sexta-feira, 23 de julho de 2021

Escolas TEIP: a necessidade de avaliar com cuidado


Para quem, como eu, insiste na necessidade de se avaliarem as políticas públicas, é bom ver a capa do Público dedicada a um estudo académico sobre as escolas TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária).

Não conheço o estudo, apenas li os dois textos no Público de hoje. Tanto quanto percebo, há ali material de sobra para reflectir sobre uma das mais importantes políticas educativas em Portugal. Os TEIP partem do reconhecimento de que muitas escolas lidam com contextos socioeconómicos difíceis e que, por isso mesmo, exigem mais recursos do que outras. Num país tão desigual como o nosso, em que o desempenho escolar é tão afectado pelas desigualdades, os TEIP são um instrumento crucial, que merece ser analisado e debatido.

Há um aspecto que é tratado com menos cuidado do que deveria na manchete e nos textos do Público (não consegui perceber se também no estudo referido). Tem a ver com a relação directa que se estabelece entre as notas nos exames e a bondade da política. Em termos simples, a notícia sugere que a política está a falhar porque os resultados médios dos exames das escolas TEIP estão a afastar-se da média das outras escolas. É um problema clássico na avaliação de políticas, que pode ser explicado com o que se segue.

Imaginem que estamos num momento de crise económica profunda e que um dado governo adopta uma medida específica de combate ao desemprego. Se um ano depois constatarmos que o desemprego aumentou, será que podemos concluir que a política falhou? A resposta é não, claro. O aumento do desemprego depende de muitos factores para além daquela política específica. O que temos de perguntar é: será que o desemprego teria sido maior se não tivesse sido adoptada a medida em causa?

No caso dos TEIP, a situação é idêntica. Na última década o abandono escolar precoce caiu para menos de metade. Isso significa que muitos alunos oriundos de estratos socioeconómicos desfavorecidos, que dantes não iam além do 9º ano, passaram a ficar na escola até ao secundário. Dados os territórios em que se encontram, é de esperar que os TEIP tenham passado a ter muitos mais alunos com problemas de desempenho escolar. Sendo assim, faz pouco sentido perguntar se as notas das escolas TEIP (ou os percursos de sucesso educativo em geral) se afastaram ou aproximaram das de outras escolas. Para fazer uma avaliação apenas baseada nesses números, teríamos de assegurar que só são comparados alunos com características idênticas nos dois tipos de escolas (pelo que li no Público não fiquei com a sensação de isso ter sido feito).

É muito positivo que a comunicação social comece a dar mais atenção às análises e avaliações de políticas do que ao seu anúncio pelos governantes (anunciar é fácil). Ainda temos algum caminho para fazer até que todos saibamos interpretar devidamente as conclusões desses estudos.

4 comentários:

  1. Eu li o artigo do Expresso. Parece-me que toca em alguns pontos mais. Menciona, por exemplo, uma análise mais qualitativa feita na comparação entre escolas com progressão positiva e escolas com progressão negativa, onde se realça que um dos problemas é a padronização da atuação das escolas em vez de se adaptarem às particularidades locais.

    Também se lembra que os resultados escolares não são o único critério e que estudos em França e Reino Unido tiveram conclusões semelhantes. E, milagre, lembra que o autor, Hélder Ferraz, ressalva a injustiça de colocar apenas sobre a escola a responsabilidade de transformar uma sociedade com tantas desigualdades.

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  2. «teríamos de assegurar que só são comparados alunos com características idênticas nos dois tipos de escolas»
    A existência dos TEIP tem por pressuposto essa divergência!
    A questão é saber se a acção nos TEIP a atenuou ou não, e se não, porquê.

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  3. Link para o estudo do CIES:
    https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/EPIPSE/estudoteip_sintese.pdf

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  4. Um aumento da autonomia das escolas, e quiçá, conjugar com uma certa "municipalização" (ou seja, mais envolvimento das autarquias) na definição de programas escolares específicos locais, escolha de recursos humanos e materiais mais adequados, seria caminho?

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