segunda-feira, 31 de dezembro de 2007
Haja esperança
Os ídolos também se abatem
domingo, 30 de dezembro de 2007
Informação económica
Tenho apenas um reparo crítico e duas sugestões. O reparo diz respeito à utilização da expressão «avanços da semana» que julgo prestar-se aos piores equívocos porque entra no terreno pantanoso de saber o que é um ‘avanço’ científico em ciências sociais, como é que ele é identificado e por quem. Acho que ‘debates da semana’ seria mais adequado e permitiria talvez abrir o leque da investigação coberta. Confesso que implico com a ideia dos ‘avanços’ porque me lembro sempre daqueles que defendem, com a arrogância dos ignorantes, que um economista não deve ler nada com mais de meia dúzia de anos. Isto não tem qualquer sentido numa ciência que lida com questões irremediavelmente históricas, morais e políticas e onde tanto se perde e se recupera e às vezes tão pouco se transforma.
As sugestões são simples: prestar uma maior atenção à produção dos economistas académicos que são intelectuais públicos assumidos e ao excelente trabalho de divulgação em economia feito por tantos jornalistas por esse mundo fora (estou pensar nas Alternatives Economiques, nos artigos de Doug Henwood ou de Christopher Hayes, só para dar exemplos de trabalho com qualidade que se faz em economia à esquerda).
Economia e fé no mercado
sábado, 29 de dezembro de 2007
Agora diz que é a cultura
sexta-feira, 28 de dezembro de 2007
Capitalismo e Corrosão Moral
A esquerda socialista contra o neoliberalismo
Como já aqui se indicou, o sucesso político do partido da esquerda na Alemanha, formado pela aliança da social democracia que restava no SPD e dos neo-comunistas do PDS, é um dos sinais políticos mais interessantes dos últimos tempos na Europa. Oskar Lafontaine, um dos seus dirigentes, deu uma entrevista ao Público (via Nuno Ramos de Almeida): «o neoliberalismo propaga uma grande mentira: a sociedade actual, mais rica, não pode permitir-se ter um Estado forte que já era viável numa sociedade mais pobre». Os paralelismos com a situação portuguesa são irresistíveis e podem ajudar a clarificar os nossos problemas: «Oskar Lafontaine poderia ser descrito como uma espécie de Manuel Alegre alemão. Mas com duas grandes diferenças: tem ideias políticas claras e é consequente (. . .) Uma experiência que devia fazer pensar a moribunda ala esquerda do PS. Porque seria isto impossível em Portugal? Talvez uma explicação: o PS não tem uma verdadeira base sindical (. . .) Mas também vale a pena olhar para o sectarismo reinante no resto da esquerda» (Daniel Oliveira).
quinta-feira, 27 de dezembro de 2007
A nova caridade e o desmantelamento do estado social
Turbulências
quarta-feira, 26 de dezembro de 2007
A crise e os erros da Europa II
Os padrões de desigualdade social e regional «anglo-saxónicos» são um dos resultados deste processo. Os problemas de desemprego são outro. Estes últimos têm a sua origem não na suposta «rigidez do mercado de trabalho» europeu, mas sim na rigidez de uma ortodoxia económica anti-keynesiana que nega à Europa aquilo que poderia ser um dos seus grandes trunfos: constituir um espaço ideal, porque relativamente autónomo em relação às forças da globalização, para a coordenação de políticas económicas anti-cíclicas de relançamento económico e de geração de emprego, como parte de um processo mais vasto de acumulação de forças para proteger os serviços públicos da lógica do mercado e para contrariar deliberadamente os mecanismos mercantis de polarização.
Foi por isso que mais de trezentos economistas europeus apresentaram recentemente um detalhado documento onde criticam o novo Tratado por continuar a ter marca neoliberal que corrói o modelo social europeu e onde propõem uma política económica alternativa com soluções concretas para os problemas da Europa. Porque não são os idealismos jurídicos, que se agarram a uma carta de direitos vazia e a umas vagas referências à «economia social de mercado» e aos serviços de interesse geral, que podem contrariar as tendências fortes que nos estão a levar a um modelo de capitalismo falhado.
