segunda-feira, 26 de julho de 2021

Inflação, uma visão alternativa

A subida das taxas de juro pelo BCE como resposta a uma eventual inflação será um problema para a sustentabilidade das dívidas públicas europeias, condicionando dessa forma todas as políticas de resposta à crise. Num contexto de despolitização da gestão do ciclo económico, a política monetária é a forma convencional de controlar a inflação, que assenta numa visão em que esta se deve sobretudo a um excesso de procura que por sua vez depende negativamente da taxa de juro. Com taxas de juro mais elevadas as pessoas terão mais incentivos a poupar e mais dificuldade em obter empréstimos.

Contrariando esta visão, muitos economistas veem a inflação como um fenómeno muito mais complexo e raramente associado a um excesso de procura. Pelo contrário, as suas causas encontram-se em grande parte do lado da oferta, associadas a custos de produção e a disputas de distribuição de rendimentos, tendo muitas vezes origens especificas e sectoriais que podem ser identificadas. Consequentemente, consideram que usar um instrumento como a taxa de juro, que tem um impacto negativo generalizado na atividade económica e no emprego, não é a forma adequada de combater a inflação.

Nos EUA debate-se a aprovação do plano de investimento em infraestruturas e esta última visão menos ortodoxa sobre a inflação tem estado presente. Esta semana Alexandria Ocasio-Cortez numa entrevista à CNN afirmou o seguinte:

“A questão da inflação, é que se não percebermos as verdadeiras causas destes aumentos de preços, podem ser tomadas decisões políticas que podem afetar negativamente a nossa vida, aumentar o desemprego [...] É importante que façamos o diagnóstico certo, sobre o que está a provocar estes aumentos de preços. Se virmos bem, estes acontecem em sectores muito específicos […] sabemos o que está a ficar caro. Coisas como o preço da madeira, automóveis, quer novos quer usados, e outros bens que dependem de transporte marítimo, ou seja, bens muito específicos, que se devem a questões relacionadas com a cadeia de oferta. Isto significa que não temos portos suficientes que possam acomodar todos os navios que tentam atracar. É porque não temos chips suficientes, que são produzidos por apenas uma mão cheia de fábricas no mundo, que fazem parte destes automóveis, o que leva a uma grande procura por veículos usados. E é também por causa do aumento da construção e remodelação de habitações durante o confinamento. E a razão pela qual é importante entender isto, é porque a solução para isto é infraestrutura. Precisamos de meter mais dinheiro e mais financiamento para que possamos expandir portos, que nos permita aumentar a resiliência das nossas cadeias de oferta. É isso que podemos fazer se acertarmos no diagnóstico, podemos apoiar estes investimentos em infraestruturas [...] Agora se nos enganarmos, se dissermos que isto é inflação, ou uma tendência inflacionária, o que acontecerá? Estaremos a colocar uma pressão política no banco central para que aumente as taxas de juro, que aumentará o desemprego, que é precisamente o oposto do que queremos fazer numa situação de fragilidade da nossa recuperação económica pós-Covid.”
Por cá o cenário de inflação parece bastante distante, mas esta questão será ainda mais relevante. O mandato único do BCE de estabilidade de preços, a ausência de uma política orçamental concertada, que torna muito difícil dar resposta de forma eficaz a constrangimentos do lado da oferta que possam eventualmente surgir, e a hegemonia esmagadora da ortodoxia económica dão muito poucas (ou nenhumas) esperanças à adoção de uma estratégia alternativa à subida das taxas de juro. Tendo em conta a heterogeneidade dos países da zona euro e que esta subida das taxas de juro muito provavelmente terá um impacto bem mais recessivo naqueles países que se encontrarem em pior situação económica e nos quais a inflação será um problema menos relevante, este será nos próximos anos um debate existencial para a zona euro. Talvez o derradeiro.

2 comentários:

  1. Muito bom post. Muito bom o esclarecimento de Alexandria O. Cortez. Infraestruturas consistentes precisam-se.









    ResponderEliminar
  2. O que os economistas digam não interessará. A naturezae a política vão mandar. As vacinas não vão acabar com a epidemia. As fronteiras terão mais restrições. Os trabalhadores vão exigir salários mais altos. E certos governos vão subir a taxa de juro para provocar uma crise. Os patrões preferem sempre perder alguns lucros a perder influência social. Se a UE se desfizer, é o sacrifício de uma ferramenta da guerra de classes para não perderem a guerra de classes.
    EUA e Alemanha vão optar por subir taxa de juro, os outros não terão escolha. Mesmo que entre os mais endividados haja pânico do grupo governante com as consequências, já não são soberanos para escolher política.

    ResponderEliminar