quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Igualdades
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
Os custos da utopia de mercado
terça-feira, 27 de outubro de 2009
Democracia, é lá fora?
A Fleximol é uma empresa do Cartaxo que empregava 171 trabalhadores quando entrou em Lay-Off, no passado mês de Janeiro. Recentemente, os trabalhadores decidiram criar uma Comissão de Trabalhadores para enfrentar a situação difícil em que se encontram.
A Administração da Empresa teve uma resposta rápida e eficaz: Despediu todos os trabalhadores da Comissão Sindical e da Comissão de Trabalhadores, efectivos e suplentes. Juntou-lhes mais alguns (todos subscritores da lista vencedora) e chamou-lhe um despedimento colectivo. As razões eram variadas. Umas tão concretas como "falta de versatilidade", outras tão credíveis como "não sabe ler um cartão de trabalho", aplicadas a trabalhadores com mais de dez anos de casa.
O problema é que as normas que protegem os representantes dos trabalhadores só se aplicam nos despedimentos individuais. E como o despedimento colectivo, na nossa legislação, só precisa de justa causa em teoria (na prática, a lista de justificações permite invocar basicamente qualquer pretexto), o único recurso dos trabalhadores é a entidade que fiscaliza a legalidade das relações laborais (ACT), que, contactada por escrito há duas semanas através do Eng.º Pedro Brás, do Centro Local Lezíria e Médio Tejo, ainda não considerou oportuno pronunciar-se.
O caso da Fleximol (nome singularmente adequado) não é único e é revelador. Os direitos do trabalho não dizem respeito apenas à esfera da vida na empresa. São uma condição de democracia. Cada situação como a da Fleximol, "ensina" aos trabalhadores que as liberdades de expressão e de associação não são para todos e que quem se equivocar a esse respeito, sabe onde é a porta da rua. O que fará a próxima Ministra do Trabalho, que diz que é sindicalista, a este respeito?
Doentes livres
Em Portugal (ainda) cabe ao Estado, através do Sistema Nacional de Saúde, assegurar o direito à saúde de todos/as mediante um serviço de carácter universal. Ora, esta directiva obrigará à revisão do SNS, não se limitando, portanto, à regulamentação dos direitos dos doentes em matéria transfronteiriça.
Esta directiva tem como base jurídica o Artigo 95 do Tratado ainda em vigor, restringindo, assim, os tratamentos transfronteiriços a uma lógica de livre oferta e procura de serviços. Nesta directiva, não há distinção entre prestadores privados sem qualquer relação contratual com os sistemas de saúde e os outros. Com esta directiva, não é necessário haver uma autorização prévia para que os cuidados sejam prestados em outro país e não garantidos pelo SNS, o critério para validar essa escolha é tão-somente o livre critério individual – não é necessária intervenção do médico, não é necessária qualquer referenciação clínica que garanta a qualidade dos cuidados que vão ser prestados. Dispenso aqui a identificação de todos os problemas que esta Directiva suscita. O que está aqui verdadeiramente em causa é que, sob a suposta salvaguarda dos direitos dos doentes aos cuidados transfronteiriços, diluem-se as responsabilidades dos Estados-Membros em matéria de prestação, organização e garantia dos cuidados médicos no âmbito dos seus serviços de saúde. Há países onde a factura do reembolso vai pesar mais do que noutros.
No caso português essa factura vai ser muito pesada. O reembolso dos cuidados de saúde transfronteiriços não poderá vir senão do cada vez mais depauperado orçamento do SNS. Em outros países, não haverá grande mudança. Já conseguiram a liberalização e a institucionalização da saúde como um negócio. O Estado tem obrigação de garantir o direito aos cuidados de saúde de todos/as. Se não pode fazê-lo no quadro do seu sistema de saúde deve garantir obviamente o reembolso dos cuidados prestados fora. O Estado já paga hoje tratamentos no estrangeiro, dentro e fora do espaço da União, sempre que o SNS não dispõe de recursos técnicos para assegurar tratamentos ou exames disponíveis nesses países, mediante referenciação de uma equipa da DGS que se encarrega do estudo desses casos. Ora, o que esta directiva permite é que se pague um cheque em branco. E há sempre a imensa maioria a quem é concedida uma liberdade de que nunca poderá usufruir.
Independentemente do reembolso ou não, é essa imensa maioria que nunca terá condições para livremente ir a outro país tratar-se e esperar pelo reembolso. Esta proposta da Comissão já foi votada no mandato anterior pelo Parlamento, tendo passado com uma ‘esmagadora’ maioria de 52% (!) dos votos, resultado a que não foi alheio a abstenção do Partido Socialista Europeu. Falta agora o veredicto do Conselho no início de Dezembro, antes do final da Presidência Sueca. Decide-se já ou passa para a Presidência Espanhola.
O que me espanta é o silêncio. A entrar em vigor, resta-nos saber depois as implicações resultantes da revisão do SNS português e quais os cuidados e direitos de que vamos abdicar para consagrar no orçamento o reembolso dos cuidados transfronteiriços. Uma coisa é certa, o ‘turismo de saúde’ sai reforçado. Promover-se-ão cuidados cuja utilidade médica pode ser questionada, mas poder-se-ão alimentar futilidades estéticas e plásticas.
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
Um orçamento à esquerda?
Vale a pena ler Manuel Esteves no DE sobre as irredutíveis mais-valias: "Estamos no ano 2009 depois de Cristo. Todas formas de rendimento são taxadas pelo Estado. Todas? Não! As irredutíveis mais-valias de acções ainda resistem ao fisco. E a vida não é nada fácil para aqueles que pretendem tributá-las." A vida não é mesmo nada fácil para quem luta pela justiça social. O dinheiro concentrado é uma poção com poderes mágicos...
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Economia política e política económica alternativas em português
Num contexto diferente, espero que o novo ministério da economia, inovação e desenvolvimento contribua para a consolidação em Portugal de um discurso público desenvolvimentista assertivo e confiante, na linha de algumas preocupações que constam do QREN. Um discurso que defenda e defina, usando a reduzida margem de manobra disponível, uma política industrial mais coerente, servida por incentivos selectivos e por investimentos públicos bem planeados, que favoreçam a área dos bens transaccionáveis intensivos em conhecimento e em tecnologia e não a captura de sectores da provisão pública por grupos rentistas.
