segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

As escolhas de Cavaco

"Cavaco Silva prescindiu do vencimento atribuído ao PR e escolheu manter as reformas a que tem direito. Há algo de errado nisto. Mas o quê?" (José Medeiros Ferreira, Córtex Frontal)

Tem razão Medeiros Ferreira, isto faz comichão na cabeça. Será a sobreposição do homo economicus (stricto senso), ao homo politicus? A transcendência das escolhas simbólicas e coerentes ultrapassada pelo pragmatismo individualista? O merceeiro Aníbal (reformado) a impor-se ao presidente Cavaco (em exercício)?

domingo, 30 de janeiro de 2011

Pequenos passos para um mundo menos desigual

Nancy Birdsall, presidente do Center for Global Development, publicou aqui uma lista de dez medidas de custo zero que permitiriam fazer progressos significativos em matéria de desenvolvimento internacional em relativamente pouco tempo. Sendo o CGD um think tank progressista no contexto norte-americano mas certamente não radical, seria difícil esperar propostas especialmente avançadas. Ainda assim, a maior parte das ideias é sensata, exequível e merece ser publicitada. Birdsall refere principalmente medidas a adoptar pela administração norte-americana, mas, na maior parte dos casos, estas são directamente transponíveis para o contexto europeu. Aqui ficam algumas:

  • a remoção das quotas e tarifas no acesso ao mercado norte-americano (europeu) por parte das exportações originárias de todos os chamados países menos desenvolvidos (a que eu acrescentaria a revisão dos subsídios à produção agrícola norte-americana/europeia de modo a deixarem de constituir um mecanismo de dumping particularmente devastador);
  • o estabelecimento de uma ligação entre a política migratória e a actuação humanitária através da concessão de um contingente extraordinário de vistos a migrantes oriundos de países vítimas de catástrofes (o que seria um avanço bastante tímido, mas ainda assim positivo, ao nível da adopção de políticas migratórias mais progressistas e favoráveis ao desenvolvimento);
  • a aprovação e aplicação de legislação que garanta a transparência de todos os pagamentos efectuados por empresas privadas a governos de países em desenvolvimento no âmbito de acordos de exploração de petróleo, minérios e outros recursos naturais;
  • o aumento da proporção da ajuda pública ao desenvolvimento destinada a financiar a provisão de bens públicos globais, como a investigação agronómica.

Para ler e debater, discordando de algumas coisas e concordando com outras.

(O mapa em cima reflecte a distribuição mundial da riqueza em 2002 e foi retirado de http://www.worldmapper.org/)

sábado, 29 de janeiro de 2011

“Temos que aceitar a ideia que a Grécia e a Irlanda estão na bancarrota”



O título desta posta é parte de declarações de um especialista de mercados financeiros da Universidade de Oxford (ver aqui, último parágrafo). O assunto já foi discutido neste blogue: não é realista pensar que a Grécia e a Irlanda conseguem pagar as suas dívidas a taxas de juro superiores a 5,5% e sob condição de uma política de austeridade selvagem. Aquilo que um cidadão lúcido consegue ver, e não precisa de ser economista, não foi vislumbrado pela chanceler Merkel, o ministro das finanças Schäuble, e respectivos assessores.

Porém, face à recessão em que mergulharam estas economias (e aos primeiros sinais que Portugal já deu de que vai pelo mesmo caminho mesmo sem ter aplicado a terapia em dose reforçada), acendeu-se uma débil luz nas mentes intoxicadas pelo consenso de Bruxelas. Afinal talvez seja possível aliviar o fardo dos países devedores se os bancos do “centro” da Eurozona, detentores da dívida da “periferia” a quem foram emprestando sem querer saber de sustentabilidades, aceitarem vendê-la ao estado grego ao actual preço em vigor no mercado secundário. Ou seja, se aceitarem perder uns 30% do valor nominal. O Fundo Europeu de Estabilização Financeira emprestaria o dinheiro para a operação, ou (numa outra versão) garantiria a angariação do dinheiro no mercado a uma taxa conveniente. Claro que os países da Eurozona teriam de aumentar as suas garantias para que o Fundo possa ser mobilizado na totalidade.

Não sei se o leitor terá dado conta do que isto significa. É isso mesmo, o reconhecimento (por agora apenas oficioso) de que a Grécia e a Irlanda estão numa situação de insolvência, de bancarrota. Claro que na linguagem pudica de Bruxelas trata-se de estudar “um alargamento das funções do Fundo”. Resta saber se os bancos estão dispostos a assumir o prejuízo, em particular aqueles que têm o balanço em mau estado e em breve vão enfrentar novos “testes de stress” (solidez financeira). E como ficaria o balanço do BCE que tem acumulado dívida pública destes países? Acontece que a recapitalização dos bancos e do BCE teria de ser aprovada pelo Bundestag porque (ao contrário do Fundo que até agora só prestou garantias) tratar-se-ia de endividamento público adicional e imediato. Tarefa difícil para Angela Merkel agora sob a ameaça populista do FDP, seu parceiro de coligação.

E também resta saber quanta austeridade as populações da periferia da Eurozona estão dispostas a aceitar. É que a larga maioria dos que estão a ser atirados para o desemprego pela recessão imposta pelo Consenso de Bruxelas não ganhou nada com o negócio financeiro dos bancos, do "centro" e da "periferia".

Deolinda. Parva que eu sou.


Sou da geração sem remuneração e não me incomoda esta condição.
Que parva que eu sou!
Porque isto está mal e vai continuar, já é uma sorte eu poder estagiar.
Que parva que eu sou!
E fico a pensar, que mundo tão parvo onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração casinha dos pais, se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou
Filhos, maridos, estou sempre a adiar e ainda me falta o carro pagar
Que parva que eu sou!
E fico a pensar, que mundo tão parvo onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração vou queixar-me pra quê? Há alguém bem pior do que eu na TV.
Que parva que eu sou!
Sou da geração eu já não posso mais que esta situação dura há tempo demais
E parva não sou!
E fico a pensar, que mundo tão parvo onde para ser escravo é preciso estudar.

Carta de um ex-aluno à procura de trabalho a um Professor de Economia


Recebi do Prof. Júlio Marques Mota, a quem agradeço o envio e a autorização de divulgação, uma mensagem que ele recebeu de ex-aluno:

Bom dia caríssimo professor.
Venho-lhe enviar as condições que me propuseram na entrevista de emprego em (X).
As funções que tinha que desempenhar consistiam em: procurar clientes, convence-los a aceitar propostas de seguros, de vendas de imóveis, de abrir contas bancárias obscuras, resumindo, seria convencer os clientes a assinar um conjunto de serviços financeiros que deixam muito a desejar.
As condições que ofereciam eram as seguintes: teria que me deslocar na minha própria viatura, encontrar os respectivos clientes, tratar dos documentos todos e todas as burocracias a que esses serviços financeiros obrigam, teria que ser eu o responsável caso essas contas bancárias misteriosas [contas de aplicações em produtos estruturados] e serviços não decorressem da melhor forma e, no final ficaria com 15% dos lucros, tendo ainda que repartir esse 15% com a equipa (vendedores) a que iria pertencer.
O entrevistador sugeriu-me que achava por bem contratar-me como licenciado e não futuramente como mestre, pois isso implicaria mais custos, custos esses que para ele seria algo supérfluo. Seguidamente, após o entrevistador ter tentado de todas as formas que eu assinasse de imediato o contrato, comunicou-me que o ordenado base seria de ZERO, pois eu poderia constituir o meu próprio ordenado, dado, que quantos mais produtos financeiros realizasse, melhor ordenado poderia obter. Confrontei-o de seguida, com a situação em que me encontrava, ou seja, uma vez que não conheço a cidade de (X), seria complicada a tarefa de nos primeiros tempos constituir uma carteira de clientes, respondendo-me ele de imediato que caso eu não encontrasse clientes, teria que suportar todas as despesas.
Aproveito também para lhe comunicar que foi esta a minha primeira entrevista de emprego como licenciado, onde o entrevistador me comunicou que estava já constituída uma equipa com outros quatro licenciados, o que me deixou estupefacto, dado que esses outros elementos aceitaram as condições em cima descritas.
Confesso que estou muitíssimo apreensivo e assustado com esta realidade terrível com que me deparei.

