quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Igualdades

"Mas será que pode existir uma verdadeira igualdade de oportunidades numa sociedade que seja profundamente desigual em termos de rendimento e riqueza?" João Cardoso Rosas no i a colocar uma questão fundamental e a dar uma boa resposta. As desigualdades de rendimento e de riqueza estão na base dos problemas sociais. Este e outros temas serão discutidos nesta conferência internacional em Lisboa.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Os custos da utopia de mercado

«O sofrimento associado ao trabalho voltou em força. Para os que sofrem por não terem trabalho nem forma de subsistirem e sentem esse vazio na sua existência. Mas também para os que têm um trabalho cada vez mais sujeito às novas formas de gestão agressivas e à precarização» (José Soeiro). É preciso voltar a sublinhar que o actual capitalismo líquido tende a corroer os laços sociais e a gerar uma desmoralização que se inscreve na mente e no corpo, sem separações artificiais: investigação na área dos determinantes sociais da saúde tem mostrado que a precariedade laboral, que não pára de crescer, está associada a uma maior vulnerabilidade a vários tipos de doença, incluindo doenças mentais. São os custos sociais da utopia de mercado. Custos que não aparecem na economia de mau manual que ainda guia demasiadas políticas públicas.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Democracia, é lá fora?


A Fleximol é uma empresa do Cartaxo que empregava 171 trabalhadores quando entrou em Lay-Off, no passado mês de Janeiro. Recentemente, os trabalhadores decidiram criar uma Comissão de Trabalhadores para enfrentar a situação difícil em que se encontram.

A Administração da Empresa teve uma resposta rápida e eficaz: Despediu todos os trabalhadores da Comissão Sindical e da Comissão de Trabalhadores, efectivos e suplentes. Juntou-lhes mais alguns (todos subscritores da lista vencedora) e chamou-lhe um despedimento colectivo. As razões eram variadas. Umas tão concretas como "falta de versatilidade", outras tão credíveis como "não sabe ler um cartão de trabalho", aplicadas a trabalhadores com mais de dez anos de casa.

O problema é que as normas que protegem os representantes dos trabalhadores só se aplicam nos despedimentos individuais. E como o despedimento colectivo, na nossa legislação, só precisa de justa causa em teoria (na prática, a lista de justificações permite invocar basicamente qualquer pretexto), o único recurso dos trabalhadores é a entidade que fiscaliza a legalidade das relações laborais (ACT), que, contactada por escrito há duas semanas através do Eng.º Pedro Brás, do Centro Local Lezíria e Médio Tejo, ainda não considerou oportuno pronunciar-se.

O caso da Fleximol (nome singularmente adequado) não é único e é revelador. Os direitos do trabalho não dizem respeito apenas à esfera da vida na empresa. São uma condição de democracia. Cada situação como a da Fleximol, "ensina" aos trabalhadores que as liberdades de expressão e de associação não são para todos e que quem se equivocar a esse respeito, sabe onde é a porta da rua. O que fará a próxima Ministra do Trabalho, que diz que é sindicalista, a este respeito?

Doentes livres

Está neste momento em fase de discussão uma Directiva sobre a aplicação dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços. Na proposta da Comissão, assim como no relatório que foi aprovado pelo Parlamento, os doentes europeus podem deslocar-se a qualquer Estado-Membro, aí usufruírem de cuidados de saúde hospitalares e serem reembolsados. Dir-se-ia que o princípio e o direito seriam inquestionáveis. Mas. Há sempre alguns ‘mas’ e, neste caso, os custos (directos e indirectos) que serão pagos pelos doentes estão muito acima do defensável. Podemos tomar como exemplo o caso português.

Em Portugal (ainda) cabe ao Estado, através do Sistema Nacional de Saúde, assegurar o direito à saúde de todos/as mediante um serviço de carácter universal. Ora, esta directiva obrigará à revisão do SNS, não se limitando, portanto, à regulamentação dos direitos dos doentes em matéria transfronteiriça.

Esta directiva tem como base jurídica o Artigo 95 do Tratado ainda em vigor, restringindo, assim, os tratamentos transfronteiriços a uma lógica de livre oferta e procura de serviços. Nesta directiva, não há distinção entre prestadores privados sem qualquer relação contratual com os sistemas de saúde e os outros. Com esta directiva, não é necessário haver uma autorização prévia para que os cuidados sejam prestados em outro país e não garantidos pelo SNS, o critério para validar essa escolha é tão-somente o livre critério individual – não é necessária intervenção do médico, não é necessária qualquer referenciação clínica que garanta a qualidade dos cuidados que vão ser prestados. Dispenso aqui a identificação de todos os problemas que esta Directiva suscita. O que está aqui verdadeiramente em causa é que, sob a suposta salvaguarda dos direitos dos doentes aos cuidados transfronteiriços, diluem-se as responsabilidades dos Estados-Membros em matéria de prestação, organização e garantia dos cuidados médicos no âmbito dos seus serviços de saúde. Há países onde a factura do reembolso vai pesar mais do que noutros.

No caso português essa factura vai ser muito pesada. O reembolso dos cuidados de saúde transfronteiriços não poderá vir senão do cada vez mais depauperado orçamento do SNS. Em outros países, não haverá grande mudança. Já conseguiram a liberalização e a institucionalização da saúde como um negócio. O Estado tem obrigação de garantir o direito aos cuidados de saúde de todos/as. Se não pode fazê-lo no quadro do seu sistema de saúde deve garantir obviamente o reembolso dos cuidados prestados fora. O Estado já paga hoje tratamentos no estrangeiro, dentro e fora do espaço da União, sempre que o SNS não dispõe de recursos técnicos para assegurar tratamentos ou exames disponíveis nesses países, mediante referenciação de uma equipa da DGS que se encarrega do estudo desses casos. Ora, o que esta directiva permite é que se pague um cheque em branco. E há sempre a imensa maioria a quem é concedida uma liberdade de que nunca poderá usufruir.

Independentemente do reembolso ou não, é essa imensa maioria que nunca terá condições para livremente ir a outro país tratar-se e esperar pelo reembolso. Esta proposta da Comissão já foi votada no mandato anterior pelo Parlamento, tendo passado com uma ‘esmagadora’ maioria de 52% (!) dos votos, resultado a que não foi alheio a abstenção do Partido Socialista Europeu. Falta agora o veredicto do Conselho no início de Dezembro, antes do final da Presidência Sueca. Decide-se já ou passa para a Presidência Espanhola.

O que me espanta é o silêncio. A entrar em vigor, resta-nos saber depois as implicações resultantes da revisão do SNS português e quais os cuidados e direitos de que vamos abdicar para consagrar no orçamento o reembolso dos cuidados transfronteiriços. Uma coisa é certa, o ‘turismo de saúde’ sai reforçado. Promover-se-ão cuidados cuja utilidade médica pode ser questionada, mas poder-se-ão alimentar futilidades estéticas e plásticas.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Um orçamento à esquerda?

Não há nada que ponha os defensores do decadente status quo mais nervosos: convergências à esquerda, sobretudo em matérias orçamentais. Este nervosismo é uma bússola. No próximo orçamento fazem-se as primeiras escolhas deste governo: protecção dos serviços públicos e dos desempregados ou protecção do capitalismo tóxico? Se o nervosismo com grande visibilidade pública se agitar, ter-se-á dado uma boa resposta. Um orçamento em tempos de crise não se faz sem conflitos. É preciso escolher os que valem a pena, os que podem reduzir a toxicidade do capitalismo português. O resto da minha crónica semanal pode ser lido no i.

Vale a pena ler Manuel Esteves no DE sobre as irredutíveis mais-valias: "Estamos no ano 2009 depois de Cristo. Todas formas de rendimento são taxadas pelo Estado. Todas? Não! As irredutíveis mais-valias de acções ainda resistem ao fisco. E a vida não é nada fácil para aqueles que pretendem tributá-las." A vida não é mesmo nada fácil para quem luta pela justiça social. O dinheiro concentrado é uma poção com poderes mágicos...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Economia política e política económica alternativas em português

Descobri recentemente o sítio do economista brasileiro Luiz Carlos Bresser-Pereira. Uma excelente fonte sobre economia em português. Destaque para a defesa de uma política cambial competitiva, parte de uma política industrial estratégica com fôlego, ingrediente para uma inserção internacional governada e bem sucedida das nações em desenvolvimento. Uma tradição desenvolvimentista com raízes no Brasil e com alguma influência política – base intelectual da outra mão invisível. O governo brasileiro impôs recentemente uma taxa de 2% sobre os influxos de capitais especulativos. Um dos instrumentos disponíveis para gerir os fluxos de capitais e evitar desgraças cambiais maiores. Uma outra política cambial, contra a ortodoxia económica, é possível no Brasil.

