sexta-feira, 31 de maio de 2019
Amanhã, na Feira do Livro de Lisboa
Apresentação do nº 3 da Revista Manifesto, com Ana Drago, Pilar del Rio e Frederico Pinheiro. Apareçam.
quinta-feira, 30 de maio de 2019
Há negócios que são uma tragicomédia
O Negócios decidiu assinalar ontem os seus 16 anos com um número especial cheio de “ideias dos líderes para o país”. Sendo leitor regular deste jornal, dou um conselho: parem com estes números celebratórios. Um cidadão lê o Negócios para tentar saber o que se passa no capitalismo nacional e não para ler os lugares comuns debitados por representantes do capital monopolista e seus ideólogos. Os artigos até parecem ter sido escritos por uma qualquer agência de comunicação. O efeito é tristemente cómico.
Assim, uma pessoa não sabe se ria, se chore, quando, por exemplo, Pedro Soares dos Santos, filho de Alexandre Soares dos Santos e actual Presidente do Grupo Jerónimo Martins, defende aí que “é preciso promover uma cultura de meritocracia”. Não sabia que o capitalismo de herdeiros, cada vez mais relevante, segundo Thomas Piketty, promovia tal cultura.
Uma pessoa não sabe se ria, se chore, quando Paula Amorim, outro exemplo do capitalismo de herdeiros, na versão Amorim Luxury, declara o sistema fiscal “imoral”, apelando “a um compromisso estratégico multipartidário - patriótico -, para os temas macro estratégicos da economia”, incluindo a questão fiscal. Deve ser por patriotismo que a Galp, a exemplo da Jerónimo Martins, usa a Holanda para o chamado planeamento fiscal agressivo, de resto promovido activamente pela integração europeia realmente existente. Deve ser por isso que, do PS de Costa Pina ao CDS de Mesquita Nunes, o tal compromisso multipartidário tem sido ensaiado na Galp.
Uma pessoa não sabe se ria, se chore, quando o Director do Negócios anuncia uma das propostas que saiu de uma reunião com jovens estudantes escolhidos a dedo de uma qualquer escola de negócios: “Um dos grupos de alunos convida-nos a imaginar bairros inteiros de Lisboa ou do Porto livres de impostos para os empreendedores (...) temos de sonhar e de ser audazes”. É a distopia fiscal de uma sociedade liberal, ou seja, de uma sociedade fragmentada, um somatório de ilhas em concorrência. Maximizando o todos contra todos, o sonho liberal é a guerra social total.
Eu bem sei que isto é uma periferia e que não se pode ter o equivalente luso do Financial Times, mas também não é preciso viver ideologicamente tão abaixo das possibilidades e responsabilidades jornalísticas.
Assim, uma pessoa não sabe se ria, se chore, quando, por exemplo, Pedro Soares dos Santos, filho de Alexandre Soares dos Santos e actual Presidente do Grupo Jerónimo Martins, defende aí que “é preciso promover uma cultura de meritocracia”. Não sabia que o capitalismo de herdeiros, cada vez mais relevante, segundo Thomas Piketty, promovia tal cultura.
Uma pessoa não sabe se ria, se chore, quando Paula Amorim, outro exemplo do capitalismo de herdeiros, na versão Amorim Luxury, declara o sistema fiscal “imoral”, apelando “a um compromisso estratégico multipartidário - patriótico -, para os temas macro estratégicos da economia”, incluindo a questão fiscal. Deve ser por patriotismo que a Galp, a exemplo da Jerónimo Martins, usa a Holanda para o chamado planeamento fiscal agressivo, de resto promovido activamente pela integração europeia realmente existente. Deve ser por isso que, do PS de Costa Pina ao CDS de Mesquita Nunes, o tal compromisso multipartidário tem sido ensaiado na Galp.
Uma pessoa não sabe se ria, se chore, quando o Director do Negócios anuncia uma das propostas que saiu de uma reunião com jovens estudantes escolhidos a dedo de uma qualquer escola de negócios: “Um dos grupos de alunos convida-nos a imaginar bairros inteiros de Lisboa ou do Porto livres de impostos para os empreendedores (...) temos de sonhar e de ser audazes”. É a distopia fiscal de uma sociedade liberal, ou seja, de uma sociedade fragmentada, um somatório de ilhas em concorrência. Maximizando o todos contra todos, o sonho liberal é a guerra social total.
Eu bem sei que isto é uma periferia e que não se pode ter o equivalente luso do Financial Times, mas também não é preciso viver ideologicamente tão abaixo das possibilidades e responsabilidades jornalísticas.
Do «facilitismo» em educação
«O medo dos arautos do facilitismo é simples de entender. Baseia-se na ideia de que a alternativa a reprovar é passar. (...) Parte do princípio de que promover o sucesso é espoletar passagens administrativas independentemente do que os alunos aprendem. A ser assim, estaríamos perante uma fraude em que todos nos enganávamos uns aos outros. Os alunos eram defraudados porque não estariam a aprender. Os professores defraudados por se estar perante uma legitimação de uma perversão do seu trabalho. Costumo dizer que, se Portugal um dia acordar com 0% de insucesso, mas os alunos não tiverem aprendido nada, falhamos duplamente. Porque a sua avaliação foi adulterada e porque não aprenderam. Então qual é a alternativa a reprovar? Aprender.
(...) Sabemos que o insucesso escolar em Portugal – tal como em muitos outros países – está fortemente associado à condição socioeconómica dos alunos. Os ricos passam, os pobres enfrentam muito mais dificuldades. Isto significa que o problema do insucesso é, em primeiro lugar, um problema de justiça social. Não é justo que a escola, que é a única esperança de mobilidade social para muitos, em vez de eliminar as assimetrias sociais à entrada, as reproduza ou, por vezes, as acentue. (...) A escola verdadeiramente facilitista não é a que promove sucesso. É aquela que se limita a esperar pelo fim do percurso, a examinar e a verificar quem passou e enviar para outro percurso aquele que não conseguiu. Isso é fácil. Difícil é garantir que também aprendem os que chegam à escola sem motivação, sem relação com o conhecimento, por vezes com fome e a experimentar situações familiares terríveis.»
João Costa, Apontamentos sobre o facilitismo
quarta-feira, 29 de maio de 2019
O porno-riquismo não pode ser discreto
Depois de ter criticado numa capa alguns hábitos dos ricos, a Visão voltou aos velhos hábitos ideológicos de elogio ao porno-riquismo. Tudo é vagamente falso: em primeiro lugar, Miguel Guedes de Sousa não é discreto e, em segundo lugar, não é a primeira vez que o marido de Paula Amorim sai da sombra.
Baseado numa extensa reportagem do Expresso, já tinha escrito sobre ele, meramente como ilustração de tendências mais vastas da economia política, destacando a frase indiscreta que o tornou famoso: “não podemos ter pessoas de classe média ou média baixa a morar em prédios classificados”.
Entretanto, no meio de fofoquices típicas de revista cor-de-rosa, o artigo da Visão tem uma ou outra informação útil: ficámos a saber que os investimentos na casa dos vinte milhões de euros no luxo da Avenida da Liberdade, onde o tio-bisavô construiu o Teatro Tivoli, beneficiaram de quase dois milhões de euros de apoios da UE.
Está tudo ligado na economia política: os fundos europeus servem precisamente para consolidar por cá todo um modelo de extroversão dependente e pornograficamente desigual, um modelo Florida na Europa.
terça-feira, 28 de maio de 2019
Estímulos laborais invertidos
O Observatório sobre Crises e Alternativas lançou hoje um dos seus cadernos no qual se mostra um dos aspectos mais controversos das alterações laborais vigentes desde 2012.
Ao arrepio do legislador - que quase sempre quis dissuadir o recurso ao trabalho extraordinário - as leis em vigor fazem com que actualmente saia mais barato às empresas realizar trabalho suplementar do que pagar a um trabalhador em horário normal de trabalho!
É no mínimo estranho, porque foi há 100 anos que se consagrou a jornada de trabalho de 8 horas. E paulatinamente diversas disposições legais têm vindo a subverter esta regra. E isso tem impactos sociais, económicos e até demográficos.
Este tema vai ser debatido na próxima 2ª feira, 3 de Junho, no CIUL no Picoas Plaza, , às 18h (ver cartaz ao lado). Vão lá estar, além dos autores Filipe Lamelas e Diogo Martins, o principal jurista da CIP (Gregório Rocha Novo) e um ex-jurista da CGTP que seguiu de perto todos os grandes debates da legislação laboral.
Como é isto possível? Por dois principais motivos.
Ao arrepio do legislador - que quase sempre quis dissuadir o recurso ao trabalho extraordinário - as leis em vigor fazem com que actualmente saia mais barato às empresas realizar trabalho suplementar do que pagar a um trabalhador em horário normal de trabalho!
É no mínimo estranho, porque foi há 100 anos que se consagrou a jornada de trabalho de 8 horas. E paulatinamente diversas disposições legais têm vindo a subverter esta regra. E isso tem impactos sociais, económicos e até demográficos.
Este tema vai ser debatido na próxima 2ª feira, 3 de Junho, no CIUL no Picoas Plaza, , às 18h (ver cartaz ao lado). Vão lá estar, além dos autores Filipe Lamelas e Diogo Martins, o principal jurista da CIP (Gregório Rocha Novo) e um ex-jurista da CGTP que seguiu de perto todos os grandes debates da legislação laboral.
Como é isto possível? Por dois principais motivos.
"O estertor na direita é mau para o país"
Depois do desastre económico e social que foi a aplicação do programa da direita liberal no governo PSD/CDS, respaldado na troica, há ainda quem o queira restaurar. Em nome da economia e da democracia.
No mais recente editorial do jornal Público, o seu director Manuel Carvalho (MC) explana a ideia perigosa de que as ideias liberais são úteis ao país.
Enumere-se as propostas votadas no Parlamento e ver-se-á como alinhou o PS. Nas suas componentes essenciais, a política do PS tem mais sintonias à direita do que à esquerda - até por força da união Europeia -, embora haja áreas em que o PS alinha à esquerda, como é a política de protecção social. É assim na política externa, na política cambial, bancária, laboral, de rendimentos, defesa e desenvolvimento, entre outras. E por isso também, é tão fácil a passagem de eleitores do PS para o PSD e do PSD para o PS.
