quarta-feira, 21 de julho de 2021

Estado da Nação

Sabe bem ouvir o entusiasmo da bancada parlamentar socialista a bater-se pelos ideais de esquerda. A sua natureza e os seus sonhos - a julgar pelo vigor dos aplausos - está em viver um programa de esquerda. E bem hajam por isso.

Contudo, quem ouvisse hoje, durante o debate do Estado da Nação, a líder da bancada Ana Catarina Mendes ou o primeiro-ministro António Costa pareceria que Portugal está já do outro lado do Cabo das Tormentas. E, na verdade, está um pouco longe disso.

Longe porque Portugal - como é visível no gráfico acima, a partir de dados do INE - tem o seu produto estagnado há duas décadas (PIB em volume, isto é, independentemente dos preços praticados). E era importante saber e discutir as razões desta realidade para que se possa ultrapassá-la. Teme-se que todos - PS inclusivé -  conheçam as múltiplas razões dessa estagnação (ideológicas, europeias, institucionais, sectoriais, cambiais, etc.), mas teme-se que, apesar de as conhecer, tudo se mantenha, porque se receia que resolver os nós górdios resulte em piores resultados. Se é esta a situação, então obviamente não se passou o Cabo da Tormentas: estamos mesmo lá. E continuaremos! E esse é um grande problema.  

E é grande porque vai tendo efeitos claros.

 


 

Ouvimos António Costa sublinhar - e com razão - que se ultrapassou a recessão vivida em 2020/21,  valores várias vezes superior à recessão de 2011/13, com um nível de desemprego bem abaixo do verificado nesse mesmo período. Mas ouvimo-lo a enfatizar uma taxa de desemprego oficial (7,1%) e esquecer-se da dimensão real do "trabalho subutilizado" - desemprego oficial, subemprego e inactivos disponíveis para trabalhar - que atingiu no 1º trimestre de 2021 os 14,1%, acima do nível pré-recessão de 2011/13 e bem acima de há 20 anos. Uma dimensão com fortes impactos nos baixos níveis de remuneração do trabalho praticados. E nem se menciona já a qualidade do emprego existente. 

 

Se a taxa de desemprego do "trabalho subutilizado" pode parecer elevada, o que dizer então dessa mesma taxa para os mais jovens - entre 15 e 24 anos - ao redor dos 40%? Os jovens vivem uma quadratura impossível: ou não têm emprego, ou têm emprego mal pago, precário, frágil ou nem recebem ou não têm emprego oficial ou emigram. E essa realidade decorre, igualmente, da falta de perspectivas da economia portuguesa que contamina a falta de perspectivas sociais que transborda para as demográficas, etc, etc. E todos sabemos disso.  

E esse é um problema que se torna, a prazo, num grande problema político.

Veja-se o que fez a extrema-direita - na sua versão civilizada ou trauliteira - no debate. Sublinhou essa mesma discrepância entre o discurso e a realidade, aproveitando para capitalizar o descontentamento gerado com os efeitos acumulados de políticas de direita seguidas há décadas e a que o PS foi aderindo, bem sei que com má-vontade (a julgar pelos aplausos).

Claro que a extrema-direita neoliberal não tem razão nos seus argumentos quando diz que "o PS é o campeão da estagnação", como se fosse o único responsável. Mas é relevante para essa narrativa que o PS fique com os "louros" dessa estagnação, quando o ideário aplicado é outro - é o seu próprio! Claro que a extrema-direita neoliberal não têm razão quando ataca o PS por atacar a direita neoliberal, dizendo que "comparar as duas crises é uma forma de desinformação". As políticas seguidas nas duas recessões foram mesmo diferentes. Mas é inteligente da sua parte confrontar o PS - que se diz não neoliberal - com os frutos apodrecidos do essencial da política neoliberal, mesmo que compensados com algumas políticas no sentido correcto, mas que ficam muito aquém do fulcro dos problemas (vidé caso da política laboral). 

O PS diz-se "pronto para o futuro" e a querer juntar todos nessa viagem. E é bom que assim seja. Mas há tanto para mudar que, face ao entusiasmo com que se vive a estagnada realidade actual, teme-se que não se queira mudar muito. Só não se consegue é deixar de imaginar como seriam vibrantes os aplausos dos deputados do PS caso se mudasse mesmo a sério!


3 comentários:

  1. Os eleitores do PS, que são o que conta, são, na sua maioria, bem centristas, João Ramos de Almeida. O PS ganha eleições porque consegue agregar uma coligação social que, se virasse muito à Esquerda, rapidamente perderia.

    E mais vale negociar com o PS centrista de António Costa no Governo, do que ter a seu lado o impotente PS de um Pedro Nuno Santos na Oposição. E quanto ao vigor dos aplausos, se é para justificar o emprego, vai ver que ele é sempre bem forte :) .

    Quanto à questão do corte dos supostos nós górdios, ela passa por quem o deseja fazer assumir as consequências de tais atos (até para que possa planear estratégias de mitigação) e deixar o povo escolher. Não o fazer não passa de demagogia reles...

    Não, não existirão amanhãs que cantam, só suor e lágrimas durante bastante tempo...

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  2. "Os eleitores do PS, que são o que conta..."

    Que democrata!!!

    Qual é a média de idades do eleitorado do Partido "Socialista"?
    Qual é a razão de alguém com menos de 45 anos votar no Partido "Socialista"?
    Diria que alguém com menos de 45 anos tem muito boas razões para odiar o PS, o PSD e CDS...

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  3. E os eleitores do PCP e BE contaram para salvar o Partido "Socialista" da pasokização, eu sei que custa admitir mas a pasokização do Partido "Socialista" estava mesmo a acontecer em 2015.

    Estão a ver eleitores do PCP e BE a consideração que certos "socialistas" têm por vocês?
    Vejam bem o que vocês resgataram em 2015 da bancarrota partidária...

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