Num contexto diferente, espero que o novo ministério da economia, inovação e desenvolvimento contribua para a consolidação em Portugal de um discurso público desenvolvimentista assertivo e confiante, na linha de algumas preocupações que constam do QREN. Um discurso que defenda e defina, usando a reduzida margem de manobra disponível, uma política industrial mais coerente, servida por incentivos selectivos e por investimentos públicos bem planeados, que favoreçam a área dos bens transaccionáveis intensivos em conhecimento e em tecnologia e não a captura de sectores da provisão pública por grupos rentistas.

Quem tem culpa é o Voltaire


A minha avó, quando se inquietava com o comércio de ideias e outras liberdades que os “lacaios” pudessem vir a tomar, costumava dizer que quem tinha culpa de tudo era o Voltaire. Demorei alguns anos a entender o que ela queria e depois esqueci-me.

Hoje, ao ler no Público (Opinião VPV) que “D. Manuel Clemente conhece com certeza a dificuldade de explicar a mediocridade a um mediocre e a impossibilidade prática de suprir, sobre o tarde, certos dotes de nascença e de educação” [sublinhado acrescentado], lembrei-me da minha avó. Ela podia ter dito isto e suspirar depois o seu quem tem culpa é Voltaire. O texto do Público é um documento: a arrogancia (e o ódio) de classe mais brutais ainda andam por aí.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Mecanismos de exclusão

“O aumento de propinas levou ao afastamento de alunos de famílias com baixos rendimentos. De 1995 a 2005, período em que foi introduzido o modelo de propinas nas universidades, o ensino superior ficou mais elitista (…) a percentagem de alunos de rendimento baixo no ensino superior desceu um terço nesses dez anos.” Excertos de um artigo no Diário Económico de anteontem sobre um estudo de Belmiro Cabrito, professor no Instituto da Educação da UL. É por estas e por muitas outras que eu sou contra a existência de propinas.

A justiça social, ou seja, a progressiva eliminação das desvantagens associadas, entre outras coisas, à lotaria da classe onde se nasce e a correspondente promoção das condições para uma maior igualdade no desenvolvimento das capacidades, alcança-se através de impostos progressivos que financiam serviços públicos universais e gratuitos para o utilizador. E bolsas. Tudo o resto é aprofundamento de divisões de classe, criação de novas barreiras à entrada e pretextos para quebras do investimento público no ensino. Engenharias mercantis com custos sociais elevados.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Pão e circo

Se há herança imensamente perdulária da governação socialista dos tempos do engenheiro António Guterres, ela consubstancia-se nos vários estádios de futebol construídos por esse país fora, muitos deles verdadeiros elefantes brancos que pouco ou nada servem para o fim desejado (veja-se o exemplo de Coimbra onde a função essencial da coisa parece ser albergar um enorme centro comercial), para efeitos da realização do Campeonato Europeu de Futebol de 2004. (Entre parentesis recorde-se que o primeiro ministro actual foi um dos principais artifices da coisa, na altura…)

Num país pobre e com tantas coisas prioritárias a necessitar de investimento (público, do governo central e local, mas também privado), até mesmo a (re-)construção de dois estádios faustosos em cada uma das duas maiores cidades do país, sobretudo com generosos apoios públicos…, parece um exagero desmedido, perdulário e, dadas as condições do país, ofensivo.

Pois de novo com o país (agora ainda mais) endividado e a precisar de tantos e tão prioritários investimentos (em infraestruturas, nos serviços públicos, etc.), um outro governo socialista está de novo a dar prioridade ao circo em detrimento do pão e, assim, apoiando institucionalmente a drenagem de milhões (necessários noutras áreas...) para a organização (em parceria com Espanha) do Campeonato Mundial de Futebol.

Claro que neste caso como no anterior seria uma brutal injustiça não referir o beneplácito de toda (!) a oposição a estes faustosos e perdulários investimentos… no circo. Que vozes minimamente audíveis (do CDS ao BE) se fizeram ouvir para criticar tais investimentos no circo? Minimamente audiveis, eu diria que nenhumas!

Os custos da crise e quem os suporta

Desde Abril de 2009 que o mundo começou a respirar de alívio: os vários indicadores de conjuntura económica começavam a dar sinais que o pior da crise tinha passado. De então para cá, quase todos os dias os jornais dão conta de mais uma confirmação da retoma da confiança e da actividade económica. Parece que foi uma crise rápida e indolor. Será que foi?

A interrupção da espiral descendente em que as economias mundiais entraram desde Setembro de 2008 só foi conseguida à custa de uma mobilização sem precedentes de recursos públicos, visando socorrer o sistema financeiro (paralisado pelo pânico e pela falta de liquidez) e estimular a actividade económica (paralisada pela falta de crédito e pela incerteza radical face à evolução da conjuntura).

Mesmo que não se verifiquem retrocessos na retoma, esta crise deixa atrás de si um lastro de destruição que os sinais de recuperação económica que agora enchem os jornais tendem a ocultar. De acordo com as instituições internacionais, as economias ocidentais irão demorar 3 a 4 anos a recuperar os níveis de produto que se registavam antes da crise. Consequentemente, o desemprego irá atingir taxas que não se viam há muito tempo (em torno dos 12% na zona euro), ameaçando arrastar milhões de pessoas para a instabilidade e a pobreza duradouras. A Comissão Europeia estima que os custos orçamentais de combate à crise irão representar mais de 16% do PIB europeu. O aumento da dívida pública associado (que em crise anteriores foi superior a 20 pontos percentuais) terá de ser pago por todos nós – sob a forma de impostos mais altos, a continuação da destruição dos serviços públicos e a contracção do investimento estatal em infra-estruturas e outros bens comuns.

Estes são os custos de um sector financeiro desproporcionado, desregulado e favorecido pelos poderes públicos, e simultaneamente demasiado importante para não ser socorrido em alturas de crise. Quando chegar a altura de nos exigirem sacrifícios para a necessária consolidação orçamental, lembremo-nos disto.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Salário mínimo

O Ricardo Paes Mamede é autor de um estudo - «Impacto do Aumento do Salário Mínimo em 2008: uma Estimativa Baseada na Estrutura Salarial das Empresas Portuguesas» - que vale a pena revisitar para afastar fantasmas patronais. Ali se afirmava que «o impacto em 2008 do acordo sobre a evolução da RMMG, em termos de aumento dos custos salariais das empresas portuguesas, assume um valor modesto, correspondendo a cerca de 0,13% do volume total de ganhos dos TCOs [trabalhadores por conta de outrem] a tempo integral». Para se concluir que «o impacto relativamente modesto do acordo sobre a evolução da RMMG em termos de custos salariais reforça a ideia de que o acordo alcançado poderá estar a contribuir para diminuir a incidência do fenómeno dos 'trabalhadores pobres' em Portugal, sem com isso pôr em risco o desempenho da economia portuguesa na sua globalidade. Tendo em conta que os salários são apenas uma parcela dos custos totais das empresas, os efeitos globais do acordo para a competitividade do conjunto das empresas portuguesas em 2008 serão provavelmente diminutos.»

O Grande Malhador

Muitos não saberão já que um “malho” é um instrumento de trabalho e que “malhar” é (era) uma actividade produtiva. Fica a fotografia como ilustração.

Entretanto “malhar” transformou-se na actividade predilecta de um (ex?) ministro. O Miguel Serras Pereira que acha tão pouca graça este tipo de malhação como eu, pediu-nos a bicicleta emprestada para um comentário.

Aqui vai:

“1. Tendo em conta o teor do anarquismo espanhol no século XX - para quem tenha dúvidas, recomenda-se, a título de aperitivo, a leitura de O Curto Verão da Anarquia de Hans Magnus Enzensberger (tradução brasileira na Companhia das Letras), complementada pela de Homenagem à Catalunha de George Orwell e pela de Combats pour la liberté de Pavel Thalmann e Clara Thalmann (La Digitale, 1997) -;

2. tendo em conta que Augusto Santos Silva acaba de tentar fazer crer à população que malhou em Manuela Ferreira Leite chamando-lhe "anarquista espanhola", não muito depois de ter confessado o seu gosto por "malhar na direita", sobretudo disfarçada de esquerda, tentando impor o silêncio às vozes discordantes no interior do PS;

3. forçoso é concluir que:

a) Augusto Santos Silva, ao contrário do que julga, e como seria de esperar, não malhou em Manuela Ferreira Leite, mas no anarquismo espanhol;

b) Augusto Santos Silva, quando tem de malhar na direita, só pode decidir-se a fazê-lo pretendendo malhar na esquerda;

c) O gosto de malhar em tudo o que possa mexer à sua "esquerda" - ainda que chamando-lhe "direita" - conjugada com a vontade de malhar nos anarquistas mulheres ou homens de Espanha poderá, servindo-se ou não do Grande Malhador como traço de união, aproximar franquistas e estalinistas, mas é a negação inequívoca de qualquer projecto de cidadania governante e de ruptura democrática com um regime caracterizado pela usurpação do público pelos aparelhos de Estado e pela dominação hierárquica que é a forma - ainda que não declarada como tal - de organização política da economia."