A crise e os erros da Europa I
Esta convergência tem essencialmente três grandes pilares impulsionadores, aceites quase sem discussão pelas elites políticas e económicas, e que constam do Tratado de Lisboa: (1) uma Comissão Europeia dotada de instrumentos e de vontade política para alargar a lógica do mercado interno e da concorrência a um número crescente e potencialmente ilimitado de áreas; (2) uma moeda única gerida por um Banco Central «independente» do poder político democrático e com um mandato focado exclusivamente na estabilidade de preços, sem qualquer preocupação com o impacto das suas decisões ou omissões no crescimento económico e na criação de emprego; (3) um orçamento comunitário residual e uma orientação de política orçamental presa à miragem do equilíbrio das contas públicas, concebida como um fim em sim mesmo, que não permitem que os poderes públicos, europeus e nacionais, possam influenciar o andamento da economia e desta forma promover o pleno-emprego.
sábado, 22 de dezembro de 2007
Dinheiro que é mesmo melhor que dinheiro
capitalismo financeiro português (BCP). Na direita intransigente reina um silêncio ensurdecedor. Se calhar pode estar em jogo a viabilidade das suas aventuras editoriais. Será que vão dizer que é mais uma «campanha de informação e desinformação»? Mas vamos ao que interessa. E o que interessa é que quando as coisas apertam se recorre ao tão famigerado Estado e aos «politizados» recursos humanos das suas empresas públicas: «actual presidente da Caixa Geral de Depósitos está disponível para liderar a próxima equipa de gestão do Banco Comercial Português». A confiança é um activo que, em momentos de crise, só o Estado parece garantir. Ainda bem que temos a CGD. Esta crise, provocada pela ganância, que agora se suspeita criminosa, da administração do BCP, tem pelo menos uma vantagem: contribui para minar a fé na bondade ilimitada da empresa privada sem adequado escrutínio público. Pena é que as autoridades de supervisão e de regulação tenham andado tanto tempos distraídas. Vítor Constâncio ainda vai ter muitas explicações para dar. Aguardemos serenamente. Entretanto, na liberal Grã-Bretanha, o cenário da nacionalização do Northern-Rock parece cada vez mais inevitável. A crise, sempre a crise, a revelar a falência de todos os projectos de capitalismo puro.
sexta-feira, 21 de dezembro de 2007
Para onde vai a legislação laboral?
A definição e redefinição das regras que regem as relações sociais para lá da placa onde está escrito «proibida a entrada a pessoas estranhas ao serviço» e que repartem os direitos e as obrigações entre patrões e trabalhadores é assunto crucial para determinar como se vive no espaço onde a maioria das pessoas passa uma parte importante do seu dia. Que determina, em grande medida, aquilo que podem ser e fazer na outra. Por isso aguardava-se com expectativa as conclusões do Livro Branco sobre relações laborais. Aqui chegados e para formar uma opinião sobre uma matéria complexa, vale a pena começar por ler o excelente trabalho de Manuel Esteves no Diário de Notícias. Jornalismo económico no seu melhor. Num espírito construtivo destaco, pela positiva, a ideia de reverter a extensão da duração dos contratos a prazo para os três anos em vez dos seis definidos no anterior código (não deveria ser autorizado mais do que um ano, mas para isto seria preciso outra correlação das forças políticas e sociais). Quanto ao resto - despedimentos, adaptabilidade, e contratação colectiva - aguardo as análises de quem percebe do assunto. Sublinhar apenas, como afirma um membro da comissão técnica ao Público, que «a controvérsia sobre a flexi-segurança acabou por inibir o sentido da inovação». E ainda bem que foi assim. Em Portugal, esta ideia, na ausência de um estado social forte e de patrões qualificados, só iria servir para que as «inovações» fossem no sentido de uma ainda maior precarização das relações laborais. Isto foi parcialmente travado. Ainda bem que parece que nos enganámos.
O Banco de Portugal decidiu meter o BCP na ordem?
