segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A lógica da batata aplicada ao trabalho...


É sabido que a investigação económica do Banco Portugal é influente no contexto político nacional, o consenso da Almirante Reis. Já muito se tem escrito neste blogue sobre os enviesamentos do trabalho aí conduzido, mas vale a pena olhar para o mais recente trabalho publicado sobre mercado de trabalho português para se perceber os preconceitos ideológicos que se escondem sob o manto da produção “positiva”.

Num documento de trabalho publicado em anexo no boletim de inverno do BP, três autores fazem a análise da sensibilidade dos salários ao ciclo económico português (taxa de desemprego). Concluem que a sensibilidade dos salários ao desemprego diminuiu na última década graças à moeda única: num contexto de baixa inflação é mais difícil reduzir salários reais. Até aqui tudo bem. No entanto, é interessante ler como se considera o mercado de trabalho português “esclerosado”, na medida em que as dinâmicas de criação e destruição de postos de trabalho são mais lentas do que no mercado norte-americano (comparações europeias não existem aqui). Ou seja, para os autores a brutalidade de se perder e conseguir emprego várias vezes na vida é desejável face à modorra da segurança no trabalho (e na vida, digo eu). Deve ser díficil ter emprego para a vida, como no Banco de Portugal.

Mas, ainda mais desgraçado, é o lamento que percorre o trabalho sobre a redução da sensibilidade dos salários ao desemprego. Os salários não caíram o suficiente face ao aumento do desemprego, segundo os autores. Duas premissas (e já nem entro no que considero ser um imenso autismo social) comandam este lamento: 1) uma visão estreita da competitividade da economia: esta depende estritamente dos custos salariais absolutos; nada interessam as comparações com os nossos competidores ou a análise da estrutura da economia portuguesa face ao exterior (mão-de-obra intensiva, pouco qualificada, etc.); 2) a total negligência dos efeitos agregados que uma queda de salários provoca na economia (menos procura, mais desemprego).

Esta última merece maior atenção. Segundo os autores, é essencialmente o custo salarial (a sua “rigidez”) que causa o desemprego. Face a choques externos (sei lá, como uma crise internacional), os salários deviam ter sido reduzidos o suficiente para impedir a falência ou o despedimento. Não interessa saber se as empresas têm encomendas, ou se afinal, o mercado de trabalho não é “esclerosado” e é fácil despedir. O que interessa é o preço de equilíbrio.

E aqui os autores apontam (especulam?) três grandes causas para este mítico preço não ser atingido: 1) a existência de um salário mínimo (ignorando assim a evidência empírica); 2) “a crescente generosidade do subsídio de desemprego”; 3) a existência de acordos colectivos de trabalho, onde são acordados aumentos salariais por sector (novamente não é apresentada qualquer evidência empírica para o facto dos patrões acordarem salários que os conduzem à falência...). Mas nada disto é ideológico. Pois.

6 comentários:

  1. Pelos vistos os patifes não estão só no governo, também abundam no Bdp.
    É natural. É ali, num dos ninhos de viboras existentes em Portugal que se preparam as grandes cabeças económicas para dar cabo deste país (perdão, para salvar este país).

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  2. Pois...
    Não é de admirar que tanto no Banco de Portugal como no meio académico abundem estudos e artigos que dão credibilidade teórica às políticas que se pretendem aplicar. Até aí tudo bem. o problema é que esses estudos e artigos veiculam um género de verdade absoluta, lei única e natural, ou a teoria económica única como se ensina nalgumas «escolas». É a ditadura de uma cientificidade que nega a essência social da construção do pensamento e do conhecimento.
    Para contribuir para que a heterogeneidade no pensamento económico não socumba perante a ditadura do pensamento único também no domingo é necessário exercer o direito de pensar.
    Eu votarei Francisco Lopes e penso que todos os que não se revendo em Alegre recusam o projecto polítcio que Cavaco representa, deverão fazer como eu, que ao útil junto o prazer.

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  3. Ricardo, olha o robot...Tens de aprender português, socombe. Muito bem.

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  4. Caro Nuno Teles, no seu post «Paradoxo da banca nacional» refere que o sector financeiro passou de 20% de todo o endividamento nacional para quase 40% enquanto o Estado reduziu em termos relativos o seu peso no endividamento.
    Perguntei mas não respondeu no post se as conclusões que tira levam em linha de conta que o Estado português passou a basear as grandes obras publicas em PPP's para desorçamentar a dívida pública e fugir aos limites de defice da UE, e se teve em conta a dívida do sector público empresarial, que está também colocada no sector financeiro como dívida privada.

    Estimo que a dívida privada das PPP's seja na ordem dos 30 mil milhões €, e a do sector público empresarial pelo menos uns 20/25 mil milhões.

    A pergunta era se o seu post tem alguma lógica face a esta realidade, pois quem o leia até pensa que o Estado se tem andado a portar bem em termos de dívida.
    É que para efeitos de comparação a outros países (nenhum país tem este número absurdo de PPP's) à dívida publica directa de 150 mil milhões no final de 2010, deveríamos levar em conta estes 50 mil milhões escondidos no sector privado, o que face ao PIB nos coloca praticamente ao lado da Grécia em termos de dívida pública.

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  5. Os economistas do Banco de Portugal seguem a ideia bacoca que está novamente na moda de que a baixa dos salários dos outros (não os deles) vai aumentar o emprego.

    Ponham esses economistas e outros que tais a criar ou a gerir empresas exportadoras para ver se aprendem alguma coisa.

    Mas também os economistas mais à esquerda continuam a não ter soluções para a criação de emprego em Portugal.

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  6. Caro anónimo das 23:10,

    Tem toda a razão quanto às ruinosas PPP. Os números da dívida devem ser lidos com uma boa pitada de sal. Como já referi a actual combinação de dívida pública e juros tornam esta trajectória insustentável. No entanto, continuo a pensar que é na dívida privada, reflexo dos défices externos, que está o maior problema da economia portuguesa.


    Caro PMP,

    tem de estar mais atento ao que se escreve neste blogue ;)

    nuno

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