Miguel Serras Pereira

Maioria para acabar com os privilégios?

“O rendimento é todo igual, tem todo o mesmo valor. Venha ele do trabalho, das acções, dos juros de depósitos ou dos dividendos.” Sensatas declarações de Manuel Faustino, fiscalista e membro do Grupo de Trabalho para o Estudo da Política Fiscal, ao Jornal de Negócios de ontem. A atenuação do escandaloso regime de favor, em sede de IRS, às mais-valias bolsistas é uma das propostas mais salientes deste grupo nomeado pelo governo: taxa de 20%. O ideal seria que todos os rendimentos fossem considerados em pé de igualdade para efeitos de IRS, mas já não seria mau se se aprovasse esta proposta. Haverá certamente uma maioria na AR para este e outros progressos em matéria de justiça fiscal. Vejamos se desta vez o PS segue as recomendações e o seu programa. Na informativa análise de quatro páginas, da autoria de Elisabete Miranda, fiquei ainda a saber que Portugal é um dos raros países desenvolvidos que concede um “privilégio singular”, sem que isto tenha impactos na bolsa a longo prazo (e mesmo que tivesse…), ou que a isenção fiscal das mais-valias bolsistas dura há vinte anos por “um azar dos diabos” traduzido numa fórmula legal de mais difícil remoção: as palavras são importantes. Azar dos diabos ou estrutura dos diabos? A estrutura de um Estado fiscal de classe...

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Uma iniciativa civica para memória futura

"Nota à imprensa

Na sequência dos resultados eleitorais de 27 de Setembro, foi lançado um Apelo público independente de qualquer orientação, organização ou acção partidária, no qual se exprimia a inquestionável vontade de que se gerasse um entendimento entre os partidos de esquerda, considerando que as votações alcançadas pelo Partido Socialista, pelo Bloco de Esquerda e pela Coligação Democrática Unitária eram o resultado das fortes movimentações sociais ocorridas na legislatura passada, tendo contribudo decisivamente para gerar uma nova solução pluripartidária susceptível de encontrar respostas aos factores de crise e desigualdade social e podendo gerar a necessária estabilidade governativa. Este Apelo teve uma apreciável repercurssão na opinião pública tendo sido subscrito por 1 378 portugueses, entre professores, estudantes, médicos, engenheiros, sociólogos, arquitectos, economistas, advogados, investigadores, sindicalistas e outras profissões, durante os 17 dias em que esteve aberto a subscrição.

Concluída a ronda de auscultação aos partidos com representação parlamentar, promovida pelo primeiro-ministro, e verificada a indisponibilidade tanto do BE como do PCP para qualquer entendimento com incidência governamental ou parlamentar, os subscritores manifestam, no entanto, a expectativa de que ao longo da legislatura que agora começa possam vir a ser estabelecidas formas de comunicação interpartidária que permitam um sistema de consultas sobre os aspectos da governação mais decisivos para a melhoria da situação económica e social dos portugueses.

Os subscritores, que consideram que estas iniciativas são positivas e necessárias, como se verificou nas eleições autárquicas, resumem num comentário expresso no Apelo a sua posição quanto ao resultado esperado da governação: Na expectativa de que entendimentos parcelares, pressionados pela procura da governabilidade imediata, nos encaminhem para entendimentos mais amplos entre as esquerdas, propiciadores de novas e mais ousadas políticas. Porque o País precisa.

Lisboa, 18 de Outubro de 2009

Pelos subscritores

Alcides Santos, Ana Paula Fitas, André Freire, Armandina Maia, Cipriano Justo, Fernando Vicente, Maria do Céu Guerra, Nuno David, Paulo Fidalgo, Paulo Jacinto, Ulisses Garrido"

Esta iniciativa cívica (textos, assinantes, comentários) fica registada para memória futura em:
http://www.compromissoaesquerda.com/

Nós

No bairro de Alvalade, em Lisboa, um grupo de vizinhos transformou um logradouro público, onde existia uma lixeira, num jardim. Fiquei a saber deste sucesso da acção colectiva através de uma interessante reportagem do i na mesma semana em que foi anunciada a atribuição do Prémio Nobel da Economia a Elinor Ostrom, a primeira mulher a receber este galardão. O resto da minha crónica semanal no i pode ser lido aqui.

domingo, 18 de outubro de 2009

Williamson V – Críticas ao prémio Nobel

A teoria dos custos de transacção (ver I, II, III e IV) proposta por Williamson tornou-se um marco incontornável nos debates sobre as formas de organização da actividade económica. Ao longo das últimas três décadas, têm sido várias as críticas apontadas ao trabalho de Williamson, que vale a pena rever brevemente.

Desde logo, a dicotomia estabelecida por Willliamson (na esteira de Coase) entre empresas e mercados tende a menorizar a enorme diversidade de arranjos institucionais possíveis para coordenar as actividades económicas. Por exemplo, num artigo clássico de 1972, Alchian e Demsetz defendem que a existência de relações duradouras, com transacções repetidas (que segundo Williamson criam incentivos ao fomento da confiança entre as partes de um contrato, impedindo assim o sub-investimento em activos específicos) não são um exclusivo das empresas, podendo também existir no contexto de relações mercantis. Além disso, Williamson nunca explica exactamente em que consistem os mecanismos de resolução de conflitos e de partilha de informação específicos às empresas, os quais as tornariam mais eficazes na prevenção de comportamentos oportunistas.

Por outro lado, tal como Alchian e Demsetz (e a generalidade dos economistas da corrente dominante), Williamson vê os indivíduos como sendo guiados por pelo seu interesse próprio e pela predisposição de se aproveitarem ao máximo dos outros. Esta visão redutora acerca do comportamento individual, ao ignorar a heterogeneidade de motivações para a acção, limita fortemente a compreensão da acção colectiva.

Finalmente, subjacente à teoria de Williamson está a noção de que as empresas existem na medida em que são mais eficientes do que a organização das transacções através do mercado. Ao pressupor que no «início eram os mercados» e que as empresas surgiram para colmatar as ineficiências daqueles, Williamson ignora que as empresas, tal como muitas outras instituições, são construções legais que reflectem as condições e os conflitos sociais e políticos existentes em contextos históricos específicos. Assim, os factores que determinam a sua formação, a sua evolução, o seu funcionamento e a sua continuidade (ou não) dificilmente podem ser explicados apenas com base em critérios de simples eficiência económica.

Não menorizando as críticas, o trabalho de Williamson é parte integrante (e, creio, incontornável) de um esforço colectivo no sentido de trazer as instituições para o centro da ciência económica, o qual nos relembra que a compreensão dos sistemas económicos tem de ir muito além da mera análise das curvas da oferta e da procura (que continuam a açambarcar o imaginário de muitos economistas). Reforçar esta noção é o grande valor deste prémio Nobel.

Socialismo ou barbárie?

"24 trabalhadores/as da France Telecom suicidaram-se no último ano e meio. O fim da vida foi a única/última forma que encontraram para expressar a sua incapacidade de aguentar mais a chantagem de aceitarem a humilhação e a maquinização como alternativa ao medo do desemprego. Os gestores da empresa, esses, não fizeram mais do que aplicar com rigor os mandamentos da gestão de sucesso: mobilidade, flexibilidade, optimização dos recursos. 223 anos depois da chacina dos trabalhadores de Chicago que celebramos no 1 de Maio, é ainda a vida ou a morte que se joga nas relações laborais." José Manuel Pureza no palombella rossa. Prioridades socialistas no parlamento.

sábado, 17 de outubro de 2009

Economia(s) no prelo

"Este livro serve para estudar Economia. É destinado aos que estudam nos primeiros anos do ensino superior, mas também aos que simplesmente querem saber como funcionam as economias modernas e quais são as teorias e os modelos que as tentam explicar. A sua leitura é simples, mas dá trabalho." Economia(s) já está no prelo. José Castro Caldas e Francisco Louçã escreveram um livro de Economia "para ser lido por qualquer pessoa interessada." Têm um aperitivo aqui.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Convergências

“A Universidade Nova de Lisboa organizou esta semana um interessante colóquio intitulado ‘Ética, Crise e Sociedade’. A ideia consistiu em juntar filósofos, economistas e outros cientistas sociais para tentar aquilatar da eventual existência de ‘falhas éticas’ por detrás da crise de base financeira cujas repercussões continuamos a viver”. Vale a pena ler a crónica de João Cardoso Rosas no i, que sintetiza a sua intervenção no referido colóquio. Eticidade das instituições sem esquecer o papel da responsabilidade individual. Foram dois dias de debate graças ao empenho de Gonçalo Marcelo e de Michel Renaud.