Quem tem culpa é o Voltaire
A minha avó, quando se inquietava com o comércio de ideias e outras liberdades que os “lacaios” pudessem vir a tomar, costumava dizer que quem tinha culpa de tudo era o Voltaire. Demorei alguns anos a entender o que ela queria e depois esqueci-me.
Hoje, ao ler no Público (Opinião VPV) que “D. Manuel Clemente conhece com certeza a dificuldade de explicar a mediocridade a um mediocre e a impossibilidade prática de suprir, sobre o tarde, certos dotes de nascença e de educação” [sublinhado acrescentado], lembrei-me da minha avó. Ela podia ter dito isto e suspirar depois o seu quem tem culpa é Voltaire. O texto do Público é um documento: a arrogancia (e o ódio) de classe mais brutais ainda andam por aí.
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
Mecanismos de exclusão
A justiça social, ou seja, a progressiva eliminação das desvantagens associadas, entre outras coisas, à lotaria da classe onde se nasce e a correspondente promoção das condições para uma maior igualdade no desenvolvimento das capacidades, alcança-se através de impostos progressivos que financiam serviços públicos universais e gratuitos para o utilizador. E bolsas. Tudo o resto é aprofundamento de divisões de classe, criação de novas barreiras à entrada e pretextos para quebras do investimento público no ensino. Engenharias mercantis com custos sociais elevados.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Pão e circo
Num país pobre e com tantas coisas prioritárias a necessitar de investimento (público, do governo central e local, mas também privado), até mesmo a (re-)construção de dois estádios faustosos em cada uma das duas maiores cidades do país, sobretudo com generosos apoios públicos…, parece um exagero desmedido, perdulário e, dadas as condições do país, ofensivo.
Pois de novo com o país (agora ainda mais) endividado e a precisar de tantos e tão prioritários investimentos (em infraestruturas, nos serviços públicos, etc.), um outro governo socialista está de novo a dar prioridade ao circo em detrimento do pão e, assim, apoiando institucionalmente a drenagem de milhões (necessários noutras áreas...) para a organização (em parceria com Espanha) do Campeonato Mundial de Futebol.
Claro que neste caso como no anterior seria uma brutal injustiça não referir o beneplácito de toda (!) a oposição a estes faustosos e perdulários investimentos… no circo. Que vozes minimamente audíveis (do CDS ao BE) se fizeram ouvir para criticar tais investimentos no circo? Minimamente audiveis, eu diria que nenhumas!
Os custos da crise e quem os suporta
A interrupção da espiral descendente em que as economias mundiais entraram desde Setembro de 2008 só foi conseguida à custa de uma mobilização sem precedentes de recursos públicos, visando socorrer o sistema financeiro (paralisado pelo pânico e pela falta de liquidez) e estimular a actividade económica (paralisada pela falta de crédito e pela incerteza radical face à evolução da conjuntura).
Mesmo que não se verifiquem retrocessos na retoma, esta crise deixa atrás de si um lastro de destruição que os sinais de recuperação económica que agora enchem os jornais tendem a ocultar. De acordo com as instituições internacionais, as economias ocidentais irão demorar 3 a 4 anos a recuperar os níveis de produto que se registavam antes da crise. Consequentemente, o desemprego irá atingir taxas que não se viam há muito tempo (em torno dos 12% na zona euro), ameaçando arrastar milhões de pessoas para a instabilidade e a pobreza duradouras. A Comissão Europeia estima que os custos orçamentais de combate à crise irão representar mais de 16% do PIB europeu. O aumento da dívida pública associado (que em crise anteriores foi superior a 20 pontos percentuais) terá de ser pago por todos nós – sob a forma de impostos mais altos, a continuação da destruição dos serviços públicos e a contracção do investimento estatal em infra-estruturas e outros bens comuns.
Estes são os custos de um sector financeiro desproporcionado, desregulado e favorecido pelos poderes públicos, e simultaneamente demasiado importante para não ser socorrido em alturas de crise. Quando chegar a altura de nos exigirem sacrifícios para a necessária consolidação orçamental, lembremo-nos disto.
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Salário mínimo
O Grande Malhador
Entretanto “malhar” transformou-se na actividade predilecta de um (ex?) ministro. O Miguel Serras Pereira que acha tão pouca graça este tipo de malhação como eu, pediu-nos a bicicleta emprestada para um comentário.
Aqui vai:
“1. Tendo em conta o teor do anarquismo espanhol no século XX - para quem tenha dúvidas, recomenda-se, a título de aperitivo, a leitura de O Curto Verão da Anarquia de Hans Magnus Enzensberger (tradução brasileira na Companhia das Letras), complementada pela de Homenagem à Catalunha de George Orwell e pela de Combats pour la liberté de Pavel Thalmann e Clara Thalmann (La Digitale, 1997) -;
2. tendo em conta que Augusto Santos Silva acaba de tentar fazer crer à população que malhou em Manuela Ferreira Leite chamando-lhe "anarquista espanhola", não muito depois de ter confessado o seu gosto por "malhar na direita", sobretudo disfarçada de esquerda, tentando impor o silêncio às vozes discordantes no interior do PS;
3. forçoso é concluir que:
a) Augusto Santos Silva, ao contrário do que julga, e como seria de esperar, não malhou em Manuela Ferreira Leite, mas no anarquismo espanhol;
b) Augusto Santos Silva, quando tem de malhar na direita, só pode decidir-se a fazê-lo pretendendo malhar na esquerda;
c) O gosto de malhar em tudo o que possa mexer à sua "esquerda" - ainda que chamando-lhe "direita" - conjugada com a vontade de malhar nos anarquistas mulheres ou homens de Espanha poderá, servindo-se ou não do Grande Malhador como traço de união, aproximar franquistas e estalinistas, mas é a negação inequívoca de qualquer projecto de cidadania governante e de ruptura democrática com um regime caracterizado pela usurpação do público pelos aparelhos de Estado e pela dominação hierárquica que é a forma - ainda que não declarada como tal - de organização política da economia."
