Na sua crónica semanal no Expresso, Daniel Oliveira mobiliza o conceito de porno-riquismo, que forjei em artigo no Le Monde diplomatique - edição portuguesa para dar conta do consumo conspícuo na época das desigualdades pornográficas. E isto desde que os ricos, ali para 1989, deixaram temporariamente de ter medo de novo. Fá-lo agora para criticar o falocentrismo de milionários norte-americanos, os que vão ao espaço enquanto trabalhadores são compelidos a urinar em garrafas nos seus armazéns.
sábado, 31 de julho de 2021
Porno-riquismo falocêntrico
Na sua crónica semanal no Expresso, Daniel Oliveira mobiliza o conceito de porno-riquismo, que forjei em artigo no Le Monde diplomatique - edição portuguesa para dar conta do consumo conspícuo na época das desigualdades pornográficas. E isto desde que os ricos, ali para 1989, deixaram temporariamente de ter medo de novo. Fá-lo agora para criticar o falocentrismo de milionários norte-americanos, os que vão ao espaço enquanto trabalhadores são compelidos a urinar em garrafas nos seus armazéns.
sexta-feira, 30 de julho de 2021
Começar mal
Assumem a União Europeia como o seu «projeto comum», reconhecendo que a mesma «tem os seus problemas». É por isso que querem «reformar e fortalecer a governação e as [suas] instituições», para ter «uma Europa mais democrática, mais transparente e mais forte: uma Europa federal».
É um legítimo projeto politico, claro. Com visão, estatutos, declaração de princípios, programa, moção estratégica global e candidatos para ir a eleições. Que tem uma página e faz campanha, como qualquer partido. E que por isso tem já cartazes nas ruas, para as autárquicas. Cartazes que dizem que tudo isto, o Volt, «não é política» (a porca da política), «é futuro made in Europe» (que isto cá é uma choldra). Como quem quer pescar mas não quer ser confundido com um pescador. Como quem diz que fuma, mas sem inalar, que isso é feio. Como se renegando a política, por puro oportunismo, merecessem o voto dos eleitores. E assim conseguem, sem se dar ao respeito, encontrar uma boa forma de começar mal.
quinta-feira, 29 de julho de 2021
Fugir dos factos como o diabo da cruz (II)
O publisher do eco não deve ter acompanhado, no final de 2020, o debate sobre os resultados deste relatório, que avalia os conhecimentos dos alunos do 4º ano em Matemática. Isto é, dos alunos que ingressaram no 1º ano do ensino básico em 2015 e concluíram o respetivo ciclo em 2019. Se o tivesse feito (sem o facilitismo de ler apenas o que lhe convém e sem incorrer em associações cronológicas simplistas), teria percebido que os alunos a que se refere como vítimas de «um ensino para manter o sistema, para criar facilitismo», frequentaram praticamente todo o 1º ciclo sujeitos aos referenciais curriculares de Nuno Crato (como se demostra no gráfico aqui em cima).
Sim, é verdade que os alunos que participaram no TIMSS de 2019 não realizaram os exames do 4º ano (introduzidos por Nuno Crato em 2013 e extintos em 2015). Mas o que deve ser pedido ao publisher do ECO é que explique o progresso notável feito por Portugal entre 1995 e 2011 (ver gráfico aqui ao lado), conseguido sem a realização de quaisquer exames do 4º ano e sem as metas curriculares de Crato. Como foi possível, Dr. António Costa?
Aliás, importa relembrar sempre também, a todos quantos recorrentemente se indignam com o fim dos exames do 4º ano, decretado pela maioria de esquerda em 2015, que nessa data - e sendo apenas parcialmente acompanhado pela Bélgica francófona - Portugal era o único país europeu que tinha exames nos seis primeiros anos de escolaridade. A generalidade dos Estados membros, de facto, apenas realiza provas de aferição, à semelhança do que hoje sucede, felizmente, no nosso país.
quarta-feira, 28 de julho de 2021
Otelo
terça-feira, 27 de julho de 2021
Para lá destes tempos financeiros
Quem tenha a oportunidade de ler o Financial Times nestes tempos financeiros instáveis, constatará duas coisas.
segunda-feira, 26 de julho de 2021
Inflação, uma visão alternativa
Contrariando esta visão, muitos economistas veem a inflação como um fenómeno muito mais complexo e raramente associado a um excesso de procura. Pelo contrário, as suas causas encontram-se em grande parte do lado da oferta, associadas a custos de produção e a disputas de distribuição de rendimentos, tendo muitas vezes origens especificas e sectoriais que podem ser identificadas. Consequentemente, consideram que usar um instrumento como a taxa de juro, que tem um impacto negativo generalizado na atividade económica e no emprego, não é a forma adequada de combater a inflação.