A direita, ao ter colocado o Estado no centro de um programa ideológico, acabou manietada na sua incapacidade de fazer política sem degradar a vida das pessoas. E saltitou em cima das brasas entre duas posições contraditórias: 1) criticar o Governo por não melhorar os serviços e o investimento públicos, sem nunca dizer como se faria isso sem aumentar o défice orçamental; 2) defender mais medidas a favor das empresas sem nunca dizer como se faria isso sem aumentar o défice ou sem indicar as despesas públicas a cortar.
E MC cai no mesmo saltitar sobre as brasas.
No mais recente editorial do jornal Público, o seu director Manuel Carvalho (MC) explana a ideia perigosa de que as ideias liberais são úteis ao país.
O que aconteceu na presente legislatura mostra que o pensamento único da Direita de Passos deu lugar ao pensamento único da Esquerda das posições conjuntas. Com o PS obrigado a acolher as exigências dos seus parceiros, o debate público e político cristalizou-se na agenda da esquerda pura e dura.Não sei em que país viverá MC. Mas se alguma coisa aconteceu em Portugal, foi a capacidade que teve António Costa de absorver o programa da direita, esvaziando o seu discurso. O PS - talvez pressionado à esquerda - devolveu rendimentos, mexeu na política fiscal, mas - longe de se ter cristalizado na agenda do PCP e do BE - manteve vivas as metas orçamentais da direita e apenas melhorou marginalmente os serviços públicos; subiu os níveis mínimos do sector privado (aumento do SMN), mas manteve o edifício legal laboral de apoios às empresas e de transferência de rendimento dos trabalhadores para as empresas (aprovado pela direita), responsável pela degradação da repartição no rendimento criado. E até se prepara para simular um combate à precariedade laboral que confederações patronais e UGT tanto defendem com unhas e dentes.
Enumere-se as propostas votadas no Parlamento e ver-se-á como alinhou o PS. Nas suas componentes essenciais, a política do PS tem mais sintonias à direita do que à esquerda - até por força da união Europeia -, embora haja áreas em que o PS alinha à esquerda, como é a política de protecção social. É assim na política externa, na política cambial, bancária, laboral, de rendimentos, defesa e desenvolvimento, entre outras. E por isso também, é tão fácil a passagem de eleitores do PS para o PSD e do PSD para o PS.
A direita, ao ter colocado o Estado no centro de um programa ideológico, acabou manietada na sua incapacidade de fazer política sem degradar a vida das pessoas. E saltitou em cima das brasas entre duas posições contraditórias: 1) criticar o Governo por não melhorar os serviços e o investimento públicos, sem nunca dizer como se faria isso sem aumentar o défice orçamental; 2) defender mais medidas a favor das empresas sem nunca dizer como se faria isso sem aumentar o défice ou sem indicar as despesas públicas a cortar.
E MC cai no mesmo saltitar sobre as brasas.
domingo, 26 de maio de 2019
Para continuar a reflexão
O que é a União Europeia? O conceito mais próximo em que se pensa é o do império liberal, ou melhor, neoliberal: um bloco hierarquicamente estruturado e composto por Estados nominalmente soberanos cuja estabilidade se mantém graças a uma distribuição do poder de um centro para uma periferia .
(...)
Tal como os outros países imperiais, a começar pelos Estados Unidos, a Alemanha vê- -se a si própria – e quer que os outros a vejam – como uma potência hegemónica benevolente, que espalha junto dos seus vizinhos um bom sentido universal e virtudes morais cujo custo ela assume. Um encargo que vale a pena assumir para o bem da humanidade.
(...)
Preservar as assimetrias imperiais num conjunto de nações nominalmente soberanas requer arranjos políticos e institucionais complicados. Os Estados periféricos têm de ser dirigidos por elites para as quais as estruturas e os valores particulares do centro sejam vistos como modelos a imitar. Eles têm de se mostrar dispostos a organizar a sua ordem interna, em matéria económica e social, de maneira a torná-la compatível com os interesses do centro. A manutenção no poder destas elites revela-se essencial para a sobrevivência do império
(...)
O calcanhar de Aquiles do neoliberalismo chama-se «democracia», como mostram tanto Hayek como Karl Polanyi (...) Os governos nacionais cujos Estados fazem parte de um império neoliberal não devem temer uma sanção eleitoral quando expõem os seus cidadãos à pressão de mercados internacionais integrados. Para o bem destes cidadãos, como é evidente – mesmo que eles não vejam as coisas desta maneira –, e certamente, em todo o caso, para o bem da acumulação do capital. É por isso que o império tem de dotar estes governos de instituições nacionais e internacionais que os ajudem a colocar-se fora do alcance do sufrágio universal. Dito de outro modo, um Estado neoliberal que queira mostrar-se fraco na sua relação com o mercado tem de se mostrar duro nas suas relações com as forças sociais que exigem uma rectificação política do livre jogo dos mercados.
Excertos do artigo, com referências omitidas, de Wolfgang Streeck, “um império europeu à beira da ruptura”, publicado no Le Monde diplomatique – edição portuguesa deste mês. Nem de propósito, Hugo Mendes realizou uma excelente entrevista a este grande pensador alemão, publicada no último número da Manifesto, que o Nuno Serra divulgou ontem neste blogue.
Entretanto, de Wolfgang Streeck só está editado em Portugal o livro Tempo Comprado - A crise adiado do capitalismo democrático, que tive a oportunidade de recensear para a Revista Crítica de Ciências Sociais. Recomendo a tradução de Como é que o capitalismo terminará?, um livro que reúne de forma coerente textos dispersos por várias revistas académicas dos últimos anos. Repito o que escrevi em artigo recente, cruzando estes dois livros (referências igualmente omitidas):
Streeck inscreve o crescimento das desigualdades económicas registado nos países de capitalismo maduro numa tendência mais geral, em vigor desde a década de 1980, de divórcio entre o sistema socioeconómico e a democracia. A hegemonia do capitalismo neoliberal teria sido temporariamente assegurada, o tempo teria sido comprado pela financeirização, envolvendo, entre outros aspetos, a promoção de um individualismo possessivo alimentado pelo recurso ao crédito.
O preço deste processo tem sido a instabilidade financeira e económica crescentes, acompanhadas pelo acentuar das tendências catastróficas em matéria ambiental. Ao mesmo tempo, os Estados parecem cada vez mais impotentes democraticamente, dado que o poder do capital, com um grau de concentração e de centralização crescentes, molda as decisões políticas em regimes cada vez mais oligarquizados.
O paradoxo, segundo Streeck – que o leva a uma profecia sobre um fim original do capitalismo, numa espécie de desenlace bárbaro –, encontra-se aqui: o triunfo político na Guerra Fria foi de tal ordem, enfraquecendo de tal forma os seus freios e contrapesos socialistas, que a pulsão mercadorizadora capitalista, agora irrestrita, estaria a destruir as bases não mercantis de que o próprio capitalismo historicamente dependeu para assegurar uma certa estabilidade socioeconómica e política.
sábado, 25 de maio de 2019
Leituras: Revista Manifesto (nº 3)
Já se encontra disponível, nas livrarias e quiosques, o terceiro número (IIª série) da Revista Manifesto. Chamando a título de capa uma célebre frase do Manifesto do Partido Comunista, que alude ao poder de extensão das lógicas do capitalismo a todas as esferas da vida e à sua capacidade para reconfigurar as mais diversas formas de organização económica e social, o dossier desta edição dedica-se à análise, em diferentes planos, da atual crise das estruturas e formas de mediação.
Para além da entrevista a Wolfgang Streeck, incluída no dossier, destaque para o ensaio de Daniel Oliveira sobre o Brexit e, na secção de atualidade, para três reflexões sobre a Europa (Francisco Louçã, Ricard Bellera e Viriato Soromenho Marques), e o texto de Lúcia Gomes, que analisa a violência policial em bairros sociais. Ainda sobre a Europa, a republicação de um texto de Miguel Portas de 2005, na secção Memória e, nas secções Estórias e Portfólio, destaque para dois textos sobre César Manrique, no centenário do seu nascimento (Pilar del Rio e Fernando Aguilera) e para os trabalhos de João Almeida (fotografia) e Pedro Sequeira e Francisco Dias (desenho). No Contraditório discute-se, neste número, o uso terapêutico e recreativo da canábis (com contributos de Manuela Silva e Lucas Manarte, Aranda da Silva e Moisés Ferreira). As ilustrações de Manuel San Payo acompanham os textos deste volume.
A revista será apresentada na Feira do livro de Lisboa, no próximo dia 1 de junho, contando com a presença de Ana Drago, Pilar del Rio e Frederico Pinheiro.
(Para além das livrarias e quiosques, a revista pode igualmente ser adquirida na página da Fórum Manifesto).
Lista de Artigos:
ALEXANDRE ABREU, Democracia e capitalismo na era da financeirização...■…ALFREDO SOARES-FERREIRA, Contribuição para a definição de novos paradigmas de desenvolvimento...■...ALICE BRITO, A palavra é sagrada?...■...ANA MARGARIDA ESTEVES, A abordagem sistémica da transformação social: desafios para a esquerda...■...ANTÓNIO BRANDÃO MONIZ, O trabalho e a automatização: desafios de hoje...■...CELSO CRUZEIRO, Coimbra 1969 – O legado da luta...■...CRISTIANO GIANOLLA e GIOVANNI ALLEGRETTI, A Itália política em constante transição...■...DANIEL OLIVEIRA, No Brexit, sinto-me Corbyn...■...FERNANDO GÓMEZ AGUILERA, César Manrique: a escrita militante de um artista...■...FRANCISCO LOUÇÃ, A crise da política é um biombo de sala...■...HENRIQUE DE SOUSA, O sindicalismo e os atuais conflitos laborais: contos velhos, rumos novos?...■...ISABEL DO CARMO, Há algo de novo no movimento dos Gilets jaunes?...■...JOÃO AFONSO, Manuel Graça Dias – O arquiteto do país que ainda não ousámos ser...■...JOÃO M. ALMEIDA, Lentidão...■...JOSÉ ARANDA DA SILVA, Utilização da canábis e seus componentes para fins terapêuticos – Vantagens e riscos...■...LÚCIA GOMES, Ninguém corre! Ninguém corre!...■...MANUELA SILVA e LUCAS MANARTE, Canábis: mitos e realidades...■...MIGUEL PORTAS, Vinte anos depois...■...MOISÉS FERREIRA, Legalização é a melhor solução...■...PEDRO ADÃO E SILVA e FILIPE NUNES, Crise da social-democracia e novos movimentos políticos: é Portugal uma exceção?...■...PEDRO SEQUEIRA e FRANCISCO DIAS, Laboratório de Comunidades...■...PILAR DEL RIO, O artista que salvou Lanzarote faz 100 anos...■...RICARD BELLERA, Por um regresso da Europa à democracia, à segurança e ao trabalho...■...RUI GRAÇA FEIJÓ, Uma rosa dos ventos – Reflexão sobre o objectivo estratégico e opções tácticas da esquerda contemporânea...■...SANDRA MONTEIRO, A crise dos media e o espaço democrático da informação...■...VIRIATO SOROMENHO MARQUES, Depois da queda – Responder à pergunta de Hamlet...■...WOLFGANG STREECK (entrevista, por Hugo Mendes), Forças de mercado ingovernáveis são incompatíveis com a democracia.