Miguel Serras Pereira
Maioria para acabar com os privilégios?
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
Uma iniciativa civica para memória futura
Na sequência dos resultados eleitorais de 27 de Setembro, foi lançado um Apelo público independente de qualquer orientação, organização ou acção partidária, no qual se exprimia a inquestionável vontade de que se gerasse um entendimento entre os partidos de esquerda, considerando que as votações alcançadas pelo Partido Socialista, pelo Bloco de Esquerda e pela Coligação Democrática Unitária eram o resultado das fortes movimentações sociais ocorridas na legislatura passada, tendo contribudo decisivamente para gerar uma nova solução pluripartidária susceptível de encontrar respostas aos factores de crise e desigualdade social e podendo gerar a necessária estabilidade governativa. Este Apelo teve uma apreciável repercurssão na opinião pública tendo sido subscrito por 1 378 portugueses, entre professores, estudantes, médicos, engenheiros, sociólogos, arquitectos, economistas, advogados, investigadores, sindicalistas e outras profissões, durante os 17 dias em que esteve aberto a subscrição.
Concluída a ronda de auscultação aos partidos com representação parlamentar, promovida pelo primeiro-ministro, e verificada a indisponibilidade tanto do BE como do PCP para qualquer entendimento com incidência governamental ou parlamentar, os subscritores manifestam, no entanto, a expectativa de que ao longo da legislatura que agora começa possam vir a ser estabelecidas formas de comunicação interpartidária que permitam um sistema de consultas sobre os aspectos da governação mais decisivos para a melhoria da situação económica e social dos portugueses.
Os subscritores, que consideram que estas iniciativas são positivas e necessárias, como se verificou nas eleições autárquicas, resumem num comentário expresso no Apelo a sua posição quanto ao resultado esperado da governação: Na expectativa de que entendimentos parcelares, pressionados pela procura da governabilidade imediata, nos encaminhem para entendimentos mais amplos entre as esquerdas, propiciadores de novas e mais ousadas políticas. Porque o País precisa.
Lisboa, 18 de Outubro de 2009
Pelos subscritores
Alcides Santos, Ana Paula Fitas, André Freire, Armandina Maia, Cipriano Justo, Fernando Vicente, Maria do Céu Guerra, Nuno David, Paulo Fidalgo, Paulo Jacinto, Ulisses Garrido"
Esta iniciativa cívica (textos, assinantes, comentários) fica registada para memória futura em:
http://www.compromissoaesquerda.com/
Nós
domingo, 18 de outubro de 2009
Williamson V – Críticas ao prémio Nobel
Desde logo, a dicotomia estabelecida por Willliamson (na esteira de Coase) entre empresas e mercados tende a menorizar a enorme diversidade de arranjos institucionais possíveis para coordenar as actividades económicas. Por exemplo, num artigo clássico de 1972, Alchian e Demsetz defendem que a existência de relações duradouras, com transacções repetidas (que segundo Williamson criam incentivos ao fomento da confiança entre as partes de um contrato, impedindo assim o sub-investimento em activos específicos) não são um exclusivo das empresas, podendo também existir no contexto de relações mercantis. Além disso, Williamson nunca explica exactamente em que consistem os mecanismos de resolução de conflitos e de partilha de informação específicos às empresas, os quais as tornariam mais eficazes na prevenção de comportamentos oportunistas.
Por outro lado, tal como Alchian e Demsetz (e a generalidade dos economistas da corrente dominante), Williamson vê os indivíduos como sendo guiados por pelo seu interesse próprio e pela predisposição de se aproveitarem ao máximo dos outros. Esta visão redutora acerca do comportamento individual, ao ignorar a heterogeneidade de motivações para a acção, limita fortemente a compreensão da acção colectiva.
Finalmente, subjacente à teoria de Williamson está a noção de que as empresas existem na medida em que são mais eficientes do que a organização das transacções através do mercado. Ao pressupor que no «início eram os mercados» e que as empresas surgiram para colmatar as ineficiências daqueles, Williamson ignora que as empresas, tal como muitas outras instituições, são construções legais que reflectem as condições e os conflitos sociais e políticos existentes em contextos históricos específicos. Assim, os factores que determinam a sua formação, a sua evolução, o seu funcionamento e a sua continuidade (ou não) dificilmente podem ser explicados apenas com base em critérios de simples eficiência económica.
Não menorizando as críticas, o trabalho de Williamson é parte integrante (e, creio, incontornável) de um esforço colectivo no sentido de trazer as instituições para o centro da ciência económica, o qual nos relembra que a compreensão dos sistemas económicos tem de ir muito além da mera análise das curvas da oferta e da procura (que continuam a açambarcar o imaginário de muitos economistas). Reforçar esta noção é o grande valor deste prémio Nobel.
Socialismo ou barbárie?
sábado, 17 de outubro de 2009
Economia(s) no prelo
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
Convergências
Talvez um liberal de esquerda e um socialista possam simplesmente convergir com Marx – “Os homens fazem a sua história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade, em circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas nas circunstâncias imediatamente encontradas, dadas e transmitidas” – na batida questão da agência e da estrutura? Talvez possam também convergir na recusa da neutralidade das instituições económicas (a ficção do mercado como simples mecanismo de agregação de preferências dadas, por exemplo), quer nos seus efeitos éticos, quer nas justificações que são requeridas para as construir e para as modificar? Esta convergência pode continuar na superação das barreiras artificiais que separariam a esfera da política da esfera da economia e acabar na defesa da democratização das relações no espaço da produção?
Sobre este último tema leia-se o livro Democracia Económica de Ladislau Dowbor (uma versão está disponível gratuitamente aqui). Também tenho muitas questões a colocar-lhe.
E porque não comprar também a guerra e a paz?
Os talibans afgãos que devem compreender tão bem como Berlusconi a linguagem dos negócios aplaudiram e aceitaram. Em consequência o número de baixas em combate italianas diminuiu. Só que quando as tropas italianas foram substituídas por tropas francesas, os produtores de morte, para sinalizar a sua presença e possivelmente induzir um pagamento idêntico ou ainda maior, desta vez de Sarkozy, resolveram aumentar a sua oferta.