Do barulho e da falta dele

Já muito se escreveu neste blogue sobre a recente polémica em torno dos contratos de associação do sector privado com o Ministério da Educação. Muito haverá ainda por dizer, mas gostaria de deixar duas notas à margem da discussão:

1. A blogosfera desempenhou um papel importante na denúncia do que estava em causa face à, no mínimo, pobre cobertura mediática. Inicialmente, a imprensa não fez mais do que dar conta das posições das duas partes, ministério e colégios. Posts como este, este ou este (da direita minimamente coerente) influenciaram claramente o rumo da cobertura mediática. Finalmente, os jornais perceberam que a esmagadora maioria destes colégios não serve nenhum propósito de provisão de ensino em regiões não cobertas pela rede pública. O próximo passo é tentarem compreender como funcionam estes colégios: condições de trabalho dos professores, métodos de selecção de alunos, organização interna das turmas, etc...

2. É lamentável o silêncio da esquerda à esquerda do PS neste processo. Depois de se terem abstido na votação parlamentar, PCP e BE optam por não se pronunciar sobre a actual contestação (talvez ande distraído). A defesa da escola pública passa por denunciar estes contratos, mesmo que tal implique ser crítico dos críticos do Governo. Por outro lado, é de louvar a posição do Sindicato dos Professores da Região Centro, bastante clara sobre o que está em causa.

Cinco coisas que nos ensina o "SOS Ensino"

1. Perante os cortes nos apoios estatais às escolas particulares com contrato de associação, constata-se que os tão proclamados méritos da iniciativa privada e da livre concorrência dependem, afinal, da existência de dinheiros públicos. Ao sugerir o seu encerramento caso estes apoios diminuam ou cessem (chegando a depositar caixões simbólicos na 5 de Outubro), esta rede privada de interesses demonstra bem a sua vocação natural para a subsídio-dependência e revela, no fim de contas, que o sector só saber viver - como pulgas no dorso de um cão - à custa dos contribuintes;

2. O Ministério da Educação apenas pretende estabelecer critérios de bom senso e gestão rigorosa dos dinheiros públicos: rever as reais necessidades de contratualização com escolas privadas (em função da comprovada escassez de oferta da rede pública em determinadas áreas), e desinflaccionar os exorbitantes apoios que têm sido concedidos ao ensino privado (referenciando-os a valores praticados no sistema público). Contudo, o movimento “SOS Ensino” e os seus defensores pronunciam-se como se estivesse em causa a proibição do ensino privado em Portugal. Isto é, como se o Estado estivesse a determinar administrativamente o encerramento das escolas particulares no nosso país. O que constitui, obviamente, uma despudorada campanha de desinformação da opinião pública, ilustrativa de um oportunismo abjecto e de uma completa falta de seriedade na contenda;

3. Quando, no contexto das políticas de austeridade, o Ministério da Educação procede a cortes no orçamento das escolas públicas e no salário dos seus professores, consideram as escolas do movimento “SOS Ensino” dever ficar à margem dos sacrifícios, mantendo portanto a situação de claro privilégio em que têm vivido. Estes actores da tão aclamada “sociedade civil” revelam assim um egoísmo indecoroso e uma indiferença imoral perante as exigências a que o país se encontra sujeito, em clara contradição – aliás – com os mais basilares princípios da retórica religiosa que tantas destas escolas privadas professam;

4. Do Estado, as escolas privadas do "SOS Ensino" apenas pretentem receber o cheque, sem que tal possa minimamente beliscar a sua sacrossanta lógica de funcionamento (a que têm certamente direito, desde que não beneficiando do dinheiro de todos). Em nome da “liberdade de escolha” e do “direito a educar e a aprender”, recusam declaradamente prescindir do seu “direito a escolher os alunos” (porque é esse o significado, na prática, da tão proclamada “liberdade de escolha”), mantendo-se portanto como estabelecimentos de ensino para as elites, subsidiados pelos contribuintes, numa aviltante derrama de dinheiros públicos;

5. Cego na sua ambição alarve, o movimento “SOS Ensino” é incapaz de reconhecer que o Estado tem a sua racionalidade própria, intrínseca ao cumprimento do princípio constitucional do direito à educação, o que pressupõe a existência de uma rede pública de escolas, capaz de garantir a adequada cobertura territorial e a necessária isenção ideológica ou doutrinária (isenção que muitos confundem, propositadamente, com posicionamento ideológico). Essa é aliás uma das razões pelas quais não é concebível que estabelecimentos de ensino confessionais sejam parte integrante da rede pública consolidada de educação, a par de uma outra razão, justamente ilustrada pela cruzada demagógica do “SOS Ensino”: o Estado não deve ficar refém de interesses particulares que se manifestam contrários à educação enquanto direito social e enquanto bem comum.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Direita contra direita


A direita domina com grande mestria a arte de ser oposição a si mesma. Isto tem sido a chave dos seus sucessos eleitorais e continuará a ser enquanto não houver um número suficiente de pessoas que se aperceba da manha.

A direita quis um estado pequenino. Prometeu às “classes médias” que assim não teriam de pagar impostos. Muitos acreditaram, pensando que o Estado era só gordura e nenhuma produção e que teriam tudo a ganhar com o seu emagrecimento. A direita pediu e aplaudiu a austeridade, chorou por mais austeridade ainda com FMI em vez de governo. Muitos pensaram: “a austeridade só vai afectar os outros”.

Agora que a austeridade se começa a traduzir em incapacidade do Estado cumprir os seus compromissos e belisca interesses dos que pensaram que a austeridade só afectaria os outros - como sucede no caso do subsídio público às escolas privadas - a direita exercita movimentos de protesto ao estilo “tea party” com o aplauso dos políticos de direita. Mais episódios como este se seguirão, sem dúvida, dentro de momentos.

A austeridade recessiva, o tipo de consolidação do défice e da divida que não leva a lado nenhum, não pode deixar de suscitar protesto e resistência e bom seria que os economistas incorporassem esta variável nos seus modelos. Há, é claro, um protesto e a uma resistência que podem levar a algum lado: coesão europeia e consolidação pelo crescimento. Mas esse é o protesto que em toda a Europa tem como alvo a direita que aplaude a austeridade recessiva. Onde está essa direita? Em muitos sítios, mesmo em partidos ditos de esquerda. Mas há uma direita particularmente manhosa e perigosa a que é preciso estar atento agora mais do que nunca: a que representa o topo da pirâmide do rendimento e do poder económico, a que engordou no forrobodó financeiro, a que pensa tudo ter a ganhar com a via da austeridade recessiva e ainda por cima tenta cavalgar o descontentamento que essa mesma austeridade inevitavelmente origina.

Acrescento, para que não haja ambiguidades, que considero o corte nos subsídios ao ensino privado, onde não existe falta de oferta pública, inteiramente justificado e só não compreendo como é que isso não aconteceu há mais tempo. Parece-me também que se deveriam considerar, com cuidado, soluções de integração dos professores afectados na escola pública.

Bater no fundo

Conferência Portugal 2011. Vir o Fundo ou ir ao fundo?
31 de Janeiro e 01 de Fevereiro de 2011 no Auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa ENTRADA LIVRE

Há dois anos, a Rainha de Inglaterra aumentou sensivelmente a sua popularidade ao colocar a questão que ninguém ousara formular: Como é que os economistas não previram a crise?