Nos EUA debate-se a aprovação do plano de investimento em infraestruturas e esta última visão menos ortodoxa sobre a inflação tem estado presente. Esta semana Alexandria Ocasio-Cortez numa entrevista à CNN afirmou o seguinte:
“A questão da inflação, é que se não percebermos as verdadeiras causas destes aumentos de preços, podem ser tomadas decisões políticas que podem afetar negativamente a nossa vida, aumentar o desemprego [...] É importante que façamos o diagnóstico certo, sobre o que está a provocar estes aumentos de preços. Se virmos bem, estes acontecem em sectores muito específicos […] sabemos o que está a ficar caro. Coisas como o preço da madeira, automóveis, quer novos quer usados, e outros bens que dependem de transporte marítimo, ou seja, bens muito específicos, que se devem a questões relacionadas com a cadeia de oferta. Isto significa que não temos portos suficientes que possam acomodar todos os navios que tentam atracar. É porque não temos chips suficientes, que são produzidos por apenas uma mão cheia de fábricas no mundo, que fazem parte destes automóveis, o que leva a uma grande procura por veículos usados. E é também por causa do aumento da construção e remodelação de habitações durante o confinamento. E a razão pela qual é importante entender isto, é porque a solução para isto é infraestrutura. Precisamos de meter mais dinheiro e mais financiamento para que possamos expandir portos, que nos permita aumentar a resiliência das nossas cadeias de oferta. É isso que podemos fazer se acertarmos no diagnóstico, podemos apoiar estes investimentos em infraestruturas [...] Agora se nos enganarmos, se dissermos que isto é inflação, ou uma tendência inflacionária, o que acontecerá? Estaremos a colocar uma pressão política no banco central para que aumente as taxas de juro, que aumentará o desemprego, que é precisamente o oposto do que queremos fazer numa situação de fragilidade da nossa recuperação económica pós-Covid.”Por cá o cenário de inflação parece bastante distante, mas esta questão será ainda mais relevante. O mandato único do BCE de estabilidade de preços, a ausência de uma política orçamental concertada, que torna muito difícil dar resposta de forma eficaz a constrangimentos do lado da oferta que possam eventualmente surgir, e a hegemonia esmagadora da ortodoxia económica dão muito poucas (ou nenhumas) esperanças à adoção de uma estratégia alternativa à subida das taxas de juro. Tendo em conta a heterogeneidade dos países da zona euro e que esta subida das taxas de juro muito provavelmente terá um impacto bem mais recessivo naqueles países que se encontrarem em pior situação económica e nos quais a inflação será um problema menos relevante, este será nos próximos anos um debate existencial para a zona euro. Talvez o derradeiro.
domingo, 25 de julho de 2021
Jovens de 25 aos 40 anos
É quase uma metáfora do que se iria seguir na democracia portuguesa: de um lado o jovem espírito da mudança e, do outro, o espírito da velha guarda que pretende cavalgar a onda de mudança para que tudo fique um pouco na mesma.
Esse momento metafórico passou-se uns meses depois do 25 de Abril, em Julho seguinte, quando Otelo Saraiva de Carvalho é nomeado comandante-adjunto do Comando Operacional do Continente (COPCON) e comandante da Região Militar de Lisboa.
O filme da reportagem da RTP não começa na altura certa. A cerimónia inicia-se com um dos oficiais da Junta de Salvação Nacional, o general spinolista Jaime Silvério Marques, a fazer um discurso quase paternalista à audácia dos jovens capitães. E, na resposta, Otelo - que até era um dos militares da entourage de Spínola, de quem fora um dos seus oficiais na Guiné embora sem ser spinolista, e que estava a par sem participar no mal-enjorcado golpe de oficiais spinolistas de 16 de Março de 1974, desencadeado para se antecipar ao movimento dos jovens capitães que tanto desprezavam e que, no final, falhou porque o tal jovem movimento que estava no terreno o boicotou (ler as memórias do coronel Sousa e Castro, Capitão de Abril, capitão de Novembro) - Otelo, diante das câmaras da televisão decide - no momento - puxar as orelhas ao general.
Lê a sua nomeação e a sua graduação em brigadeiro como...
... uma vitória fulgurante de todo esse movimento levado a cabo sob ameaças profundas por todo um grupo de jovens oficiais que conscientemente decidiram arrostar com todas essas dificuldades, com toda a possibilidade de ver absolutamente comprometida as suas carreiras e as suas vidas para impor ao país a existência de uma democracia política (...). E a juventude aqui foi uma juventude de idade, porque fomos nós, entre os 25 e os 40 anos, que tomámos sobre nós o peso imenso da responsabilidade de derrubar um governo que todos nós deplorávamos, mas que os nossos generais - apesar de toda a sua juventude provável de espírito - não tiveram a coragem de derrubar.
Otelo - para gáudio de quem assistia a tudo pela televisão - diz mesmo que irá pedir ao general Silvério Marques os "conselhos de aderente desde o 25 de Abril às ideias do movimento". A chapada deu um tal estalo que Silvério Marques teve, a quente, de se justificar (5m20):
Eu não gostaria, depois das suas palavras, de dizer mais nada. Em todo o caso tenho de dizer. É que eu não aderi às ideias do movimento, porque às ideias do movimento expressas no programa eu já era aderente antes do shôr ser oficial. Eu aderi a um programa que não conhecia até ao dia 25 de Abril. (pausa) Porque a gente não pode aderir àquilo que não conhece. (...) E eu aderi a esse programa porque continha as ideias que eu sempre expressei por todo o lado. E é um programa que os jovens que o fizeram se podem orgulhar. É um programa de equilíbrio, honesto e é um programa digno.
E no final abraçou Otelo.
O programa do MFA era muito mais do aquelas inócuas palavras, sem sentido político. E, por isso, nos meses seguintes, a ala spinolista iria tentar torpedear a todo o custo a revolução e o movimento dos capitães e o seu programa.
Sem um programa apresentável, resta o chavão do facilitismo
«Na semana passada, perante o fracasso argumentativo do seu grupo parlamentar na audição em Comissão, veio o vice-presidente do PSD, David Justino, em dose dupla - artigo de jornal e conferência de imprensa – tentar fazer esquecer a tibieza dos seus parlamentares e repetir os já estafados chavões, naquela prática recorrente de dizer algo as vezes que for preciso, independentemente da veracidade do que diz e escreve. É o facilitismo político.