É tudo economia. E nós, enquanto permitirmos isto, somos os estúpidos.
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
Encruzilhadas da Democracia
“Se todas as sociedades se criam a si próprias, através dos seus usos e costumes, das suas instituições que são representações e investimentos mais ou menos estabilizados do sentido da acção, dos fins que se propõem e/ou propõem aos indivíduos que (se) formam no seu interior, a originalidade da democracia, a sua novidade histórica e antropológica radical, está no reconhecimento de que as leis, no sentido mais amplo, as instituições e as diferentes cidades são criação humana, criações que não preexistem à acção que as cria, e na transformação deste reconhecimento no projecto da instituição de um corpo de cidadãos que igualitariamente governam e são ao mesmo tempo governados pelas leis que eles próprios se dão, sabendo-o e assumindo a responsabilidade das suas deliberações.”
Assim apresenta Miguel Serras Pereira o ciclo debates que ele organizou no Centro Nacional de Cultura. Daqui até ao fim do ano ainda acontece:
21 de Outubro 2009 - 18h - no CNC5- A Praça da Palavra: Comunicação e Espaço Público: José Rebelo e Diana Andringa;
4 de Novembro 2009 - 18h - no CNC6- As Dimensões Políticas da Criação: Silvina Rodrigues Lopes, Gastão Cruz e Maria Augusta Babo.
Todas as sessões têm lugar na Galeria Fernando pessoa do Centro Nacional de Cultura
Largo do Picadeiro nº 10 (ao Chiado)
A favor de Ostrom
Em primeiro lugar, a obra de Elinor Ostrom é marcada pela capacidade de colocar no centro da agenda de investigação as perguntas que me parecem importantes e que o José Castro Caldas já aqui colocou: “Por que motivo num mundo em que o sistema jurídico (assim como qualquer sistema de monitorização) é inevitavelmente imperfeito os seres humanos não se agridem sempre que têm oportunidade para o fazer impunemente? Por que motivo contribuem para esforços colectivos quando podem limitar-se a parecer fazê-lo? Por que motivo estão dispostos a punir infractores mesmo à custa de perdas pessoais? Por que entram em transacções com contratos incompletamente especificados e insuficientemente garantidos? Por que se envolvem na resolução de problemas comunitários? Como seria uma sociedade em que as teorias de decisão neoclássicas [baseadas no egoísmo racional] se tornassem verdadeiras?”
Em segundo lugar, destaco o ecletismo da cientista política Elinor Ostrom. O seu uso de várias ferramentas disponíveis – da teoria dos jogos à economia e psicologia social experimentais, passando pelos estudos de caso detalhados – para responder a estas e a outras perguntas e para neste processo mostrar que as previsões de Hardin sobre a tragédia dos comuns ou de Olson sobre a impossibilidade da acção colectiva não eram leis de ferro, estando antes ancoradas em hipóteses muito contestáveis sobre o comportamento humano. Para lá do egoísmo racional, os humanos fazem promessas e cumprem-nas, o dialogo e a deliberação criam compromissos duradouros (contra a hipótese do “cheap talk” que insiste que, na ausência da hobbesiana espada do soberano, as promessas são levadas pelo vento…), as normas sociais criam saliências e influenciam o comportamento humano.
Em terceiro lugar, quando fundou há mais de três décadas, com o seu marido Vicente Ostrom, o workshop in political theory and policy analysis na Universidade de Indiana, Elinor Ostrom percebeu que a investigação que conta é um paciente trabalho de acção colectiva gerador de conhecimento comum à maneira dos muitos estudos de caso que este workshop promoveu sobre a viabilidade do auto-governo comunitário em várias escalas e para a provisão e gestão de vários bens.
Em quarto lugar, Ostrom ocupa um lugar ambíguo, mas muito profícuo, no movimento e contra-movimento do imperialismo económico na teoria social. Os economistas neoclássicos colonizaram disciplinas como a ciência política? Colonizaram. No entanto, isto teve posteriormente, e talvez como consequência não-intencional, uma cada vez maior hibridização dos programas de investigação – economia como parte das ciências do comportamento humano onde se contestam muitas das hipóteses iniciais do tal imperialismo económico.
Em quinto lugar, o trabalho de Ostrom pode ser muito apreciado pelos libertários que insistem em confiar apenas na emergência de mecanismos de governação para lá do Estado: o auto-governo e a auto-gestão são possibilidades realistas, claro. No entanto, julgo que será mais correcto ver esta investigação como oferecendo pistas para uma economia plural onde se conjugam vários mecanismos de governação e de coordenação, mercantis e não-mercantis, estatais e não-estatais, fazendo apelo ao egoísmo ou às nossas melhores disposições cooperativas. Reciprocidade, redistribuição e transacções de mercado. Todas são necessárias.
Finalmente, o que estamos condenados a discutir eternamente: o lugar, a configuração e o peso dos diferentes padrões de integração descobertos e por descobrir, a alquimia das complementaridades e dos conflitos institucionais virtuosos. O trabalho de Ostrom clarificador, por exemplo, do amplo menu de direitos de propriedade à nossa disposição ajuda nesta discussão. Talvez possamos convergir no institucionalista principio da impureza: qualquer sistema económico viável requer subsistemas regidos por diferentes princípios de provisão. A cooperação no seio de comunidades bem organizadas é sem dúvida um deles. A economia como ciência política limita-se a clarificar e a ajudar nesta discussão. Não é pouco.
Tudo pelo melhor nas bolsas ou sobe, sobe, balão sobe
Está a chegar muito dinheiro às bolsas de todo o mundo. Mas significa isto que está a haver muito investimento – daquele que cria emprego e gera rendimento? De forma nenhuma. O que está a chegar às bolsas é dinheiro que inflaciona o valor de activos já existentes e aumenta apenas a riqueza de quem os detém e dos que os transaccionam.
Mas a “indústria” financeira alimenta-se disto e dos milhões públicos. Como se vê traz-nos a todos reféns. Apesar de muito palavreado a normalidade exuberante está a regressar à finança. Más notícias.
