sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Cinco coisas que nos ensina o "SOS Ensino"

1. Perante os cortes nos apoios estatais às escolas particulares com contrato de associação, constata-se que os tão proclamados méritos da iniciativa privada e da livre concorrência dependem, afinal, da existência de dinheiros públicos. Ao sugerir o seu encerramento caso estes apoios diminuam ou cessem (chegando a depositar caixões simbólicos na 5 de Outubro), esta rede privada de interesses demonstra bem a sua vocação natural para a subsídio-dependência e revela, no fim de contas, que o sector só saber viver - como pulgas no dorso de um cão - à custa dos contribuintes;

2. O Ministério da Educação apenas pretende estabelecer critérios de bom senso e gestão rigorosa dos dinheiros públicos: rever as reais necessidades de contratualização com escolas privadas (em função da comprovada escassez de oferta da rede pública em determinadas áreas), e desinflaccionar os exorbitantes apoios que têm sido concedidos ao ensino privado (referenciando-os a valores praticados no sistema público). Contudo, o movimento “SOS Ensino” e os seus defensores pronunciam-se como se estivesse em causa a proibição do ensino privado em Portugal. Isto é, como se o Estado estivesse a determinar administrativamente o encerramento das escolas particulares no nosso país. O que constitui, obviamente, uma despudorada campanha de desinformação da opinião pública, ilustrativa de um oportunismo abjecto e de uma completa falta de seriedade na contenda;

3. Quando, no contexto das políticas de austeridade, o Ministério da Educação procede a cortes no orçamento das escolas públicas e no salário dos seus professores, consideram as escolas do movimento “SOS Ensino” dever ficar à margem dos sacrifícios, mantendo portanto a situação de claro privilégio em que têm vivido. Estes actores da tão aclamada “sociedade civil” revelam assim um egoísmo indecoroso e uma indiferença imoral perante as exigências a que o país se encontra sujeito, em clara contradição – aliás – com os mais basilares princípios da retórica religiosa que tantas destas escolas privadas professam;

4. Do Estado, as escolas privadas do "SOS Ensino" apenas pretentem receber o cheque, sem que tal possa minimamente beliscar a sua sacrossanta lógica de funcionamento (a que têm certamente direito, desde que não beneficiando do dinheiro de todos). Em nome da “liberdade de escolha” e do “direito a educar e a aprender”, recusam declaradamente prescindir do seu “direito a escolher os alunos” (porque é esse o significado, na prática, da tão proclamada “liberdade de escolha”), mantendo-se portanto como estabelecimentos de ensino para as elites, subsidiados pelos contribuintes, numa aviltante derrama de dinheiros públicos;

5. Cego na sua ambição alarve, o movimento “SOS Ensino” é incapaz de reconhecer que o Estado tem a sua racionalidade própria, intrínseca ao cumprimento do princípio constitucional do direito à educação, o que pressupõe a existência de uma rede pública de escolas, capaz de garantir a adequada cobertura territorial e a necessária isenção ideológica ou doutrinária (isenção que muitos confundem, propositadamente, com posicionamento ideológico). Essa é aliás uma das razões pelas quais não é concebível que estabelecimentos de ensino confessionais sejam parte integrante da rede pública consolidada de educação, a par de uma outra razão, justamente ilustrada pela cruzada demagógica do “SOS Ensino”: o Estado não deve ficar refém de interesses particulares que se manifestam contrários à educação enquanto direito social e enquanto bem comum.

3 comentários:

  1. “Tens direito a escolher a tua escola, sim, mas com o teu dinheiro!”

    “Cinco Coisas” muito claras sobre o ensino privado.
    Ou dito de outra maneira: o tal “monstro” que ninguém dispensa! O escrutínio dos apoios e gastos do erário público tem que continuar por outras áreas, não podendo esgotar-se no ensino particular e cooperativo.

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  2. No ensino cooperativo, a oferta é pública e os alunos não pagam absolutamente nenhuma propina. No caso em apreço que conheço pessoalmente e que como é óbvio não mencionarei o nome, não existe oferta pública desde há pelo menos 40 anos, ou seja as populações nativas tiveram filhos que se teriam de deslocar, nesse tempo, a muitos kms de distância para poderem frequentar o então ensino preparatório e secundário.
    O Estado não criou nenhuma escola nesta região enquanto o seu fundador fez o que o estado não fez!
    Passaram-se décadas e ainda hoje a escola é única no concelho, recebendo muitos e muitos alunos dos concelhos vizinhos que pretendem nela prosseguir os seus estudos, porque esta escola, com novas instalações, está colocada nos primeiros 10 lugares do ranking nacional. Todos os alunos, com ou sem deficiências específicas, podem nela ingressar. Não tem piscina, nem equitação, nem gimno-desportivo, mas funciona graças ao seu corpo docente e não docente!

    Ora, aqui a questão primeira que se coloca é a seguinte:
    - Porque é que o ESTADO não criou uma escola pública neste concelho? Porque lhe saiu mais barato? Porque lhe foi conveniente? Porque foi cúmplice com eventuais interesses privados?

    Mas há mais:
    - Saberá o Estado (nós!), correctamente, quanto custa cada aluno/turma/ano, quer nas escolas públicas, quer nas privadas?

    - Se sempre existiram auditorias às escolas subsidiadas pelo Estado, porque não foram detectados há mais tempo esses "impérios" de que agora se fala?

    - Afinal de quem é a culpa? Dos xicos-espertos que se aproveitaram à fartasana do erário-público? Ou dos responsáveis pelos Ministérios?

    - Porque é que as escolas onde não há oferta pública não são integradas na rede pública, mediante eventuais indemnizações devidamente negociadas e a favor do Estado após tantos anos de benesses a estes "privados"?

    Alguém sabe explicar isto e muito mais?

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