quarta-feira, 30 de abril de 2008
A China e a crise II
BZ pretende avaliar um sistema financeiro baseando-se num mero índice bolsista. Não serve. O sistema financeiro chinês dificilmente se pode avaliar pelo que se passa na sua bolsa. Com mercados muito regulados, o financiamento da economia é feito sobretudo através de empréstimos bancários. A bolsa não exerce grande poder na restante economia.
Mas como explicar a abrupta queda do índice? Segundo a The Economist, esta queda é provocada pelas previsões de recessão nos EUA. Se os EUA entram em recessão a China exporta menos, logo as suas empresas não valerão o mesmo na bolsa. Ou seja, a queda na bolsa não reflecte fragilidades no sistema financeiro, mas sim receios de uma desaceleração da economia. Ainda assim, pelos últimos números, a economia chinesa parece bem saudável.
terça-feira, 29 de abril de 2008
Até quando?
A cereja em cima do bolo da extrema-direita italiana
Tal como é costume nos dirigentes pós-fascistas, Gianni Alemanno cavalgou os recentes incidentes de insegurança na capital e prometeu mão pesada sobre o crime. A começar pelos imigrantes, pois claro.
A candidatura de centro esquerda, encabeçada por Rutelli, conseguiu o feito histórico de perder votos entre a primeira e a segunda volta das eleições. Talvez não por acaso, nos últimos 15 dias Rutelli esforçou-se por mostrar que estava tão ou mais preocupado do que a direita com a questão da segurança e dos imigrantes. Ou seja, quis jogar no campo do adversário e perdeu. Como, aliás, vem acontecendo ao Partido Democrático (que junta ex-comunistas, ex-democratas-cristãos, ex-socialistas, ex-liberais, ...) que de tanto querer parecer pós-ideológico perde votos à esquerda sem conseguir conquistar o centro. São tempos tristes em Itália para quem não se revê no racismo e na xenofobia, no autoritarismo e num estado securitário, para quem se atreve a acreditar na normalidade democrática, na paz e na justiça social.
segunda-feira, 28 de abril de 2008
Vírus - Uma revista de combate
As instituições contam: a política das desigualdades nos EUA
Isto melhora: os autores argumentam convincentemente que as explicações convencionais para o aumento das desigualdades - globalização ou o progresso tecnológico que criou um enviesamento nas qualificações requeridas - só funcionam se se levar em linha de conta as modificações institucionais acima referidas. É também interessante a análise comparativa em termos de eficiência das duas soluções: estilhaçam-se muitos preconceitos ainda em voga entre os economistas. O aumento das desigualdades é assim produto de «mudanças na política económica» com impactos nos arranjos prevalecentes. Não há inevitabilidades dizem os autores. Muito depende da luta social. Afinal de contas, a economia não é uma máquina, mas sim um conjunto de relações sociais potencialmente contestadas. Sempre assim foi e sempre assim será.
domingo, 27 de abril de 2008
A esquerda italiana em estado de choque VII
A incapacidade da esquerda 'reformista' italiana para construir um discurso claro, distintivo e mobilizador resulta de um misto de trajectória histórica, de opções estratégicas, de inabilidade comunicacional e de um contexto em que os principais meios de comunicação são sistematicamente utilizados a favor do principal adversário.
Como escrevi num post anterior, a esquerda italiana foi dominada pelo PCI desde o pós-guerra. Depois de 3 décadas na oposição, apesar de uma indiscutível força eleitoral e social, os dirigentes do partido decidiram em meados da década de 1970 que havia chegado o momento de participarem directamente na governação do país. Esta opção estratégica tem guiado a linha de actuação dos herdeiros do PCI até hoje.