Williamson IV – Vantagens das organizações face aos mercados
Williamson conclui então que quando os custos das transacções feitas através do mercado são muito elevados, a integração das actividades numa única organização apresenta vantagens claras face à integração através dos mercados. Tais vantagens incluem: (a) o facto de as estruturas de governança existentes nas empresas – nomeadamente, os mecanismos de resolução de conflitos e de partilha de informação – tenderem a ser mais poderosas do que os proporcionados pelo funcionamento dos mercados; (b) a existência de relações duradouras, com transacções repetidas, as quais criam incentivos ao fomento da confiança.
(Continua.)
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
Williamson III – Racionalidade limitada, oportunismo e activos específicos
É de notar, no entanto, que por «transacção» Williamson entende não apenas a troca de direitos de propriedade (o que acarreta os custos já referidos por Coase, associados à concepção, elaboração e negociação dos termos da transacção), mas também a realização de contratos que implicam promessas de desempenho por parte de uma das partes envolvidas dos quais pode depender a performance da outra parte, e é nestes que centra grande parte da sua análise.
Para Williamson, a análise das transacções exige que se tome em consideração um conjunto de elementos relativos ao comportamento dos agentes e à natureza das transacções, que inclui: a 'racionalidade limitada' dos agentes e a incompletude dos contratos, a especificidade dos activos e o oportunismo dos agentes
(i) Contratos incompletos e 'racionalidade limitada'. Idealmente, um contrato deveria determinar os cursos de acção alternativos para toda e qualquer circunstância e definir de forma inequívoca os níveis de desempenho considerados satisfatórios. No entanto, isto nem sempre é possível, nomeadamente devido à incapacidade dos agentes para aceder a toda a informação que seria relevante (por exemplo, alguns contratos envolvem pressupostos sobre acontecimentos futuros que não são facilmente antecipáveis) e/ou para processar toda a informação de que dispõem (por outras palavras, o facto de os agentes possuírem uma ‘racionalidade limitada’).
(ii) Especificidade dos activos. Em muitos casos, os ganhos de eficiência de uma transacção exige a realização certos investimentos. Diz-se que os activos investidos são específicos a uma transacção quando aqueles não podem ser reafectados a outras transacções sem perdas de produtividade ou custos de adaptação. Isto significa que as partes da transacção (nomeadamente quem investiu em activos específicos) ficam, em alguma medida, presas a essa relação. A especificidade de activos pode assumir, pelo menos, quatro formas: (i) especificidade de localização (implicando custos de transporte e armazenagem), (ii) especificidade de activos físicos (associada a propriedades físicas ou de engenharia), (iii) activos dedicados (aos requisitos de um parceiro específico) e (iv) especificidade de activos humanos (competências e conhecimentos específicos a uma dada actividade produtiva).
(iii) Oportunismo. No contexto de contratos incompletos, torna-se altamente provável que, mais cedo ou mais tarde, surjam situações não previstas nos termos do contrato, as quais impliquem a necessidade de renegociação do mesmo. Se uma das partes do contrato tiver entretanto realizado investimentos em activos específicos, ela estará em situação vulnerável em termos de poder negocial: sabendo que os investimentos realizados não são facilmente utilizáveis para outros fins, o princípio do oportunismo (assumido por Williamson) sugere que a outra parte irá aproveitar-se da situação, expropriando quem investiu em activos específicos de parte dos seus benefícios. Por outras palavras, se uma das partes está em alguma medida presa à relação contratual em causa (em consequência dos investimentos em activos específicos que realizou), então a outra parte irá tirar partido dessa dependência na primeira oportunidade (e dada a incompletude dos contratos, é muito provável que tal oportunidade se verifique).
(Continua.)
terça-feira, 13 de outubro de 2009
Ouvir outras opiniões
Desta vez graças à iniciativa da Comissão Nacional Justiça e Paz teremos Ladislau Dowbor para nos falar de democracia económica. Vai ser no dia 20 de Outubro às 15.00 h na Gulbenkian (Auditório 3). O João Rodrigues também lá vai estar (com Silva Lopes) a interpelar. Depois disso, no dia 23, Ladislau Dowbor irá a Coimbra a convite do Centro de Estudos Sociais. Sabem, ele foi professor na Faculdade de Economia de Coimbra nos idos de 1974-1975.
Mais uma recomendação: visitem a página de Dowbor.
DEBATE - Este jornalismo para quê?
A crise do jornalismo e dos meios de comunicação social aumentou com a crise económico-financeira, mas há muito que vem sendo anunciada. Com base no dossiê «Jornalismo: que futuro?», publicado na edição de Outubro do Le Monde diplomatique, vai haver um debate sobre temas como os jornais e a Internet, a propriedade e o financiamento dos media, o que é uma informação de qualidade e a autonomia e precariedade na profissão de jornalismo. Como sair da crise?
O debate vai ser no dia 15 de Outubro, quinta-feira, às 21h30 no bar do Instituto Franco-Portugês (Av. Luís Bivar, 91, em Lisboa) e contará com os seguintes participantes: Alfredo Maia (presidente do Sindicato dos Jornalistas),Carla Baptista (FCSH-UNL), Daniel Oliveira (jornalista e redactor do Arrastão), João Pacheco (jornalista, Precários Inflexíveis) e eu própria. A entrada é livre.
Que jornalismo queremos?
Nos últimos meses, e em grande medida devido às ligações entre agendas políticas e mediáticas, as notícias que envolvem os próprios meios de comunicação social passaram a ocupar o destaque ainda há pouco reservado à crise económico-financeira. Começou com o episódio que envolveu a TVI e o fim do Jornal Nacional, pouco depois da passagem de José Eduardo Moniz para a Ongoing, que veio agora comprar 35 por cento da Media Capital, proprietária da TVI (e que detém cerca de 20 por cento da Impresa de Francisco Pinto Balsemão). Seguiu-se o alegado «caso das escutas» à presidência da República, que fez manchete do Publico a 18 e 19 de Agosto e se tratou afinal, como revelado pelo Diário de Notícias de 18 de Setembro, de uma notícia plantada no Público por Fernando Lima, assessor da Casa Civil do presidente Aníbal Cavaco Silva (com que conhecimento por parte deste?), num processo que suscitou sérias críticas quanto à ética e deontologia jornalística do jornal por parte do seu próprio provedor, Joaquim Vieira.