Nota: aguardamos ansiosamente as reacções da Atlântico.
quinta-feira, 20 de dezembro de 2007
O BCE é um problema da Europa
«No Parlamento Europeu o presidente do BCE apontou para tempos de riscos de inflação e, obviamente, taxas de juro elevadas. Jean Claude Trichet parece acreditar que a inflação vai subir. Continuo sem perceber bem o mecanismo» (Helena Garrido). Não há mecanismo, só uma obsessão. A economia europeia dá sinais de desaceleração, o euro aprecia-se e estiola a competitividade da indústria europeia e o desemprego permanece elevado. Coisas menores. Pelo menos parece que a estabilidade do sistema financeiro, corroída pelas dinâmicas concorrenciais engendradas por processos de liberalização irresponsáveis, é agora uma prioridade. Pena é que o BCE não pareça retirar ilações sobre a arquitectura institucional que dá origem a esta desestabilizadora alternância de períodos de euforia e de pânico (aqui vale a pena ler o euromemorandum de 2007). De qualquer forma, a marca genética liberal do BCE bloqueia soluções que reintroduzam algum controlo sobre os desmandos da finança de mercado. Os eurodeputados, por sua vez, limitam-se a ouvir as palavras de Trichet e parece que também podem fazer perguntas. A falta de controlo e escrutínio democrático do BCE, aliada a um mandato absurdo, estão a custar demasiado caro à Europa.
Negócios da China
Melhores de 2007 - I
Impactos do salário mínimo: «o diabo está nos detalhes»
As lições de Chang XIV - O reforço da propriedade intelectual é um entrave ao desenvolvimento
O reforço das DPI não é apenas desnecessário à inovação na maioria dos contextos; esse reforço constitui um obstáculo injustificável ao desenvolvimento económico e social, impondo aos países menos desenvolvidos restrições que muitos dos actuais países ricos rejeitaram para si próprios no passado.
Embora o primeiro sistema de patentes tenha surgido ainda no século XV, a maioria dos países industrializados só adoptaram legislação sobre patentes na segunda metade do século XIX. Tipicamente, estes sistemas serviam mais para complementar outros instrumentos de incentivo à invenção nacional (em particular, os prémios), do que para garantir os DPI de empresas estrangeiras (que eram largamente desrespeitados). Alguns países ricos não adoptaram qualquer sistema de patentes, ou aboliram os existentes, até ao início do século XX, como forma de promover a sua indústria (e.g., a empresa Philips na Holanda, a indústria química na Suiça). A contrafacção (de que hoje são sistematicamente acusados vários países em desenvolvimento) foi prática generalizada no processo de industrialização da Alemanha e dos EUA.
Nos dias de hoje, os países ricos não se limitam a querer impor o respeito pelos DPI em todo o mundo; procuram activamente reforçar o sistema de DPI existente, alargando o seu âmbito de aplicação a novos domínios (e.g., software, métodos de gestão, a própria vida...) e aumentando o prazo de vigência desses direitos (e.g., a duração típica do direito de patente passou de 13 anos no final do sec.XIX, para 20 anos na actualidade).
Estas alterações são do interesse desses países, que detêm 97% das patentes mundiais e a larga maioria das marcas registadas e dos ‘copyrights’. No entanto, elas criam dificuldades acrescidas - e quase sempre desnecessárias - no acesso ao conhecimento e à tecnologia por parte dos que mais necessitam (segundo o Banco Mundial, os custos desse aceso correspondem hoje a cerca de metade da ajuda externa prestada pelos países ricos aos países em desenvolvimento).
quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
Salário mínimo: combate empírico
Mas deixemos a teoria. Qual tem sido a avaliação empírica da introdução ou aumento dos salários mínimos? A discussão tem sido animada nos EUA, com um número crescente de estados a imporem aumentos do salário mínimo acima do estipulado pelo governo federal. Aqui encontrão um bom número de trabalhos dedicados aos efeitos da introdução de aumentos do salário mínimo em diferentes estados e condados norte-americanos, da Florida à Califórnia. Por exemplo, na Florida, o salário mínimo horário foi aumentado dos 5.15$ dólares federais para 6.15$. Um aumento de quase 20%. O número de trabalhadores beneficiado pela fixação do salário mínimo passou de 310 000 para 850 000. Os custos associados aumentaram de 140 milhões de dólares para 410 milhões. E, no entanto, mesmo nos sectores mais dependentes de mão-de-obra não qualificada, como a hotelaria, tal aumento traduziu-se num custo de 1% do seu volume de negócios. Eloquente, não?