O programa da conferência está disponível aqui. Defenderei que o FMI aprendeu pouco e que a União Europeia desaprendeu tudo: o Consenso de Washington está hoje em Bruxelas...

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Transferir custos...

Com as taxas de juro da dívida pública nestes níveis, a pergunta do economista francês Dominique Plihon - "Será que é necessário reestruturar a dívida soberana europeia?" - tem uma resposta cada vez mais clara: "As economias europeias arriscam-se a cair numa recessão duradoura acompanhada por um crescimento do desemprego de massas. Esta evolução inquietante será o resultado das políticas de austeridade orçamental adoptadas simultaneamente pelos governos da União Europeia para sossegar os mercados e travar a degradação das finanças públicas. Esta futuro sombrio e estas políticas de austeridade são inaceitáveis. É necessário libertar as economias do jugo da dívida e dos mercados. Isto implica reestruturar a curto prazo a dívida soberana, reduzir decisivamente o poder dos mercados e lançar as bases de uma outra Europa, solidária e ecológica" (minha tradução). Isto passa também, como se sublinha no artigo, por um papel mais activo do BCE no financiamento dos défices e pela emissão de dívida europeia (as euro-obrigações).

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Os efeitos da austeridade

Ontem ouvimos Fernando Ulrich, entre outras inanidades ("os bancos são pouco lucrativos" e a "crise financeira só afectou os bancos anglo-saxónicos"), defender a falsa ideia de que a Europa está a crescer de vento em popa. Um dos exemplos foi o Reino Unido. Hoje, o Financial Times dá conta de uma contracção de 0,5% do PIB britânico. Não é difícil associar esta notícia com a ambiciosa austeridade orçamental, anunciada pelo governo conservador.

A diferença com Portugal, para além da menor escala dos cortes orçamentais, está na imediata desvalorização da libra, tornando as exportações mais baratas e as importações mais caras. A moeda serve assim de variável de ajustamento.

Street art e consciência política


A arte potencia o diálogo com o espaço público e estimula-nos a questionar o que damos por certo, imaginando o que queremos diferente. Como faz Dalaiama.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Economista de Combate na TV

O João Rodrigues vai estar hoje no Prós e Contras da RTP.
Seguramente, um bom debate para sair da depressão pós-eleitoral.

domingo, 23 de janeiro de 2011

As verdades e ilusões de Cavaco, novamente presidente

Ouvi há pouco Cavaco afirmar que tinha vencido a verdade. A verdade de Cavaco é o silêncio. No discurso de vitória, não só atacou todos os que ousaram escrutiná-lo, como se escusou a responder a qualquer questão que lhe fosse dirigida pelos jornalistas. Nesta campanha, Cavaco foi desmascarado na sua suposta imaculada existência. Hoje é claro que fez dinheiro à custa de amigos pelintras. Mas achou que estava acima da obrigação de esclarecer o que tinha - e tem - de ser esclarecido. Cavaco nunca perdeu os tiques de pequeno ditador.

Cavaco afirmou hoje, magnânimo, que nunca vendeu ilusões. Só quem prefere esquecer os 10 anos de governo cavaquista pode deixar de recordar o discurso do 'pelotão da frente'. Dia sim dia não, o então primeiro-ministro dizia-nos que no espaço de uma década estaríamos entre os países mais desenvolvidos da UE. Isto num país pobre e sub-qualificado (e sê-lo-ia hoje ainda mais, se mantivéssemos as opções de educação do seu reinado), dominado por grupos económicos parasitários que cresceram à custa de privatizações a preço de saldo e das auto-estradas cavaquistas. O demagogo de todas as horas não perdeu o jeito.

Depois de um mandato marcado por aquelas relevantíssimas e esclarecedoras intervenções relacionadas com o Estatuto dos Açores, as escutas a Belém e o casamento homossexual, o homem continua a tentar convencer-nos que é um grande estadista. E já poucos duvidam que ele acredita no que diz. Estranho é que não seja o único.

O país não ficará mais arruinado com esta eleição, é certo. Mas este homem só deixa sossegado quem precisa muito de acreditar em qualquer figura plástica que lhes apareça no ecrán.

O mito da supremacia do ensino privado (I)

A comparação de resultados dos exames nacionais tem contribuído para alimentar uma percepção difusa, na sociedade portuguesa, sobre a existência de uma suposta supremacia do ensino privado face ao sistema público de educação. Dois equívocos associam-se a esta percepção: a ideia de que a escola privada é, tout court, melhor que a escola pública e, sobretudo, que a suposta supremacia do ensino privado resulta de características que lhe são intrínsecas. Isto é, de uma espécie de “código genético” que diferenciaria o ensino privado do ensino público.

Sucede, porém, que a tendência para a obtenção de melhores resultados pelo ensino privado se explica essencialmente através de factores que não dependem do modo como este se organiza. Um desses factores reside na circunstância de as escolas privadas receberem alunos com um background familiar em regra mais favorável à obtenção de melhores resultados. Ou seja, dito de outro modo, a tendência para que as escolas privadas obtenham melhores resultados decorre em larga medida do facto de receberem melhores alunos.

Um artigo que integra o mais recente Boletim Económico do Banco de Portugal (“Desempenho educativo e igualdade de oportunidades em Portugal e na Europa: o papel da escola e a influência da família”, de Manuel Coutinho Pereira) é bastante elucidativo a este respeito. Analisando informação complementar do Relatório PISA (Programme for International Student Assessment) de 2006, relativa à caracterização dos alunos portugueses envolvidos no estudo, torna possível diferenciar o perfil familiar de um aluno que frequenta o ensino privado relativamente ao de um aluno que frequenta o ensino público.

A diferença reside, desde logo, no Índice de Riqueza. No intervalo [-2,1 / 2,3], estimado face ao valor de referência que se estabeleceu para os 57 países da OCDE implicados no estudo, as famílias dos alunos das escolas públicas situam-se no valor médio de -0,20, obtendo os alunos das escolas privadas um índice de 0,11 (sendo a média nacional de -0,17). Relativamente à Ocupação mais elevada, apenas os pais de 25% dos alunos do ensino público se enquadram na categoria “ocupação intelectual especializada” (a categoria máxima), sendo de 40% no caso do ensino privado. Na Escolaridade mais elevada, as diferenças são igualmente claras: os pais de um maior número de alunos das escolas públicas detêm um nível igual ou inferior ao 1º ciclo (diferença de cerca de 10% face aos alunos do privado), a que acresce uma vantagem comparativa dos alunos do ensino privado cuja escolaridade dos pais se situa no nível superior (diferença de cerca de 30 para 20%, respectivamente).



Em matéria de recursos educativos, o indicador Livros em casa mostra que cerca de 40% dos alunos do ensino público se enquadram na categoria “menos de 25” (29% no ensino privado), acrescendo as diferenças alcançadas na categoria “mais de 200” (situação em que se encontram apenas 15% dos alunos do sistema público e 25% dos alunos que frequentam escolas privadas). Sublinhe-se, por último, que a Pressão dos pais sobre a escola é declarada mais expressivamente pelos estabelecimentos de ensino privado (26%) relativamente às escolas públicas (7,1%).


A menos que não se considerem relevantes as diferenças do meio familiar nos resultados escolares, a natureza de classe das escolas privadas fica objectivamente demonstrada, explicando em larga medida por que razão estas obtém tendencialmente melhores resultados. Um dado que é tanto mais expressivo em favor da escola pública quando confrontamos estes indicadores com a diferença comparativamente pouco significativa (inferior à unidade) entre a média anual dos exames do ensino secundário obtida em 2006: cerca de 11,2 para os alunos do ensino privado e 10,3 para os alunos do ensino público.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Para que não se diga "os economistas dizem"...