Quando o PCI se transformou em PDS (Partido Democrático de Esquerda) em 1991, o novo partido não levou consigo apenas a maioria da direcção do partido e a maioria dos delegados ao congresso em que a decisão foi tomada. Grosso modo, toda a estrutura de influência política e social que havia sido construída pelo PCI - incluíndo aquilo que ainda hoje são a principal confederação sindical italiana (CGIL), a maior associação recreativa e cultural (ARCI), a maior cooperativa de distribuição do país (Coop), para não falar das sedes locais, regionais e nacionais do partido, das editoras, livrarias, jornais, revistas e outros instrumentos da intervenção do PCI na sociedade italiana - ficavam agora sob influência do novo partido.
O objectivo da mudança de nome e de símbolos era, obviamente, o de distanciar aquele partido da imagem associada à história do comunismo, num esforço de atrair o eleitorado centrista. O desaparecimento da URSS em 1991 e o colapso dos partidos italianos do centro-direita acentuariam esta trajectória: o primeiro evento convidava a um corte mais radical com a história do comunismo (o símbolo do PCI, que surgia em versão reduzida no símbolo do novo PDS foi definitivamente abandonado); o segundo evento reforçou o sentido de urgência de conquista do centro político em Itália.
Mas, para o PDS, conquistar o eleitorado não comunista não era tarefa fácil: os eleitores dos ex-PSI e ex-DC haviam sido educados numa retórica estritamente anti-comunista, e a sua relutância em apoiar aqueles que durante décadas tinham sido vistos como agentes ao serviço dos interesses soviéticos era grande. De facto, os principais líderes do PDS - incluindo D'Alema, Fassino e o próprio Veltroni (recentemente derrotado nas eleições) - foram dirigentes do PCI durante mais de uma década até à mudança de nome e de linha política do partido. E Berlusconi, com os vastos meios de comunicação que controla, nunca deixou esquecer este facto, usando até hoje o termo 'comunistas' para se referir àquele grupo de dirigentes.
Tais dificuldades não impediram os dirigentes do ex-PCI de se manterem fieis à linha inicialmente traçada, ou seja, a busca do poder por aproximação ao centro. Nesse sentido, procuraram diluir ainda mais a identidade do partido e aligeirar a sua ampla estrutura de influência social e política: primeiro com a transformação do PDS em DS (Democratas de Esquerda), procurando afastar-se do modelo de partido de forte presença orgânica na sociedade italiana (aderindo a um modelo de 'partido ligeiro'); depois, com a construção de uma coligação com os segmentos da ex-DC e do ex-PSI que não haviam aderido às novas direitas, colocando figuras destacadas oriundas desses campos à cabeça das listas eleitorais (daí Romano Prodi); finalmente, fundindo os DS com sectores da democracia-cristã, do ex-PSI e dos radicais-liberais num Partido Democrático, que apresenta o homónimo americano como exemplo a seguir.
Os resultados desta estratégia de diluição do ex-PCI não têm sido os melhores. Por um lado, o preço a pagar pela atracção dos sectores centristas tem sido a adopção de um discurso que em pouco se distingue do produzido pelo centro-direita - sendo até, por vezes, mais liberal no campo económico e mais conservador no campo dos valores. Por outro lado, o abandono dos símbolos, de um projecto e de uma estrutura de intervenção crítica na sociedade não tem sido recompensado no campo eleitoral - o 'perigo comunista' continua a ser acenado à direita e a afastar os eleitores mais conservadores. Finalmente, esta estratégia esvaziou o espaço eleitoral à esquerda, limitando, simultaneamente, a possibilidade da sua ocupação por outras forças - seja pelo domínio que os ex-DS mantêm de muitas estruturas e recursos de intervenção social, seja pelo permanente apelo ao voto útil (sobre a incapacidade da 'esquerda de protesto' de contrariar esta dinâmica escreverei noutro 'post').