Para além da entrevista a Wolfgang Streeck, incluída no dossier, destaque para o ensaio de Daniel Oliveira sobre o Brexit e, na secção de atualidade, para três reflexões sobre a Europa (Francisco Louçã, Ricard Bellera e Viriato Soromenho Marques), e o texto de Lúcia Gomes, que analisa a violência policial em bairros sociais. Ainda sobre a Europa, a republicação de um texto de Miguel Portas de 2005, na secção Memória e, nas secções Estórias e Portfólio, destaque para dois textos sobre César Manrique, no centenário do seu nascimento (Pilar del Rio e Fernando Aguilera) e para os trabalhos de João Almeida (fotografia) e Pedro Sequeira e Francisco Dias (desenho). No Contraditório discute-se, neste número, o uso terapêutico e recreativo da canábis (com contributos de Manuela Silva e Lucas Manarte, Aranda da Silva e Moisés Ferreira). As ilustrações de Manuel San Payo acompanham os textos deste volume.
A revista será apresentada na Feira do livro de Lisboa, no próximo dia 1 de junho, contando com a presença de Ana Drago, Pilar del Rio e Frederico Pinheiro.
(Para além das livrarias e quiosques, a revista pode igualmente ser adquirida na página da Fórum Manifesto).
Lista de Artigos:
ALEXANDRE ABREU, Democracia e capitalismo na era da financeirização...■…ALFREDO SOARES-FERREIRA, Contribuição para a definição de novos paradigmas de desenvolvimento...■...ALICE BRITO, A palavra é sagrada?...■...ANA MARGARIDA ESTEVES, A abordagem sistémica da transformação social: desafios para a esquerda...■...ANTÓNIO BRANDÃO MONIZ, O trabalho e a automatização: desafios de hoje...■...CELSO CRUZEIRO, Coimbra 1969 – O legado da luta...■...CRISTIANO GIANOLLA e GIOVANNI ALLEGRETTI, A Itália política em constante transição...■...DANIEL OLIVEIRA, No Brexit, sinto-me Corbyn...■...FERNANDO GÓMEZ AGUILERA, César Manrique: a escrita militante de um artista...■...FRANCISCO LOUÇÃ, A crise da política é um biombo de sala...■...HENRIQUE DE SOUSA, O sindicalismo e os atuais conflitos laborais: contos velhos, rumos novos?...■...ISABEL DO CARMO, Há algo de novo no movimento dos Gilets jaunes?...■...JOÃO AFONSO, Manuel Graça Dias – O arquiteto do país que ainda não ousámos ser...■...JOÃO M. ALMEIDA, Lentidão...■...JOSÉ ARANDA DA SILVA, Utilização da canábis e seus componentes para fins terapêuticos – Vantagens e riscos...■...LÚCIA GOMES, Ninguém corre! Ninguém corre!...■...MANUELA SILVA e LUCAS MANARTE, Canábis: mitos e realidades...■...MIGUEL PORTAS, Vinte anos depois...■...MOISÉS FERREIRA, Legalização é a melhor solução...■...PEDRO ADÃO E SILVA e FILIPE NUNES, Crise da social-democracia e novos movimentos políticos: é Portugal uma exceção?...■...PEDRO SEQUEIRA e FRANCISCO DIAS, Laboratório de Comunidades...■...PILAR DEL RIO, O artista que salvou Lanzarote faz 100 anos...■...RICARD BELLERA, Por um regresso da Europa à democracia, à segurança e ao trabalho...■...RUI GRAÇA FEIJÓ, Uma rosa dos ventos – Reflexão sobre o objectivo estratégico e opções tácticas da esquerda contemporânea...■...SANDRA MONTEIRO, A crise dos media e o espaço democrático da informação...■...VIRIATO SOROMENHO MARQUES, Depois da queda – Responder à pergunta de Hamlet...■...WOLFGANG STREECK (entrevista, por Hugo Mendes), Forças de mercado ingovernáveis são incompatíveis com a democracia.
sexta-feira, 24 de maio de 2019
Tudo isto é mau!
Veja as ideias fortes do PS que se apresenta a eleições com este video e pense se é este país que quer ter.
"Contas certas" é o título filme publicitário. Contas certas - orçamentais, julga-se! - é a causa por que Portugal está melhor, uma ideia que entronca tão bem no discurso da direita nacional liberal de que o Estado é que é o culpado de tudo de mal que existiu e existe no país. E que se nós reformarmos o Estado tudo irá melhor.
"Contas certas" - leia-se, o contra-argumento da direita que cola o PS a José Sócrates - fez com que o optimismo tenha voltado. "Contas certas" - isto é, a mesma linha que confirma a responsabilidade de Sócrates - é afinal a nossa salvação... à direita! "Contas certas" fez-nos ter o orgasmo de chegar ao défice mais baixo da democracia... sem que se pergunte se ter défice não seria melhor. "Contas certas" faz com que cresçamos como nunca crescemos no século XXI - falta dizer que neste século mal crescemos por razões que o PS nem tem coragem de analisar neste filme! Costa de ora em quando diz umas coisas, mas não traduz esse pensamento em nenhuma estratégia nacional que se veja e que não seja hoje... "Contas certas", porque lhe interessa ir buscar votos à direita.
E - veja-se lá - o filho do engraxador que veio para a cidade, que agora já tem um relógio e um fato, vai ser entrevistado por uma multinacional que lhe vai dar emprego de certeza. E o portuguesinho, coitado, vai cheio de orgulho de que o país agora está a andar bem... e vai convencer os estrangeiros de que agora é menino lindo. A única irreverência é que não leva gravata...
E é com esta musiquinha que o portuguesinho vai feliz à entrevista.
"Contas certas" é o título filme publicitário. Contas certas - orçamentais, julga-se! - é a causa por que Portugal está melhor, uma ideia que entronca tão bem no discurso da direita nacional liberal de que o Estado é que é o culpado de tudo de mal que existiu e existe no país. E que se nós reformarmos o Estado tudo irá melhor.
"Contas certas" - leia-se, o contra-argumento da direita que cola o PS a José Sócrates - fez com que o optimismo tenha voltado. "Contas certas" - isto é, a mesma linha que confirma a responsabilidade de Sócrates - é afinal a nossa salvação... à direita! "Contas certas" fez-nos ter o orgasmo de chegar ao défice mais baixo da democracia... sem que se pergunte se ter défice não seria melhor. "Contas certas" faz com que cresçamos como nunca crescemos no século XXI - falta dizer que neste século mal crescemos por razões que o PS nem tem coragem de analisar neste filme! Costa de ora em quando diz umas coisas, mas não traduz esse pensamento em nenhuma estratégia nacional que se veja e que não seja hoje... "Contas certas", porque lhe interessa ir buscar votos à direita.
E - veja-se lá - o filho do engraxador que veio para a cidade, que agora já tem um relógio e um fato, vai ser entrevistado por uma multinacional que lhe vai dar emprego de certeza. E o portuguesinho, coitado, vai cheio de orgulho de que o país agora está a andar bem... e vai convencer os estrangeiros de que agora é menino lindo. A única irreverência é que não leva gravata...
E é com esta musiquinha que o portuguesinho vai feliz à entrevista.
Não vai chover
No principal blogue da direita, José Manuel Fernandes afiança que vão chover raios e coriscos por causa de um artigo onde ensaia uma viragem eurocéptica para a direita portuguesa, em nome da defesa das democracias realmente existentes nas nações europeias, convocando para isso de Gaulle e Thatcher. Estas referências das direitas estavam no centro e noutro contexto histórico.
Sobre Thatcher, por exemplo, posso repetir-me, uma vez mais. Tendo sido também responsável, através dos comissários britânicos, pela construção do mercado único europeu nos decisivos anos oitenta, a elite dominante no Reino Unido decidiu ficar de fora da moeda única, dado que tinha confiança no seu poder, não precisando de mais mecanismos disciplinares externos. Afinal de contas, Thatcher tinha declarado que o seu maior triunfo era o novo trabalhismo de Tony Blair, ou seja, a ausência de alternativas. As mais inseguras elites do continente, em particular da França e do Sul, viram no Euro um meio de reforçar a integração supranacional, entregando poderes soberanos decisivos a instituições pós-democráticas e que tinham no seu ADN as regras económicas ortodoxas do ordoliberalismo, ou seja, da versão alemã deste paradigma.
Entretanto, se olharmos hoje para os partidos das direitas nacionais – do PSD ao CDS, passando pela Aliança, pelo PDR ou pelo Basta ou Chega ou lá o que é – verificamos que a viragem nacional-democrática pretensamente defendida por José Manuel Fernandes não aconteceu, nem vai provavelmente acontecer. Porquê? Paulo Portas, Paulo Rangel, Carlos Moedas ou Adolfo Mesquita Nunes no fundo explicam-no: a elite político-económica periférica sabe que um vínculo externo cada vez mais sólido e pós-democrático continua a ser a melhor garantia política para o seu projeto económico de transferência de recursos de baixo para cima. Este último tipo de transferência está articulado na periferia com a transferência de recursos de dentro para fora. Os neoliberais nacionais não são tolos; tola, e isto na melhor das hipóteses, é a social-democracia europeísta.