Salário mínimo: combate teórico
Contudo, como o João afirma, a teoria económica, mesmo a mais ortodoxa, é mais sofisticada do que isto. Se, em vez de um modelo competitivo, adoptarmos um modelo de concorrência mais próximo de um monopsónio, onde o empregador detém poder de mercado na fixação do salário, os equilíbrios potenciais são múltiplos, podendo um aumento do salário mínimo resultar num aumento do emprego (Card e Krueger, vale a pena ler o resumo). Por outro lado, se adoptarmos o modelo de «salários de eficiência», dos Nobel Akerloff e Stiglitz, um aumento dos salários, aumentando os custos directos do trabalho, pode influenciar positivamente a produtividade do trabalhador e reduzir os custos indirectos do trabalho (recrutamento, controlo, etc). E isto dentro da ortodoxia. Se complicarmos um pouco e considerarmos que as empresas têm algum grau de discricionariedade na fixação dos seus preços e processos de produção, salários mais altos podem ser ajustados através de diferentes mecanismos que não afectam o nível de emprego: melhores técnicas de produção, melhores técnicas de vendas, aumento dos preços, redistribuição da massa salarial na empresa em benefício dos trabalhadores mais mal pagos, etc.
Salário mínimo: para terminar com os argumentos de autoridade
Adenda: Entretanto, Bz do insurgente tem um comentário à minha posta que merece ser lido. O seu argumento em nada modifica a realidade da discrepância entre o crescimento dos salários e o crescimento da produtividade nos EUA, nos últimos 30 anos. Como mostra o artigo de onde o gráfico foi retirado, o crescimento da produtividade ultrapassou em 50% o crescimento do salário real mais outros benefícios auferidos pelos trabalhadores (por exemplo, com prémios de seguro de saúde). O meu ponto mantém-se portanto. Bz não apresenta nenhum argumento que justifique esta divergência (como poderia ser de outra forma?). O seu argumento sobre o facto destes trabalhadores beneficiarem da globalização (produtos mais baratos) é totalmente arbitrário já que estamos a falar de crescimento de salários reais (a inflação ou deflação já estão incorporadas). Os outros pontos de Bz só são válidos se conseguir demonstrar que o crescimento dos salários acompanhou a produtividade nos outros sectores. Basta olhar para o seu novo gráfico para ver que o problema liberal se mantém (análises mais finas que revelassem o crescimento do leque salarial só o acentuariam). E depois existe a interessante questão da segmentação do mercado de trabalho (implícita no seu argumento) à qual voltarei. Quanto ao resto, como sabe Bz que os restantes 19350 economistas da AEA ou que os outros prémios Nobel vivos são contra o salário mínimo? Conhece algum inquérito?
As lições de Chang XIII - Na maioria dos casos a propriedade intelectual promove os lucros privados, mas não o bem-estar social
As empresas farmacêuticas argumentavam que o monopólio concedido através das patentes às empresas que criam novos medicamentos - o qual lhes permite determinar os preços de forma unilateral - constitui o principal incentivo para investirem em investigação. Sem esse incentivo, diziam, os recursos mobilizados para o esforço de inovação diminuiriam drasticamente, pondo em causa a descoberta de mais e melhores soluções farmacêuticas no futuro.
Este argumento tem sido utilizado para justificar a existência - e o reforço - do sistema de propriedade intelectual, não apenas no sector farmacêutico mas em muitos outros, constituindo hoje uma das principais preocupações dos países ricos nas negociações sobre comércio internacional na OMC.
Mas ideia de que a propriedade intelectual é essencial para o desenvolvimento da humanidade é, no mínimo, parcial. Por um lado, embora os incentivos materiais sejam relevantes, eles estão longe de ser o único factor de motivação para a produção de inovações: a curiosidade científica e a promoção do bem comum são forças tão ou mais poderosas do que aquela (por exemplo, 3/5 do financiamento da investigação farmacêutica nos EUA é garantido pelo Estado ou por organizações não-lucrativas).
