quarta-feira, 22 de maio de 2019

Ainda o efeito perverso dos «rankings»

As «escolas devem preocupar-se em ensinar em vez de preparar alunos para exames. (...) "Devem olhar para o que se aprende e não para a avaliação”. (...) Quando chegam aos exames e provas de aferição, "os alunos não falham na memória (...) falham na análise e na crítica", disse o Secretário de Estado da Educação, lembrando os problemas que os estudantes têm revelado nas provas quando lhes é pedido para raciocinar, argumentar ou relacionar conceitos. (...) Ao analisar as dificuldades dos alunos nos exames nacionais, o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) encontrou um padrão: “Tudo o que ultrapassa o domínio do literal e explícito levanta dificuldades”, afirmou Paula Simões, directora de serviços de avaliação externa do IAVE. (...) Os alunos portugueses também têm dificuldades na estruturação do discurso. Segundo Paula Simões, “não é que não saibam, têm é dificuldade em dizer o que sabem”. Nas áreas das ciências, os estudantes revelaram dificuldades na resolução de problemas quando o exercício é complexo e não rotineiro. Mais curioso é que os melhores alunos — com média superior a 15 valores — também têm os resultados a descer quando são deparados com itens mais complexos, sublinhou a especialista, anunciando que a avaliação nos exames nacionais deste ano “vai ser orientada para o estímulo à interpretação e tratamento de informação”» (Público, 16 de maio de 2019).

O incentivo às práticas de seleção de alunos por parte das escolas, tendo em vista manter ou melhorar a sua posição nas listas ordenadas que os meios de comunicação social produzem, não é o único efeito perverso dos rankings. Aliás, sendo essas listas elaboradas a partir das classificações obtidas nas provas nacionais, percebe-se por que razão se foi instalando no sistema educativo uma nefasta cultura de «preparação para os exames», que não só subverte a função primordial das escolas (ensinar), como as descentra das principais competências a desenvolver (análise, interpretação, espírito crítico, aplicação dos conhecimentos a situações novas, etc.), a favor das lógicas de memorização.

Mais: não se trata apenas de afetar tempo, nos horários, para a dita «preparação para os exames» ou, o que não é pouco, de desvirtuar os próprios processos de ensino e aprendizagem, submetendo-os a uma finalidade (a avaliação) que em certo sentido lhes deveria ser estranha. Os entorses gerados pela «cultura dos rankings» e pelo consequente acirrar da concorrência entre escolas são de facto bem mais diversos e profundos, refletindo-se no incentivo à constituição de «turmas de nível» ou na distribuição de docentes e organização dos horários de turma. Com uma inocência que é apenas aparente, os rankings foram alimentando uma silenciosa subversão pedagógica que, em última instância, comporta sérias perdas em termos de equidade e ao nível da própria qualidade do ensino.

1 comentário:

  1. O que os rankings tenham a ver com o caso é mistério que só a pura aversão à avaliação explica.
    Quanto à capacidade na «análise e na crítica… para raciocinar, argumentar ou relacionar conceitos», pergunto-me se isso é matéria que dispense o ter interesse pelos temas, uma conexão com uma qualquer utilidade num quotidiano disperso numa cultura de banalidades e de exemplares desresponsabilizações.
    E sempre importa saber quando num percurso que começa num qualquer infantário, haverá de garantir a concentração de uma memória treinada para ser suporte a tais voos.

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