Deixem-me ser céptico: eu que gosto de pluralismo político, gostaria muito de ter uma direita conservadora, eurocéptica e verdadeiramente democrática, mas duvido que algum dia a economia política empurre nessa direcção. Aliás, duvido que o próprio José Manuel Fernandes vá nessa direcção de forma consequente. Nesta periferia europeia, a democracia depende de um programa de emancipação económica que só pode ser hoje em dia construído à esquerda, digamos. De resto, algum dia foi diferente?
quinta-feira, 23 de maio de 2019
O grito da elite
Teresa de Sousa entrevistou no Público um conjunto de personalidades sobre a chamada Europa. Entrevistou europeístas, mas também entrevistou europeístas. É o pluralismo que se pode esperar numa iniciativa patrocinada pelo banco BIG e que contou com o apoio da Comissão Europeia: de António Costa a Marcelo Rebelo de Sousa. Deu origem a um livro e tudo.
A linha editorial do Público nesta área parece uma espécie de Grito do Povo em versão euro-liberal, ou seja, um Grito da Elite para consumo periférico: dos editoriais de Manuel Carvalho às colunas de opinião de Teresa de Sousa, que tantas vezes aparecem no formato de notícias. Uma constante é o tratamento preconceituoso do nacionalismo, assim no singular. Para um jornal que se diz de referência, a ignorância em relação aos estudos sobre este tema é reveladora de uma certa ideologia ofuscadora, apoiada naturalmente pela Comissão Europeia: “o nacionalismo é uma doença contagiosa”, etc, etc, etc.
Repito-me também. No mundo real, as coisas são mais complicadas, incluindo no que aos nacionalismos, assim no plural, diz respeito: estamos perante um fenómeno político tão ideologicamente polifacetado quanto resiliente. De facto, uma brevíssima passagem pela literatura histórica e sociológica sobre o tema permite concluir que nacionalismos houve e há muitos: liberais e antiliberais, progressistas e reacionários, revolucionários e conservadores, das esquerdas e das direitas, de cima e de baixo, fascistas e antifascistas, imperialistas e anti-imperialistas, racistas e antirracistas.
Entretanto, desde Vicente Jorge Silva que a colonização da social-democracia pelo globalismo euro-liberal é uma das apostas ideológicas da linha editorial deste jornal. Quem não se recorda do enlevo pela Terceira Via. Graças sobretudo à integração europeia, este processo está concluído, como de resto se confirma pela convergência com o presidente dos ricos franceses, Macron 2017 = Le Pen 2022. No fundo, a social-democracia morre nos braços dos que a destruíram. Na UE, faz parte de uma elite que grita antes destes processos/simulacros eleitorais onde supostamente está tudo em jogo.
quarta-feira, 22 de maio de 2019
Pluralidade no ensino de economia: debates e soluções
Na próxima sexta-feira, dia 24 de maio, às 14h30, no ISEG, farei uma apresentação sobre o tema da pluralidade no ensino de economia.
O debate em torno da pluralidade no ensino de economia intensificou-se nos últimos anos, em especial desde a crise financeira. Conhecer esses debates e contribuir para a construção de um currículo com abordagens pedagógicas que favoreçam um maior espectro de influências intelectuais é hoje um imperativo para qualquer faculdade de economia que queira cumprir o seu compromisso perante os seus alunos e a sociedade.
A entrada é livre. Todos são bem-vindos.
Denúncia e impotência
A Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas (CCPJ) emitiu agora mesmo um comunicado em que se dá conta de muitas coisas. Da denúncia, mas também da impotência.
Primeiro, a denúncia.
"A CCPJ tem conhecimento, na sequência de vários pedidos de informação, da pressão a que muitos jornalistas, com carteira profissional, estão a ser sujeitos para produzir conteúdos patrocinados na forma de notícias, reportagens, entrevistas, e outros géneros jornalísticos. O jornalismo patrocinado, ou seja, trabalho que é executado em troca de um patrocínio comercial ou de qualquer outra forma de pagamento, é expressamente proibido pelo Estatuto do Jornalista".
A CCPJ alerta os jornalistas para a ilegalidade desses actos e para os riscos que correm.
Primeiro, a denúncia.
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Ainda o efeito perverso dos «rankings»
As «escolas devem preocupar-se em ensinar em vez de preparar alunos para exames. (...) "Devem olhar para o que se aprende e não para a avaliação”. (...) Quando chegam aos exames e provas de aferição, "os alunos não falham na memória (...) falham na análise e na crítica", disse o Secretário de Estado da Educação, lembrando os problemas que os estudantes têm revelado nas provas quando lhes é pedido para raciocinar, argumentar ou relacionar conceitos. (...) Ao analisar as dificuldades dos alunos nos exames nacionais, o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) encontrou um padrão: “Tudo o que ultrapassa o domínio do literal e explícito levanta dificuldades”, afirmou Paula Simões, directora de serviços de avaliação externa do IAVE. (...) Os alunos portugueses também têm dificuldades na estruturação do discurso. Segundo Paula Simões, “não é que não saibam, têm é dificuldade em dizer o que sabem”. Nas áreas das ciências, os estudantes revelaram dificuldades na resolução de problemas quando o exercício é complexo e não rotineiro. Mais curioso é que os melhores alunos — com média superior a 15 valores — também têm os resultados a descer quando são deparados com itens mais complexos, sublinhou a especialista, anunciando que a avaliação nos exames nacionais deste ano “vai ser orientada para o estímulo à interpretação e tratamento de informação”» (Público, 16 de maio de 2019).
O incentivo às práticas de seleção de alunos por parte das escolas, tendo em vista manter ou melhorar a sua posição nas listas ordenadas que os meios de comunicação social produzem, não é o único efeito perverso dos rankings. Aliás, sendo essas listas elaboradas a partir das classificações obtidas nas provas nacionais, percebe-se por que razão se foi instalando no sistema educativo uma nefasta cultura de «preparação para os exames», que não só subverte a função primordial das escolas (ensinar), como as descentra das principais competências a desenvolver (análise, interpretação, espírito crítico, aplicação dos conhecimentos a situações novas, etc.), a favor das lógicas de memorização.
Mais: não se trata apenas de afetar tempo, nos horários, para a dita «preparação para os exames» ou, o que não é pouco, de desvirtuar os próprios processos de ensino e aprendizagem, submetendo-os a uma finalidade (a avaliação) que em certo sentido lhes deveria ser estranha. Os entorses gerados pela «cultura dos rankings» e pelo consequente acirrar da concorrência entre escolas são de facto bem mais diversos e profundos, refletindo-se no incentivo à constituição de «turmas de nível» ou na distribuição de docentes e organização dos horários de turma. Com uma inocência que é apenas aparente, os rankings foram alimentando uma silenciosa subversão pedagógica que, em última instância, comporta sérias perdas em termos de equidade e ao nível da própria qualidade do ensino.
O incentivo às práticas de seleção de alunos por parte das escolas, tendo em vista manter ou melhorar a sua posição nas listas ordenadas que os meios de comunicação social produzem, não é o único efeito perverso dos rankings. Aliás, sendo essas listas elaboradas a partir das classificações obtidas nas provas nacionais, percebe-se por que razão se foi instalando no sistema educativo uma nefasta cultura de «preparação para os exames», que não só subverte a função primordial das escolas (ensinar), como as descentra das principais competências a desenvolver (análise, interpretação, espírito crítico, aplicação dos conhecimentos a situações novas, etc.), a favor das lógicas de memorização.
Mais: não se trata apenas de afetar tempo, nos horários, para a dita «preparação para os exames» ou, o que não é pouco, de desvirtuar os próprios processos de ensino e aprendizagem, submetendo-os a uma finalidade (a avaliação) que em certo sentido lhes deveria ser estranha. Os entorses gerados pela «cultura dos rankings» e pelo consequente acirrar da concorrência entre escolas são de facto bem mais diversos e profundos, refletindo-se no incentivo à constituição de «turmas de nível» ou na distribuição de docentes e organização dos horários de turma. Com uma inocência que é apenas aparente, os rankings foram alimentando uma silenciosa subversão pedagógica que, em última instância, comporta sérias perdas em termos de equidade e ao nível da própria qualidade do ensino.
terça-feira, 21 de maio de 2019
Recepção a Sérgio Moro: Fascismo Nunca Mais!
Sérgio Moro é convidado de honra nas Conferências do Estoril no próximo dia 28. Em 28 de maio de 1926, o fascismo instalava-se em Portugal. Em 28 de maio de 2019, receberemos o fascista brasileiro mostrando-lhe que não é bem vindo. Fascismo nunca mais, nem em Portugal nem no Brasil. Traz apitos, vuvuzelas, etc, para fazer barulho. Evento no Facebook.
segunda-feira, 20 de maio de 2019
A almofada europeia
Tendo tido a oportunidade de visitar várias vezes a bolha de Bruxelas, devo dizer que tenho uma enorme admiração pela firmeza intelectual e política revelada ao longo do tempo por vários deputados ao Parlamento Europeu que não desistem, mesmo em circunstâncias feitas para gerar adaptação de preferências.
Afinal de contas, e como disse o saudoso Robert Cox, um dos fundadores da economia política internacional, a propósito da ilusão de que as coisas podem ser radicalmente mudadas a partir de organizações internacionais: aí “a hegemonia é como uma almofada: absorve os choques e, mais tarde ou mais cedo, o aspirante a pugilista concluirá que é confortável descansar nela”.
domingo, 19 de maio de 2019
Já não há paciência
Confesso que já não tenho qualquer paciência para os queixumes, mais ou menos cínicos, mais ou menos ingénuos, de intelectuais e políticos europeístas: ai que não se discute a tal Europa nas chamadas eleições europeias; ai que se está a perder mais uma oportunidade, ainda para mais agora que é tudo tão importante, etc, etc, etc, até ao tédio final.
Os mais ingénuos parecem achar que as relações internacionais são uma espécie de colóquio sobre relações internacionais. Os mais cínicos sabem que as eleições europeias são no fundo um simulacro, dado que a UE é uma superestrutura pós-democrática, feita para esvaziar a democracia onde há povo, nas nações europeias.