Nesse mesmo dia 18 de Setembro, com o Público e a sua direcção editorial sob forte ataque, o empresário Belmiro de Azevedo, presidente do Conselho de Administração do grupo SONAE, proprietário do Público, foi instado pelos jornalistas a comentar a peça do Diário de Notícias e a confirmar o seu apoio à direcção editorial de José Manuel Fernandes (ver no i a notícia e a entrevista). A sua resposta inicial revelou sobretudo um empresário interessado no retorno do seu investimento, negando ter «influência directa» no jornal e sendo animado por um único desejo para a publicação: «que passe a ganhar dinheiro e o faça sempre com a mesma linha editorial, isso é, com independência». Mas os laços mais complexos que ligam a propriedade dos media ao poder de influenciar a vários níveis a vida de um órgão de comunicação tornaram-se mais claros quando o empresário recomendou que a equipa do diário «não se deixe assustar por opiniões um bocado desastradas de alguns governantes que querem mandar no Público sem pôr lá dinheiro nenhum», acrescentando: «Não me importo nada que eles mandem, mas comprem o jornal».
Os primeiros a ficar chocados com estas palavras terão sido, seguramente, os jornalistas sérios e de qualidade que trabalham no Público, mas é ao conjunto dos cidadãos que deve preocupar esta admissão de que, na prática, e mais ainda em períodos de crise, no jornal manda quem o paga, até porque as declarações se referem a assuntos da esfera editorial, não da gestão, sendo que esta divisão é, em si mesma, cada vez problemática.
Quando a informação é tratada como mercadoria, os meios de comunicação social como um simples negócio e a estrutura de propriedade dos media, cada vez mais concentrada, como pilar de uma ordem liberal assente na remuneração dos accionistas (e na precarização e quebra de autonomia para dos jornalistas), é o direito constitucional a informar e a ser informado que é posto em causa. Se o sistema mediático e os seus «novos cães de guarda» do sistema económico apostam na manutenção desta ordem, as respostas alternativas só podem vir dos cidadãos e dos profissionais que querem um outro jornalismo. Sem ingenuidade quanto aos perigos que sempre espreitam qualquer projecto jornalístico em que haja uma diferença de concepções entre a sua direcção editorial e os seus proprietários e fontes de financiamento (...).
O meu artigo no Monde diplomatique - edição portuguesa deste mês pode ser lido na íntegra aqui. Está integrado num dossiê sobre o futuro dos jornais (o do Monde diplomatique e o da imprensa em geral) e do jornalismo face à crise, com artigos de Serge Halimi («A nossa luta» e «Recomposição brutal, tentações por toda a parte») e do jornalista João Pacheco, Prémio Gazeta Revelação 2006 e membro dos Precários Inflexíveis («Vamos brincar aos jornais»).
Williamson II – A herança de Coase
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
Williamson I - Um prémio Nobel que merece ser discutido
Os baldios e as empresas...
Um Nobel merecido!
Elinor Ostrom é a primeira mulher a ganhar o prémio Nobel. Finalmente! Só por isso este prémio é já uma excelente notícia para economistas e feministas. Mas o prémio de Ostrom recompensa também uma linha de investigação da teoria económica que valoriza a heterogeneidade de motivações para a acção, abre espaço para o estudo das possibilidades da acção colectiva. A sua atenção tem estado sobretudo focada na gestão de recursos partilhados (por exemplo, os baldios ou os recursos piscatórios). Gestão condenada ao fracasso pela teoria económica devido à suposta ausência de direitos de propriedade. Para mais sobre este tema, vale a pena ler estes dois posts do José Maria Castro Caldas sobre a tragédia dos comuns e os meios de a superar: aqui e aqui.
Dois anos a ferver
Para celebrar dois anos de luta, o FERVE organizou um livro editado pela Afrontamento. Esta crónica tem o seu título, como singela homenagem. É sobre "desigualdades sólidas, capitalismo líquido, vidas gasosas", para retomar a certeira formulação de Sandra Monteiro, directora da edição portuguesa do "Le Monde diplomatique". Uma obra colectiva que conta também, entre outros, com contributos de Manuel Carvalho da Silva ou do próprio José Soeiro, para além de depoimentos pungentes de quem, maioritariamente jovem, tem de viver na corda bamba.
Sabemos que o tal capitalismo líquido, o que corrói todos os laços sociais dando demasiado poder a patrões com poucos escrúpulos, comprime salários - uma vez que os trabalhadores precários auferem remunerações inferiores - e diminui os incentivos para a aquisição de novas qualificações, porque todos os horizontes se estreitam. O que talvez não seja tão conhecido é que o capitalismo líquido gera uma desmoralização que se inscreve na mente e no corpo, sem separações artificiais: a investigação na área dos determinantes sociais da saúde tem mostrado que a precariedade está associada a uma maior vulnerabilidade a vários tipos de doença, incluindo doenças mentais.
Face à cumplicidade dos poderes públicos, resignados ao ciclo vicioso de um capitalismo medíocre, que desistiram de disciplinar e de modernizar, o precariado vai lentamente descobrindo novas formas de associação e evitando as armadilhas dos que querem substituir a luta de classes pela luta de gerações. A lição desta história é clara: a decência no trabalho é obra da acção colectiva de todos os trabalhadores, dos que resistem ao esfarelamento dos direitos duramente conquistados e dos que reivindicam novos direitos. O informado activismo do FERVE, de que este notável livro é produto, revela que a lição está estudada e por isso pode ensinar-nos novas lições. Vale mesmo a pena aprendê-las.
A minha crónica semanal no i também pode ser lida aqui.
domingo, 11 de outubro de 2009
Canhoto por uma vez
sábado, 10 de outubro de 2009
Escolhas e apostas para uma espécie de Prémio Nobel
A minha escolha vai sempre para Albert Hirschman. Aos 94 anos, o Prémio reconheceria os seus notáveis contributos para a economia do desenvolvimento, para a história das ideias, para a superação das barreiras disciplinares, para a economia como ciência política e moral. Umas das minhas reflexões preferidas: «A generosidade, a benevolência e a virtude cívica não são recursos escassos de oferta limitada, mas também não são competências que possam ser melhoradas e expandidas de forma ilimitada com a prática. Em vez disso, tendem a exibir um comportamento complexo e compósito, atrofiando quando não são praticadas e invocadas pelo regime socieconómico prevalecente e tornando-se de novo escassas quando são defendidas e estimuladas em excesso. Para tornar as coisas ainda mais complicadas estas duas zonas de perigo (...) não são conhecidas e muito menos são estáveis». No entanto, se John Kennneth Galbraith não ganhou, o mais provável é que Hirschman também não ganhe.