sábado, 26 de abril de 2008
O fracasso da engenharia neoliberal
sexta-feira, 25 de abril de 2008
Pedro Lains e a história - Resposta do Prof. José Reis
Pedro Lains e a história
Pedro Lains decidiu conceder atenção ao texto que publiquei na edição portuguesa de Le Monde Diplomatique, coisa que muito sinceramente lhe agradeço, tanto pessoal como academicamente. Ele é autor de uma obra valiosa (embora discutível, como qualquer outra) e isso dá peso aos seus comentários. Depois de deixar entender que lhe pareceria justificado que o texto não tivesse visto a luz do dia, declarou, a propósito do que eu escrevi, com a autoridade própria dos sacerdotes: «tantos mitos, tanta confusão»! (o ponto de exclamação é meu, e eu sou o herege que perturbou o que Pedro Lains quer solidamente instalado). Qual é o motivo de tal heresia? O que é que Pedro Lains quer pôr na ordem? Está devidamente sublinhado a azul (vá lá . . .) na transcrição que fez no seu blog e é o seguinte: eu escrevi que nos anos 60, apesar de um processo intenso de industrialização, não houve em Portugal «uma modernização do conjunto da sociedade. Não assistimos a um alargamento dos mercados de trabalho, nem da qualificação das pessoas, nem do seu bem-estar».
Há, pelos vistos, uma controvérsia sobre os anos 60. O meu ponto de vista é muito simples: sabendo-se, como todos sabemos e eu recordei, que essa é uma fase de crescimento e industrialização, o que é que vale o facto de tal industrialização ter sido contemporânea de uma intensa emigração, isto é, da deslocação de volumes significativos de mão-de-obra para as economias europeias que tinham criado mercados de trabalho amplos e generalizado o bem-estar? Não significa nada? Ficamos a glorificar os «factos característicos do crescimento» e paramos aí a conversa? Pedro Lains que o faça. Ou que se limite a acrescentar, como quiser, umas nuances à sua análise. Mas eu não faço isso. Porque sei que na década de 60 o emprego total em Portugal só em dois anos é que cresceu na casa dos 2% e houve 5 anos em que cresceu menos de 1%. O PIB, esse, crescia a taxas elevadas, superiores, em termos médios, à casa dos 5% que Pedro Lains nos indica para o período 1952-73. E não posso esquecer que, ao lado do crescimento e da industrialização, houve emigração massiva, uma enorme debilidade dos mercados de trabalho para acolherem a população que estava a sair da agricultura. E também sei que essa emigração foi largamente clandestina e que a democratização económica, vista pelo acesso ao consumo ou às políticas públicas, foi tão débil que éramos nessa época o país que todos sabemos: na educação, na saúde, nos direitos mais elementares à inserção na sociedade (não duvido, claro, que ambos tenhamos a mesma opinião sobre o significado de não haver democracia política).
Para Pedro Lains isto é apenas o lado acessório, o pormenor a acrescentar. O que é que ele esperava? Que estando o produto a crescer a taxas elevadas e as indústrias de base (siderurgia, cimentos, química, mais tarde construção naval) a consolidar-se não acontecesse nada? Que havendo taxas elevadas de investimento em capital físico isso não se reflectisse em nada? Claro que reflectiu: criou-se mais emprego que antes, mas pouco, distribuiu-se rendimento sob a forma de salários mais elevados, mas eles mantinham um nível baixo, a mão-de-obra das novas actividades assumia novas qualidades, mas os níveis de qualificação mantiveram-se baixíssimos. Basta ver o peso da alimentação na estrutura de despesas das famílias . . .
Mas não foi esta a única heresia («confusão», «mito»!) que incomodou Pedro Lains. Eu também disse (pois disse...) que, por causa de tudo isto ,«a internacionalização da economia se fez primeiro e mais intensamente pela exportação de mão-de-obra do que pela exportação de produtos ou serviços». Qual é a dúvida? Sobre o peso das exportações no PIB os meus dados são os do site do Banco de Portugal. E se lá não encontro a passagem de 17% para 30% entre 1960 e 1970 que Pedro Lains assume, também não vou agora discutir números. O que sei é que as exportações de mercadorias se limitaram a passar de 10% para 13% do PIB neste período de industrialização, enquanto a emigração se contou por centenas de milhares de pessoas. Não sabemos comparar as duas coisas?. É aqui que eu baseio a minha afirmação de que os mercados de trabalho europeus internacionalizaram mais a economia portuguesa, através da emigração, do que as exportações da nossa indústria.