Nuno Garoupa, destacado economista do direito e da direita intransigente, queixa-se do suposto oligopólio da lucidez sobre o erro deste euro atribuído a João Ferreira do Amaral por jornalistas pouco rigorosos. Como Garoupa tem o mau hábito de ser demasiado vago, preferindo quase sempre prescindir de nomes, suponho que está a referir-se à informada entrevista feita por Ana Sá Lopes e Nuno Aguiar. Os jornalistas introduzem bem a questão: “Foi das poucas pessoas fora da área do PCP que criticaram a adesão ao euro.” De facto, tirando mesmo Carlos Carvalhas ou Octávio Teixeira, por exemplo, lembro-me de Francisco Louçã e de poucos mais economistas. Os economistas académicos da direita com intervenção pública sobre esta matéria andavam com os da esquerda dita moderna a fazer estudos por encomenda sobre os amanhãs europeus que cantariam. Quem foram então os numerosos economistas portugueses de que fala Garoupa? Nomes e textos, por favor. Fora de Portugal, a coisa era diferente, claro. Em Portugal, o consenso era de tal ordem que Pedro Pita Barros, que tem obrigação de ser um bom conhecedor destes assuntos, atribui o monopólio a Ferreira do Amaral: “Do que me recordo apenas João Ferreira do Amaral era convictamente contra a entrada no euro.” Têm de falar na SEDES sobre isto.

Ao contrario de Garoupa, acho que o debate nacional sobre a questão europeia tem vindo a melhorar muito ligeiramente, também só podia porque, como bem sublinha, acabou o romance europeu. Não concordo com a separação artificial política-economia que faz. A decisão de instituir o euro também foi uma decisão de economia política numa época onde a crença na convergência real, induzida pela convergência nominal e pelas forças de mercado, toldou o juízo a muita gente. Além disso, sabia-se que a regulação assimétrica da UE colocaria, mais tarde ou mais cedo, todo o peso do ajustamento no Estado social e no mundo do trabalho. Era sobre isto que se falava e fala entre demasiados economistas, sobre a necessidade de aprofundar utopias liberais. De resto, o BCE ou a “constituição económica” da UE, exemplos de federalismo de mercado, parecem saídos de um manual de economia política neoliberal.

Esqueceram-se mesmo de alguns detalhes: crises financeiras causadas pela ordem neoliberal, desequilíbrios comerciais sem mecanismos decentes de correcção, polarização social e regional, relação umbilical entre moeda e Estado soberano, etc. O dilema europeu só se resolve com acção política que mude o enquadramento institucional, mas as forças sociais que a poderiam levar a cabo não se vêem por aí e parece tudo trancado institucionalmente. Enfim, vamos então andar entre a austeridade, a especulação, a deflação e a reestruturação da dívida por tempo indefinido? Seja como for, isto é bem visto: “O jornalismo português deu palco e voz apenas a um punhado de economistas que pontificavam desde as sinecuras bem remuneradas do regime sobre as maravilhas do euro para a economia portuguesa, sistematicamente ignorando os problemas que se acumulavam.” O mesmo se passa com a discussão sobre a austeridade...

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Os custos e proveitos da liberalização dos despedimentos

«(…) entre o tudo, do está despedido à americana, e o ponto em que o País está em matéria de obstáculos ao despedimento há um espaço em que a mudança pode gerar uma sociedade menos desigual». No editorial de hoje do Jornal de Negócios, a jornalista Helena Garrido (HG) ensaia assim uma defesa da introdução de mudanças adicionais na legislação laboral. O recurso à retórica do ‘no meio é que está a virtude’ esconde mal a fraqueza da argumentação utilizada - algo a que HG não nos habituou ao longo dos anos.

Escreve HG que, face à legislação existente, a «racionalidade económica ditava obviamente que o empregador reduzisse ao mínimo o número de empregados que não poderia despedir quer por ser muito caro, quer por não encontrar razão na lei. A precariedade foi aumentando e hoje poucos são os que se podem sentir efectivamente seguros no seu posto de trabalho.»

Ou seja, para HG a generalização dos contratos atípicos em Portugal, praticamente sem paralelo na Europa, não tem nada a ver com a falta de fiscalização ou com a atitude laxista das autoridades. É que a racionalidade das empresas não existe no abstracto: quem teme penalizações, não prevarica. Se as leis fossem cumpridas, a maioria dos contratos atípicos não existiriam. E, ao contrário do que o senso-comum dos economistas do jornal das oito sugere, ainda está por provar que as empresas deixariam de contratar por isso.

Escreve ainda HG que a «regra do "está despedido" sem mais é, do ponto de vista frio e estrito da racionalidade económica, aquela que melhor servia os objectivos de cada uma das empresas”. Aqui, HG ignora duas lições básicas da Economia do Trabalho: primeiro, a fragilidade dos vínculos laborais constitui um desincentivo ao investimento em capital humano específico por parte de empresas e de trabalhadores, com impactos negativos na produtividade empresarial; segundo, a facilidade de ‘ajustamento’ das empresas ao ciclo económico através da 'variável emprego' pode ser um presente envenenado – se todas as empresas se apressarem a despedir em momentos de crise, tal implicará uma queda mais rápida da procura agregada, com prejuízo... para todas as empresas.

HG apressou-se a alinhar por um discurso com uma sustentação científica e empírica questionável, que serve os interesses de quem está apostado na pressão sobre o factor trabalho como solução para o país. Faria melhor em atender às conclusões a que sistematicamente chegam os estudos sobre os factores de competitividade da economia portuguesa (como este, da consultora Ernst & Young, baseado num inquérito a investidores internacionais), os quais nos dizem que a flexibilidade do mercado de trabalho não é um problema em Portugal.

Num dos países desenvolvidos com mais baixos níveis de qualificações da população e uma estrutura produtiva dominada por grupos económicos que fogem como o diabo da cruz de actividades transaccionáveis, insistir que os nossos problemas se resolvem com a alteração de uma relação contratual que é já desequilibrada a favor do empregador não parece muito sensato. Nem parece sensato defender que se resolve o problema da segmentação do mercado de trabalho sujeitando todos à mesma precariedade. Mesmo quando é HG que o sugere. Mesmo quando procura convencer-nos que anda em busca do meio virtuoso.

O monstro que ninguém dispensa

Este gráfico de Eichengreen e O'Rourke, parte de uma análise em constante actualização, compara a evolução da produção industrial mundial nos meses que se seguiram à crise de 1929 e à de 2008. Parece que a Grande Depressão foi evitada. É o que diz Lains: défices públicos e dívida pública ajudaram. O monstro que nenhuma economia capitalista avançada dispensa, com as suas garras monetárias e orçamentais, evitou, até agora, que a história se repetisse. Como já várias vezes aqui se defendeu, a questão central de economia política não diz respeito ao peso do Estado, o seu aumento ao longo da história dos capitalismos é em si pouco informativo, mas sim às ideias e aos interesses que guiam as políticas públicas, entendidas como acção colectiva que necessariamente condiciona, restringe e liberta as diversas acções individuais, indicando a cada um os custos e os benefícios, em sentido amplo, que poderá ou terá de considerar ou de transferir para terceiros...

Estabilidade para quem?



O ex-ministro da saúde Correia de Campos, o das parcerias público-privadas, do esvaziamento do Serviço Nacional de Saúde, decidiu decretar que Cavaco garante “estabilidade”. Claro que garante. Estabilidade para quem quer aproveitar a crise para fragilizar o SNS e outros serviços públicos, substituindo os direitos sociais pela ineficaz caridade. Estabilidade para quem, como Passos Coelho, quer aprofundar as políticas de subversão constitucional, as que transferem ainda mais instabilidade para os trabalhadores através de mudanças nos princípios que enquadram as relações laborais. Estabilidade para os banqueiros que vivem à custa do Estado bombeiro. Cavaco sempre se deu demasiado bem com banqueiros. Estabilidade para criar crises políticas. Estabilidade para apoiar o FMI em tudo o que for preciso, da generalizada redução dos salários até à entrega de ainda mais recursos públicos aos privados. Estabilidade para criar instabilidade para a maioria. O ressabiamento é menos importante do que a ideologia na reacção de Correia de Campos. As suas posições são a expressão da colonização ideológica da social-democracia pelo neoliberalismo, como já aqui defendi. Manuel Alegre, pelo contrário, sempre recusou esse triste destino, um destino que contribuiu para o actual impasse da União Europeia e para esta crise.