David Justino, enquanto político, não vive sem exames. Ele e outros companheiros de partido ou seus amigos comentadores são professores do ensino superior. Gostava de ver a sua reação se alguém lhes dissesse duas coisas: 1. A avaliação que faz dos seus alunos não é credível porque não há um exame feito por uma entidade externa independente a validá-la. 2. Eu sei que só ensina a sério quando há exames externos.
(...) Como é possível alguém minimamente sério afirmar, como Rui Rio, que o Governo tem “pressionado as escolas para passar os alunos mesmo que estes não saibam”? (...) Nem repara no apoucamento que faz dos professores. Para o PSD e o seu líder parlamentar, os professores são pessoas que avaliam os seus alunos em função das ordens que recebem do Governo. Como se não fossem profissionais responsáveis, que sabem o que fazem.
O PSD, por alguma razão, não gosta do ensino assente na aquisição de competências. Acha que um currículo por competências dispensa conhecimentos. Mas é mesmo só achismo, porque nunca o currículo português foi construído sem conhecimentos a adquirir. Basta consultar qualquer documento curricular de qualquer disciplina desde sempre e também atualmente. Os mais de 200 documentos curriculares desenvolvidos nos últimos 5 anos de forma participada e discutida têm, como é óbvio, conteúdos declarativos. Ora, das duas uma… ou ninguém no PSD olhou para um único documento ou o PSD está apenas num malabarismo para chegar à catástrofe do facilitismo. A palavra sem a qual o PSD sabe falar sobre educação».
João Costa, O PSD tornou-se facilitista (recomenda-se a leitura na íntegra aqui).
sábado, 24 de julho de 2021
Querido diário - memória de um falhanço
Ele há coisas que eram óbvias. No meio de uma recessão importada, cortar na despesa pública como forma de reduzir o défice orçamental, apenas na cabeça fechada dos técnicos da troika ou dos economistas thatcherianos incapazes de perceber que a economia de um país é diferente de uma economia doméstica à qual foi diagnosticada que vivera "acima das suas possibilidades". Aliás, em vão, como se viu: Nuno Vasconcelos continuou por muitos anos no Brasil a fazer vida milionária, Joe Berardo pavoneou a sua colecção que não estava em seu nome, a fauna do BPN fez vários pas de deux sem que a Justiça os apanhasse. E em vão também, porque mesmo obrigando os pobres a pagar os buracos dos ricos, isso não trouxe saúde à economia. Também não era esse o real objectivo.
Claro que o Governo - encharcado e cego pelas ilusões austeritárias importadas dos países mais ricos - foi apanhado de surpresa. Ora, veja-se lá...
sexta-feira, 23 de julho de 2021
Escolas TEIP: a necessidade de avaliar com cuidado
Para quem, como eu, insiste na necessidade de se avaliarem as políticas públicas, é bom ver a capa do Público dedicada a um estudo académico sobre as escolas TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária).
Não conheço o estudo, apenas li os dois textos no Público de hoje. Tanto quanto percebo, há ali material de sobra para reflectir sobre uma das mais importantes políticas educativas em Portugal. Os TEIP partem do reconhecimento de que muitas escolas lidam com contextos socioeconómicos difíceis e que, por isso mesmo, exigem mais recursos do que outras. Num país tão desigual como o nosso, em que o desempenho escolar é tão afectado pelas desigualdades, os TEIP são um instrumento crucial, que merece ser analisado e debatido.
Há um aspecto que é tratado com menos cuidado do que deveria na manchete e nos textos do Público (não consegui perceber se também no estudo referido). Tem a ver com a relação directa que se estabelece entre as notas nos exames e a bondade da política. Em termos simples, a notícia sugere que a política está a falhar porque os resultados médios dos exames das escolas TEIP estão a afastar-se da média das outras escolas. É um problema clássico na avaliação de políticas, que pode ser explicado com o que se segue.
Imaginem que estamos num momento de crise económica profunda e que um dado governo adopta uma medida específica de combate ao desemprego. Se um ano depois constatarmos que o desemprego aumentou, será que podemos concluir que a política falhou? A resposta é não, claro. O aumento do desemprego depende de muitos factores para além daquela política específica. O que temos de perguntar é: será que o desemprego teria sido maior se não tivesse sido adoptada a medida em causa?
No caso dos TEIP, a situação é idêntica. Na última década o abandono escolar precoce caiu para menos de metade. Isso significa que muitos alunos oriundos de estratos socioeconómicos desfavorecidos, que dantes não iam além do 9º ano, passaram a ficar na escola até ao secundário. Dados os territórios em que se encontram, é de esperar que os TEIP tenham passado a ter muitos mais alunos com problemas de desempenho escolar. Sendo assim, faz pouco sentido perguntar se as notas das escolas TEIP (ou os percursos de sucesso educativo em geral) se afastaram ou aproximaram das de outras escolas. Para fazer uma avaliação apenas baseada nesses números, teríamos de assegurar que só são comparados alunos com características idênticas nos dois tipos de escolas (pelo que li no Público não fiquei com a sensação de isso ter sido feito).
É muito positivo que a comunicação social comece a dar mais atenção às análises e avaliações de políticas do que ao seu anúncio pelos governantes (anunciar é fácil). Ainda temos algum caminho para fazer até que todos saibamos interpretar devidamente as conclusões desses estudos.
Para emancipar
Quando passam 100 anos sobre a autonomização da disciplina de Relações Internacionais, este livro dá voz a uma leitura do mundo inconformada com as relações de poder que o habitam e com a teoria que as legitima. São muito diferentes entre si as perspetivas alternativas à ortodoxia teórica em Relações Internacionais. Dessas várias alternativas, a que congrega os estudos incluídos neste livro é a que coloca no centro da análise das relações internacionais a tensão entre dominação e emancipação.
quinta-feira, 22 de julho de 2021
Emergência climática permanente?