Aparentemente, nada disto deveria ser matéria para grandes incómodos («mitos», «confusões»!), visto que se conhecem razoavelmente os contornos da economia e da sociedade. As coisas têm, aliás, a sua lógica e as explicações assentam em complementaridades inevitáveis entre as várias dimensões em presença. Mas não. O problema é que há quem queira ver na economia portuguesa dessa época um «tigre» europeu, fixar aí uma golden age do nosso desenvolvimento. E quem queira transformar essa leitura em ortodoxia com a qual se julgam os desviantes. E, aqui, é verdade que Pedro Lains tem razão em reagir ao meu texto. Eu conto-o, de facto, entre os investigadores que nos oferecem um imagem da história económica portuguesa anterior ao 25 de Abril altamente discutível, uma história em que se idealiza uma economia poderosa e se ignora a sociedade, a política, a vida das pessoas. Por isso é uma história parcial. A minha divergência é enorme. Mas não resolvo, por isso, chamá-lo gerador de confusões ou mitos. Limito-me a discordar e a classificar a abordagem como parcial. Aceito e aprecio que o incómodo de Pedro Lains o leve a discutir e a polemizar. Não faz sentido é declarar, sobranceiro, a confusão alheia. Aí tenho que lhe dizer que bateu à porta errada. Por isso, pode contar com o meu gosto pela controvérsia e com a minha frontalidade. Não pode é contar com o meu silêncio. Se quiser podemos prosseguir. Tenho gosto nisso e respeito quem discute.
O 25 de Abril faz hoje 34 anos. E não se trata de uma simples data simbólica.
Coimbra, 25 de Abril de 2008
A esquerda italiana em estado de choque VI
O resultado na Itália de há 15 anos atrás foi aquele que seria de esperar na generalidade dos países: uma descrença generalizada no sistema de partidos existente e uma predisposição para a identificação com os discursos daqueles que se apresentavam como uma ruptura face ao sistema caduco.
A descrença afectou acima de tudo a Democracia Cristã e o Partido Socialista. Foi nesse espaço político que surgiram os partidos que estão hoje no governo: a Forza Itália de Berlusconi apresentava-se como um movimento de empresários bem-sucedidos, sem ligações à política, que se propunham governar o país como geriam as suas empresas de sucesso (na verdade, Berlusconi era já um empresário com ligações ao poder, nomeadamente ao PSI de Craxi, mas isso à época não era conhecido); a Lega Nord de Bossi aproveitava o descrédito dos políticos para atacar a distante Roma como corrupto sugadouro da riqueza produzida a norte; o antigo Movimento Social Italiano, partido mussoliniano liderado por Fini, aproveitava para se reciclar em Alleanza Nazionale e para se apresentar como uma força moderada de direita, capaz de representar aqueles que a Democracia Cristã então deixava órfãos, politicamente falando.
Enquanto o espaço do centro e da direita (que tipicamente absorvia ¾ dos eleitores) era assim renovado com o surgimento de novos partidos e novos protagonistas, à esquerda restava apenas o ex-PCI (agora PDS), com as caras de sempre e marcado pelos preconceitos de sempre, e abalado por dissensões relacionadas com a alteração de rumo político, ideológico e simbólico.