Para além disso, na maioria dos sectores de actividade a propriedade intelectual é basicamente irrelevante enquanto motivação para a inovação - as empresas que inovam são sempre beneficiadas, seja porque a empresa tem uma reputação indisputada, seja porque a inovação é difícil de imitar, ou porque o tempo necessário a um concorrente para imitar garante que a situação de monopólio se estende por longos períodos. Isto garante ao inovador a realização de lucros suficientemente elevados para compensar os investimentos em investigação e desenvolvimento.
Nestes casos, os direitos de propriedade intelectual são desnecessários à promoção da inovação. O seu único efeito é o de permitir à empresa que os detém impor unilateralmente as suas condições de troca, reduzindo assim o grau de realização dos benefícios sociais potenciais da inovação.
terça-feira, 18 de dezembro de 2007
Salário mínimo: instrumento de combate
Contudo, este instrumento de democracia económica é inaceitável aos olhos do patronato. Assim, já que não existem actualmente condições políticas para defender o fim do salário mínimo, adoptou-se a estratégia de o desvalorizar até à irrelevância. Uma estratégia até hoje bem sucedida, já que: (1) são cada vez menos os trabalhadores que auferem o salário mínimo (5%); (2) é cada vez maior a diferença entre este e o rendimento médio nacional (50%). Esperemos que os aumentos anunciados assinalem a inversão desta tendência.
O Salário mínimo contra a mediocridade patronal
Um tratado sem muros
As lições de Chang XII - Em muitas situações, as empresas públicas são mesmo a melhor solução
O primeiro tem a ver com actividades cruciais para o desenvolvimento económico que envolvem investimentos avultados, riscos elevados e períodos de gestação longos - características que afastam os investidores privados, tipicamente motivados por lucros seguros e de curto prazo. De facto, na generalidade dos países que são hoje desenvolvidos as empresas públicas não surgiram para substituir o capitalismo mas para lançá-lo - com o Estado a assegurar os investimentos necessários à industrialização, quando o seu sucesso era ainda incerto.
O segundo argumento consiste na existência de ‘monopólios naturais’ - situações em que as condições tecnológicas fazem com que seja mais eficiente ter uma única empresa a produzir (é o caso, por exemplo, das redes de distribuição de electricidade, água, gás e caminhos-de-ferro). Nestes casos, o monopolista tem o poder de estabelecer unilateralmente os preços e outras condições de troca, o que torna recomendável que alguém controle o monopolista.
Finalmente, o Estado intervém directamente na produção quando tal é necessário para garantir a coesão social e territorial (por exemplo, se a localização de serviços postais fosse determinada por meras considerações de custo-benefício, muitas zonas periféricas tenderiam a ser excluídas).
Muitos liberais aceitam estes argumentos, mas replicam afirmando que qualquer um dos problemas referidos pode ser resolvido através de uma mistura instrumentos que envolvem a regulação, os impostos e os subsídios sobre a actividade privada - sem necessidade, portanto, da existência de empresas públicas.
O problema desta alternativa é que ela assume que é mais fácil levar a cabo uma regulação eficaz da actividade privada do que controlar directamente a produção. Na verdade, a regulação indirecta exige a presença de um Estado forte, capaz de organizar um esquema de incentivos sofisticado, métodos e instrumentos de monitorização robustos, um sistema jurídico que efectivamente penalize as infracções, bem como a força política suficiente para confrontar os interesses privados sempre que surjam divergências quanto aos termos da regulação. Ou seja, um Estado que não consegue pôr as empresas públicas a funcionar, dificilmente conseguirá regular devidamente a actividade das empresas privadas.
Noutros termos, menos Estado na produção directa implica mais (e melhor) Estado no controlo indirecto da produção. Quando as coisas correm mal, pouco há a fazer - como demonstram os casos dos ‘apagões’ na Califórnia em 2001 e a desorganização total dos caminhos-de-ferro ingleses em 2002, na sequência das respectivas privatizações. E quando o aparelho administrativo do Estado é rudimentar (como em muitos países em desenvolvimento) ou o seu poder relativo diminuto (como no caso de Portugal) aumentam os riscos de o interesse público ficar refém dos interesses particulares.