O Rui Tavares já disse o essencial sobre Manuel Alegre e sobre os seus valores. Sublinho apenas dois ou três pontos. Em primeiro lugar, Manuel Alegre foi dos primeiros em Portugal a defender a necessidade de uma iniciativa diplomática das periferias para evitar uma austeridade que as vai destruir, o que requer reformas na arquitectura do euro. Em segundo lugar, Manuel Alegre tem um compromisso político firme com a defesa do Estado social e com o seu reforço, uma das melhores expressões de uma comunidade política decente que não desiste de garantir as mais amplas e concretas liberdades para todos. Isto também passa pela defesa de direitos laborais fundamentais, já que a democracia não pode ficar à porta da empresa. Isto quer dizer que Manuel Alegre é o candidato em melhores condições para garantir a estabilidade constitucional ameaçada por derivas reaccionárias. Em terceiro lugar, Manuel Alegre sabe que o actual “capitalismo de pilhagem” ameaça o Estado social, gera crises e desemprego e tem de ser superado pela acção de um Estado estratego autónomo face aos grandes interesses. É preciso mudar os termos da conversa.

Estas parecem-me ser as linhas de fractura mais importantes na actual conjuntura política, as linhas onde se decide politicamente a estabilidade para a maioria. É aqui que as esquerdas têm de estar, nas presidenciais e para lá delas.

Imagem de gui castro felga. Publicado no arrastão.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Quanto menos mau, melhor


Depois do sacrifício da Grécia e da Irlanda e da indiferença dos deuses, o bom senso parece estar a marcar alguns pontos em Bruxelas.

Não sabemos exactamente o que quer dizer “reforço e flexibilização do Fundo Europeu de Estabilização Financeira” mas se significar mutualização dos custos da crise do Euro, isto é, financiamento dos Estados e bancos da periferia a taxas razoáveis, redução dos insuportáveis juros cobrados à Grécia e Irlanda pela “ajuda” europeia, isso não pode deixar de significar que a má experiência está a ajudar alguns a recuperar alguma sobriedade.

Menos mau é... menos mau. A melhoria das condições de financiamento externo, ao reduzir os encargos da divida pode aliviar algumas das pressões austeritárias e contribuir para consolidações orçamentais menos dramáticas e recessivas.

É claro que as pressões no sentido de “reformas estruturais” que facilitem o ajustamento pela via da deflação salarial vão continuar. É claro também que o entorse fundamental da zona euro – ausência de instrumentos de política económica à escala europeia para debelar crises e desequilíbrios - se vai manter. Além disso, estes pequenos avanços são reversíveis. Mas com a espada dos “mercados” mais longe da cabeça de todos, as condições de acção tornam-se mais difíceis para os promotores do austeritarismo. Não esqueçamos que ainda na semana passada os nossos austeritários se acotovelavam no Figo Maduro para receber o FMI em apoteose.

Pensar o nosso desenvolvimento


... que êxito tiveram os esforços para levantar as zonas deprimidas da CEE (que incluem grande parte da Grécia e da Espanha, o sul da Itália, todo Portugal, Gales e outras zonas do Reino Unido, bolsas da França)?
A solidariedade activa dos avançados conseguiu levantar os retardados? Estão eles preparados já para o combate com os novos concorrentes directos da Europa recém-libertada?
É sobretudo em Itália que mais se tem reflectido sobre isto, porque lá o problema tem a especial ressonância de ecoar um problema interno italiano: a diferença de desenvolvimento entre o Norte e o Sul, os esforços sistemáticos para a reduzir, a escassa resposta que essa ajuda sistemática globalmente tem tido.
Uma achega importante neste debate de há décadas acaba de aparecer na recém-publicada colectânea de ensaios de Luciano Cafagna, “Dualismo e svillupo nella storia d’Italia”. São trabalhos que tentaram, ao longo de trinta anos, apreender as razões sociológicas e económicas por trás da falhada modernização do “mezzogiorno”.
Temo que algumas das suas conclusões tenham universal validade, e em especial se apliquem às nossas latitudes.


Este texto é parte de um interessante artigo escrito pelo Engº Rogério Martins para o Público de 18.03.1990, pouco depois da queda do muro de Berlim, com o título “Os presentes não são eternos”(O que fica do que passa, Edições ASA). Num contexto de crise do projecto europeu, vale a pena reler os textos de um europeísta culto.

Descontando a ideia (errada) de que o desenvolvimento das sociedades é uma corrida de atletismo em pistas paralelas em que umas estão mais à frente que outras, vinte anos depois o artigo mantém a sua força interpeladora. Contrastando com o discurso que vemos na comunicação social, chama a atenção para o papel que as relações entre o poder político e o económico desempenham num processo de desenvolvimento. Algo que faz parte das necessárias interdependências entre economia, outras instituições, e cultura que o discurso dominante ignora.

A crise que estamos a viver torna ainda mais evidente o quanto precisamos de um Presidente limpo de amizades com gente suspeita e dotado do espírito crítico que a cultura proporciona. Sem líderes assim o nosso desenvolvimento permanecerá tolhido.

A ética na ciência económica

"Transparência nos financiamentos e nas relações ilícitas são bem vindos e é, antes de mais, uma questão para os tribunais. Mas a transparência que mais nos falta é a de leigos, políticos e gestores informados dos limites do que sabemos, que interroguem esses limites. Precisamos de um debate cívico e de uma economia imunes a decisões automáticas e a consensos fáceis da pseudo-ciência e de proto-especialistas. E, para isso, o saber económico tem de deixar de ser algo misterioso, incompreensível e inacessível. É preciso democratizar a ciência económica. Nas alturas de Denver, economistas debateram outros economistas. Mas só teremos ética quando a conversa incluir todos os outros."

Excerto de um artigo de Tiago Mata, economista que acompanhou as discussões em torno de um putativo código de conduta na reunião anual da American Economic Association.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Lumumba, 50 anos depois


Faz hoje cinquenta anos que Patrice Lumumba, primeiro Primeiro-Ministro democraticamente eleito da República do Congo, foi assassinado por mercenários belgas com a cumplicidade activa da CIA. Assim se abriu caminho para trinta anos da sanguinária ditadura de Mobutu, para um ciclo interminável de violência que provocou a morte a milhões de congoleses, para uma longa história de intervenções neo-coloniais em África e para o assassinato de outros líderes democraticamente eleitos pelo mundo fora, como Salvador Allende. Não fará mal refrescar a memória, para que a retórica da "democracia liberal" não obnubile os crimes do Império.

A lógica da batata aplicada ao trabalho...


É sabido que a investigação económica do Banco Portugal é influente no contexto político nacional, o consenso da Almirante Reis. Já muito se tem escrito neste blogue sobre os enviesamentos do trabalho aí conduzido, mas vale a pena olhar para o mais recente trabalho publicado sobre mercado de trabalho português para se perceber os preconceitos ideológicos que se escondem sob o manto da produção “positiva”.

Num documento de trabalho publicado em anexo no boletim de inverno do BP, três autores fazem a análise da sensibilidade dos salários ao ciclo económico português (taxa de desemprego). Concluem que a sensibilidade dos salários ao desemprego diminuiu na última década graças à moeda única: num contexto de baixa inflação é mais difícil reduzir salários reais. Até aqui tudo bem. No entanto, é interessante ler como se considera o mercado de trabalho português “esclerosado”, na medida em que as dinâmicas de criação e destruição de postos de trabalho são mais lentas do que no mercado norte-americano (comparações europeias não existem aqui). Ou seja, para os autores a brutalidade de se perder e conseguir emprego várias vezes na vida é desejável face à modorra da segurança no trabalho (e na vida, digo eu). Deve ser díficil ter emprego para a vida, como no Banco de Portugal.