Foi apenas há 15 anos atrás, tempo insuficiente para que Berlusconi, Bossi e Fini deixassem de poder cavalgar a onda do populisto anti-política e do anti-comunismo. Tempo insuficiente, também, para a esquerda encontar um novo rumo.
quinta-feira, 24 de abril de 2008
Dez anos depois
A esquerda italiana em estado de choque V
A resposta a esta questão é tudo menos simples. Eu tenderia a realçar como factores mais relevantes os seguintes: os efeitos profundos e duradouros da operação 'mãos limpas’ no início dos anos 90; a capacidade da direita para ocupar o espaço deixado livre pelo colapso dos partidos dominantes desde o pós-guerra; a incapacidade da esquerda ‘reformista’ de construir um discurso claro, distintivo e mobilizador; a utilização sistemática e bem-sucedida por Berlusconi da comunicação social sob seu controlo para atacar os oponentes e para promover a sua imagem; a opção das esquerdas (a 'reformista' e a 'radical', para simplificar) por um modelo de intervenção política assente na personalização e no mediatismo; inversamente, a capacidade de parte da direita para intervir na sociedade italiana através de uma sólida presença junto das populações; finalmente, os problemas enfrentados pela economia italiana e a exploração populista por parte da direita do medo e da incerteza crescentes.
Cada um destes tópicos merece uma discussão mais detalhada, a seguir em próximos ‘posts’.
Quem recebe o doce?
quarta-feira, 23 de abril de 2008
A crise da UE
A esquerda italiana em estado de choque IV
Aquilo que conduziu à coligação de forças políticas tão diversas (para além do habitual oportunismo daqueles que viam a vitória desta coligação em 2006 como certa) foi, acima de tudo, a urgência de expulsar do Governo a direita de Berlusconi e dos seus aliados pós-fascistas e autonomistas (urgência essa que era patente no eleitorado de esquerda e centro-esquerda).
Por seu lado, a revisão da lei eleitoral orquestrada pelo segundo Governo Berlusconi nas vésperas das eleições colocava a esquerda numa posição difícil. O novo arranjo não só representava um regresso ao sistema proporcional (dificultando a existência de maiorias estáveis), como obrigava as várias forças políticas a anunciar antecipadamente o seu candidato a chefe do governo, isto num contexto em que a união à direita era muito mais fácil de conseguir do que à esquerda. Sobre esta reforma eleitoral, o dirigente da Lega Nord que a conduziu resumiu recentemente, de forma bastante elucidativa, a sua acção: «ho fatto una porcata!», disse.
Perante isto, e face à necessidade de reunir na mesma plataforma partidos com posições tão díspares relativamente a questões concretas da política italiana - das leis laborais à política externa, da relação com a Igreja Católica aos direitos civis, dos serviços públicos às questões ambientais - a coligação liderada por Prodi não conseguiu estabelecer um programa mínimo que vinculasse a acção das várias forças que a compunham.
Depois de 30 moções de confiança em 20 meses e de muita tensão entre as forças políticas da maioria, Prodi acabaria por cair graças à deslealdade de um pequeno partido liderado por um personagem pouco recomendável do Sul do país (o líder da Udeur está indirectamente implicado num conjunto de processos judiciais por tráfico de influências). Era o início de Berlusconi III.
terça-feira, 22 de abril de 2008
A esquerda italiana em estado de choque III
Acusado pela justiça por inúmeros crimes económicos e por tráfico de influências, Berlusconi fez o que estava ao seu alcance para se ver livre do que apelidava de ‘perseguição pessoal e politica conduzida pelos juízes comunistas’. Sem sombra de pudor, reduziu o tempo de prescrição judicial à medida dos processos que o envolviam, descriminalizou as práticas de fraude contabilística e outros crimes económicos, e ajustou a lei das incompatibilidades dos políticos à necessidade de controlo do império comunicacional de que é proprietário. A nível internacional a sua imagem ficou ligada a sucessivas ‘gaffes’ de mau gosto (como aquela em que chamou chefe das SS a um eurodeputado alemão que o questionava no Parlamento de Estrasburgo). A política ‘séria’ deixou-a ao cuidado do seu principal parceiro de coligação, Gianfranco Fini, líder da Alleanza Nazionale (ex-fascistas), que procurou deixar a sua marca em diversas leis repressivas (e.g., limitação da possibilidade de redução de penas, reforço do proibicionismo em relação ao consumo de drogas, etc.).