Entre os favoritos deste ano escolheria Ernst Fehr. O seu trabalho em economia comportamental e experimental, no cruzamento da economia e da psicologia social, tem vindo a ser reconhecido. Destaco os seus contributos sobre os fundamentos psicológicos dos incentivos pecuniários (mostrando os seus limites e efeitos perversos), o papel da reciprocidade na provisão de bens públicos e a interacção entre as normas sociais e o comportamento económico, de que este estudo antropológico é exemplo. Enfim, muito disto já foi escrito por antropólogos e psicólogos, mas não subestimem a arte que é requerida para que um economista pense sobre estes assuntos…
No entanto, se tivesse de apostar escolheria dois nomes: Robert Shiller e Ben Bernanke. Ainda os efeitos da crise. O primeiro pelos seus contributos na área das finanças comportamentais, demolindo a hipótese dos mercados eficientes, enfatizando a exuberância irracional dos mercados financeiros e reintroduzindo hipóteses comportamentais mais realistas, já formuladas por Keynes: papel das convenções, racionalidade mimética, enviesamentos cognitivos sistemáticos. A sua antecipação da bolha no imobiliário ajuda. Bernanke não antecipou a bolha, bem pelo contrário, mas quando esta rebentou achou que a Reserva Federal tinha o poder de salvar o capitalismo norte-americano. Estudioso da Grande Depressão, usou todos os instrumentos à sua disposição e ainda inventou alguns novos, tirando todas as ilações do facto da moeda ser uma criação do Estado. Estas são as minhas apostas. Segunda-feira logo se vê.
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
O artigo na totalidade
Durante o último ano, as esquerdas tiveram tempo para assumir as suas divergências com seriedade intelectual e política e negociar um programa de governo para apresentar ao Presidente da República nos próximos dias. Todos sabiam que o cenário político que veio a concretizar-se era muito provável. No entanto, enredados em calculismos estéreis, não souberam entender os anseios de um eleitorado que, maioritariamente, votou à esquerda. As esquerdas estão hoje confrontadas com um juízo do seu eleitorado que é ao mesmo tempo político e moral.
Para quem acredita que o País pode construir um futuro digno, talvez ainda se possa escrever direito por linhas tortas. A juntar à gravidade da situação financeira do País, à insustentabilidade do nível de desemprego a que chegaremos, às divisões que depressa se vão cavar dentro das várias esquerdas quanto às políticas a adoptar, juntar-se-á a pressão de muitos activistas e intelectuais de esquerda para que o País encontre uma solução governativa estável. Mas uma solução credível só pode resultar de um diálogo sério, detalhado, frontal, que construa um programa em torno do muito que há em comum e junte todos os que ainda estão disponíveis para um forte empenhamento cívico numa grande organização da “esquerda socialista”. Se realmente quisermos, a partir de hoje começa a contagem do tempo urgente da sua criação.
Importa recordar que o declínio do País não será ultrapassado sem a criação de um grande partido que se reivindique do reformismo transformador. Que fique claro: as políticas sociais contra as desigualdades, sendo necessárias, não colocam em causa a lógica do sistema que as produz. O combate às desigualdades não toca o âmago da “questão social”, a razão de ser dos partidos socialistas. As relações de poder e democracia no seio da empresa, o equilíbrio de forças na negociação salarial, o pleno emprego como prioridade da política económica, o apoio a formas de produção não-capitalistas, são exemplos de clivagem entre a esquerda socialista e um social-liberalismo que já quase não menciona o capitalismo e prefere falar da “economia de mercado”.
De facto, ao tratar o trabalho, a natureza e o dinheiro como mercadorias, o capitalismo, enquanto sistema articulado de mercados com a finalidade do lucro, suportado pela relação salarial como forma dominante de sobrevivência do ser humano e a troca monetarizada como modo de validação social da produção, produz consequências nefastas que não podem ser ignoradas.
Quando se conjugam o forte predomínio do capital sobre o trabalho no âmbito da relação salarial, com uma concorrência empresarial pouco e/ou mal regulada pelo Estado, geram-se efeitos de vária ordem que afectam as pessoas e as estruturam em classes sociais, o que implica diferente acesso a recursos, poderes e bens simbólicos. Eventualmente, geram-se situações de pobreza que se transmitem entre gerações, degrada-se a saúde de segmentos da população que trabalha por turnos ou em cadeias produtivas desumanas, impõe-se aos trabalhadores ritmos e horários que geram graves desequilíbrios nas relações familiares, mercantilizam-se bens/serviços que deveriam permanecer públicos, ou estar fora do mercado por razões morais, degrada-se gravemente o ecossistema e, paradoxalmente, chega-se ao ponto de destruir o sistema financeiro sem o qual o próprio capitalismo entra em colapso. Do meu ponto de vista, só a esquerda que lança um olhar crítico sobre a economia, sobre o modo como a economia serve (ou não) o desenvolvimento das pessoas e o bem público, como integra (ou não) as regras da democracia no seu seio, como respeita (ou não) os equilíbrios da natureza, como promove (ou não) comunidades e pessoas que exercem um juízo moral sobre o mundo em que vivem, pode genuinamente intitular-se de “esquerda socialista”.
A crise de legitimação política por que passam hoje os partidos “socialistas” europeus não pode ser entendida fora do contexto da Grande Crise que estamos a viver, uma crise que não surgiu do nada, antes esteve em gestação durante as últimas três décadas e teve a sua colaboração activa. Integrados no sistema, estes partidos tornaram-se incapazes de reinventar a sua matriz ideológica para responder aos desafios de um capitalismo que foi evoluindo. Não entenderam a crise e não são capazes de reencontrar a utopia, a narrativa e a organização que os leve a transformar o capitalismo a partir do exercício de uma governação em sintonia com os anseios e lutas sociais dos nossos dias.