Talvez um liberal de esquerda e um socialista possam simplesmente convergir com Marx – “Os homens fazem a sua história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade, em circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas nas circunstâncias imediatamente encontradas, dadas e transmitidas” – na batida questão da agência e da estrutura? Talvez possam também convergir na recusa da neutralidade das instituições económicas (a ficção do mercado como simples mecanismo de agregação de preferências dadas, por exemplo), quer nos seus efeitos éticos, quer nas justificações que são requeridas para as construir e para as modificar? Esta convergência pode continuar na superação das barreiras artificiais que separariam a esfera da política da esfera da economia e acabar na defesa da democratização das relações no espaço da produção?

Sobre este último tema leia-se o livro Democracia Económica de Ladislau Dowbor (uma versão está disponível gratuitamente aqui). Também tenho muitas questões a colocar-lhe.

E porque não comprar também a guerra e a paz?


Berlusconi, o lamentável cavaleiro que adquiriu para si o direito de roubar legalmente, comprando a torto e a direito tudo o que fosse necessário, parece que desta vez se lembrou de tentar comprar também não sei se a guerra se a paz. Comprar o inimigo. É pelo menos o que noticia o Times de hoje.
Os talibans afgãos que devem compreender tão bem como Berlusconi a linguagem dos negócios aplaudiram e aceitaram. Em consequência o número de baixas em combate italianas diminuiu. Só que quando as tropas italianas foram substituídas por tropas francesas, os produtores de morte, para sinalizar a sua presença e possivelmente induzir um pagamento idêntico ou ainda maior, desta vez de Sarkozy, resolveram aumentar a sua oferta.
É tudo economia. E nós, enquanto permitirmos isto, somos os estúpidos.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Encruzilhadas da Democracia


“Se todas as sociedades se criam a si próprias, através dos seus usos e costumes, das suas instituições que são representações e investimentos mais ou menos estabilizados do sentido da acção, dos fins que se propõem e/ou propõem aos indivíduos que (se) formam no seu interior, a originalidade da democracia, a sua novidade histórica e antropológica radical, está no reconhecimento de que as leis, no sentido mais amplo, as instituições e as diferentes cidades são criação humana, criações que não preexistem à acção que as cria, e na transformação deste reconhecimento no projecto da instituição de um corpo de cidadãos que igualitariamente governam e são ao mesmo tempo governados pelas leis que eles próprios se dão, sabendo-o e assumindo a responsabilidade das suas deliberações.”

Assim apresenta Miguel Serras Pereira o ciclo debates que ele organizou no Centro Nacional de Cultura. Daqui até ao fim do ano ainda acontece:
21 de Outubro 2009 - 18h - no CNC5- A Praça da Palavra: Comunicação e Espaço Público: José Rebelo e Diana Andringa;
4 de Novembro 2009 - 18h - no CNC6- As Dimensões Políticas da Criação: Silvina Rodrigues Lopes, Gastão Cruz e Maria Augusta Babo.

Todas as sessões têm lugar na Galeria Fernando pessoa do Centro Nacional de Cultura
Largo do Picadeiro nº 10 (ao Chiado)

A favor de Ostrom


Em primeiro lugar, a obra de Elinor Ostrom é marcada pela capacidade de colocar no centro da agenda de investigação as perguntas que me parecem importantes e que o José Castro Caldas já aqui colocou: “Por que motivo num mundo em que o sistema jurídico (assim como qualquer sistema de monitorização) é inevitavelmente imperfeito os seres humanos não se agridem sempre que têm oportunidade para o fazer impunemente? Por que motivo contribuem para esforços colectivos quando podem limitar-se a parecer fazê-lo? Por que motivo estão dispostos a punir infractores mesmo à custa de perdas pessoais? Por que entram em transacções com contratos incompletamente especificados e insuficientemente garantidos? Por que se envolvem na resolução de problemas comunitários? Como seria uma sociedade em que as teorias de decisão neoclássicas [baseadas no egoísmo racional] se tornassem verdadeiras?”

Em segundo lugar, destaco o ecletismo da cientista política Elinor Ostrom. O seu uso de várias ferramentas disponíveis – da teoria dos jogos à economia e psicologia social experimentais, passando pelos estudos de caso detalhados – para responder a estas e a outras perguntas e para neste processo mostrar que as previsões de Hardin sobre a tragédia dos comuns ou de Olson sobre a impossibilidade da acção colectiva não eram leis de ferro, estando antes ancoradas em hipóteses muito contestáveis sobre o comportamento humano. Para lá do egoísmo racional, os humanos fazem promessas e cumprem-nas, o dialogo e a deliberação criam compromissos duradouros (contra a hipótese do “cheap talk” que insiste que, na ausência da hobbesiana espada do soberano, as promessas são levadas pelo vento…), as normas sociais criam saliências e influenciam o comportamento humano.

Em terceiro lugar, quando fundou há mais de três décadas, com o seu marido Vicente Ostrom, o workshop in political theory and policy analysis na Universidade de Indiana, Elinor Ostrom percebeu que a investigação que conta é um paciente trabalho de acção colectiva gerador de conhecimento comum à maneira dos muitos estudos de caso que este workshop promoveu sobre a viabilidade do auto-governo comunitário em várias escalas e para a provisão e gestão de vários bens.

Em quarto lugar, Ostrom ocupa um lugar ambíguo, mas muito profícuo, no movimento e contra-movimento do imperialismo económico na teoria social. Os economistas neoclássicos colonizaram disciplinas como a ciência política? Colonizaram. No entanto, isto teve posteriormente, e talvez como consequência não-intencional, uma cada vez maior hibridização dos programas de investigação – economia como parte das ciências do comportamento humano onde se contestam muitas das hipóteses iniciais do tal imperialismo económico.

Em quinto lugar, o trabalho de Ostrom pode ser muito apreciado pelos libertários que insistem em confiar apenas na emergência de mecanismos de governação para lá do Estado: o auto-governo e a auto-gestão são possibilidades realistas, claro. No entanto, julgo que será mais correcto ver esta investigação como oferecendo pistas para uma economia plural onde se conjugam vários mecanismos de governação e de coordenação, mercantis e não-mercantis, estatais e não-estatais, fazendo apelo ao egoísmo ou às nossas melhores disposições cooperativas. Reciprocidade, redistribuição e transacções de mercado. Todas são necessárias.

Finalmente, o que estamos condenados a discutir eternamente: o lugar, a configuração e o peso dos diferentes padrões de integração descobertos e por descobrir, a alquimia das complementaridades e dos conflitos institucionais virtuosos. O trabalho de Ostrom clarificador, por exemplo, do amplo menu de direitos de propriedade à nossa disposição ajuda nesta discussão. Talvez possamos convergir no institucionalista principio da impureza: qualquer sistema económico viável requer subsistemas regidos por diferentes princípios de provisão. A cooperação no seio de comunidades bem organizadas é sem dúvida um deles. A economia como ciência política limita-se a clarificar e a ajudar nesta discussão. Não é pouco.

Tudo pelo melhor nas bolsas ou sobe, sobe, balão sobe

O índice Dow Jones quebrou ontem a “barreira psicológica” dos 10 000 mil pontos. Eles querem agora voar aos picos de 2007 (14 000). A exuberância irracional voltou.

Está a chegar muito dinheiro às bolsas de todo o mundo. Mas significa isto que está a haver muito investimento – daquele que cria emprego e gera rendimento? De forma nenhuma. O que está a chegar às bolsas é dinheiro que inflaciona o valor de activos já existentes e aumenta apenas a riqueza de quem os detém e dos que os transaccionam.

Mas a “indústria” financeira alimenta-se disto e dos milhões públicos. Como se vê traz-nos a todos reféns. Apesar de muito palavreado a normalidade exuberante está a regressar à finança. Más notícias.

Williamson IV – Vantagens das organizações face aos mercados

Assim, segundo Williamson, quando estão envolvidos investimentos em activos específicos, dada a incerteza inerente aos contratos e dada a hipótese sobre o oportunismo dos agentes, as transacções realizadas através do mercado acarretam vários tipos de ineficiência económica: (i) as negociações são mais difíceis e as renegociações mais frequentes; (ii) os agentes são incentivados a realizar investimentos que melhoram a sua posição ‘ex-post’ (para não saírem muito prejudicados em caso de quebra de contrato), independentemente dos benefícios desses investimentos para as transacções em causa; (iii) desincentivam-se os investimentos em activos específicos (com prejuízos em termos de eficiência das transacções em causa) pois os agentes envolvidos receiam ser expropriados pela outra parte na eventualidade de uma renegociação; (iv) deterioram-se as condições de confiança entre as partes (aumentando ainda mais os custos contratuais e impedindo a partilha de informação e conhecimentos).

Williamson conclui então que quando os custos das transacções feitas através do mercado são muito elevados, a integração das actividades numa única organização apresenta vantagens claras face à integração através dos mercados. Tais vantagens incluem: (a) o facto de as estruturas de governança existentes nas empresas – nomeadamente, os mecanismos de resolução de conflitos e de partilha de informação – tenderem a ser mais poderosas do que os proporcionados pelo funcionamento dos mercados; (b) a existência de relações duradouras, com transacções repetidas, as quais criam incentivos ao fomento da confiança.