«De acordo com estimativas, a onda de calor excedeu as previsões em cinco desvios-padrão. O que quer dizer que, sem alterações climáticas, seria um fenómeno que ocorreria em cada cinco mil anos. Ou seja, apenas uma vez desde o tempo do Antigo Egito. É esse acontecimento que está a ocorrer este ano. Na Colúmbia Britânica está tanto calor como no Vale da Morte, na Califórnia. Que por alguma razão tem esse nome» (David Wallace-Wells).
Escrito no início do mês, semanas antes das cheias anómalas no centro da Europa e das inundações, mais recentes, na China, o artigo de David Wallace-Wells (tradução na íntegra em «Ler mais»), é um relato perturbador do significado dos incêndios que arrasaram a vila de Lytton, no Canadá, e da situação de emergência climática na Califórnia e na costa oeste dos EUA.
Se há pouco mais de uma década o debate sobre as alterações climáticas, nomeadamente quanto ao papel da ação humana e discussão sobre o seu ritmo, era objeto de acesa controvérsia científica, com o passar do tempo, e o acumular de evidências, as dúvidas foram-se dissipando. E embora a pandemia tenha, de certa forma, relegado as alterações climáticas para um segundo plano de preocupações, a imbricação entre as duas questões, num quadro de desregulação e globalização neoliberal, é incontornável. E fonte de justificado pessimismo.
quarta-feira, 21 de julho de 2021
Estado da Nação
Contudo, quem ouvisse hoje, durante o debate do Estado da Nação, a líder da bancada Ana Catarina Mendes ou o primeiro-ministro António Costa pareceria que Portugal está já do outro lado do Cabo das Tormentas. E, na verdade, está um pouco longe disso.
Longe porque Portugal - como é visível no gráfico acima, a partir de dados do INE - tem o seu produto estagnado há duas décadas (PIB em volume, isto é, independentemente dos preços praticados). E era importante saber e discutir as razões desta realidade para que se possa ultrapassá-la. Teme-se que todos - PS inclusivé - conheçam as múltiplas razões dessa estagnação (ideológicas, europeias, institucionais, sectoriais, cambiais, etc.), mas teme-se que, apesar de as conhecer, tudo se mantenha, porque se receia que resolver os nós górdios resulte em piores resultados. Se é esta a situação, então obviamente não se passou o Cabo da Tormentas: estamos mesmo lá. E continuaremos! E esse é um grande problema.
E é grande porque vai tendo efeitos claros.
Do Estado da Nação em tempos de pandemia
Da introdução de Ricardo Paes Mamede e Pedro Adão e Silva à edição de 2021 do relatório sobre o Estado da Nação e as Políticas Públicas, este ano com o título «Governar em Estado de Emergência» (acesso gratuito ao relatório, na íntegra ou por capítulos, aqui). Tal como nas edições anteriores (2019 e 2020), trata-se de uma publicação do IPPS-Iscte por ocasião do debate parlamentar sobre o Estado da Nação. Este ano, pela primeira vez, o IPPS-Iscte, em parceria com o CoLABOR, junta ao relatório uma muito interessante base de dados, «O Estado da Nação em Números». Boas leituras e boas consultas.
Exclusões que passam pelas televisões
terça-feira, 20 de julho de 2021
Para uma educação anti-imperialista
Querido diário: uns e outros
As manchetes do jornal Público de três dias seguidos há 9 anos atrás, em pleno mandato governativo PSD/CDS, aplicando com entusiamo o memorando de entendimento com a troika, dão uma ideia do que foi então vivido.
No primeiro dia, o jornal puxou por artigos em que se salientou: "Há muitos licenciados a esconder habilitações para arranjar emprego"; "A aldeia de Martim está condenada"; "beneficiários do RSI vão ser obrigados a trabalho social", "Reprogramação do QREN dá mais 842 milhões de apoios às empresas", dos quais 300 milhões de apoio à contratação e formação de desempregados; Se o ajustamento se aligeirar, "mais tempo estamos debaixo do garrote", defendia o coordenador do núcleo de estudos da Católica, Jorge Borges de Assunção.
No segundo dia: "Nas escolas e nas ruas, professores admitem radicalizar os protestos" porque muitos professores vão ficar sem lugar nas escolas; "Polícias reclamam retroactivos para todos"; Centenas em S.Bento para dizer que "não há equivalência para a decência" exigindo a demissão do ministro dos Assuntos Parlamentares Miguel Relvas com cartazes como "Ó Relvas vai estudar","Quatro cadeiras, doutor em asneiras! e salientando que Marcelo Rebelo de Sousa sugeriu a sua substituição por Marques Mendes ou Morais Sarmento"; Passos vaiado em Borba em manifestação organizada pela CGTP; PCP insiste que Passos esclareça venda do BPN; "Salário e pensões com mais de 90% do rendimento declarado para IRS" em 2010, quando em 2000 concentrava 70%, o mesmo é dizer que a grande parte do rendimento individual não passa pelo IRS e que tende a fugir à tributação.