Europa ou a crise da social democracia
segunda-feira, 17 de dezembro de 2007
As lições de Chang XI - Quem diz que as empresas públicas são ineficientes e desnecessárias não anda a ler jornais
O governo de Singapura através da sua agência de participações públicas, é accionista maioritário de empresas de: aviação comercial (Singapore Airlines, provavelmente a empresa mais bem sucedida do sector a nível mundial), semicondutores (onde são líderes mundiais), telecomunicações, imobiliário (a quase totalidade dos terrenos do país e 85% da habitação são propriedade do Estado) e engenharia (e.g., a multinacional SembCorp).
Até 1996, o governo do Taiwan controlou directamente 1/6 do produto nacional do país. Nas privatizações realizadas a partir desse ano (que afectaram apenas uma parte das empresas públicas), o Estado manteve participações que atingem em média 35.5% do capital dessas empresas e nomeia directamente cerca de 60% dos administradores.
O caso paradigmático da importância do sector público empresarial na Coreia do Sul é a empresa metalúrgica POSCO - central para o desenvolvimento do país desde a década de 1950, tornou-se a 3ª maior empresa mundial do sector. Só foi privatizada no final da década de 1990, como resultado da crise asiática (e não por ser considerada ineficiente enquanto empresa pública).
Na China o processo de desenvolvimento iniciado no final dos anos 70 foi todo ele baseado na actividade das empresas públicas; ainda hoje, 40% da produção industrial é controlada pelo Estado – e se o seu peso relativo diminuiu, tal tem mais a ver com o crescimento do sector privado do que com a contracção do público.
No Brasil, a Petrobrás (petróleo) e a Embraer (aeronáutica) ainda hoje nos mostram como empresas públicas podem apoiar as estratégias nacionais de desenvolvimento e, simultaneamente, afirmar-se como referências internacionais.
Renault (automóveis), Alcatel (equipamento de telecomunicações), St Gobain (materiais de construção), Usinor (Aço), Thomson (electrónica), Thales (defesa), Elf (petróleo e gás), Rhone-Poulenc (farmacêutica) e Volkswagen (automóveis) são nomes que nos lembram que também na Europa as empresas públicas têm sido fundamentais para o desenvolvimento económico, tendo em muitos casos a capacidade de tornar-se líderes mundiais nos respectivos mercados. Na maioria dos casos, a privatização (total ou parcial) de algumas destas (e outras) empresas teve mais a ver com convicções ideológicas, com a pressão da Comissão Europeia e com apertos orçamentais dos Estados, do que com a demonstração empírica da sua irrelevância ou ineficiência.
Como sair do pesadelo americano?
No entanto, quebrar esta tendência exige atacar o consenso neoliberal. Poucos economistas estão em melhor condições do que Robert Pollin para propor uma política económica igualitária capaz de superar a letal combinação de «keynesianismo militar» e de políticas centradas no corte dos impostos para os mais ricos. Uma política económica alternativa centrada em «imperativos morais» como a criação empregos decentes, cuidados de saúde para todos, educação e ambiente. Uma política económica financiada pela anulação dos cortes de impostos de Bush e pelo fim da aventura imperialista no Iraque (138 mil milhões gastos só em 2007).
Nota: para uma elaboração das ideias de Pollin, este artigo sobre a possibilidade do pleno emprego na época da globalização é um bom ponto de partida, assim como este excelente livro:
Solidariedade contra a roleta russa do egoísmo
sábado, 15 de dezembro de 2007
Pleno emprego
«Num regime de pleno emprego permanente, a ameaça de despedimento deixaria de desempenhar o seu papel como medida disciplinar. A posição social do patrão seria ameaçada e a confiança e a consciência de classe dos trabalhadores cresceria. As greves por aumentos salariais e por melhorias nas condições de trabalho criariam tensões políticas (. . .) a ‘disciplina nas fábricas’ e a ‘estabilidade política’ são mais apreciadas pelos homens de negócios do que os lucros. O seu instinto de classe diz-lhes que o pleno emprego permanente é nocivo para si e que o desemprego é uma parte integrante de um sistema capitalista ‘normal’». Michal Kalecki, um dos mais importantes economistas pós-keynesianos. A luta de classes da economia política marxista bem articulada com ideias sobre a importância da procura efectiva. Keynes e Marx combinados. A política económica orientada para o pleno emprego como via para a acumulação de forças capaz de impor politicamente uma estratégia igualitária de provisão de bens e serviços e de «reformas fundamentais» no regime de propriedade. Estávamos nos anos quarenta e o liberalismo recuava por todo o lado. Ontem como hoje tudo se joga na política económica. Quem fixou, nos anos noventa, as regras das políticas monetária e orçamental na União Europeia percebeu Kalecki muito bem. É que o desemprego duradouro é a melhor forma de ‘partir a espinha’ ao movimento sindical e assim recriar os mecanismos disciplinares que facilitam a tarefa de desmantelamento do estado social e de compressão dos salários. Por isso é que as ideias keynesianas podem ter, ao contrário do que muita gente à esquerda ainda possa pensar, implicações profundamente radicais. Para além disso, não há nenhum sistema económico viável sem contra-poderes fortes no espaço da produção.
