O Observatório sobre Crises e Alternativas lançou hoje um dos seus cadernos no qual se mostra um dos aspectos mais controversos das alterações laborais vigentes desde 2012.
Ao arrepio do legislador - que quase sempre quis dissuadir o recurso ao trabalho extraordinário - as leis em vigor fazem com que actualmente saia mais barato às empresas realizar trabalho suplementar do que pagar a um trabalhador em horário normal de trabalho!
É no mínimo estranho, porque foi há 100 anos que se consagrou a jornada de trabalho de 8 horas. E paulatinamente diversas disposições legais têm vindo a subverter esta regra. E isso tem impactos sociais, económicos e até demográficos.
Este tema vai ser debatido na próxima 2ª feira, 3 de Junho, no CIUL no Picoas Plaza, , às 18h (ver cartaz ao lado). Vão lá estar, além dos autores Filipe Lamelas e Diogo Martins, o principal jurista da CIP (Gregório Rocha Novo) e um ex-jurista da CGTP que seguiu de perto todos os grandes debates da legislação laboral.
Como é isto possível? Por dois principais motivos.
Primeiro: desde 1976 que o valor da retribuição horária é calculado em desfavor dos trabalhadores. A fórmula omite os subsídios de Natal e de férias, mas conta como tempo de trabalho o período de férias e os feriados. Desta forma, o valor/hora fica 27,3% abaixo do que deveria ser. Como esse valor/hora é a retribuição sobre a qual incide a penalização por trabalho suplementar, esse efeito dissuasor fica mais ténue do que o fixado em lei.
Na primeiro hora, até 2012, a penalização era mais 50%. Logo ficava 1,50/1,273 = 18%. Era alguma coisa, mas muito longe dos 50%. Nas horas seguintes, até 2012, era mais 75%. Logo ficava 1,75/1,273 = 37,4%. Era alguma coisa, mas muito longe dos 75%.
Só que...
Segundo: Em 2012, o Governo PDS/CDS abraçou um conjunto de alterações à legislação laboral que viriam a redundar numa poderosa transferência de rendimento dos trabalhadores para as empresas. Entre as medidas, aprovadas pela direita no Parlamento e que ainda se encontra em vigor (o PS já chumbou entretanto projectos que visavam afastar essas medidas), as penalizações por recurso ao trabalho suplementar foram cortadas para metade: de 50 para 25% na 1ª hora e de 75 para 37,5%. Além disso, eliminou-se simplesmente o descanso compensatório para quem tivesse feito trabalho extraordinário, transformando esse tempo de descanso em tempo de produção.
Conclusão: Somando estes dois efeitos, a 1ª hora de trabalho suplementar fica 2% mais barato do que o valor horário que a empresa paga ao trabalhador. E as horas seguintes ficam mais caras apenas 8%. Ou sejam, valores que são efectivos incentivos ao trabalho extraordinário.
Qual a lógica de tudo isto? Vai o PS manter estas regras? Em nome de quê?
Se férias, subsídio de férias, 13º mês, feriados, assistências variadas, aparecessem comummente associados ao cálculo de remuneração do trabalho, eu ficaria bem mais impressionado !
ResponderEliminarA pergunta final pode ter duas respostas.Ou a manutenção da cláusula na Lei Laboral,visa conceder um estímulo às empresas,mantendo um incentivo adicional à prática de política de baixos salários,como factor de competitividade,ou a justificação dos "superiores interesses nacionais",como o controlo orçamental, ou o serviço da dívida, recomendam,por complementaridade,este prolongar da norma aplicada desde 2012.
ResponderEliminarIsto,claro,se excluirmos a hipótese de os governantes não saberem fazer,ou pior,terem errado os cálculos,como são apresentados pelo JRA.
Caro José,
ResponderEliminarSó pode ficar admirado se considerar os subsídios de Natal e de férias como esmolas e não como remuneração que é o que a lei estipula que é. Trata-se de um encargo anual do empregador com as remunerações dos seus empregados e, portanto, corresponde ao valor que é criado por cada empregado. Deve, por isso, fazer parte do cálculo da retribuição horária.
Mas de qualquer forma, o que não faz sentido é não considerar o subsídio de férias como remuneração, mas considerar o período de férias como tempo de trabalho.
Alguém "fabricou" esta fórmula para ter este efeito desvalorizador do trabalho. E já dura há tempo demais!
Isto não é nada.
ResponderEliminarHá muito tempo que para a maior parte dos empresários é mais barato pagar horas extraordinárias do que horas normais, simplesmente não cumprindo as leis e roubando descaradamente os trabalhadores.
Por exemplo, em muitos ramos as horas extraordinárias são pagas sem compensações, ao preço da hora normal e sem subsídio de refeição.
O resultado é as horas extraordinárias ficarem muito mais baratas e o patronato pressionar os trabalhadores para as fazer em grandes quantidades.
Tudo isto aumenta a fuga aos impostos, aumenta o desemprego e é coação e roubo descarado contra dezenas ou centenas de milhares de pessoas.
Curiosamente, talvez por abranger os ramos de trabalhadores mais desprotegidos e "menos interessantes" para a CGTP, nunca ninguém fala disto, nem a esquerda, apesar de ser prática comum há décadas.
O paradoxo do bloco central.
ResponderEliminarO PS só é socialista quando está em campanha eleitoral.
Alcançado o poder, os "socialistas" tornam-se liberais (repare-se que os liberais nunca se tornam socialistas).
Governando à direita, o descontentamento popular acelerado desgasta os governos PS e, mais tarde ou mais cedo, perdem as eleições seguintes.
E é então que a direita ganha o poder - para continuar o trabalho do PS.
E o trabalho do PS e da direita é alimentar as oligarquias instaladas.
Foi importante quebrar a rotina do centrão em 2015, mas o desmontar do embuste está muito longe de estar concluído.
Paulo Rodrigues,é o crescendo desse descontentamento e a percepção de que o PS assume o desempenho da direita,que impede o seu crescimento eleitoral e reduz qualquer ambição de maioria a uma miragem.
ResponderEliminarEm campanha eleitoral até o PSD é socialista.
ResponderEliminar"SOMOS SOCIALISTAS PORQUE SOMOS SOCIAL-DEMOCRATAS"
Francisco Sá Carneiro.
Caro João,
ResponderEliminarEntendeu mal.
O salário mínimo sempre é dito serem uns miseráveis 600 euros.
Ninguém fala que é de 700 euros em cada 12 meses, ou de 750 euros em 11 meses de trabalho, ou que que em cada um desses 11 meses custa mais de 900 euros ao patrão.