Aliás, falando de evasão fiscal, salientava-se:
Enquanto um agregado que vivia exclusivamente do salário declarava, em 2010, uma média de 16 mil euros anuais e o que dependia de pensões quase 14 mil euros anuais, as outras categorias de rendimento pareciam viver na pobreza quase absoluta. Os rendimentos empresariais declarados, fossem agrícolas, industriais ou comerciais, apresentavam um valor médio de rendimento anual de 10 mil euros, ou seja, um rendimento mensal pouco acima dos 800 euros. Quem, em 2010, tenha vivido exclusivamente dos rendimentos prediais, recebia um rendimento médio anual de 7400 euros, ou seja, algo como 616 euros por mês. Mesmo os contribuintes sujeitos ao regime de transparência fiscal, como os habitualmente usados em escritórios de advogados, viviam de rendimentos baixos. Neste caso, o rendimento médio anual foi em 2010 de 22,4 mil euros. Ou seja, um rendimento mensal pouco acima dos 1800 euros. Já os detentores de rendimentos da categoria B — que inclui os “falsos recibos verdes” — terá recebido um rendimento médio anual de quase sete mil euros, algo como 580 euros mensais"
No terceiro dia escreveu-se sobre a avaliação da troika à aplicação do memorando, muito elogiada, embora já houvesse sinais de que a austeridade não estava a vingar: "Troika divide-se sobre o alívio do défice em 2012 - FMI diz que se as receitas fiscais derraparem, a meta de 4,5% deve ser revista, mas Bruxelas não mostra abertura. Eventual desvio obriga a criar almofada no Orçamento para 2013". Mas claro que a receita era sempre a mesma: "Alternativas ao corte de subsídios [de férias e de Natal de funcionários públicos, chumbados pelo Tribunal Constitucional] deve vir do lado da despesa"pública, defendia o chefe de missão do FMI Abebe Salassie que se manifestou surpreendido pela decisão dos juízes. Ah pois!; Governo estuda corte em 2013 da TSU do patronato sobre os salários dos jovens e de trabalhadores de baixos salários. Era a alternativa à desvalorização interna afastada em 2011 (redução da TSU compensada por receitas do IVA); fecho das urgências hospitalares: "Rede de urgências poderá passar dos actuais 83 serviços em funcionamento para apenas 73. Ministério diz que proposta tem “um carácter consultivo” e que algumas sugestões “não são exequíveis”; "Relvas processa Helena Roseta:
Miguel Relvas vai processar a vereadora da Câmara de Lisboa e antiga bastonária da Ordem dos Arquitectos Helena Roseta, noticiou o i. Em causa estão declarações de Roseta, que denunciou favorecimentos alegadamente feitos por Relvas a uma empresa de Passos Coelho quando o actual ministro dos Assuntos Parlamentares era secretário de Estado da Administração Local de Durão Barroso. Ao PÚBLICO, o ministro não confirmou nem desmentiu a notícia.
Foram as notícias de há 9 anos...
segunda-feira, 19 de julho de 2021
Bloqueios
Um interessante artigo sobre a História das origens do bloqueio a Cuba.
Começa quando a revolução derrubou em 1959 um regime ditatorial apoiado pelos Estados Unidos e procurou o seu próprio caminho para o desenvolvimento. Após um momento de hesitação, as nacionalizações de interesses estrangeiros fizeram a administração dos Estados Unidos considerar que aquela ilha punha em causa os seus interesses.
Os seus interesses, não os do povo cubano.
"Todos os meios devem ser adoptados para fragilizar a vida económica em Cuba", referia-se num documento oficial dos Estados Unidos de 1960, por forma "a trazer fome, o desespero e derrubar o governo". Eisenhower escreveu-o de forma clara com o cinismo dos poderosos: "Se eles [o povo cubano] estiverem esfomeados, atirarão Fidel abaixo".
O problema era, pois, o apoio popular ao novo regime, marcadamente socialista.
O artigo recorre a documentos oficiais norte-americanos, questionando a legalidade do bloqueio face à lei internacional e mostrando a violência da guerra permanente entre sistemas, mais do que sobre regimes políticos. Algo que se assemelha, aliás, ao bloqueio de Israel à faixa de Gaza.
Hostilizada pelos Estados Unidos, Cuba vira-se para a União Soviética que apoia a sua economia e chegaria a integrar o Comecon em 1971. Com o fim da URSS em 1991, a tentativa de desastre humano, alimentar, industrial e sanitário foi ampliada e expandida com a lei Democracia Cubana e, em 1996, com a famosa lei Helmes-Burton, fortemente influenciadas pela direita nos Estados Unidos, o que obrigou o governo cubano a um programa de forte contenção das políticas públicas. Em 1997, a Associação Americana para a Saúde Mundial concluiu que o bloqueio feriu dramaticamente a saúde e a nutrição de numeros cidadãos cubanos" e "causou uma subida significativa no sofrimento - e até mortes - em Cuba". E se nada parou, pôde ainda piorar: a administração Trump aprovou mais de duas mil directivas contra Cuba. Mesmo actualmente, o cerco prejudica o fabrico de vacinas. Mas o derrube demora.
Fidel já morreu, o seu irmão Raul já não está no governo e o povo cubano continua a sofrer às mãos da estratégia norte-americana. E da campanha política nos meios de comunicação social, cá também, que fala apenas da ditadura do regime cubano...
Numa entrevista, perguntaram a Fidel se o bloqueio não era uma desculpa para a ditadura e ele respondeu: "Tirem-nos essa desculpa!"
Não estudam nem aprendem
Diz Tavares: «estando o país nas mãos dos credores, a margem de manobra para lutar contra as políticas que nos são impostas de fora é pouco mais que nula. Daí o TINA. Ou, na língua de Camões, o NHA - Não Há Alternativa». E acrescenta: «para me queixar de um corte numa mão é preciso que o braço ainda lá esteja, mas quando estamos perante uma mão que sangra, dizer ao seu dono "repara na sorte que tiveste em não ter ficado sem o braço" é um discurso insensível e pouco eficaz. Daí as dificuldades mediáticas e políticas do TINA. Mas, claro está, não é por um discurso ser difícil que o seu conteúdo deixa de ser verdadeiro».