sexta-feira, 14 de dezembro de 2007
Insatisfeitos
Wall street e estatismo
Agravamento da crise financeira
A crise financeira do último Verão está longe do seu fim. Ontem, a estratégia concertada dos principais bancos centrais não foi bem recebida pelos mercados bolsistas. Aparentemente, a mera injecção de liquidez não resulta, dada a opacidade reinante sobre a real dimensão da crise. Dado o risco, uma maior disponibilidade de fundos não resulta em mais investimento. Maiores cortes na taxa de juro, que reduzam a incerteza das decisões, são assim apontados como única saída. Uma medida que os Bancos Centrais não parecem dispostos a tomar devido às actuais pressões inflacionistas.
Entretanto, a crise agudiza-se. Já não é, como parecia no Verão, uma mera crise de liquidez provocada por problemas numa pequena parte do sistema financeiro (o crédito imobiliário de alto risco). A crise generalizou-se e transformou-se numa grave crise de crédito - motor da financiarizada economia global. Como bem aponta Nouriel Roubini, esta pode bem ser a «primeira crise real da globalização financeira».
Desemprego e Flexexploração
Preocupações industriais
Nota: a fotografia é de Pedro Guimarães
quinta-feira, 13 de dezembro de 2007
Para escapar à propaganda
«É ilusório pensar que a Europa política poderá avançar através do apuramento de formas institucionais apenas, que depois o debate político se encarregará de preencher: não há 'antes' e 'depois' neste processo, e todas as analogias históricas possíveis parecem demonstrar que só se se confundir com causas concretas e substantivas pode a causa europeia aspirar a ser entendida como útil e necessária pelos cidadãos da União. E no essencial, essas causas só podem ser duas: a da defesa da 'paz' e a do 'modelo social europeu'». António Figueira.
«Sendo este Tratado muito semelhante a uma Constituição que já foi referendada, alterado a natureza do projecto europeu, retirando de forma desigual poderes aos estados nacionais e não sendo politicamente neutro é inaceitável que entre em vigor sem ir a referendo. Havia alternativas: a eleição de um Parlamento Europeu Constituinte ou a decisão de avançar em passos mais curtos e mais ponderados. Ao concluir que referendos a este tratado inviabilizarão a sua aprovação é apenas a demonstração de como ele foi apressado». Daniel Oliveira.
«Segundo os tratados existentes (que nisto não são minimamente alterados pelo novo Tratado que aí vem), a introdução de qualquer esquema de harmonização fiscal (ou, já agora, de direitos sociais) ao nível europeu exige a unanimidade dos votos no Conselho de Ministros da UE. Tendo em conta que um punhado de Estados europeus, com o apoio da Comissão Europeia, tem baseado as suas políticas económicas na redução dos impostos sobre os lucros, dificilmente veremos nos próximos tempos qualquer harmonização nesta frente. Poderiam 99% das empresas europeias concordar com a medida, poderia uma esmagadoríssima maioria dos cidadão europeus exigi-lo, poderiam até 26 países mostrarem-se favoráveis à harmonização dos impostos sobre os lucros para evitar a concorrência fiscal na Europa - bastaria um voto contra de um país para garantir que a proposta não passava». Ricardo Paes Mamede.