Mas, ainda mais desgraçado, é o lamento que percorre o trabalho sobre a redução da sensibilidade dos salários ao desemprego. Os salários não caíram o suficiente face ao aumento do desemprego, segundo os autores. Duas premissas (e já nem entro no que considero ser um imenso autismo social) comandam este lamento: 1) uma visão estreita da competitividade da economia: esta depende estritamente dos custos salariais absolutos; nada interessam as comparações com os nossos competidores ou a análise da estrutura da economia portuguesa face ao exterior (mão-de-obra intensiva, pouco qualificada, etc.); 2) a total negligência dos efeitos agregados que uma queda de salários provoca na economia (menos procura, mais desemprego).

Esta última merece maior atenção. Segundo os autores, é essencialmente o custo salarial (a sua “rigidez”) que causa o desemprego. Face a choques externos (sei lá, como uma crise internacional), os salários deviam ter sido reduzidos o suficiente para impedir a falência ou o despedimento. Não interessa saber se as empresas têm encomendas, ou se afinal, o mercado de trabalho não é “esclerosado” e é fácil despedir. O que interessa é o preço de equilíbrio.

E aqui os autores apontam (especulam?) três grandes causas para este mítico preço não ser atingido: 1) a existência de um salário mínimo (ignorando assim a evidência empírica); 2) “a crescente generosidade do subsídio de desemprego”; 3) a existência de acordos colectivos de trabalho, onde são acordados aumentos salariais por sector (novamente não é apresentada qualquer evidência empírica para o facto dos patrões acordarem salários que os conduzem à falência...). Mas nada disto é ideológico. Pois.

Vê-se grego...

Os dois relatórios do Research on Money and Finance sobre a crise europeia e os cenários para a sua resolução, de que o Nuno Teles é co-autor, acabam de ser editados em livro na Grécia. É preciso difundir as boas ideias na periferia...

Europeísmo crítico - leituras

Entrevista de José Reis ao Sol sobre a crise europeia e os meios para a superar e novo sítio do EuroMemo Group, rede de economistas europeus por uma política económica alternativa, onde já está o relatório de 2010/2011 subscrito por 400 economistas.

A demagogia do cheque-ensino

"Importa assinalar a forma leviana, demagógica e superficial com que tem sido discutida, entre nós, a proposta do cheque-ensino. De facto, se todos os alunos de uma localidade, munidos do respectivo vale entregue pelo Estado, pretendessem frequentar a melhor escola que têm ao seu dispor, como ficaria a tão aclamada "liberdade de escolha"? Quem acabaria por escolher quem?
Não custa imaginar que, perante um aumento da procura superior à capacidade de oferta, as melhores escolas privadas (que pretendem legitimamente manter a sua reputação nos rankings) escolheriam os melhores alunos. Ao mesmo tempo que, com a transferência de fundos para o ensino privado, a pauperização e degradação das condições de financiamento e funcionamento das escolas da rede pública se veriam ainda mais agravadas, generalizando um sistema dual que hoje - apesar de todas as desigualdades económicas conhecidas - o sistema público tem, em certa medida, impedido."

(Do artigo de hoje, no Público)

Destruição sem sentido



A Lousã e Miranda do Corvo foram unidas por caminho de ferro a Coimbra e ao mundo há mais de cem anos. Durante um século dispuseram de comboio e depois de automotora. Por isso, ou por isso e outras razões, não conheceram o declínio demográfico dos concelhos vizinhos.

Agora a Lousã e Miranda de Corvo já não têm comboio nem automotora. As linhas de caminho de ferro foram arrancadas uma a uma, metódica e eficientemente (ver o extraordinário vídeo abaixo) e assim ficarão se nada for feito.




O que aconteceu? Prometeu-se uma modernização – o metro Mondego que ligaria a Lousã à “grande Coimbra” de forma confortável – e, quando vieram os PECs, parou-se a obra. Na paisagem ficou a ferida de um leito de via férrea descarnado à espera das enxurradas e da erosão.

Moro na Lousã, era passageiro frequente da automotora, o comboio faz parte da minha memória da Lousã. Sou um interessado. Ao mesmo tempo parece-me que a estória da Lousã e de Miranda é um caso exemplar, interessante para todos, que vamos ver muitas vezes repetido: serviços públicos encerrados, destruídos por “falta de verba”.

Os Lousanenses e Mirandenses estão a mobilizar-se, outros implicados no combate à destruição do transporte do futuro e de outros serviços públicos, deveriam juntar-se-lhes.

19 de Janeiro 13.30 Concentração na Assembleia da Republica em Lisboa

[Já agora também me parece que deixar de votar no dia 23 não ajuda nada; mais valia pedir aos candidatos que se definissem quanto ao futuro da linha da Lousã]

sábado, 15 de janeiro de 2011

Os ricos que não paguem a crise


"Cavaco também quer trabalhadores do privado a pagar a crise" - e que não sejam apenas os trabalhadores do sector público. Ou seja, que sejam todos os trabalhadores. E de preferência só eles.

A estratégia do governo alemão

A actual estratégia do governo alemão na condução da crise europeia tem causado muitas perplexidades. Através da imposição de brutais programas de austeridade aos países periféricos, o governo alemão estaria a enveredar por um caminho económico suicida para a própria economia alemã, seja pela recessão induzida no espaço europeu, com óbvios efeitos na sua capacidade exportadora, seja pelo risco de colapso da união monetária cujas vantagens a economia alemã tão bem tem aproveitado. Mudanças no “espírito europeu” dos alemães (a segunda Guerra mundial já é uma memória longínqua), cegueira ideológica (influenciado pelo pensamento económico dominante) ou pura miopia política são algumas das explicações avançadas. Embora partilhe parcialmente desta perplexidade colectiva, penso que não é difícil encontrar uma explicação mais robusta para actual estratégia ancorada nos interesses materiais da elite alemã.

Os bancos alemães, beneficiando dos extraordinários excedentes da economia alemã e da falta de hipóteses de investimento lucrativo na sua economia doméstica que tem uma procura agregada estagnada, reciclaram os seus fundos através de investimentos mais ou menos especulativos noutras economias. Não foi por isso de estranhar que estes bancos fossem dos mais atingidos pela crise financeira internacional. Como o mostram as mais recentes notícias, esta fragilidade está longe de ter sido ultrapassada.

Um dos investimentos lucrativos e seguros foi a compra de dívida pública de países da zona euro que ofereciam melhores taxas de juro do que a do seu próprio país. Uma estratégia de investimento reforçada já depois do início da crise internacional (ver gráfico abaixo), mas que se revelou negativa com o desencadear da crise da dívida pública há um ano atrás. Ora, estando os bancos alemães (e também franceses e holandeses) imersos em activos potencialmente “tóxicos”, o governo alemão fez tudo o que podia para evitar uma nova crise bancária.


O Banco Central Europeu começou a comprar os títulos de dívida pública detidos pelos bancos, transferindo assim o risco privado para uma instituição pública. Ao mesmo tempo impuseram-se políticas de austeridade promotoras de transferências de rendimento dos estados periféricos (sobretudo dos seus trabalhadores) para os mercados financeiros. Ganhar tempo para que os bancos do centro recomponham os seus balanços é, pois, o mote desta estratégia. É esperado que, no médio prazo, os bancos possam participar, sem grandes danos, no que já foi anunciado pela Chanceler alemã para 2013: uma reestruturação “ordeira” da dívida pública dos países do sul. Os bancos, ao minimizar entretanto a sua exposição a estes activos, conseguem evitar um processo que, se fosse encetado neste momento, lhes seria ruinoso.