Ao mesmo tempo que Berlusconi usava o governo para prosseguir os seus interesses pessoais e os ex-fascistas mostravam as suas garras na frente securitária, a esquerda italiana vivia um dos momentos mais activos e mobilizadores das últimas décadas. Na sequência dos protestos de Génova em 2001, aquando da reunião do G8, o movimento alterglobalista ganhou uma visibilidade e uma capacidade de mobilização raras. A força deste movimento fez-se sentir em varias ocasiões, como no protesto popular contra as guerras do Afeganistão e do Iraque (em que milhões de italianos, desde os vales dos Alpes às vilas costeiras da Sicília, colocaram nas suas janelas, durante meses, bandeiras com as cores do arco-íris em sinal de adesão ao protesto), na manifestação convocada pela CGIL que levou a Roma 3 milhões de pessoas em luta contra a liberalização da regras laborais (obrigando Berlusconi a recuar) ou ainda no Fórum Social Europeu de Florença, onde dezenas de milhares de activistas de várias causas se juntaram para trocar ideias e experiências, e procurar vias alternativas ao modelo de desenvolvimento neoliberal.
Quando chegaram as eleições de 2006, toda a esquerda se sentia preparada para expulsar Berlusconi e os seus aliados do poder, dando um rumo responsável e mais democrático à governação de Italia. Berlusconi também o percebeu - e tratou de minar devidamente o terreno. Antes de abandonar o poder procedeu a uma alteração da lei eleitoral com o objectivo declarado de perturbar a estabilidade do governo sucessivo.
O que poucos esperavam é que o novo Governo Prodi, eleito em 2006 com o apoio das várias esquerdas, fosse obrigado a viver com uma margem tão escassa no Senato Italiano. Logo após as eleições muitos perceberam o estado de fragilidade em que se encontrava a esquerda, agora no poder. Os festejos associados à derrota de Berlusconi e seus aliados não conseguiam, por isso, esconder que a esquerda italiana se encontrava, ainda e outra vez, em estado de choque.
Globalização no Divã
segunda-feira, 21 de abril de 2008
A inflação não é a mesma para todos
'Fome e acção pública'
domingo, 20 de abril de 2008
Perguntas socialistas
sábado, 19 de abril de 2008
Regulação e cepticismo
sexta-feira, 18 de abril de 2008
A esquerda italiana em estado de choque II
Aos ex-comunistas, que haviam optado por uma estratégia centrada na conquista do poder a qualquer custo, restava coligar-se com os despojos moderados dos ex-democratas cristãos e dos ex-socialistas. A coligação liderada por Prodi, que chegou ao poder em 1995, era assim composta por uma miscelânea de sensibilidades, nas quais indivíduos e grupos que haviam sido adversários durante décadas se viam forçados à convivência. Mesmo esta coligação improvável não garantia a estabilidade parlamentar, forçando Prodi a depender do apoio parlamentar dos pós-comunistas do Partido da Refundaçao Comunista e de outras formações de diferentes orientações. Prodi não resistiu, forçando a procura de novas coligações governamentais, cada uma mais instável que a outra, erodindo a pouco e pouco a imagem dos partidos no poder durante a segunda metade da década de 90 - em particular os ex-comunistas da DS.
Ao mesmo tempo, Berlusconi usava as suas empresas de comunicação para fazer um ataque cerrado à DS e seus aliados, e para promover a sua imagem. Fiéis a uma estratégia há muito delineada, os dirigentes da DS faziam o que podiam para se apresentarem à opinião publica como uma força responsável e moderada. A cada acusação de 'comunistas' - a preferida de Berlusconi - reagiam com posições e afirmações que os afastavam dos eleitores mais à esquerda, sem por isso conquistarem os eleitores de direita (desconfiados dos ex-'papões vermelhos').
Instabilidade politica, descaractetização ideológica e políticas impopulares tiveram o resultado esperado: o segundo governo de Berlusconi eleito em 2001 (o primeiro desde o pós-guerra a durar uma legislatura inteira). A esquerda italiana ficou mais uma vez em estado de choque.