Em linha com a maioria dos partidos da sua família política europeia, o Partido Socialista também há muito esqueceu a transformação do capitalismo tendo até assumido orientações e princípios típicos da doutrina neoliberal. Instalou-se na gestão do nosso pobre capitalismo ornamentando-a, quando possível, com algumas “reformas de costumes”. Também não deverá escapar ao caminho da decadência e erosão em que já se encontram lançados os seus homólogos em vários países (França, Alemanha, Grã-Bretanha e Itália são bons exemplos). É uma questão de tempo.
Reafirmo, chegou a hora de tornar possível a esquerda necessária num País que vota maioritariamente à esquerda mas não está feliz com a representação política que coloca no Parlamento. Do meu ponto de vista, o eleitorado merece melhor.
Jorge Bateira
Por favor não votem nos ladrões!
A Itália, por exemplo, ainda não é uma cleptocracia: parece que ainda existe um tribunal constitucional que impede que exista uma lei da imunidade feita à medida de um candidato a cleptocrata particular.
Oeiras, por exemplo, ainda não é uma cleptocracia, já que há sentenças que ainda não transitaram em julgado.
Tenho dificuldade em compreender como é que alguém pode desejar viver numa cleptocracia. Mas a verdade em que em Itália, por exemplo, o candidato a cleptocrata foi eleito e que em algumas autarquias portuguesas algo semelhante pode vir a acontecer.
Que me desculpem os meus colegas de blog por qualquer mal entendido que possa haver (especialmente o que é candidato) mas o meu apelo para Domingo é: cleptocracia é que não!
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
Políticas...
Os mecanismos de deliberação, o Estado propulsor da participação cidadã, podem ser um bom antídoto contra os interesses imobiliários que quase capturaram a política autárquica em tantos locais. É claro que as desigualdades socioeconómicas do país não ajudam à participação. E as decisões sobre os usos de terrenos fazem a fortuna de quem busca mais-valias. Uma constatação realista: “não existe a mais pequena hipótese de se travar a forte relação entre urbanismo e corrupção na sociedade portuguesa se não promovermos as mudanças necessárias no sentido da socialização das mais-valias urbanísticas geradas pelo processo de desenvolvimento urbano” (José Carlos Guinote num excelente número da OPS). Querem convergências à esquerda? Uma medida singela para uma maioria: “cativação pública das mais-valias decorrentes da valorização de terrenos em consequência da alteração da sua definição por via de actos administrativos da exclusiva competência da Administração Pública ou da execução de obras públicas que resultem total ou parcialmente do investimento público.”
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
Economista de Combate em São João da Madeira
Grande banda sonora...
Ética, crise e sociedade
(clicar no cartaz para ampliar)
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Escolhas com significado? (II)
A solução de um governo minoritário mas apoiado num acordo de incidência parlamentar com os dois partidos situados à esquerda do PS é aquela que é, primeiro, mais congruente com os resultados eleitorais e, segundo, mais congruente com a vontade dos eleitorados de cada um dos partidos. Quanto ao primeiro ponto cabe notar que o conjunto dos partidos parlamentares de esquerda (PS, BE e CDU) tem mais votos (833814 sufrágios correspondentes a mais 14,74 por cento) e lugares (30) no parlamento do que o conjunto dos partidos de direita (PSD e CDS). Além disso, se é verdade que, entre 2005 e 2009, a esquerda no seu conjunto perdeu cerca de 341829 votos e a direita ganhou cerca de 168169, também é verdade que estas flutuações foram sobretudo fruto da hemorragia no campo socialista e que a esquerda radical (BE e CDU) ganhou mais votos (204923) do que o bloco de direita (168169).
Quanto ao segundo ponto, as sondagens da Católica podem ajudar-nos. No barómetro publicado a 17 de Setembro, os inquiridos foram questionados sobre “cenários pós eleitorais mais desejáveis para o país”. A resposta tem 7 categorias contando com o “não sabe” e o “recusa responder”. Entre o eleitorado do PS, a solução mais desejada é a do governo minoritário (39 por cento), seguida de uma “coligação” com o BE (22 por cento) ou com a CDU (13 por cento). Note-se que, qualquer uma destas duas últimas soluções, sobretudo se somadas (35 por cento), está a grande distância de uma “coligação com o PSD” (10 por cento) ou com o CDS (3 por cento). Como, em qualquer caso, para sobreviver e aprovar legislação, o PS precisa do apoio de outros partidos, o que estes dados revelam é que o eleitorado socialista prefere claramente entendimentos à esquerda. No caso dos eleitorados do BE (47 por cento) e da CDU (46 por cento), a categoria mais frequentada, a longa distância de qualquer uma das restantes, é a de uma “coligação com o PS” (os dados estão disponíveis na internet). Por isso é que, no texto da iniciativa cidadã de que sou um dos subscritores, “Compromisso à Esquerda” (http://www.compromissoaesquerda.com/), se fala num desfasamento entre os eleitores dos partidos de esquerda (que desejam um entendimento entre os seus partidos respectivos) e os dirigentes destes mesmos partidos (que há mais de 30 anos persistem no desentendimento).
Aliás, outro indicador deste mesmo desfasamento tem sido a adesão espontânea que tal iniciativa tem recolhido não só entre as elites profissionais, académicas, artísticas e sindicais do país (a comissão promotora conta com cerca de 150 personalidades), mas também no público em geral (às 15h de 4/10 já contávamos com cerca de 850 assinaturas). Há distâncias significativas entre as propostas políticas dos três partidos e, por isso, o compromisso não será fácil? Com certeza, ninguém o nega. Porém, a exemplo do que se passa há muito tempo em vários países da Europa ocidental, tudo isso seria superável se houvesse da parte dos partidos de esquerda a atitude compromissória necessária para chegarem a acordo, naturalmente no respeito pela dimensão relativa de cada um dos partidos (uma regra básica da democracia).
(Adenda: hoje, 6/10/2009, por volta das 18h, já tinhamos 1057 assinaturas)
Originalmente publicado no Público de 5/10/2009.