Perante este estado de coisas, há duas hipóteses: a primeira, consiste basicamente na ignorância, na ignorância racional, como lhe chamam alguns economistas convencionais, sabendo que não se pode fazer grande coisa para mudar o estado de coisas ao nível de um Parlamento Europeu (PE) que francamente nunca devia ter sido criado; a segunda, consiste em usar todas as oportunidades e todos os espaços, mesmo o que parecem mais irrelevantes, para popularizar uma certa noção do interesse nacional. Eu favoreço a segunda hipótese, mas acho que a primeira pode ajudar a explicar uma parte da abstenção.
Sim, nestas eleições só se devem levantar questões nacionais, sabendo que estas exigem uma atitude de defesa perante a UE realmente existente. Sim, precisamos de uma espécie de realismo defensivo, em versão radicalmente democrática.
sexta-feira, 17 de maio de 2019
O que é que há para comemorar?
Os círculos atlanticistas estão a comemorar os 70 anos da fundação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). É caso para perguntar: o que é que há para comemorar? Temos é pelo menos três razões para lamentar estes 70 anos.
Em primeiro lugar, é necessário lembrar que a OTAN, da qual Portugal foi fundador, constituiu uma útil âncora externa para o saber durar do regime salazarista, ou seja, da variante lusa do fascismo.
Em segundo lugar, creio que não é por acaso que a Constituição da República Portuguesa diz o seguinte no seu artigo 7.º sobre relações internacionais: “Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança coletiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.”
Em terceiro lugar, o fim da chamada Guerra Fria, revelou a natureza expansionista deste bloco político-militar, na ausência de freios e contrapesos, uma organização associada ao militarismo destruidor de vários Estados ou ao incremento deliberado de perigosas tensões geopolíticas, geradoras de insegurança colectiva.
Realmente, o que é que há para comemorar?
Em primeiro lugar, é necessário lembrar que a OTAN, da qual Portugal foi fundador, constituiu uma útil âncora externa para o saber durar do regime salazarista, ou seja, da variante lusa do fascismo.
Em segundo lugar, creio que não é por acaso que a Constituição da República Portuguesa diz o seguinte no seu artigo 7.º sobre relações internacionais: “Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança coletiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.”
Em terceiro lugar, o fim da chamada Guerra Fria, revelou a natureza expansionista deste bloco político-militar, na ausência de freios e contrapesos, uma organização associada ao militarismo destruidor de vários Estados ou ao incremento deliberado de perigosas tensões geopolíticas, geradoras de insegurança colectiva.
Realmente, o que é que há para comemorar?
quinta-feira, 16 de maio de 2019
Lições de um truque
O truque politiqueiro de António Costa, que deleitou os tudólogos da política e os media, deixa-nos algumas lições sobre o que Costa e Centeno querem fazer connosco depois de outubro. 1. Voltar a domar a força de trabalho. Se inteiras classes profissionais e uma grande parte dos trabalhadores ganharam novas expectativas quando julgaram que, derrotando a direita, derrotavam a austeridade punitiva, é preciso não lhes conceder vitórias (...) Costa regressou à tradição histórica (Soares, 1976-77 e 1983-85, Sócrates, 2005-11) que do PS conhecíamos demasiadamente bem: se necessário, ofender os direitos e esmagar as expectativas dos grupos sociais que os levaram ao poder, punindo-os com a mesma política e a mesma explicação moral que a direita usa(ria), ao mesmo tempo que se lhes pede gratidão porque com a direita seria ainda pior... 2. Inscrever Centeno na História como outro mago das Finanças — antes, claro, de ele acabar em Bruxelas, ou num gabinete secundário do BCE, ou, pior um pouco, em alguma consultoria da Goldman Sachs, daquelas que o Norte entrega a um “bom aluno” do Sul para que o guie pelos Suis do mundo. Esta categoria ficcional dos magos das Finanças tem, como sabemos, grande sucesso em Portugal (...) O que Centeno pede a milhões de portugueses com salário e reformas mínimas é que não tentem perceber sequer a enormidade das injeções na banca, mas que se escandalizem com os “privilégios” dos professores, desrespeitadores do resto dos funcionários, dos alunos, dos pais, dirigidos por um “extremista” que é preciso parar definitivamente!
Manuel Loff, Lições aprendidas, Público de hoje.
Manuel Loff, Lições aprendidas, Público de hoje.
O efeito dos «rankings» e o papel das políticas
O recente estudo da OCDE (Balancing School Choice and Equity), que integra uma análise da segregação de alunos nas matrículas a partir do seu desempenho escolar (o qual reflete, como bem se sabe, as diferenças de estatuto socioeconómico), veio validar, com números, duas perceções difusas sobre as práticas das escolas neste aspeto. Por um lado, a ideia de que os estabelecimentos de ensino privados procedem, desde há muito, à seleção elitista dos seus alunos (mesmo no caso de Contratos de Associação) e, por outro, que as escolas públicas têm aderido crescentemente a essa prática, explorando as margens de manobra que a lei permita.
De acordo com os dados agora divulgados, em 2015 cerca de 4 em cada 5 estabelecimentos de ensino privado (82%) selecionava os seus alunos com base no desempenho escolar. Ou seja, um valor muito acima do registado na União Europeia e na OCDE (55 e 56%) e que contrasta com os resultados obtidos para as escolas públicas, em que «apenas» 28% admitem recorrer à seleção de alunos com base no seu desempenho, abaixo portanto do valor registado na UE (37%) e na OCDE (39%). Tudo indica, porém, tratar-se de uma prática que se expandiu num tempo recente, com o aumento expressivo a partir de 2009 (ano em que apenas 1% das escolas declarou preferir e preterir alunos, no ato de matrícula, em função do seu percurso escolar).
Perante estes resultados e a sua evolução, há dois fatores essenciais a considerar. Por um lado, a instauração de uma cultura de competição por vezes férrea entre estabelecimentos de ensino, que se manifesta de várias formas e que foi em grande medida reforçada pela divulgação dos rankings, produzidos em regra a partir da ordenação simplista, superficial e acrítica dos resultados dos exames, apresentando às famílias as supostamente «melhores e piores escolas». Por outro lado, o aligeiramento do princípio da área de influência dos estabelecimentos de ensino, para efeitos de matrícula, promovido por Nuno Crato e que veio instigar e reforçar práticas de seleção de alunos, contribuindo para agravar trajetórias de divergência cumulativa entre escolas.
Os dados agora divulgados pela OCDE reportam-se a 2015. Desde então, o governo e a maioria de esquerda que o suporta estabeleceram medidas para contrariar o efeito perverso dos rankings e as más práticas que se lhes associam. Entre elas, o combate às falsas matrículas, no âmbito da recuperação do princípio da área da influência das escolas, e o desenvolvimento de abordagens alternativas à simples ordenação de escolas a partir das notas dos exames. Face ao modo como a «cultura dos rankings» se impregnou nas escolas, nos meios de comunicação social e na opinião pública, não é expectável que estas medidas tenham um resultado imediato nem que sejam, por si só, suficientes para recentrar as escolas na sua missão essencial. Mas constituem, sem dúvida, passos politicamente relevantes na direção certa.
De acordo com os dados agora divulgados, em 2015 cerca de 4 em cada 5 estabelecimentos de ensino privado (82%) selecionava os seus alunos com base no desempenho escolar. Ou seja, um valor muito acima do registado na União Europeia e na OCDE (55 e 56%) e que contrasta com os resultados obtidos para as escolas públicas, em que «apenas» 28% admitem recorrer à seleção de alunos com base no seu desempenho, abaixo portanto do valor registado na UE (37%) e na OCDE (39%). Tudo indica, porém, tratar-se de uma prática que se expandiu num tempo recente, com o aumento expressivo a partir de 2009 (ano em que apenas 1% das escolas declarou preferir e preterir alunos, no ato de matrícula, em função do seu percurso escolar).
Perante estes resultados e a sua evolução, há dois fatores essenciais a considerar. Por um lado, a instauração de uma cultura de competição por vezes férrea entre estabelecimentos de ensino, que se manifesta de várias formas e que foi em grande medida reforçada pela divulgação dos rankings, produzidos em regra a partir da ordenação simplista, superficial e acrítica dos resultados dos exames, apresentando às famílias as supostamente «melhores e piores escolas». Por outro lado, o aligeiramento do princípio da área de influência dos estabelecimentos de ensino, para efeitos de matrícula, promovido por Nuno Crato e que veio instigar e reforçar práticas de seleção de alunos, contribuindo para agravar trajetórias de divergência cumulativa entre escolas.
Os dados agora divulgados pela OCDE reportam-se a 2015. Desde então, o governo e a maioria de esquerda que o suporta estabeleceram medidas para contrariar o efeito perverso dos rankings e as más práticas que se lhes associam. Entre elas, o combate às falsas matrículas, no âmbito da recuperação do princípio da área da influência das escolas, e o desenvolvimento de abordagens alternativas à simples ordenação de escolas a partir das notas dos exames. Face ao modo como a «cultura dos rankings» se impregnou nas escolas, nos meios de comunicação social e na opinião pública, não é expectável que estas medidas tenham um resultado imediato nem que sejam, por si só, suficientes para recentrar as escolas na sua missão essencial. Mas constituem, sem dúvida, passos politicamente relevantes na direção certa.
quarta-feira, 15 de maio de 2019
Uma história de negligência
Se quer conhecer toda a história das estranhas relações entre a banca e o José Berardo, leia o artigo que saiu hoje no jornal Público, da jornalista Cristina Ferreira.