Dir-me-ão que esta estratégia não explica totalmente a imposição da austeridade, já que políticas mais ou menos europeístas de relançamento da economia poderiam igualmente salvaguardar os interesses da banca alemã. Certo, mas os eleitores alemães parecem pouco interessados em pagar a defesa o euro. Têm bons motivos para isso. Embora, o euro tenha permitido uma intensificação do modelo de desenvolvimento alemão assente nas exportações, os trabalhadores alemães associam a moeda a um período de compressão salarial e deterioração das condições de vida: “O marco comprava mais do que euro”. Assim, e com várias eleições regionais à porta, não existem condições políticas para qualquer estratégia de promoção do crescimento europeu com transferências fiscais alemãs.

Poderá a estratégia resultar? Dificilmente. A dinâmica viciosa da austeridade terá certamente limites na periferia devido à consequente instabilidade social e política. Por outro lado, como o Jorge Bateira argumentou, a insustentabilidade financeira da dívida pública provavelmente irá precipitar-se nos próximos tempos, mesmo com os empréstimos europeus e do FMI. A defesa pública e política do plano B é urgente. Antes que seja demasiado tarde.

Ainda é tempo de manifesto

Rui Moreira até pode ter lido aquele tal ‘contramanifesto em que se defendiam todas as obras megalómanas do regime’, mas é evidente que não compreendeu o que lá estava escrito. O manifesto limitou-se a antecipar a situação em que hoje nos encontramos: sem uma firme resposta contra-cíclica, coordenada ao nível da UE, esta crise terá efeitos devastadores. O simples facto de estarmos hoje com os níveis de desemprego mais elevados desde a criação do Euro e de ser já praticamente consensual que vai haver uma desaceleração do crescimento económico, parece mostrar que os ‘solícitos economistas’ tinham razão. E que, até prova em contrário, continuam a ter.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Economia da união

Ligações ao economista grego Yannis Varoufakis. Em primeiro lugar, informa-nos sobre a toxicidade das engenharias financeiras subjacentes ao fundo europeu, a tal “ajuda”, aspas, muitas aspas. Em segundo lugar, e mais importante, a sua “modesta proposta”, em co-autoria com Stuart Holland, economista britânico na Universidade de Coimbra, permitiria salvar o euro: alteração do papel do BCE, que deixaria de ser um comité executivo dos interesses colectivos do disfuncional sistema financeiro europeu, para passar a assegurar liquidez aos bancos em troca da aceitação por parte destes de títulos da dívida pública em condições mais favoráveis para os Estados, a chamada reestruturação da dívida; parte da dívida dos Estados, até aos famosos 60% de dívida no PIB, passaria a ser garantida pela emissão de euro-obrigações da responsabilidade do BCE, assegurando-se assim que os Estados pagariam taxas de juro mais baixas; reforço do papel do Banco Europeu de Investimento, um dos pilares da recuperação da economia europeia através da promoção do investimento. A questão é clara: se não caminharmos nesta direcção, o euro pode colapsar, vítima das suas neoliberais fundações, ou transformar-se num cemitério de economias. Estas ideias só podem avançar com pressão diplomática dos governos das periferias, em aliança com os que no centro já abriram a pestana, seja porque são federalistas, seja porque são pragmáticos. De que é que estão à espera?

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A dinâmica da insolvência


Ouço na SIC-Notícias os comentários de doutos professores de economia e não quero acreditar no que ouço. Melhor, no que não ouço. Com discursos cautelosos relativamente à evolução das taxas que teremos de pagar em próximos leilões da dívida pública, todos deixam implícito que, gerindo bem a austeridade, controlando bem a despesa pública, fazendo as ditas “reformas estruturais”, o País até será capaz de ultrapassar a crise. Uns preferindo que esse esforço seja feito sem intervenção externa, outros admitindo que é necessária (e mesmo inevitável) uma “ajuda” da UE/FMI.

Pelo menos na SIC-Notícias tive direito a uma excepção. Parabéns ao nosso colega de blogue, o deputado do BE José Guilherme Gusmão, intervindo no debate moderado pelo jornalista José Gomes Ferreira já depois das 23h. Foi o único economista que disse, preto no branco, que só uma intervenção da UE, de natureza federal, nos pode salvar. E sublinhou que a “ajuda” actualmente oferecida pela UE/FMI traria austeridade em dose reforçada, o que só aprofundaria a crise das finanças públicas, para além das outras crises (económica, social e política).

E, acrescento eu, só ganhamos em enfrentar a realidade nua e crua. Que é a seguinte:
1) por muito perfeita que seja a execução orçamental no corrente ano, o ataque à dívida pública portuguesa não vai abrandar porque é a arquitectura institucional do euro que está em causa;
2) por imposição da Alemanha que vê nisso uma questão de princípio para punir países despesistas, a “ajuda” da UE/FMI terá uma taxa de juro idêntica à dos acordos celebrados com a Grécia e a Irlanda, ou seja, entre 5 e 6%.

Acontece que uma taxa de juro desta ordem de grandeza não é sustentável, nem sequer no curto prazo. Teodora Cardoso, administradora do Banco de Portugal, já muito diplomaticamente o deu a entender. Para que se possa ver com mais clareza o buraco em que estamos metidos (nós e o resto da periferia da Eurozona, o que além da Espanha, também inclui a Itália … e a Bélgica?) façamos umas contas com recurso a uma equação simples que vem nos manuais de macroeconomia. A variação do rácio da dívida pública relativamente ao Produto Interno Bruto [Δ(B/Y)] depende da soma do saldo orçamental primário [SPrim] com o efeito dinâmico da dívida. Este é dado pelo produto da dívida do ano anterior [(B/Y)-1 ] pelo diferencial entre a taxa de juro média da dívida e a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto [(i-y) ]. Aqui trabalho com taxas nominais.

Alguns pressupostos muito benevolentes:
a) Mesmo com um reforço de austeridade exigido pela UE/FMI, a recessão prevista pelo Banco de Portugal para 2011 confirma-se; b) o País sai da recessão em 2013 graças a um grande esforço das exportações; c) a austeridade não é desastrosa do lado das receitas fiscais pelo que os saldos primários irão diminuindo; d) não considero factores exógenos, positivos ou negativos, na evolução da dívida (privatizações, BPN, …); e) com a reciclagem da dívida de curto e médio prazo e de uma parte da dívida a dez anos a uma taxa de 5,5%, a taxa de juro média da dívida pública alcança o valor de 4,5% em 2012.

O que nos dizem estas contas:
- Admitindo o recurso à “ajuda” da UE/FMI já nas próximas semanas, ainda assim em 2012 o rácio da dívida ficará perto dos 100%.
- Mais ainda, a “ajuda” da UE/FMI nem sequer permite estabilizar o rácio da dívida. Para o conseguir em 2013, ao nível de 99,4%, o Governo teria de apresentar um excedente orçamental de 3,5%.

Sabendo nós o que foi preciso em termos de cortes na despesa para ambicionar uma redução do défice no corrente ano, a que se seguirá mais um ano de cortes para continuar a reduzir o défice primário, é difícil imaginar o que significa apresentar em 2013 um excedente de 3,5% do PIB sem o apoio de um crescimento que se veja. Ou seja, ao contrário do que muitos comentadores deixam entender, a “ajuda” da UE/FMI não trava a dinâmica da dívida em que estamos lançados.

Por muito que nos digam que o leilão de ontem foi um sucesso, realidade é simplesmente esta: no actual quadro institucional, o Estado Português já é insolvente. Não acham que é tempo de começarmos a discutir um verdadeiro Plano B?