Em abril de 2015 era já evidente que a austeridade (dita expansionista), não resolvera - antes agravara - os problemas do país. Que não era com falências, desemprego, perda de rendimentos e empobrecimento (dito competitivo), que pagaríamos a dívida e sairíamos da crise provocada pela finança. Em 2015 era já claro, para quem quisesse perceber, que o «ajustamento estrutural» foi o pretexto para pôr em prática a agenda neoliberal de Passos e Portas, que trataram, aliás, de ir além da troika. No ataque aos serviços públicos para «ir ao pote» (veja-se o SNS), na desregulação laboral e agravamento da precariedade, ou nos cortes sociais e no aumento da pobreza, incluindo a pobreza extrema. Nessa altura já se tinha percebido que a austeridade era uma forca e não uma força (como se viu quando, para começar a preparar eleições, Passos e Portas a suavizaram a partir de 2013). E já se tinha clara noção da disfuncionalidade do euro e do erro crasso da Comissão Europeia, que estupidamente sacrificou, antes de outros, a Grécia.
É verdade que em abril de 2015 ainda não havia uma maioria de esquerda no parlamento, sendo pois natural que Tavares achasse que o PS se posicionaria «dois metros à esquerda do PSD e dois quilómetros à direita do Bloco e do PCP», aconselhando «quem ainda sonha com amanhãs que cantam» a não «ter ilusões: atinar com o TINA é tão só abandonar o estado de negação e dar um passo para sair do buraco». Em abril de 2015, o mito de que a subida dos salários prejudicaria o emprego, por exemplo, ainda não tinha sido arrasado pela realidade, tal como outras ideias falsas que a direita tratou de difundir, na sua «economia do pingo» que não pinga. A questão é que, depois disto tudo, João Miguel Tavares não deu sinais de ter aprendido o que quer que fosse.
Adenda: Como no seu artigo JMT não resistiu à graçola de traduzir para português o acrónimo de TINA («There Is No Alternative»), que resulta em NHA («Não Há Alternativa»), eu também não resisto à piada fácil de dizer que há os jovens NEET e os cronistas NENA (isto é, que «Não Estudam Nem Aprendem»). Tavares é um deles.
domingo, 18 de julho de 2021
Coisas boas e más
Num dos seus momentos de humor, Ricardo Araújo Pereira resumia o programa do PAN a um slogan: “queremos coisas boas, não queremos coisas más”. Tenho-me lembrado deste slogan, agora a propósito de todo um conjunto de não-posições ditas de esquerda em Portugal sobre a situação em Cuba. Há excepções, claro.
Quando deixamos o mercado cuidar dos idosos
Para Marx, Schumpeter, Polanyi e outros a tendência para expandir a lógica de mercado a todas as áreas da vida em sociedade é uma característica central do capitalismo. Em 1961 havia em Portugal 3 idosos por cada 10 jovens, hoje há 16 idosos por cada 10 jovens e as previsões apontam para o dobro dentro de 50 anos. Já se vê em que direcção as fronteiras do mercado estão a ser estendidas.
Se há um século cuidar de idosos era parte da vida em família, nos países com Estados Sociais mais desenvolvidos foi-se tornando uma preocupação do Estado. Esta reportagem do consórcio de jornalistas europeus Investigate Europe (onde participa o jornalista do Público Paulo Pena) mostra como os lares de idosos têm vindo a tornar-se num faroeste de busca de lucros.
A história é semelhante ao que se encontra noutros domínios. A falta de resposta dos serviços públicos abre oportunidade de negócio a investidores privados. A transformação de uma actividade social orientada para os cuidados num negócio orientado para a obtenção do lucro traduz-se em desumanização das relações entre pessoas, em desconsideração pela dignidade dos idosos, em relações laborais precárias, e em ritmos e intensidade de trabalho insustentáveis para os profissionais.
À medida que o negócio atrai empresas multinacionais, a concentração do sector num pequeno conjunto de grupos financeiros conduz à aposta na dimensão imobiliária (em detrimento dos cuidados), a estruturas sobre-endividadas (o que faz aumentar a pressão para os baixos salários e a degradação dos cuidados), a lucros excepcionais (disfarçados de juros por empréstimos, pagos entre empresas do mesmo grupo) e à fuga aos impostos.
O disfarce dos lucros e a degradação dos cuidados leva muitos a dizer que o problema está na falta de regulação e de apoio estatal. Quer uma quer outra são reais, mas o problema não está só aí. Grupos económicos cada vez mais poderosos conseguem capturar os reguladores. Estados pressionados para subsidiar a actividade privada subinvestem na fiscalização. Aumenta a litigância nos tribunais sobre o respeito pelas regras - e quase sempre ganha quem consegue pagar os honorários mais chorudos a exércitos de advogados. Já vimos tudo isto a acontecer na saúde, está a começar nos lares para idosos.
Conta-nos o Investigate Europe que há países dispostos a inverter este plano inclinado. Na Áustria e na Noruega, países onde ainda existem sociais-democratas à moda antiga, reserva-se a actividade relacionada com os lares a empresas sem fins lucrativos ou resgatam-se os lares existentes para a esfera do Estado.
Em Portugal, a política até aqui seguida reserva os apoios públicos a empresas do 3º sector, que sucessivos governos viram como a solução para este desafio contemporâneo. A pandemia pôs à vista de todos as condições impróprias em que operam centenas de lares. Isto pode abrir espaço a um reforço da regulação, da qualificação de profissionais e do investimento público no sector. Mas pode levar também à reivindicação já conhecida de que o melhor é deixar o mercado funcionar (com subsídios públicos aos grupos privados, claro).