No artigo, lembra-se:
1) as nubladas razões por que nunca foram executadas as garantias dos três bancos (CGD, BCP e Novo Banco), detentores de garantias sobre uma dívida de José Berardo de mil milhões de euros;
2) as iniciativas levadas a cabo por Berardo e o seu advogado para anular as diligências dos bancos para controlar o acervo da Associação Colecção Berardo;
3) a estranha coincidência de uma acção judicial, levada a cabo por um anónimo cidadão de Palmela que é familiar do advogado de José Berardo, o qual requereu a nulidade dessas diligências e conseguindo - sem que os credores soubessem dessa acção - a declaração judicial da nulidade dos direitos dos credores;
No artigo, lembra-se:
1) as nubladas razões por que nunca foram executadas as garantias dos três bancos (CGD, BCP e Novo Banco), detentores de garantias sobre uma dívida de José Berardo de mil milhões de euros;
2) as iniciativas levadas a cabo por Berardo e o seu advogado para anular as diligências dos bancos para controlar o acervo da Associação Colecção Berardo;
3) a estranha coincidência de uma acção judicial, levada a cabo por um anónimo cidadão de Palmela que é familiar do advogado de José Berardo, o qual requereu a nulidade dessas diligências e conseguindo - sem que os credores soubessem dessa acção - a declaração judicial da nulidade dos direitos dos credores;
Silêncios interesseiros
Filme: "Este país não é para velhos", Cohen |
Marcelo diz que esteve mais de uma semana calado porque "tudo o que dissesse limitava a liberdade". A sua liberdade de decisão quanto ao eventual diploma sobre o tempo de serviço dos professores.
Na verdade, Marcelo esteve fortemente envolvido no tema da "crise" quando - fruto do seu destempero e hiper-actividade inconstitucional, que o faz sentir-se invulnerável - pressionou o governo a negociar mais com os sindicatos. E quando a "crise" rebentou, atingiu-o em cheio no peito.
Por isso, Marcelo quis ficar quieto, fingindo-se morto, antes que tudo lhe caísse em cima, como caiu em cima de Rui Rio e de Assunção Cristas. Cristas falou e perdei. Rui Rio tentou o silêncio, mas não conseguiu. Marcelo hibernou e a coisa passou.
Agora, com o tema do SIRESP e sobre a possibilidade de nacionalização ou de aquisição por parte do Estado de posição majoritária no seu capital, Marcelo mantém-se igualmente calado. E diz que não fala por ser... um processo em curso e sensível. Na verdade, trata-se de um tema que lhe é caro - os incêndios - e sobre o qual Marcelo interveio tanto e tão repetidamente...
Mas há bem pouco tempo, Marcelo fartou-se de intervir - e mal! - sobre a Lei de Bases da Saúde e, esse também, era "um processo em curso e sensível". Noutro tema - sobre a contratação pública de familiares - até interveio raiando a inconstitucionalidade, quando quis propor leis ao governo sobre o seu gabinete!
terça-feira, 14 de maio de 2019
Pensadoras da economia, no ISEG
Quando falamos da história da Economia, o mais frequente é encontrarmos autores como Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx, John Maynard Keynes, Milton Friedman... Quantas vezes teremos ouvido falar de pensadoras da economia? Embora sejam esquecidas nos programas de estudo da licenciatura e mestrado, a verdade é que as mulheres desempenharam e desempenham papéis importantes na evolução da teoria económica. É por esse motivo que o Colectivo Economia Plural organiza dois debates sobre duas economistas atuais e dois temas importantes: sobre a Ursula Huws e o impacto das novas tecnologias no mundo do trabalho (15 Maio), e sobre a Marianna Mazzucato, a inovação e o papel do Estado (22 Maio).
A entrada é livre e aberta a todos/as. Apareçam!
Só com a natalidade não vamos lá
1. O título deste post inspira-se na frase de um cartaz dos Gato Fedorento e vem ainda a propósito das recentes declarações de Cavaco Silva, que de uma penada reduz a complexa questão da sustentabilidade das pensões a um problema demográfico e, enquanto problema demográfico, a uma mera questão de natalidade (desprezando tudo o que possa ter que ver com fluxos migratórios). Para Cavaco, «o problema tem que ser resolvido através de uma política muito forte de apoio à natalidade», de «políticas que sejam capazes de convencer os casais a ter mais filhos».
2. Este menosprezo sonso pela importância das migrações para a sustentabilidade demográfica do país não é novo. Perante a sangria migratória de 2011 a 2015 (apenas comparável, nos seus valores, com os anos sessenta do século passado) - quando o governo de Coelho e Portas convidava os portugueses a emigrar e a sair da sua «zona de conforto» - não há memória de uma palavra relevante do ex-presidente sobre o assunto. Quando muito, ficou o sinal dado pela ex-primeira-dama Maria Cavaco Silva, que considerou, nessa altura, que a «emigração sempre existira, mesmo sem crise», preferindo portanto enaltecer a «abertura ao mundo como um mundo de oportunidades».
3. O problema é que, mesmo do estrito ponto de vista da natalidade, o recente recrudescer da emigração deveria ter inquietado Cavaco Silva. De facto, do total de emigrantes nesse período (cerca de 586 mil), mais de 90% (540 mil) encontrava-se em idade ativa (15 a 64 anos), o que não é despiciente para um país com cerca de 10 milhões de habitantes. E mesmo considerando apenas os emigrantes com menos de 40 anos (e portanto com maiores níveis de fecundidade), obtém-se um valor que ronda os 392 mil (67% do total), permitindo perceber com clareza o impacto negativo, a curto, médio e longo prazo, para uma eventual recuperação da taxa de natalidade.
4. A emigração é contudo apenas uma parte da história. A outra diz respeito à importância da imigração, que desde os anos noventa do século passado tem contribuído para atenuar o declínio demográfico português. Aliás, os recentes sinais de inversão da tendência de perda de população residente (que se mantém contudo no negativo), devem-se essencialmente ao contributo da população residente estrangeira. De outro modo, isto é, caso se considerassem apenas os residentes nacionais, Portugal registaria uma quebra da sua população residente na ordem dos -0,4% ao ano (e não de -0,2%, que se registam ao considerar o total da população residente).
5. Além disso, importa igualmente não subestimar a diferença entre as taxas de natalidade registadas no universo dos residentes estrangeiros e no universo dos residentes nacionais, situada em mais de dez pontos percentuais (ou seja, com um valor próximo dos 20 mil nados-vivos com mãe estrangeira por cada mil estrangeiros e de apenas 8 por mil no caso de mães portuguesas). Aliás, não só essa diferença é expressiva como tem vindo a acentuar-se nos últimos anos, dada a estagnação da taxa de natalidade no universo da população residente nacional.
6. Como é hábito, ninguém pediu a Cavaco Silva para desenvolver o seu ponto e explicar em que se traduziria a sua «política muito forte de apoio à natalidade». Contudo, dado não ser propriamente um crítico do empobrecimento competitivo (e da flexibilização das relações laborais que se lhe associa, para além do corte de rendimentos), e uma vez que desvaloriza a importância da imigração e do acolhimento de refugiados para o reequilíbrio demográfico, é legítimo pensar que o ex-presidente possa ter apenas em mente os tradicionais subsídios e, eventualmente, uma espécie de campanha porta-a-porta, para «convencer os casais a ter mais filhos».
2. Este menosprezo sonso pela importância das migrações para a sustentabilidade demográfica do país não é novo. Perante a sangria migratória de 2011 a 2015 (apenas comparável, nos seus valores, com os anos sessenta do século passado) - quando o governo de Coelho e Portas convidava os portugueses a emigrar e a sair da sua «zona de conforto» - não há memória de uma palavra relevante do ex-presidente sobre o assunto. Quando muito, ficou o sinal dado pela ex-primeira-dama Maria Cavaco Silva, que considerou, nessa altura, que a «emigração sempre existira, mesmo sem crise», preferindo portanto enaltecer a «abertura ao mundo como um mundo de oportunidades».
3. O problema é que, mesmo do estrito ponto de vista da natalidade, o recente recrudescer da emigração deveria ter inquietado Cavaco Silva. De facto, do total de emigrantes nesse período (cerca de 586 mil), mais de 90% (540 mil) encontrava-se em idade ativa (15 a 64 anos), o que não é despiciente para um país com cerca de 10 milhões de habitantes. E mesmo considerando apenas os emigrantes com menos de 40 anos (e portanto com maiores níveis de fecundidade), obtém-se um valor que ronda os 392 mil (67% do total), permitindo perceber com clareza o impacto negativo, a curto, médio e longo prazo, para uma eventual recuperação da taxa de natalidade.
4. A emigração é contudo apenas uma parte da história. A outra diz respeito à importância da imigração, que desde os anos noventa do século passado tem contribuído para atenuar o declínio demográfico português. Aliás, os recentes sinais de inversão da tendência de perda de população residente (que se mantém contudo no negativo), devem-se essencialmente ao contributo da população residente estrangeira. De outro modo, isto é, caso se considerassem apenas os residentes nacionais, Portugal registaria uma quebra da sua população residente na ordem dos -0,4% ao ano (e não de -0,2%, que se registam ao considerar o total da população residente).
5. Além disso, importa igualmente não subestimar a diferença entre as taxas de natalidade registadas no universo dos residentes estrangeiros e no universo dos residentes nacionais, situada em mais de dez pontos percentuais (ou seja, com um valor próximo dos 20 mil nados-vivos com mãe estrangeira por cada mil estrangeiros e de apenas 8 por mil no caso de mães portuguesas). Aliás, não só essa diferença é expressiva como tem vindo a acentuar-se nos últimos anos, dada a estagnação da taxa de natalidade no universo da população residente nacional.
6. Como é hábito, ninguém pediu a Cavaco Silva para desenvolver o seu ponto e explicar em que se traduziria a sua «política muito forte de apoio à natalidade». Contudo, dado não ser propriamente um crítico do empobrecimento competitivo (e da flexibilização das relações laborais que se lhe associa, para além do corte de rendimentos), e uma vez que desvaloriza a importância da imigração e do acolhimento de refugiados para o reequilíbrio demográfico, é legítimo pensar que o ex-presidente possa ter apenas em mente os tradicionais subsídios e, eventualmente, uma espécie de campanha porta-a-porta, para «convencer os casais a ter mais filhos».
segunda-feira, 13 de maio de 2019
Joaquim Miranda Sarmento e a falácia do saldo estrutural
Joaquim Miranda Sarmento (conselheiro económico de Rui Rio) acaba de escrever um artigo no ECO (aqui), onde defende que o governo fez pouca consolidação orçamental estrutural e que isso colocará o país numa posição frágil no futuro.
Para realizar a sua análise, socorre-se do conceito de saldo orçamental estrutural, uma variável económica não observável que depende do cálculo do PIB potencial - que por sua vez depende do cálculo da taxa estrutural de desemprego - dois conceitos cuja estimação está envolta em caloroso debate no seio da investigação económica.
