terça-feira, 13 de outubro de 2009
Que jornalismo queremos?
Nos últimos meses, e em grande medida devido às ligações entre agendas políticas e mediáticas, as notícias que envolvem os próprios meios de comunicação social passaram a ocupar o destaque ainda há pouco reservado à crise económico-financeira. Começou com o episódio que envolveu a TVI e o fim do Jornal Nacional, pouco depois da passagem de José Eduardo Moniz para a Ongoing, que veio agora comprar 35 por cento da Media Capital, proprietária da TVI (e que detém cerca de 20 por cento da Impresa de Francisco Pinto Balsemão). Seguiu-se o alegado «caso das escutas» à presidência da República, que fez manchete do Publico a 18 e 19 de Agosto e se tratou afinal, como revelado pelo Diário de Notícias de 18 de Setembro, de uma notícia plantada no Público por Fernando Lima, assessor da Casa Civil do presidente Aníbal Cavaco Silva (com que conhecimento por parte deste?), num processo que suscitou sérias críticas quanto à ética e deontologia jornalística do jornal por parte do seu próprio provedor, Joaquim Vieira.
Nesse mesmo dia 18 de Setembro, com o Público e a sua direcção editorial sob forte ataque, o empresário Belmiro de Azevedo, presidente do Conselho de Administração do grupo SONAE, proprietário do Público, foi instado pelos jornalistas a comentar a peça do Diário de Notícias e a confirmar o seu apoio à direcção editorial de José Manuel Fernandes (ver no i a notícia e a entrevista). A sua resposta inicial revelou sobretudo um empresário interessado no retorno do seu investimento, negando ter «influência directa» no jornal e sendo animado por um único desejo para a publicação: «que passe a ganhar dinheiro e o faça sempre com a mesma linha editorial, isso é, com independência». Mas os laços mais complexos que ligam a propriedade dos media ao poder de influenciar a vários níveis a vida de um órgão de comunicação tornaram-se mais claros quando o empresário recomendou que a equipa do diário «não se deixe assustar por opiniões um bocado desastradas de alguns governantes que querem mandar no Público sem pôr lá dinheiro nenhum», acrescentando: «Não me importo nada que eles mandem, mas comprem o jornal».
Os primeiros a ficar chocados com estas palavras terão sido, seguramente, os jornalistas sérios e de qualidade que trabalham no Público, mas é ao conjunto dos cidadãos que deve preocupar esta admissão de que, na prática, e mais ainda em períodos de crise, no jornal manda quem o paga, até porque as declarações se referem a assuntos da esfera editorial, não da gestão, sendo que esta divisão é, em si mesma, cada vez problemática.
Quando a informação é tratada como mercadoria, os meios de comunicação social como um simples negócio e a estrutura de propriedade dos media, cada vez mais concentrada, como pilar de uma ordem liberal assente na remuneração dos accionistas (e na precarização e quebra de autonomia para dos jornalistas), é o direito constitucional a informar e a ser informado que é posto em causa. Se o sistema mediático e os seus «novos cães de guarda» do sistema económico apostam na manutenção desta ordem, as respostas alternativas só podem vir dos cidadãos e dos profissionais que querem um outro jornalismo. Sem ingenuidade quanto aos perigos que sempre espreitam qualquer projecto jornalístico em que haja uma diferença de concepções entre a sua direcção editorial e os seus proprietários e fontes de financiamento (...).
O meu artigo no Monde diplomatique - edição portuguesa deste mês pode ser lido na íntegra aqui. Está integrado num dossiê sobre o futuro dos jornais (o do Monde diplomatique e o da imprensa em geral) e do jornalismo face à crise, com artigos de Serge Halimi («A nossa luta» e «Recomposição brutal, tentações por toda a parte») e do jornalista João Pacheco, Prémio Gazeta Revelação 2006 e membro dos Precários Inflexíveis («Vamos brincar aos jornais»).
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