(Continua.)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Williamson III – Racionalidade limitada, oportunismo e activos específicos

Oliver Williamson é o mais influente entre os autores que se inspiraram directamente na teoria da empresa proposta por Coase. Williamson parte da mesma distinção sugerida por Coase entre coordenação efectuada através do mercado e coordenação interna às empresas. Aquilo que Coase classifica como custos de utilização do sistema de preços, porém, Williamson designa por custos de transacção, termo pelo qual ficaria conhecida a sua teoria.

É de notar, no entanto, que por «transacção» Williamson entende não apenas a troca de direitos de propriedade (o que acarreta os custos já referidos por Coase, associados à concepção, elaboração e negociação dos termos da transacção), mas também a realização de contratos que implicam promessas de desempenho por parte de uma das partes envolvidas dos quais pode depender a performance da outra parte, e é nestes que centra grande parte da sua análise.

Para Williamson, a análise das transacções exige que se tome em consideração um conjunto de elementos relativos ao comportamento dos agentes e à natureza das transacções, que inclui: a 'racionalidade limitada' dos agentes e a incompletude dos contratos, a especificidade dos activos e o oportunismo dos agentes

(i) Contratos incompletos e 'racionalidade limitada'. Idealmente, um contrato deveria determinar os cursos de acção alternativos para toda e qualquer circunstância e definir de forma inequívoca os níveis de desempenho considerados satisfatórios. No entanto, isto nem sempre é possível, nomeadamente devido à incapacidade dos agentes para aceder a toda a informação que seria relevante (por exemplo, alguns contratos envolvem pressupostos sobre acontecimentos futuros que não são facilmente antecipáveis) e/ou para processar toda a informação de que dispõem (por outras palavras, o facto de os agentes possuírem uma ‘racionalidade limitada’).

(ii) Especificidade dos activos. Em muitos casos, os ganhos de eficiência de uma transacção exige a realização certos investimentos. Diz-se que os activos investidos são específicos a uma transacção quando aqueles não podem ser reafectados a outras transacções sem perdas de produtividade ou custos de adaptação. Isto significa que as partes da transacção (nomeadamente quem investiu em activos específicos) ficam, em alguma medida, presas a essa relação. A especificidade de activos pode assumir, pelo menos, quatro formas: (i) especificidade de localização (implicando custos de transporte e armazenagem), (ii) especificidade de activos físicos (associada a propriedades físicas ou de engenharia), (iii) activos dedicados (aos requisitos de um parceiro específico) e (iv) especificidade de activos humanos (competências e conhecimentos específicos a uma dada actividade produtiva).

(iii) Oportunismo. No contexto de contratos incompletos, torna-se altamente provável que, mais cedo ou mais tarde, surjam situações não previstas nos termos do contrato, as quais impliquem a necessidade de renegociação do mesmo. Se uma das partes do contrato tiver entretanto realizado investimentos em activos específicos, ela estará em situação vulnerável em termos de poder negocial: sabendo que os investimentos realizados não são facilmente utilizáveis para outros fins, o princípio do oportunismo (assumido por Williamson) sugere que a outra parte irá aproveitar-se da situação, expropriando quem investiu em activos específicos de parte dos seus benefícios. Por outras palavras, se uma das partes está em alguma medida presa à relação contratual em causa (em consequência dos investimentos em activos específicos que realizou), então a outra parte irá tirar partido dessa dependência na primeira oportunidade (e dada a incompletude dos contratos, é muito provável que tal oportunidade se verifique).

(Continua.)

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Ouvir outras opiniões


Quando estamos doentes gostamos de ouvir opiniões de vários médicos. Parece-me que algo semelhante pode estar a acontecer com a Economia: conhecida que é a opinião dos “economistas do costume” a sociedade quer ouvir outras opiniões.

Desta vez graças à iniciativa da Comissão Nacional Justiça e Paz teremos Ladislau Dowbor para nos falar de democracia económica. Vai ser no dia 20 de Outubro às 15.00 h na Gulbenkian (Auditório 3). O João Rodrigues também lá vai estar (com Silva Lopes) a interpelar. Depois disso, no dia 23, Ladislau Dowbor irá a Coimbra a convite do Centro de Estudos Sociais. Sabem, ele foi professor na Faculdade de Economia de Coimbra nos idos de 1974-1975.

Mais uma recomendação: visitem a página de Dowbor.

DEBATE - Este jornalismo para quê?


A crise do jornalismo e dos meios de comunicação social aumentou com a crise económico-financeira, mas há muito que vem sendo anunciada. Com base no dossiê «Jornalismo: que futuro?», publicado na edição de Outubro do Le Monde diplomatique, vai haver um debate sobre temas como os jornais e a Internet, a propriedade e o financiamento dos media, o que é uma informação de qualidade e a autonomia e precariedade na profissão de jornalismo. Como sair da crise?

O debate vai ser no dia 15 de Outubro, quinta-feira, às 21h30 no bar do Instituto Franco-Portugês (Av. Luís Bivar, 91, em Lisboa) e contará com os seguintes participantes: Alfredo Maia (presidente do Sindicato dos Jornalistas),Carla Baptista (FCSH-UNL), Daniel Oliveira (jornalista e redactor do Arrastão), João Pacheco (jornalista, Precários Inflexíveis) e eu própria. A entrada é livre.

Que jornalismo queremos?


Nos últimos meses, e em grande medida devido às ligações entre agendas políticas e mediáticas, as notícias que envolvem os próprios meios de comunicação social passaram a ocupar o destaque ainda há pouco reservado à crise económico-financeira. Começou com o episódio que envolveu a TVI e o fim do Jornal Nacional, pouco depois da passagem de José Eduardo Moniz para a Ongoing, que veio agora comprar 35 por cento da Media Capital, proprietária da TVI (e que detém cerca de 20 por cento da Impresa de Francisco Pinto Balsemão). Seguiu-se o alegado «caso das escutas» à presidência da República, que fez manchete do Publico a 18 e 19 de Agosto e se tratou afinal, como revelado pelo Diário de Notícias de 18 de Setembro, de uma notícia plantada no Público por Fernando Lima, assessor da Casa Civil do presidente Aníbal Cavaco Silva (com que conhecimento por parte deste?), num processo que suscitou sérias críticas quanto à ética e deontologia jornalística do jornal por parte do seu próprio provedor, Joaquim Vieira.

Nesse mesmo dia 18 de Setembro, com o Público e a sua direcção editorial sob forte ataque, o empresário Belmiro de Azevedo, presidente do Conselho de Administração do grupo SONAE, proprietário do Público, foi instado pelos jornalistas a comentar a peça do Diário de Notícias e a confirmar o seu apoio à direcção editorial de José Manuel Fernandes (ver no i a notícia e a entrevista). A sua resposta inicial revelou sobretudo um empresário interessado no retorno do seu investimento, negando ter «influência directa» no jornal e sendo animado por um único desejo para a publicação: «que passe a ganhar dinheiro e o faça sempre com a mesma linha editorial, isso é, com independência». Mas os laços mais complexos que ligam a propriedade dos media ao poder de influenciar a vários níveis a vida de um órgão de comunicação tornaram-se mais claros quando o empresário recomendou que a equipa do diário «não se deixe assustar por opiniões um bocado desastradas de alguns governantes que querem mandar no Público sem pôr lá dinheiro nenhum», acrescentando: «Não me importo nada que eles mandem, mas comprem o jornal».

Os primeiros a ficar chocados com estas palavras terão sido, seguramente, os jornalistas sérios e de qualidade que trabalham no Público, mas é ao conjunto dos cidadãos que deve preocupar esta admissão de que, na prática, e mais ainda em períodos de crise, no jornal manda quem o paga, até porque as declarações se referem a assuntos da esfera editorial, não da gestão, sendo que esta divisão é, em si mesma, cada vez problemática.

Quando a informação é tratada como mercadoria, os meios de comunicação social como um simples negócio e a estrutura de propriedade dos media, cada vez mais concentrada, como pilar de uma ordem liberal assente na remuneração dos accionistas (e na precarização e quebra de autonomia para dos jornalistas), é o direito constitucional a informar e a ser informado que é posto em causa. Se o sistema mediático e os seus «novos cães de guarda» do sistema económico apostam na manutenção desta ordem, as respostas alternativas só podem vir dos cidadãos e dos profissionais que querem um outro jornalismo. Sem ingenuidade quanto aos perigos que sempre espreitam qualquer projecto jornalístico em que haja uma diferença de concepções entre a sua direcção editorial e os seus proprietários e fontes de financiamento (...).