Leiam a excelente reportagem do Investigate Europe e percebam o que está em causa. Nos manuais de introdução à economia (ou, ainda mais, nos escritos de Smith) o mecanismo de mercado é fascinante. No mundo real, o resultado não é bonito de se ver.
sábado, 17 de julho de 2021
Orelha Negra com A Garota Não
sexta-feira, 16 de julho de 2021
Uma questão que pode ter resposta
Ando com esta questão: porque é que a esquerda e o centro-esquerda social-democratas da América Latina tomam posições solidárias com Cuba, como se pode atestar por esta cuidadosa declaração do Grupo de Puebla, e por essa Europa afora, cada um à sua maneira, só os comunistas, sectores da chamada esquerda europeia ou figuras como Jeremy Corbyn, ligados a campanhas de solidariedade com Cuba, o fazem? A mesma questão se pode colocar, aposto, comparando as esquerdas asiáticas e africanas com a maioria do que resta das europeias.
Porque, por cá, demasiados esqueceram ou nunca quiseram conhecer a realidade histórica bem material, bem física, muito para lá do discurso e da representação volúveis, do imperialismo, vivendo numa espécie de fim da história, divulgando a última versão do totalitarismo de vencedor de guerra fria, agora na figura da caça ao populista, padrão tão bem exemplificado na crónica de Rui Tavares da passada segunda-feira, comparando um discurso de mobilização do Presidente cubano com a extrema-direita latino-americana de Bolsonaro e quejandos.
Por lá, ninguém minimamente consequente pode esquecer quem esteve sempre do lado da literalmente saudável emancipação anti-imperialista e quem, só para remontar à Guatemala de Arbenz, cujo derrube foi um momento marcante da educação política de Fidel ou de Che antes da Serra Maestra, esteve sempre do lado das classes possidentes mais abjectas, fomentado velhos e novos golpes, velhas e novas desigualdades mortíferas. Por cá, é mais estatocídios, mas sempre por razões humanitárias, claro.
Sim, a avaliação internacional, das relações de força e de poder internacionais, tem muitas cambiantes e até, vejam lá, contradições. Não é nunca uma dedução de princípios liberais ahistóricos, de resto muito selectivos na teoria e ainda mais selectivamente aplicados na prática.
quinta-feira, 15 de julho de 2021
Solidariedade anti-imperialista
Um dos promotores da oportuna iniciativa de hoje é de longe o maior e mais relevante movimento social português. Falo obviamente de uma CGTP-IN que não esquece a cultura anti-imperialista, sem a qual a avaliação internacional corre o risco de se resumir a uma idiotice inútil: Solidariedade com os Trabalhadores e o Povo de Cuba - Fim ao bloqueio dos EUA!
Já agora, este tipo de manifestações repete-se por todo o mundo, mas ontem na RTP, em linha com a propaganda oriunda dos EUA, o telejornal chegou a mostrar uma manifestação no Brasil, viam-se bandeiras do PT, do PCdoB ou de Cuba, falando a jornalista de manifestações internacionais "contra o regime cubano"...
quarta-feira, 14 de julho de 2021
Acabem com o bloqueio
terça-feira, 13 de julho de 2021
Haja substância
Mais importante, a revelar uma direção política clara em assuntos tão importantes para o país como a TAP ou a ferrovia. Com este desempenho em assuntos politicamente tão difíceis, só podemos esperar que fora, mas também dentro, do PS, os seus adversários se encarnicem.
É um enorme gosto ouvir alguém com estas responsabilidades políticas a defender os seus pontos de vista com genuína convicção, coragem política, substância económica e pedagogia.
Sem colocar em causa a pertença ao euro, como defendo, não vejo como fazer melhor.
É preciso salvar as instituições gratuitas
«Nestes dias de internamento, senti como é importante um bom serviço de saúde gratuito, acessível a todos, como existe na Itália e noutros países. Um serviço de saúde gratuito, que garanta uma boa resposta acessível a todos. Não se pode perder este bem precioso. É preciso mantê-lo! E para isso é necessário que todos se empenhem, porque ele serve todos e necessita da contribuição de todos. (…) Não se esqueçam, é preciso salvar as instituições gratuitas.»
Da mensagem do Papa Francisco, no passado domingo, a partir do Hospital Agostino Gemelli. Como sublinha a Sandra Monteiro, «é mesmo este o nexo: contribuição de todos, acesso para todos, gratuito para todos».
segunda-feira, 12 de julho de 2021
Prémio humorístico para a defesa dos búfalos gordos
domingo, 11 de julho de 2021
Haja esperança
Assim que abrandaram as restrições em termos de quantidade de vacinas, as estruturas do SNS revelaram estar à altura da necessidade de acelerar o processo, confirmando que Portugal é um exemplo em matéria de vacinação, do lado da oferta e da procura, e assim perturbando os que apostam no medo, na desconfiança e no esvaziamento de uma das nossas maiores conquistas democráticas. A oferta e a procura encontram-se sem mediação pelos preços, sem exclusões, graças ao planeamento.
