face à sua procura, logo tem pouco valor, ou é comunista e nega esta lógica, ou se acredita na economia de mercado (mais ou menos dirigista) percebe que aumento artificiais de salários é tapar o sol com a peneira!! Se as encomendas baixam para que é que você precisa da mesma capacidade produtiva? Para pintar as paredes da fábrica ou ficarem a jogar às cartas?? Você quando não precisa de cortar o cabelo ou simplesmente quer deixa-lo crescer vai na mesma pagar o seu corte habitual ao barbeiro? é mão-de-obra que não está a remunerada (eu sei que este é um exemplo extremista mas espelha a lógica que quero passar).
Vou-lhe contar a história do Manuel e do Quim. Ambos nasceram na mesma freguesia em famílias pobres e humildes estudando apenas até a 6ª classe. No início dos anos 80, o Manuel teve a perspicácia de identificar a emergência do sector têxtil em Portugal, o que fez? foi ao banco e arriscou atravessar-se arranjando um empréstimo para comprar 4 máquinas de costura, as quais pôs na sua cave. Assim criou uma pequena confecção que com muito esforço, dedicação e dores de cabeça fez crescer, sendo hoje uma empresa com 150 trabalhadores.
O Quim, que nunca arriscou nada na vida, empregou-se como motorista de outra pequena empresa, ganhando ainda hoje o salário mínimo (há muitos com qualificação para esse serviço).
Enquanto o empreendedorismo do Manuel, apesar de não ter lá grande visão estratégica, de por vezes ser grosseiro com os seus colaboradores e até não ter facturado tudo que vendeu, durante 25 anos gerou milhões de peças de roupa, milhões em exportações, milhões em salários, milhões em impostos, milhões em contribuições para a SS, milhões em lucros com os quais comprou coisas a outros ou pôs no banco para outros investirem.
O Quim, porque sempre ganhou o salário mínimo, nunca investiu em formação complementar, nunca investiu um euro em capital, quase nada contribuiu para o IRS e tem exactamente os mesmo direitos públicos dos restantes contribuintes.
PORQUE RAIO É QUE NO FINAL DA HISTÓRIA VÊM UNS PSEUDO-INTELECTUAIS QUE DIZER QUE A CULPA DA CRISE É DO MANUEL E A VÍTIMA É O QUIM???
Em vez de criticar quem faz alguma coisa, porque não se dedica a criticar as fornadas de jovens que têm um ensino público disponível e a quem os pais estão dispostos a fazer o esforço de lhes pagarem os estudos e simplesmente são irresponsáveis, não aproveitam as oportunidades, e acabam a competir com pessoas mais velhas, que nunca tiveram oportunidades na vida, por empregos de pouco valor acrescentando. Ou critique a manifesta falta de cultura de iniciativa individual dos portugueses em formação continua? Porque é que não critica a lei laboral que asfixia o dinamismo da economia? As empresas pagam balúrdios para a segurança social para poderem despedir, porque não podem despedir?
P.S.:Vocês gostam muito de malhar no Neo-Liberalismo, diga-me por favor um único livro Neo-Liberal, escrito por um professor serio reconhecido como tal, que defenda Offshores ou produtos financeiros meramente especulativos??
Só um teórico que não conhece a verdadeira realidade da economia Portuguesa é que insiste no faits divers de evocar no debate como representantes das empresas portuguesas duas multinacionais.. a isso chama-se DEMAGOGIA!!
ResponderEliminar"PORQUE RAIO É QUE NO FINAL DA HISTÓRIA VÊM UNS PSEUDO-INTELECTUAIS QUE DIZER QUE A CULPA DA CRISE É DO MANUEL E A VÍTIMA É O QUIM??? "
ResponderEliminarEsqueceu-se que o Manuel, para não ter que pagar aos 150 Quins o ordenado de miséria e a segurança social, deslocou a produção da sua 'cave' para a Ásia e aumentou muito os lucros.
Mas, então, havia um problema.
Os Quins, que tambem são a massa consumidora, sem emprego, não compravam os produtos baratinhos que o Manuel mandava fazer na China.
Era necessário financiar o consumo e vá de emprestar dinheiro aos Quins para comprar, comprar e comprar a crédito.
Compre casa, compre carro, compre mais um carro facilitamos o crédito, (os juritos são altos) e pague enquanto puder.
Até que a coisa estoirou!
Somos todos estúpidos e somos todos culpados e muitos milhões vão ser vitimas da nossa cegueira.
Reduzir salários?
Quais salários?
Olhem para o número de desempregados que cresce diariamente. Olhem para o número de empresas que fecham todos os dias.
Acordem!
E comecem a aprender mandarim...