O meu artigo no Monde diplomatique - edição portuguesa deste mês pode ser lido na íntegra aqui. Está integrado num dossiê sobre o futuro dos jornais (o do Monde diplomatique e o da imprensa em geral) e do jornalismo face à crise, com artigos de Serge Halimi («A nossa luta» e «Recomposição brutal, tentações por toda a parte») e do jornalista João Pacheco, Prémio Gazeta Revelação 2006 e membro dos Precários Inflexíveis («Vamos brincar aos jornais»).

Williamson II – A herança de Coase

O trabalho de Ronald Coase (prémio Nobel da Economia em 1991), em particular o seu influente artigo «The Nature of the Firm» de 1937, constitui a pedra basilar do trabalho de Williamson. Coase parte da noção de que existe uma distinção fundamental entre o funcionamento do sistema de preços (que constitui a base das transacções de mercado) e o funcionamento de uma empresa. Em ambos os casos estamos perante formas de coordenação das actividades económicas entre indivíduos. No entanto, enquanto no primeiro caso a coordenação é obtida com base na flutuação dos preços em resposta aos movimentos de oferta e de procura, no caso das empresas a coordenação ocorre através da estrutura hierárquica, onde um gestor define os termos em que a produção ocorre. Neste segundo caso, portanto, o sistema de preços é eliminado e substituído pela direcção organizacional como mecanismo de coordenação.

É com base nesta distinção que Coase encontra uma explicação para a razão de ser das empresas: é que a utilização do sistema de preços acarreta custos. Coase sugere três tipos de custos que podem estar associados à utilização do mecanismo de preços: (i) dificuldade em identificar os preços de mercado relevantes de cada transacção (nas transacções internas à empresa a identificação do valor das transacções pode ser útil, mas não é estritamente necessária); (ii) custos de negociação de contratos sucessivos (no seio da empresa, o contrato de trabalho substitui a realização de um contrato separado para cada transacção efectuada); (iii) dificuldade em prever todas as contingências futuras possíveis (o que torna os contratos demasiado generalistas e, logo, potencialmente ineficazes, tornando mais eficiente gerir as transacções através da autoridade interna à empresa).

Segundo o autor, estes custos estão ausentes quando a coordenação da produção é efectuada no seio da empresa. Isto deve-se à especificidade da natureza dos contratos estabelecidos entre empregadores e trabalhadores assalariados: este tipo de contrato é caracterizado pelo facto de um indivíduo - o empregado - aceitar, dentro de certos limites, obedecer às ordens de outro indivíduo - o empregador - em troca de um salário determinado (fixo ou variável). A essência do contrato de trabalho reside na definição dos limites do poder do empregador sobre o empregado; dentro desses limites o primeiro pode determinar a utilização dos recursos produtivos como entender.

Em suma, Coase sugere que a constituição de uma empresa, ao permitir a autoridade de um indivíduo sobre outros (tendo em vista a afectação dos recursos produtivos) permite evitar alguns custos que estão presentes no funcionamento do mecanismo de preços. Esta ideia-chave constitui o ponto de partida do trabalho de Williamson.

(Continua.)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Williamson I - Um prémio Nobel que merece ser discutido

O João tem razão em apontar a natureza apologética que emana do trabalho de Williamson no que respeita às instituições do capitalismo. Essencialmente, no mundo de Williamson, (quase) não existe história, nem relações de poder - apenas uma utópica noção de eficiência que determina o que existe e o que pode existir.

Há mais motivos para não gostarmos de Williamson. O seu trabalho representa um equilíbrio precário entre a vontade de satisfazer o paradigma dominante (e.g., o recurso gratuito à retórica da análise marginalista) e o desejo de parecer heterodoxo q.b. (e.g., a noção de racionalidade limitada), que nunca permite aprofundar algumas questões e que acaba por padecer de uma indesejável inconsistência metodológica.

Dito isto, Williamson não é um economista banal. Ao nível mais óbvio, ele contribuiu para trazer a análise das instituições para o centro da ciência económica, ao procurar colmatar algumas fragilidades de trabalhos anteriores que apontavam no mesmo sentido. A força do seu esfroço analítico reflecte-se também na necessidade sentida por várias correntes de economistas institucionalistas heterodoxos no sentido de aprofundar as críticas dirigidas ao novo prémio Nobel, levando-os assim a aperfeiçoar as suas próprias construções teóricas. Pelo caminho, muitos sentiram a necessidade de reconhecer as virtudes de vários aspectos do trabalho de Williamson. Mais ainda, louvo o esforço de Williamson em confrontar-se com o mundo real nos seus debates teóricos - uma prática ausente de muitos trabalhos académicos de natureza económica. Louvo também a disponibilidade que sempre mostrou em confrontar-se com ideias diferentes e com abordagens disciplinares que extravasam a ciência económica dominante (a sociologia, as ciência políticas, a psicologia, as ciências organizacionais em geral), prática também pouco usual.

Williamson não é um magnífico pensador económico, como alguns que ainda aguardam este tipo de reconhecimento. Mas esses são poucos. E a atribuição do prémio Nobel a Williamson justifica que revisitemos os apectos essenciais do seu contributo. É o que procurarei fazer na série de postas que agora início.

Os baldios e as empresas...

A espécie de prémio Nobel a Elinor Ostrom reconhece uma cientista política que se dedicou a refutar as previsões lúgubres sobre a (im)possibilidade da acção colectiva, enfatizando a viabilidade dos vários comuns (de que os nossos baldios são um exemplo) a partir, por exemplo, do reconhecimento de padrões comportamentais marcados pela reciprocidade. Ernst Fehr, que tinha sido a minha escolha entre os favoritos, tem uma linha de investigação com muitos pontos em comum, como se pode ver por este livro onde Ostrom também participa e com um excelente artigo. A espécie de prémio Nobel a Oliver Williamson, por sua vez, reconhece uma linha de investigação dita neo-institucionalista: “no principio era o mercado”, ou seja, as instituições não-mercantis, como a empresa, são o resultado de respostas mais ou menos racionais a falhas de mercado. Uma idealização mercantil que se pode transformar em pura apologia das instituições do capitalismo. No entanto, tem o grande mérito de ter posto muitos economistas a falar de instituições, para lá de lugares comuns sobre o Estado e o mercado...

Um Nobel merecido!



Elinor Ostrom é a primeira mulher a ganhar o prémio Nobel. Finalmente! Só por isso este prémio é já uma excelente notícia para economistas e feministas. Mas o prémio de Ostrom recompensa também uma linha de investigação da teoria económica que valoriza a heterogeneidade de motivações para a acção, abre espaço para o estudo das possibilidades da acção colectiva. A sua atenção tem estado sobretudo focada na gestão de recursos partilhados (por exemplo, os baldios ou os recursos piscatórios). Gestão condenada ao fracasso pela teoria económica devido à suposta ausência de direitos de propriedade. Para mais sobre este tema, vale a pena ler estes dois posts do José Maria Castro Caldas sobre a tragédia dos comuns e os meios de a superar: aqui e aqui.

Dois anos a ferver

A situação é surreal: dezenas de professores contratados por uma empresa de Lisboa na garagem de uma empresa de reparação automóvel de Matosinhos para leccionarem Música e Inglês nas escolas do Porto. Isto ocorre no quadro das chamadas actividades de enriquecimento curricular, obra do Ministério da Educação e dos municípios. Estes jovens professores podem almejar, depois de feitos todos os descontos, receber menos de quatrocentos euros por mês. O abuso foi denunciado pelo deputado José Soeiro e pelo FERVE - Fartas/os d'Estes Recibos Verdes -, um movimento social que se dedica a lutar contra os falsos recibos verdes. Este pedaço de papel tem o poder, com a cumplicidade activa do Estado, de transformar 900 mil trabalhadores em mercadoria barata e descartável.

Para celebrar dois anos de luta, o FERVE organizou um livro editado pela Afrontamento. Esta crónica tem o seu título, como singela homenagem. É sobre "desigualdades sólidas, capitalismo líquido, vidas gasosas", para retomar a certeira formulação de Sandra Monteiro, directora da edição portuguesa do "Le Monde diplomatique". Uma obra colectiva que conta também, entre outros, com contributos de Manuel Carvalho da Silva ou do próprio José Soeiro, para além de depoimentos pungentes de quem, maioritariamente jovem, tem de viver na corda bamba.

Sabemos que o tal capitalismo líquido, o que corrói todos os laços sociais dando demasiado poder a patrões com poucos escrúpulos, comprime salários - uma vez que os trabalhadores precários auferem remunerações inferiores - e diminui os incentivos para a aquisição de novas qualificações, porque todos os horizontes se estreitam. O que talvez não seja tão conhecido é que o capitalismo líquido gera uma desmoralização que se inscreve na mente e no corpo, sem separações artificiais: a investigação na área dos determinantes sociais da saúde tem mostrado que a precariedade está associada a uma maior vulnerabilidade a vários tipos de doença, incluindo doenças mentais.