Num exercício pleno de contorcionismo teórico, Miranda Sarmento pretende, de forma surpreendente, desvalorizar a consolidação orçamental do governo socorrendo-se de um instrumento estatístico cuja fiabilidade é mais do que discutível. Uma vez mais, tudo vale para fazer valer o seu ponto. A crítica que se pode fazer ao governo é de ter enveredado por uma consolidação demasiado rápida, sacrificando os serviços públicos e o investimento público essencial ao desenvolvimento potencial da economia. Acenar com a escassez de consolidação orçamental é um caminho destituído de qualquer sensatez.
Para desconstruir o conceito de saldo estrutural utilizado por Miranda Sarmento, republico grande parte de um longo post que publiquei há cerca de um ano, onde procurei demonstrar que a taxa estrutural de desemprego, e por conseguinte o PIB potencial e o saldo estrutural, são conceitos cuja mais recente evidência empírica tem lançado ao descrédito.
No principal excerto do texto, no que respeita a este ponto, pode ler-se: "as estimativas da taxa de desemprego natural são uma componente fundamental no cálculo do PIB Potencial, indicador que, por sua vez, é utilizado para calcular o saldo estrutural, variável determinante para as metas do Tratado Orçamental. Se a taxa de desemprego natural for sobrestimada (como sucede com as estimativas da CE), geram-se estimativas subestimadas do PIB potencial. Estimativas subestimadas do PIB Potencial refletem-se, por sua vez, num output gap (diferença entre o PIB real e o PIB potencial) menor do que o esperado e, por conseguinte, a uma sobrestimação do défice estrutural. Este impacto pode ascender a centenas de milhões de euros, que se refletirão nas escolhas orçamentais das autoridades nacionais em áreas como a Saúde e a Educação e, por consequência, nas nossas vidas."
O texto completo encontra-se reproduzido abaixo e deve ser lido por todos quantos pretendam desconstruir os argumentos apresentados por Joaquim Miranda Sarmento na sua crónica. Espero que seja útil.
“A economia portuguesa aproxima-se da sua taxa de desemprego estrutural, logo o governo não conseguirá reduções adicionais significativas da taxa de desemprego, devendo focar-se em atingir ganhos de produtividade; reduzir a taxa de desemprego estrutural é um processo de longo-prazo, só alcançável com o aprofundamento da flexibilização da legislação laboral”.
Esta ideia tem sido veiculada em diferentes momentos do tempo e sob diversas formas. O exemplo mais recente é-nos dado pelas declarações de Fernando Alexandre em entrevista à TSF/Dinheiro Vivo (ver aqui), onde afirma: “O desemprego já está a entrar em valores que começam a aproximar-se daquilo que os economistas chamam de taxa natural de desemprego, que é uma taxa de desemprego a longo prazo, o que limita a possibilidade de crescer reduzindo o desemprego e que é o que tem permitido o crescimento da economia nos últimos anos. Essa pode ser uma restrição, ou seja, para crescermos nos próximos anos vamos precisar de ter aumentos de produtividade (...)”.
Antes de avançarmos para a análise crítica desta citação, é oportuno reconhecer a aparente razoabilidade do raciocínio. A taxa de desemprego portuguesa encontra-se nos 7,9%, abaixo da taxa natural de desemprego calculada pela Comissão Europeia para os anos de 2017 (9,9%) e 2018 (9,1%). Se a taxa de desemprego natural constituísse, de facto, uma limitação à expansão do emprego, como defende Fernando Alexandre, o decréscimo adicional da taxa de desemprego seria inviável num horizonte de médio-prazo. Incapaz de crescer em volume -aumentando o número de trabalhadores que produzem o mesmo valor de produto médio - a economia portuguesa teria de crescer através do aumento da produtividade – mantendo ou reduzindo o número de trabalhadores empregados, mas aumentando o valor de produto médio produzido por trabalhador.
O vício deste raciocínio – como será fácil de antever – reside no conceito de taxa natural de desemprego. Fernando Alexandre evoca-o de forma concludente a meio da entrevista, servindo-se da sua validade técnica para demonstrar a superioridade do seu argumento. Veremos que esse caminho lógico está longe de ser linear. Para ilustrar as suas fragilidades, dedicaremos as secções seguintes à história deste conceito e às suas implicações presentes.
Não há coincidências no porno-riquismo
Enfim, lendo estes dois números confirma-se implicitamente que o porno-riquismo é indissociável da financeirização do capitalismo, feita da chamada liberdade circulação de capitais, de crédito e de dívida sem controlo, de especulação, de infernos fiscais, do nexo finança-imobiliário, com turismo e arte à mistura. Esta última, a fazer fé na colecção dita Berardo, é um apêndice cada vez mais desinteressante da especulação financeira. A banca pública, a CGD, obrigada pelas regras europeias e pela colonização ideológica, a comportar-se cada vez mais como um banco privado, faz parte desta economia política imoral.
Sem controlo de capitais, sem uma banca pública dominante, com uma lógica de serviço público, ao serviço do investimento produtivo, sem socialização, por via fiscal, das mais-valias fundiárias, sem impostos mais progressivos, sem um Banco realmente de Portugal, subordinado às prioridades da democracia, entre outras medidas, na maior parte dos casos proibidas pela integração europeia, tudo isto vai continuar, com estes ou com outros protagonistas. Os apelidos importam menos do que a estrutura que os gera. Também aqui, não há coincidências.
domingo, 12 de maio de 2019
Um jornal que não esquece o muro europeu
O que leva o governo a considerar uma «bomba orçamental», com a qual não pode continuar a governar, uma medida que parece da mais elementar justiça social e que implica dotações orçamentais bem menos pesadas e discutíveis do que as que assume quando injecta dinheiro nessa «conta calada» que é o fundo de resolução do Novo Banco, em benefício de um «fundo abutre» como o Lone Star (ver, nesta edição, o artigo de Manuel Brandão Alves), ou quando alimenta com dinheiro do Orçamento do Estado negócios privados como o da saúde? O que leva o governo a esquecer que não há «sustentabilidade futura» para a escola pública sem profissionais motivados para desempenhar uma das profissões mais decisivas para tudo o que de bom ocorre numa sociedade – da coesão social à produtividade no trabalho, do conhecimento aos valores das gerações futuras? Será que o governo considera que esta contagem integral do tempo de serviço prejudica eventuais propósitos de revisão do Estatuto da Carreira Docente, numa próxima legislatura, para os quais poderá contar com o apoio da direita? (...)
A questão dos professores só nos desvia do debate sobre as eleições para o Parlamento Europeu se nos recusarmos a ver como a sua luta está a embater no muro europeu e, com isso, a pôr a nu os limites de se combater a austeridade sem afrontar a União Europeia.
Sandra Monteiro, Os professores no muro europeu, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Maio de 2019.
Para lá de excertos do editorial de Sandra Monteiro, que podem ler na íntegra no sítio do jornal, deixo-vos, como sempre, o resumo deste número:
“Na edição de Maio, destacamos uma análise de Maria Clara Murteira sobre as ‘novas-velhas profecias sobre o futuro das pensões’. Num contexto de discussão sobre as prioridades orçamentais, suscitada pela contagem do tempo de serviço dos professores, regressamos, numa análise de Manuel Brandão Alves, à solução ruinosa encontrada para o Novo Banco. As dragagens planeadas para o estuário do rio Sado levam Luís Fazendeiro a perguntar quem beneficia do projecto e que preço se paga por ele. Luís Bernardo reflecte sobre uma dimensão particular do projecto liberal, a da sua relação com a liberdade religiosa e com o Estado. A cartografia de uma paisagem sonora em bairros de Lisboa é trazida por Fernando Ramalho e Ana Moya Pellitero, enquanto Cecília Silveira assina uma banda desenhada sobre as voltas do mundo.
No internacional, salientamos uma reflexão de Wolfgang Streeck sobre a União Europeia, um ‘império à beira da ruptura’, e questionamos as possibilidades de uma política industrial europeia. As repercussões do Relatório Mueller, nos Estados Unidos, e as evoluções do caso de Julian Assange são também uma proposta de Maio. Neste mês do trabalho, fomos ainda à procura das tensões e desafios ao sindicalismo numa França marcada pela contestação dos ‘coletes amarelos’. Continuamos a acompanhar as movimentações sociais e políticas na Argélia, olhando para o papel dos adeptos de futebol, e no Sudão. E passeamos pelo bairro de Notre-Dame, a ‘catedral ferida’.”
Sandra Monteiro, Os professores no muro europeu, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Maio de 2019.
Para lá de excertos do editorial de Sandra Monteiro, que podem ler na íntegra no sítio do jornal, deixo-vos, como sempre, o resumo deste número:
“Na edição de Maio, destacamos uma análise de Maria Clara Murteira sobre as ‘novas-velhas profecias sobre o futuro das pensões’. Num contexto de discussão sobre as prioridades orçamentais, suscitada pela contagem do tempo de serviço dos professores, regressamos, numa análise de Manuel Brandão Alves, à solução ruinosa encontrada para o Novo Banco. As dragagens planeadas para o estuário do rio Sado levam Luís Fazendeiro a perguntar quem beneficia do projecto e que preço se paga por ele. Luís Bernardo reflecte sobre uma dimensão particular do projecto liberal, a da sua relação com a liberdade religiosa e com o Estado. A cartografia de uma paisagem sonora em bairros de Lisboa é trazida por Fernando Ramalho e Ana Moya Pellitero, enquanto Cecília Silveira assina uma banda desenhada sobre as voltas do mundo.
No internacional, salientamos uma reflexão de Wolfgang Streeck sobre a União Europeia, um ‘império à beira da ruptura’, e questionamos as possibilidades de uma política industrial europeia. As repercussões do Relatório Mueller, nos Estados Unidos, e as evoluções do caso de Julian Assange são também uma proposta de Maio. Neste mês do trabalho, fomos ainda à procura das tensões e desafios ao sindicalismo numa França marcada pela contestação dos ‘coletes amarelos’. Continuamos a acompanhar as movimentações sociais e políticas na Argélia, olhando para o papel dos adeptos de futebol, e no Sudão. E passeamos pelo bairro de Notre-Dame, a ‘catedral ferida’.”
sábado, 11 de maio de 2019
Tortura capitalista
Não se compreende, contudo, o espanto dos deputados à direita.