As consequências das utopias de mercado
Curiosamente, o primeiro período de «prosperidade partilhada» (o bolo crescia mais e as fatias eram mais bem repartidas, o que não é mera coincidência) corresponde à época do chamado consenso keynesiano, do capitalismo com trela encurtada por regras fortes e sindicatos pujantes e do famigerado sistema de Bretton-Woods, com câmbios bem geridos e mercados financeiros razoavelmente enquadrados.
O segundo período corresponde à chamada «era de Friedman», em homenagem ao patrono das ideias neoliberais hegemónicas na condução das políticas públicas nos EUA. Estagnação dos salários dos mais pobres, maiores desigualdades (sobretudo salariais, mas não só) e menos crescimento. É o resultado, entre outros factores, da alteração das regras que enquadravam os diversos mercados, dos processos de penetração das forças de mercado em áreas que lhes estavam vedadas, do grande enfraquecimento dos sindicatos, do processo de financeirização crescente do capitalismo norte-americano, das políticas fiscais regressivas ou da estagnação do salário mínimo (esta explicação institucionalista, que recusa inevitabilidades, tem vindo, felizmente, a ser defendida por um número crescente de economistas convencionais - por exemplo, Paul Krugman e Peter Temin). O neoliberalismo é, de facto, um feixe de ideologias socioeconomicamente desastrosas e moralmente repugnantes.
quinta-feira, 17 de abril de 2008
Aprender com os neoliberais?
Se não consegues derrotá-los, junta-te a eles
A esquerda italiana em estado de choque I
O PCI era demasiado grande para ser ignorado, capturando o espaço político que noutros lados foi ocupado pela social-democracia. A ideia de estar sempre afastado do poder, apesar da força eleitoral e social que detinha, foi-se tornando difícil de digerir pelos seus dirigentes. Primeiro tentaram um compromisso histórico com a DC de Aldo Moro. Com o assassinato deste, e face ao crescimento dos socialistas nos anos 80, a opção do PCI foi aproximar-se paulatinamente do centro político. Já fora assim com a adesão ao chamado ‘eurocomunismo’, ainda mais com a auto-dissolução do próprio partido e a criação do Partido Democrático de Esquerda em 1990.
Mas mesmo isto não foi suficiente para atingir os objectivos dos líderes comunistas reformados. Até porque a vida política do país entrava então em completa convulsão - 40 anos de coligações entre democracia-cristã e socialistas (ou quaisquer outros que evitassem a necessidade de acordo com o PCI) conduzira a níveis de corrupção insustentáveis, até em Itália. O resultado foi a operação 'Mãos Limpas' e o desaparecimento dos outros dois principais partidos do país: PSI e DC desagregavam-se e, a par da transformação do PCI em PDS, deixavam os italianos num estado de orfandade política, criando espaço para afirmação de outros projectos políticos. Estavam criadas as condições para o surgimento de Berlusconi (e a sua 'anti-política' Forza Italia), a Liga Lombarda (independentistas xenófobos) e os ex-fascistas reciclados da Alianza Nazionale. Chegam ao poder em 1994, deixando a esquerda em estado de choque. Pelos vistos, foi só o início.
Um ano depois
quarta-feira, 16 de abril de 2008
A precariedade desqualifica
Liberalização financeira e crise
Contra a Filantropia
3- Impõe atitudes pró-mercado, com consequências não esperadas. A Fundação Gates é um bom exemplo.
4- Na forma como é muitas vezes condicionada (p.e. obrigação de compra de determinados produtos e serviços), a filantropia não passa de marketing.
terça-feira, 15 de abril de 2008
Autópsia da «esquerda moderna»
Debates à esquerda
segunda-feira, 14 de abril de 2008
Teoria económica para todos os gostos
'Rigidez' do mercado de trabalho e precariedade
Amanhã em Coimbra
O debate conta com as participações de:
José Reis
O debate realiza-se a partir das 18h, na Livraria Almedina, em Coimbra.