Face à cumplicidade dos poderes públicos, resignados ao ciclo vicioso de um capitalismo medíocre, que desistiram de disciplinar e de modernizar, o precariado vai lentamente descobrindo novas formas de associação e evitando as armadilhas dos que querem substituir a luta de classes pela luta de gerações. A lição desta história é clara: a decência no trabalho é obra da acção colectiva de todos os trabalhadores, dos que resistem ao esfarelamento dos direitos duramente conquistados e dos que reivindicam novos direitos. O informado activismo do FERVE, de que este notável livro é produto, revela que a lição está estudada e por isso pode ensinar-nos novas lições. Vale mesmo a pena aprendê-las.

A minha crónica semanal no i também pode ser lida aqui.

domingo, 11 de outubro de 2009

Canhoto por uma vez

"O rendimento mínimo garantido deve conviver com o rendimento máximo permitido. Não há razões sociais, económicas ou morais que justifiquem o crescimento exponencial dos rendimentos individuais sem um correspondente aumento da progressividade do imposto sobre esses rendimentos. Em primeiro lugar, porque não há sucesso individual que não beneficie dos recursos sociais que viabilizam a ampliação das capacidades individuais para agir. Depois, porque o incentivo economicamente desejável ao investimento e à reprodução alargada do capitalismo é contrariado quando não há limites à busca do rendimento máximo no curto prazo. E, finalmente, porque quando a desigualdade é extrema o sentido de justiça social é moralmente abalado." Rui Pena Pires no canhoto. Moralidade, economia e política juntas numa boa análise. Na boa tradição social-democrata (vejam o último número da revista social europe sobre capitalismo e moralidade). "Khomeini não diria melhor"?

sábado, 10 de outubro de 2009

Escolhas e apostas para uma espécie de Prémio Nobel

Esta coisa do Prémio Nobel da Economia é complicada. Em primeiro lugar, trata-se de uma espécie de Nobel. Alfred Nobel não considerava a Economia uma ciência digna desse nome e na realidade o prémio é atribuído pelo Banco Central da Suécia («em memória de Alfred Nobel»…). Em segundo lugar, o prémio tem um enviesamento teórico e ideológico claro, que reflecte bem a natureza da instituição que o atribui e da disciplina premiada. De qualquer forma, o prémio tem peso político e intelectual. É mesmo difícil ignorá-lo. Na próxima segunda feira é anunciado o deste ano. Fazem-se apostas e tudo. Isto oferece um pretexto para se falar de economistas e oferecer razões para a atribuição do prémio.


A minha escolha vai sempre para Albert Hirschman. Aos 94 anos, o Prémio reconheceria os seus notáveis contributos para a economia do desenvolvimento, para a história das ideias, para a superação das barreiras disciplinares, para a economia como ciência política e moral. Umas das minhas reflexões preferidas: «A generosidade, a benevolência e a virtude cívica não são recursos escassos de oferta limitada, mas também não são competências que possam ser melhoradas e expandidas de forma ilimitada com a prática. Em vez disso, tendem a exibir um comportamento complexo e compósito, atrofiando quando não são praticadas e invocadas pelo regime socieconómico prevalecente e tornando-se de novo escassas quando são defendidas e estimuladas em excesso. Para tornar as coisas ainda mais complicadas estas duas zonas de perigo (...) não são conhecidas e muito menos são estáveis». No entanto, se John Kennneth Galbraith não ganhou, o mais provável é que Hirschman também não ganhe.

Entre os favoritos deste ano escolheria Ernst Fehr. O seu trabalho em economia comportamental e experimental, no cruzamento da economia e da psicologia social, tem vindo a ser reconhecido. Destaco os seus contributos sobre os fundamentos psicológicos dos incentivos pecuniários (mostrando os seus limites e efeitos perversos), o papel da reciprocidade na provisão de bens públicos e a interacção entre as normas sociais e o comportamento económico, de que este estudo antropológico é exemplo. Enfim, muito disto já foi escrito por antropólogos e psicólogos, mas não subestimem a arte que é requerida para que um economista pense sobre estes assuntos…



No entanto, se tivesse de apostar escolheria dois nomes: Robert Shiller e Ben Bernanke. Ainda os efeitos da crise. O primeiro pelos seus contributos na área das finanças comportamentais, demolindo a hipótese dos mercados eficientes, enfatizando a exuberância irracional dos mercados financeiros e reintroduzindo hipóteses comportamentais mais realistas, já formuladas por Keynes: papel das convenções, racionalidade mimética, enviesamentos cognitivos sistemáticos. A sua antecipação da bolha no imobiliário ajuda. Bernanke não antecipou a bolha, bem pelo contrário, mas quando esta rebentou achou que a Reserva Federal tinha o poder de salvar o capitalismo norte-americano. Estudioso da Grande Depressão, usou todos os instrumentos à sua disposição e ainda inventou alguns novos, tirando todas as ilações do facto da moeda ser uma criação do Estado. Estas são as minhas apostas. Segunda-feira logo se vê.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O artigo na totalidade

Face à insistência de vários leitores, publico hoje na íntegra o artigo do jornal Público mencionado aqui.

Tornar possível a esquerda necessária

Durante o último ano, as esquerdas tiveram tempo para assumir as suas divergências com seriedade intelectual e política e negociar um programa de governo para apresentar ao Presidente da República nos próximos dias. Todos sabiam que o cenário político que veio a concretizar-se era muito provável. No entanto, enredados em calculismos estéreis, não souberam entender os anseios de um eleitorado que, maioritariamente, votou à esquerda. As esquerdas estão hoje confrontadas com um juízo do seu eleitorado que é ao mesmo tempo político e moral.

Para quem acredita que o País pode construir um futuro digno, talvez ainda se possa escrever direito por linhas tortas. A juntar à gravidade da situação financeira do País, à insustentabilidade do nível de desemprego a que chegaremos, às divisões que depressa se vão cavar dentro das várias esquerdas quanto às políticas a adoptar, juntar-se-á a pressão de muitos activistas e intelectuais de esquerda para que o País encontre uma solução governativa estável. Mas uma solução credível só pode resultar de um diálogo sério, detalhado, frontal, que construa um programa em torno do muito que há em comum e junte todos os que ainda estão disponíveis para um forte empenhamento cívico numa grande organização da “esquerda socialista”. Se realmente quisermos, a partir de hoje começa a contagem do tempo urgente da sua criação.

Importa recordar que o declínio do País não será ultrapassado sem a criação de um grande partido que se reivindique do reformismo transformador. Que fique claro: as políticas sociais contra as desigualdades, sendo necessárias, não colocam em causa a lógica do sistema que as produz. O combate às desigualdades não toca o âmago da “questão social”, a razão de ser dos partidos socialistas. As relações de poder e democracia no seio da empresa, o equilíbrio de forças na negociação salarial, o pleno emprego como prioridade da política económica, o apoio a formas de produção não-capitalistas, são exemplos de clivagem entre a esquerda socialista e um social-liberalismo que já quase não menciona o capitalismo e prefere falar da “economia de mercado”.

De facto, ao tratar o trabalho, a natureza e o dinheiro como mercadorias, o capitalismo, enquanto sistema articulado de mercados com a finalidade do lucro, suportado pela relação salarial como forma dominante de sobrevivência do ser humano e a troca monetarizada como modo de validação social da produção, produz consequências nefastas que não podem ser ignoradas.

Quando se conjugam o forte predomínio do capital sobre o trabalho no âmbito da relação salarial, com uma concorrência empresarial pouco e/ou mal regulada pelo Estado, geram-se efeitos de vária ordem que afectam as pessoas e as estruturam em classes sociais, o que implica diferente acesso a recursos, poderes e bens simbólicos. Eventualmente, geram-se situações de pobreza que se transmitem entre gerações, degrada-se a saúde de segmentos da população que trabalha por turnos ou em cadeias produtivas desumanas, impõe-se aos trabalhadores ritmos e horários que geram graves desequilíbrios nas relações familiares, mercantilizam-se bens/serviços que deveriam permanecer públicos, ou estar fora do mercado por razões morais, degrada-se gravemente o ecossistema e, paradoxalmente, chega-se ao ponto de destruir o sistema financeiro sem o qual o próprio capitalismo entra em colapso. Do meu ponto de vista, só a esquerda que lança um olhar crítico sobre a economia, sobre o modo como a economia serve (ou não) o desenvolvimento das pessoas e o bem público, como integra (ou não) as regras da democracia no seu seio, como respeita (ou não) os equilíbrios da natureza, como promove (ou não) comunidades e pessoas que exercem um juízo moral sobre o mundo em que vivem, pode genuinamente intitular-se de “esquerda socialista”.