Durante toda a sessão sentiu-se a impotência dos deputados em lidar com o mais completo desordenamento legal do capitalismo vigente, a imagem perfeita da total opacidade legal que viabiliza que o alto rendimento use todos os expedientes legais que lhe estão à disposição - aprovados pelo Parlamento com maiorias de PS, PSD e CDS ou em diplomas nunca avocados pelos deputados para alterar a lei -, criados para evitar que os seus detentores sejam desapropriados, tributados ou simplesmente responsabilizados e castigados por desmandos, má-fé contratual. E sempre protegidos por uma guarda-pretoriana de advogados.
Foi o caso de André Luiz Gomes - ex-membro do conselho consultivo da CMVM e ex-advogado no escritório Quatrecasas Gonçalves Pereira & Associados, presente nas administrações das sociedades em que Berardo está presente, incluindo no BCP - que, como Berardo contou na sessão, lhe montou numa noite toda a arquitectura do seu "universo". A tal ponto que, quando um deputado do PSD lhe pede que explique esse organograma, tem de ser o advogado a traçar as ligações entre as diversas entidades e o que cada uma delas faz! (ver foto ao lado).
Mas é eficaz: os seus interesses ficam protegidos. É através desses universo que Berardo pede emprestado centenas de milhões de euros, dando como penhor o que formalmente não lhe pertence. E em cada passo dado através destes esquemas, há sempre alguém do Estado a legitimar tudo. É o caso do empréstimo concedido pelo banco público, é o caso dos contratos firmados com o "universo" Berardo em que ele está sempre no fim da linha de quem manda. E nada acontece. Ninguém no Estado é questionado a sério.
A Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Colecção Berardo (FCB) é uma entidade de direito privado de utilidade pública, criada em Agosto de 2006, para a "instalação, manutenção e gestão do Museu Colecção Berardo". Os seus custos de funcionamento ficaram então assegurados com um subsídio anual do Ministério da Cultura. O conselho de administração tinha cinco membros. Dois pelo Estado, dois indicados por Berardo e um quinto de comum acordo. Ainda em 2010, os quatro representantes do Estado e de Berardo escolherem como quinto elemento o advogado António Vitorino, dirigente socialista e advogado do escritório Quatrecasas Gonçalves Pereira & Associados, cujos advogados são os de Berardo. Vitorino não ocupa actualmente os corpos sociais da Fundação.
quinta-feira, 9 de maio de 2019
"Crise"
Eis uma palavra usada recentemente amiúde. Talvez porque tem cinco letras, é dramática, mas noutros casos por má-fé e branqueamento de responsabilidades políticas.
Aquilo que aconteceu nos últimos dias não foi uma CRISE, mas um recentramento à bruta da posição do PS, caso os cidadãos não o tenham visto antes. E foi - arrisco - motivado por um finca-pé do ministro das Finanças que, até por causa do seu capital político europeu, dá mostras de algum nervosismo.
Claro que António Costa não é insensível à necessidade de ganhar espaço à direita. E Centeno não está sozinho a forçar o passo do PS.
Por alguma razão, quem apareceu a defender a CRISE, além do primeiro-ministro (que poupou a esquerda), foi o ministro dos Negócios Estrangeiros e o líder da bancada parlamentar (que atacou a esquerda e pôs mesmo em causa futuros acordos à esquerda).
E não é por acaso que, durante a crise o mesmo Carlos César dá uma entrevista em que diz que "o PS deve fazer um grande esforço para prosseguir a experiência que teve ao longo destes quatro anos", embora semanas antes tivesse dado a cara pelo recuo na Lei de Bases da Saúde, torpedeando o acordo político na geringonça, ao fazer passar os seus (?) pontos de vista junto de António Costa (nomeadamente sobre a questão das PPP).
Claro que a comunicação social leu a questão e começou a repetir que a CRISE era na geringonça.
Resta saber se foi do agrado da ala direita do PS a recuperação da calma política, já que, pelo caminho, parece ter se esvaziado a CRISE na geringonça. Dias depois de Carlos César ter afirmado que lhe parecia "difícil um Governo integrado pelo BE e pelo PCP", o ministro dos assuntos parlamentares defende que a negociação na Saúde continua depois das eleições europeias, e que "existem condições para continuação" da geringonça e que "uma coisa que é certa: auto-limitar-nos não faz muito sentido".
Mas a gravidade deste tipo de golpes e CRISES é a de recuperar e promover no discurso político uma visão económica à direita, que nem Vítor Gaspar desdenharia. Mesmo sem ser comparável e mesmo sem intenção, a CRISE branqueou o que de mau foi gerado de 2010 a 2015 e permitiu que os mesmos actores do passado voltassem - impantes - a pregar as mesmas loas daquele tempo, sem pedir desculpas pelos efeitos então gerados: uma taxa efectiva de desemprego de 25%, a emigração de profissionais, o empobrecimento forçado, uma desarticulação ainda sentida dos serviços do Estado, tudo em proveito dos compradores de bens públicos vendidos ao desbarato. E - mais grave! - sem a eficácia de baixar as famosas taxas dos mercados financeiras sem a ajuda preciosa do BCE.
Veja-se sobre a CRISE política, a crónica de 2ª feira passada na rádio pública de Helena Garrido (HG), membro da Direcção de Informação da televisão pública.
Aquilo que aconteceu nos últimos dias não foi uma CRISE, mas um recentramento à bruta da posição do PS, caso os cidadãos não o tenham visto antes. E foi - arrisco - motivado por um finca-pé do ministro das Finanças que, até por causa do seu capital político europeu, dá mostras de algum nervosismo.
Claro que António Costa não é insensível à necessidade de ganhar espaço à direita. E Centeno não está sozinho a forçar o passo do PS.
Por alguma razão, quem apareceu a defender a CRISE, além do primeiro-ministro (que poupou a esquerda), foi o ministro dos Negócios Estrangeiros e o líder da bancada parlamentar (que atacou a esquerda e pôs mesmo em causa futuros acordos à esquerda).
E não é por acaso que, durante a crise o mesmo Carlos César dá uma entrevista em que diz que "o PS deve fazer um grande esforço para prosseguir a experiência que teve ao longo destes quatro anos", embora semanas antes tivesse dado a cara pelo recuo na Lei de Bases da Saúde, torpedeando o acordo político na geringonça, ao fazer passar os seus (?) pontos de vista junto de António Costa (nomeadamente sobre a questão das PPP).
Claro que a comunicação social leu a questão e começou a repetir que a CRISE era na geringonça.
Resta saber se foi do agrado da ala direita do PS a recuperação da calma política, já que, pelo caminho, parece ter se esvaziado a CRISE na geringonça. Dias depois de Carlos César ter afirmado que lhe parecia "difícil um Governo integrado pelo BE e pelo PCP", o ministro dos assuntos parlamentares defende que a negociação na Saúde continua depois das eleições europeias, e que "existem condições para continuação" da geringonça e que "uma coisa que é certa: auto-limitar-nos não faz muito sentido".
Mas a gravidade deste tipo de golpes e CRISES é a de recuperar e promover no discurso político uma visão económica à direita, que nem Vítor Gaspar desdenharia. Mesmo sem ser comparável e mesmo sem intenção, a CRISE branqueou o que de mau foi gerado de 2010 a 2015 e permitiu que os mesmos actores do passado voltassem - impantes - a pregar as mesmas loas daquele tempo, sem pedir desculpas pelos efeitos então gerados: uma taxa efectiva de desemprego de 25%, a emigração de profissionais, o empobrecimento forçado, uma desarticulação ainda sentida dos serviços do Estado, tudo em proveito dos compradores de bens públicos vendidos ao desbarato. E - mais grave! - sem a eficácia de baixar as famosas taxas dos mercados financeiras sem a ajuda preciosa do BCE.
Veja-se sobre a CRISE política, a crónica de 2ª feira passada na rádio pública de Helena Garrido (HG), membro da Direcção de Informação da televisão pública.
quarta-feira, 8 de maio de 2019
Estudo sobre o perfil político das reacções ao discurso de António Costa da passada 6ª feira
QUESTIONÁRIO
Diga qual dos três sentimentos foi para si dominante quando ouviu o discurso do Primeiro-Ministro:
A. Entusiasmo
B. Embaraço
C. Irritação
# Caso tenha respondido A, o que mais o/a ENTUSIASMOU no discurso de António Costa:
A.1. Ter dado a entender que os professores em particular, e os funcionários públicos em geral, têm privilégios a mais.
A.2. Ter usado com convicção argumentos típicos da direita para pôr o PSD e o CDS em dificuldade.
# Caso tenha respondido B, o que mais o/a EMBARAÇOU no discurso de António Costa:
B.1. Ter contribuído para denegrir a imagem dos professores e da função pública, e fomentado a divisão entre trabalhadores dos sectores público e privado.
B.2. Ter usado com convicção argumentos típicos da direita para pôr o PSD e o CDS em dificuldade.
Caso tenha respondido C, o que mais o/a IRRITOU no discurso de António Costa:
C.1. Ter contribuído para denegrir a imagem dos professores e da função pública, fomentado a divisão entre trabalhadores públicos e privados, e usado argumentos de direita para justificar a sua posição.
C.2. Ter sido incoerente e inexacto nos argumentos que utilizou.
HIPÓTESES A TESTAR SOBRE O PERFIL POLÍTICO DAS DIFERENTES REACÇÕES
H1: A maioria das pessoas que responde A.1 apoia, ou admitir vir a apoiar, a Iniciativa Liberal.
H2: A maioria das pessoas que responde A.2 apoia incondicionalmente o PS e nunca simpatizou muito com a actual solução governativa.
H3: A maioria das pessoas que responde B.1 apoia o PS e reconhece as vantagens da actual solução governativa.
H4: A maioria das pessoas que responde B.2 apoia o PSD ou o CDS.
H5: A maioria das pessoas que responde C.1 é professor, ou funcionário público, ou trabalhador com consciência de classe e/ou apoia os partidos à esquerda do PS.
H6: A maioria das pessoas que responde C.2 é académico, levemente ingénuo, e acredita que o debate político deve ser feito com honestidade e rigor.
Os resultados obtidos no pré-teste, sendo muito preliminares, parecem validar as hipóteses de trabalho.