Por falar em medo, por oposição à esperança fundada na informação e nos valores, sugiro ao Público uma alteração na sua útil infografia: coloquem em maior destaque (dimensão e posição) o gráfico com o número de óbitos, cuja evolução confirma o poder das vacinas.
sábado, 10 de julho de 2021
Fracisco Assis, novo cargo, velhos truques
João Oliveira, presidente do grupo parlamentar do PCP, fez declarações aos órgãos de comunicação social onde criticava a tentativa de Francisco Assis, novo Presidente do Conselho Económico e Social (CES), se tentar imiscuir nas negociações que o PCP está a realizar com o Partido Socialista acerca da lei laboral. Relembrando que o parlamento tem a legitimidade do voto popular, João Oliveira disse que Assis se deveria pôr no seu lugar. (aqui).
sexta-feira, 9 de julho de 2021
Neomercantilismo alemão: vivo e de boa saúde. Mais desenhos.
Para lá de toda a continuada propaganda e de todos os equívocos sobre a evolução da produtividade alemã que, de facto, desde 1995, cresce menos que em Portugal e menos que na zona euro, a verdade é que, recordemos, não por acaso, os superávites alemães com os países da moeda única só aconteceram a partir da integração monetária. Foi a moeda única que, tornando fixa a taxa de câmbio nominal, permitiu que uma política de sistemática e agressiva repressão salarial gerasse uma taxa de câmbio efetiva real (calculada a partir da evolução dos salários) que continua hoje mais de 15% abaixo do seu nível de 1995. Sergio Cesaratto tem evidentemente razão, esta política só tem um nome: mercantilismo. No caso, neomercantilismo.
Aprender com a Islândia
O ensaio inicial, circunscrito a Reykjavik, envolveu cerca de 2.500 trabalhadores de diferentes setores. Com a redefinição do modo como certas atividades eram desenvolvidas, a introduçao de turnos e a eliminação de tarefas desnecessárias, foram garantidos os níveis de serviço normais e mantidos os valores dos salários. E entretanto foi-se assistindo, desde 2019, à redução generalizada dos horários de trabalho em todo o país, abrangendo hoje 86% dos trabalhadores, «que conseguiram trabalhar menos horas ou o direito a negociar essa possibilidade com os seus empregadores».
Mas os ganhos não ficam por aqui: registou-se também (porque isto anda tudo ligado) uma redução do stress e um aumento do bem-estar dos trabalhadores, que passaram a conseguir conciliar melhor o trabalho com a vida familiar, graças à semana de quatro dias. Como referiu Will Stronge, «outros governos podem aprender alguma coisa» com a Islândia, nesta que é a «maior experiência do mundo na redução da jornada laboral no setor público».
Estes resultados confirmam, uma vez mais, o despropósito de associar a produtividade à ponderação linear do valor do PIB pelo número de horas de trabalho, como tem feito recentemente a Pordata (chegando ao ponto de associar esse resultado ao «desempenho dos trabalhadores»). Vá, experimentem lá aplicar essa fórmula simplista - fruto mais ou menos consciente da obsessão com o «fator trabalho» - ao caso Islandês. E reparem como a produtividade pode de facto aumentar ao mesmo tempo que diminui o número de horas de trabalho.
quinta-feira, 8 de julho de 2021
Pouco social
Ao afirmar que “o Setor Social e Solidário” é “um pilar fundamental do Estado Social” – Pedro Mota Soares não diria melhor – a Secretária de Estado da Acção Social congratula-se com a continuidade do Estado garantia, para usar a fórmula neoliberal de Passos Coelho, adoptada por todas as direitas. O tal Estado que financia, mas não fornece directamente serviços públicos essenciais para muitos miúdos e graúdos. Um Estado dito social para tempos de retrocesso.
É assim, na verdade, desde que a dupla Guterres/Melícias consolidou e expandiu, com dinheiros públicos, um poderoso grupo de interesse privado, ungido pela ofuscadora designação “de sector social e solidário”.
Na realidade, tratou-se sobretudo de tentar conter investimento público numa área crucial do Estado Social e custos laborais, promovendo uma maior precariedade e menores salários do que ocorreriam no sector público, em áreas destinadas a crescer. Sabe-se de resto que o emprego público é particularmente vantajoso para a mobilidade social e para a igualdade, incluindo entre homens e mulheres, em sectores feminizados. A igualdade começa sempre pelo trabalho.
Em sectores que também são trabalho-intensivos, que requerem uma ética do cuidado e motivações intrínsecas, os riscos sociais deste Estado que não garante grandes condições de trabalho são muitos.
quarta-feira, 7 de julho de 2021
Um jornal por vidas seguras
Cada vez que um direito universal é substituído por um mecanismo de mera correcção de situações de necessidade, sujeito a condição de recursos, os poderes públicos dão mais um passo na desistência do combate estrutural às desigualdades. Acabam conformados com medidas de alívio, o possível, da pobreza, e esta torna-se alvo da imaginação assistencialista e caritativa.
Assim foi desde que as pensões mínimas foram desligadas do salário mínimo, comprometendo, há mais de quinze anos, o direito de todos os trabalhadores a um mínimo de rendimento na reforma, como mostra Maria Clara Murteira nesta edição. Assim acontece com a perpetuação de uma insegurança alimentar crónica, concentrada em grupos de risco que acumulam várias vulnerabilidades, perante um Estado que se demite de efectivar o direito universal à alimentação, como explica Susana Brissos. É o que se passa também com o direito universal a um ensino superior público e tendencialmente gratuito, há trinta anos a ser desmantelado.
A cada crise, os direitos universais fragilizados são lugares sociais de fragilização acrescida. São lugares de extensão do assistencialismo e da caridade. Só o regresso a políticas públicas robustas poderá contrariar este retrocesso social. Mas, em vez disso, o que se vê? O delírio neoliberal parece não ter limites.
Sandra Monteiro , «Ajude um caloiro»: requiem por um direito, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Julho de 2020.