A crise de legitimação política por que passam hoje os partidos “socialistas” europeus não pode ser entendida fora do contexto da Grande Crise que estamos a viver, uma crise que não surgiu do nada, antes esteve em gestação durante as últimas três décadas e teve a sua colaboração activa. Integrados no sistema, estes partidos tornaram-se incapazes de reinventar a sua matriz ideológica para responder aos desafios de um capitalismo que foi evoluindo. Não entenderam a crise e não são capazes de reencontrar a utopia, a narrativa e a organização que os leve a transformar o capitalismo a partir do exercício de uma governação em sintonia com os anseios e lutas sociais dos nossos dias.

Em linha com a maioria dos partidos da sua família política europeia, o Partido Socialista também há muito esqueceu a transformação do capitalismo tendo até assumido orientações e princípios típicos da doutrina neoliberal. Instalou-se na gestão do nosso pobre capitalismo ornamentando-a, quando possível, com algumas “reformas de costumes”. Também não deverá escapar ao caminho da decadência e erosão em que já se encontram lançados os seus homólogos em vários países (França, Alemanha, Grã-Bretanha e Itália são bons exemplos). É uma questão de tempo.

Reafirmo, chegou a hora de tornar possível a esquerda necessária num País que vota maioritariamente à esquerda mas não está feliz com a representação política que coloca no Parlamento. Do meu ponto de vista, o eleitorado merece melhor.

Jorge Bateira
Economista, co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas

Por favor não votem nos ladrões!


A cleptocracia (se existisse) seria o sistema político que passaria a existir no dia em que alguns ladrões tomassem o poder. No comando, os ladrões aprovariam leis que obrigariam todos os outros menos a eles próprios.
A Itália, por exemplo, ainda não é uma cleptocracia: parece que ainda existe um tribunal constitucional que impede que exista uma lei da imunidade feita à medida de um candidato a cleptocrata particular.
Oeiras, por exemplo, ainda não é uma cleptocracia, já que há sentenças que ainda não transitaram em julgado.
Tenho dificuldade em compreender como é que alguém pode desejar viver numa cleptocracia. Mas a verdade em que em Itália, por exemplo, o candidato a cleptocrata foi eleito e que em algumas autarquias portuguesas algo semelhante pode vir a acontecer.
Que me desculpem os meus colegas de blog por qualquer mal entendido que possa haver (especialmente o que é candidato) mas o meu apelo para Domingo é: cleptocracia é que não!

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Políticas...

Uma afirmação de uma jornalista holandesa a residir em Portugal, proferida num programa televisão na véspera das últimas eleições autárquicas (e isto se a memória não me trai várias vezes...): “na Holanda conhecem-se as políticas e desconhecem-se os políticos; em Portugal conhecem-se os políticos e desconhecem-se as políticas.” Exageros à parte, a verdade é que a política excessivamente fulanizada é a política empobrecida. Ninguém lê programas dizem-nos na televisão comentadores que falam como se tal exercício não lhes passasse sequer pela cabeça. Enfim, tudo isto para dizer que Bernardino Aranda e Rosa Felix construíram uma útil grelha comparativa dos programas partidários em Lisboa. Um serviço público a multiplicar pelo país. A boa gestão depende da participação informada. Esta participação seria certamente incrementada se a experiência do orçamento participativo se generalizasse e ganhasse maior alcance.

Os mecanismos de deliberação, o Estado propulsor da participação cidadã, podem ser um bom antídoto contra os interesses imobiliários que quase capturaram a política autárquica em tantos locais. É claro que as desigualdades socioeconómicas do país não ajudam à participação. E as decisões sobre os usos de terrenos fazem a fortuna de quem busca mais-valias. Uma constatação realista: “não existe a mais pequena hipótese de se travar a forte relação entre urbanismo e corrupção na sociedade portuguesa se não promovermos as mudanças necessárias no sentido da socialização das mais-valias urbanísticas geradas pelo processo de desenvolvimento urbano” (José Carlos Guinote num excelente número da OPS). Querem convergências à esquerda? Uma medida singela para uma maioria: “cativação pública das mais-valias decorrentes da valorização de terrenos em consequência da alteração da sua definição por via de actos administrativos da exclusiva competência da Administração Pública ou da execução de obras públicas que resultem total ou parcialmente do investimento público.”

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Economista de Combate em São João da Madeira

Este é um blogue plural, mas também militante. Ainda que a maior parte dos "ladrões" não tenha filiação partidária, só nos podemos por isso regojizar com a eleição, nas listas do BE, da Marisa Matias para o Parlamento Europeu e do Zé Guilherme Gusmão para a Assembleia da República. Para fazer o pleno das eleições, só falta mesmo a vitória, este Domingo, do Pedro Nuno Santos, pelo PS, em São João da Madeira. Estou certo que dará um excelente presidente da Câmara. Boa sorte, pá!


Grande banda sonora...

Ética, crise e sociedade


(clicar no cartaz para ampliar)

A natureza do neoliberalismo e a alternativa de uma proposta de (re)democratização da economia vistas através da obra de Karl Polanyi. Este é o tema da minha intervenção numa conferência genuinamente pluridisciplinar.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Escolhas com significado? (II)

Por um lado, aritmeticamente há várias maiorias possíveis no parlamento (PS e PSD; PS e CDS; PS e BE e CDU). Por outro lado, há várias soluções de governo possíveis. Primeiro, a solução minoritária, com negociações ad-hoc consoante os dossiês, é a que tem maior instabilidade potencial. Segundo, uma coligação seria a opção potencialmente mais estável mas é a menos exequível, com a direita ou com a esquerda radical. Terceiro, a solução mais exequível, menos custosa para os pequenos partidos (porque os responsabiliza menos), e com maior potencialidade de estabilidade do que a opção minoritária é a do acordo de incidência parlamentar o qual, embora possa não incluir todas as matérias, deve incluir um vasto conjunto de matérias, não se confundindo assim com a negociação ad-hoc.

A solução de um governo minoritário mas apoiado num acordo de incidência parlamentar com os dois partidos situados à esquerda do PS é aquela que é, primeiro, mais congruente com os resultados eleitorais e, segundo, mais congruente com a vontade dos eleitorados de cada um dos partidos. Quanto ao primeiro ponto cabe notar que o conjunto dos partidos parlamentares de esquerda (PS, BE e CDU) tem mais votos (833814 sufrágios correspondentes a mais 14,74 por cento) e lugares (30) no parlamento do que o conjunto dos partidos de direita (PSD e CDS). Além disso, se é verdade que, entre 2005 e 2009, a esquerda no seu conjunto perdeu cerca de 341829 votos e a direita ganhou cerca de 168169, também é verdade que estas flutuações foram sobretudo fruto da hemorragia no campo socialista e que a esquerda radical (BE e CDU) ganhou mais votos (204923) do que o bloco de direita (168169).

Quanto ao segundo ponto, as sondagens da Católica podem ajudar-nos. No barómetro publicado a 17 de Setembro, os inquiridos foram questionados sobre “cenários pós eleitorais mais desejáveis para o país”. A resposta tem 7 categorias contando com o “não sabe” e o “recusa responder”. Entre o eleitorado do PS, a solução mais desejada é a do governo minoritário (39 por cento), seguida de uma “coligação” com o BE (22 por cento) ou com a CDU (13 por cento). Note-se que, qualquer uma destas duas últimas soluções, sobretudo se somadas (35 por cento), está a grande distância de uma “coligação com o PSD” (10 por cento) ou com o CDS (3 por cento). Como, em qualquer caso, para sobreviver e aprovar legislação, o PS precisa do apoio de outros partidos, o que estes dados revelam é que o eleitorado socialista prefere claramente entendimentos à esquerda. No caso dos eleitorados do BE (47 por cento) e da CDU (46 por cento), a categoria mais frequentada, a longa distância de qualquer uma das restantes, é a de uma “coligação com o PS” (os dados estão disponíveis na internet). Por isso é que, no texto da iniciativa cidadã de que sou um dos subscritores, “Compromisso à Esquerda” (http://www.compromissoaesquerda.com/), se fala num desfasamento entre os eleitores dos partidos de esquerda (que desejam um entendimento entre os seus partidos respectivos) e os dirigentes destes mesmos partidos (que há mais de 30 anos persistem no desentendimento).

Aliás, outro indicador deste mesmo desfasamento tem sido a adesão espontânea que tal iniciativa tem recolhido não só entre as elites profissionais, académicas, artísticas e sindicais do país (a comissão promotora conta com cerca de 150 personalidades), mas também no público em geral (às 15h de 4/10 já contávamos com cerca de 850 assinaturas). Há distâncias significativas entre as propostas políticas dos três partidos e, por isso, o compromisso não será fácil? Com certeza, ninguém o nega. Porém, a exemplo do que se passa há muito tempo em vários países da Europa ocidental, tudo isso seria superável se houvesse da parte dos partidos de esquerda a atitude compromissória necessária para chegarem a acordo, naturalmente no respeito pela dimensão relativa de cada um dos partidos (uma regra básica da democracia).

(Adenda: hoje, 6/10/2009, por volta das 18h, já tinhamos 1057 assinaturas)

Originalmente publicado no Público de 5/10/2009.