O paradoxo da banca nacional

Um dia depois da emissão razoavelmente bem sucedida de dívida pública, vale a pena olhar um pouco para onde está o principal risco da economia portuguesa: a banca. Não falo dos buracos do BPN ou do BPP, mas sim dos grandes bancos portugueses, aqueles que continuam a dar milhões de lucro todos os anos. Ontem, o Financial Times deu conta da crescente dependência dos bancos nacionais do financiamento do Banco Central Europeu: 40 mil milhões de euros só em Dezembro. Como podem ser os nossos lucrativos bancos ser um problema?

O que esta dependência mostra é a total incapacidade dos bancos portugueses em se financiar nos mercados de capitais, a cujas taxas de juro (Euribor) estão indexados a maioria dos contratos de empréstimos dos portugueses. Ou seja, se não fosse a ajuda directa do BCE (impedida aos estados), os bancos portugueses já tinham ido (todos?) ao charco. Porquê é que os bancos portugueses não conseguem financiar-se? Ao contrário do que é o senso comum, o problema do endividamento da economia portuguesa da última década está concentrado no sector privado, particularmente no sector financeiro. Os gráficos abaixo mostram esta evolução. No total bruto de dívida portuguesa, o sector financeiro passou de 20% de todo o endividamento nacional para quase 40% (o Estado curiosamente reduziu, em termos relativos, o seu peso no endividamento).

Os bancos, graças à liquidez proporcionada pelo BCE a baixo custo, conseguem margens superiores nos seus empréstimos, indexados à Euribor. Não que esta seja uma situação desejada. Os empréstimos do BCE são de curtíssimo prazo quando comparados com os concedidos aos particulares (30 anos é um prazo normal na habitação) e são apresentados como excepcionais. Mas, enquanto o pau vai e vem, as costas folgam, e os bancos procuram recapitalizar-se com os seus chorudos lucros de forma a conseguirem uma posição mais favorável nos mercados. No entanto, com o previsível aumento do crédito mal-parado, devido à recessão e aumento do desemprego, o mais provável é que a posição dos bancos se venha a degradar no actual contexto. Isto pode acabar mal...



quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Nenhum leilão fará este porquinho feliz


O Economist resolveu ser um estraga-festas. Diz que a procura de dívida pública portuguesa foi boa, mas a taxa de juro conseguida continua a ser demasiado elevada. Segundo a revista britânica, dado o nível da dívida pública portuguesa, seria necessário que o custo de financiamento descesse muito mais para evitar uma situação de incumprimento - ou o recurso ao fundo FMI/UE.

Quem lê tal artigo poderá questionar-se: se a taxa de juro hoje obtida não serve, qual é a taxa de juro que serviria? O Economist não responde, tal como nunca responderão os economistas dos jornais da noite.

Por um lado, é extremamente difícil, nas condições actuais, estimar a taxa de juro que seria necessária para que as finanças públicas fossem sustentáveis a prazo. Para além de algumas dificuldades técnicas que poucos terão analisado em detalhe (e.g., a estrutura temporal da dívida actualmente existente), a sustentabilidade das contas públicas depende essencialmente do crescimento da economia na próxima década. Mas o crescimento da economia não é independente do que o Economist e os economistas dos jornais da noite consideram ser necessário fazer para 'convencer' os mercados (ou seja, mais austeridade). E aqueles que consideram que a austeridade tem de ser mantida e reforçada sabem que tal implicará menos crescimento - o que, por sua vez, implica menor capacidade de pagar a dívida. Logo, menor capacidade de 'convencer os mercados'. Estas causalidades cumulativas tornam extremamente difícil estimar a taxa de juro dos títulos da dívida compatível com a sustentabilidade das finanças públicas.

Mas há uma questão ainda mais relevante. Tanto o Economist e como os economistas dos jornais da noite veêm como desejável o recurso ao fundo FMI/UE, na medida em que permite o acesso ao financiamento em condições mais baixas. No entanto, como as experiências grega e irlandesa demonstram, a diferença entre as taxas de juro praticadas 'nos mercados' e a taxa de juro dos empréstimos obtidos no quadro da intervenção FMI/UE não é significativa. Assim, quem considera que o custo de financiamento tem de ser muito inferior ao do conseguido com o leilão hoje realizado, se conseguisse fazer as contas, dificilmente chegaria a outra conclusão que não a óbvia: recorrer ao fundo FMI/UE não elimina a perspectiva de incumprimento.

Não é a infelicidade do porquinho que apoquenta os porcos grandes. Estes só querem garantir que são os primeiros a receber as bolotas que restam. O porquinho é que não precisa de entrar nesse jogo.

Tradução?

Leilão de dívida pública teve grande procura e juros a dez anos em baixa ligeira. Boas notícias no actual contexto. Infelizmente, a economia política da austeridade não desaparece: Austeridade empurra salários para a maior descida nominal de que há registo e vai diminuir o rendimento disponível das famílias. Economia volta à recessão. A interacção perversa entre deflação e dívida segue dentro de momentos e a reestruturação da dívida também? No nefasto enquadramento europeu, com taxas de juro elevadas, ausência de crescimento e num ambiente deflacionário esta questão não desaparece, como não desaparece a bola de neve da dívida. O devemos do cartaz transforma-se assim em temos. A questão também continua a ser se é liderado pelos credores, ou seja, pela UE-FMI, ou pelos devedores.

Nota. Este poste foi reescrito.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O candidato das privatizações


Cavaco veio defender a venda de activos como forma de financiamento do Estado. Obviamente, os exemplos oferecidos foram as privatizações de participações do estado em várias empresas estratégicas para a economia portuguesa. Uma estratégia que desconfio vai ser seguida pelo FMI em terras lusas.

No entanto, não percebo. Para quem tem tanto jeito a comprar e vender acções, é um pouco incompreensível a recomendação da venda de acções quando estas atingem mínimos históricos. Por outro lado, se detivéssemos um qualquer activo que estivesse a valorizar fortemente nos mercados internacionais... Sei lá, como o ouro, a recomendação de Cavaco faria mais sentido.

Mas, já sabemos, no ouro não se toca. Já nos bastou o D. João V. Além disso, o Dr. Salazar sempre foi um defensor da necessidade de acumular reservas de ouro para bem da prosperidade nacional que tão eficazmente soube promover...

Krugman is half-wrong...

Paul Krugman fala sobre Portugal com simpatia e perplexidade: a história mais difícil de explicar da periferia. O peso da dívida pública no PIB era semelhante ao da Alemanha antes da crise, o endividamento privado é elevado, mas as bolhas imobiliárias estiveram ausentes e foi muita a estagnação desde a adesão ao euro. A questão imobiliária é mais complexa, como o Vítor Neves já indicou: bolhas imobiliárias há muitas. Infelizmente, Krugman comete o erro de mencionar o desalinhamento dos custos laborais portugueses com o resto da Zona Euro como um problema. Uma história já desmontada, incluindo pelo próprio Vítor Constâncio. Portugal perdeu competitividade externa nos últimos anos, mas tal deveu-se não às reivindicações dos trabalhadores, mas sim a uma entrada deficiente na moeda única: a chamada convergência nominal, no quadro da aceleração liberal da integração europeia e de abertura à economia global, contribuiu para uma duradoura sobreapreciação da nossa moeda, que se prolongou com o euro. Esta opção enfraqueceu a competitividade do sector de bens transaccionáveis para exportação num período crucial e canalizou muito do esforço empresarial para o sector de bens não-transaccionáveis, como foi o caso da construção. O endividamento privado, que manteve a economia acima da linha de água, também foi canalizado para o consumo, com uma forte componente de importação, graças, entre outras coisas, à imitação dos padrões de consumo da nossa lumpemburguesia. A inflação já foi de facto um problema, mas um problema que a narrativa oficial monetarista nunca conseguiu explicar, como já aqui defendemos. De qualquer forma, Krugman tem consciência das consequências desastrosas do processo deflacionário induzido pela pressão austeritária num contexto de endividamento elevado. É o espectro de um círculo vicioso à Fisher.