Anedotas e tragédias
As lições de Chang X - O ataque às empresas públicas faz menos sentido do que pode parecer
São três os argumentos teóricos habitualmente esgrimidos para atacar as empresas públicas. O primeiro diz que os gestores públicos, por não serem os proprietários, não se preocupam o suficiente com o destino das empresas que gerem. O segundo argumento diz-nos que os verdadeiros proprietários - ou seja, cada um dos cidadãos do país em causa - têm pouco a ganhar do ponto de vista individual com o bom funcionamento das ‘suas’ empresas, pelo que nunca se darão ao trabalho de exigir um bom desempenho por parte dos respectivos gestores. Por último, diz-se que o facto de terem o Estado sempre pronto a socorrê-las caso as coisas corram mal constitui um incentivo adicional para que as empresas públicas sejam mal geridas. Na gíria dos economistas, estes três argumentos dão pelos nomes de problema do agente-princial, problema do ‘free-rider’ e problema do ‘soft-budget’.
O que os neoliberais parecem querer ignorar é que qualquer um destes argumentos se aplica, sem grandes transformações, à gestão de empresas privadas. Desde inícios do século XX que se generalizou o modelo de separação da propriedade e da gestão de empresas nas economias capitalistas - e, por muitas voltas que se dê, também no caso das empresas privadas o problema do agente-principal permanece essencialmente por resolver (o caso de Enron foi só o mais visível dos inúmeros exemplos de gestão fraudulenta no sector privado).
O problema da dispersão do capital das empresas também se coloca no sector privado, convidando os accionistas individuais (por vezes dispersos por todo o mundo) a deixarem para os outros a monitorização próxima das ‘suas’ empresas. Quanto ao problema do ‘soft-budget’, também as empresas privadas, quando são suficientemente grandes e importantes para as economias nacionais, sabem que podem contar com o Estado para as socorrer quando as coisas correm mal.
Em suma, problemas de eficiência associadas ao (des)alinhamento de incentivos não são um exclusivo do sector público. E muitas vezes, as soluções encontradas são aplicáveis tanto no público como no privado. Poder-se-ia dizer que os argumentos teóricos são inconclusivos, mas que o mau desempenho das empresas públicas é empiricamente inquestionável. Pois, assim não é. Mas isso ficará para outra posta desta série.
quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
Consequências da crise
Alternativas Europeias - Apresentação
Entre os muitos tópicos abordados, destaco a análise do «Tratado Reformador». Ao contrário do que afirmam os seus defensores, e apesar de alterações de pormenor ou de retórica, considera-se que este tratado mantém no essencial «o conteúdo da anterior proposta», sobretudo na área da política económica e social. E é precisamente aqui que este grupo de economistas apresenta propostas concretas. A agenda é ambiciosa e irrecusável: combate à especulação financeira, promoção do crescimento económico e do pleno-emprego, diminuição das desigualdades e da pobreza, combate às alterações climáticas, defesa dos serviços públicos e sua autonomização em relação às regras liberais do mercado interno, promoção da cooperação internacional contra os acordos comerciais assimétricos. Também é assim, com bons diagnósticos e com boas propostas, que se luta contra o senso comum neoliberal.
terça-feira, 11 de dezembro de 2007
Pelo referendo à Consti... ao Tratado Reformador
As universidades respondem
Sobre as implicações do novo Regime Jurídico das Universidades já muito foi dito neste blogue: I, II, III, IV. A novidade está na oposição demonstrada por professores e alunos ao processo de mercantilização em curso. A informação é, no entanto, difícil de conseguir. Além das notícias vindas do IST - para o qual o novo regime foi feito à medida -, descobri, neste blogue, a vitória da lista discente B, da Universidade do Minho, cujo manifesto inclui uma frase onde, eloquentemente, se explica o que está em causa: "A Universidade, tendo que deixar de ser uma torre de marfim, não tem necessariamente de passar a ser uma estação de serviço".
Gostava de ter mais informação do que se passa nas diferentes universidades portuguesas. Os comentários são, por isso, muito bem-vindos.
As lições de Chang IX - Porque é que a livre de circulação de capitais não serve os propósitos do desenvolvimento
Mas olhemos para as formas que o fluxo internacional de capitais assume e para as suas consequências. Para além da ajuda pública ao desenvolvimento (uma parcela ínfima dos fluxos), os capitais estrangeiros chegam aos países menos desenvolvidos sob a forma de: empréstimos, aquisição de dívida (pública e privada), investimento de portofólio (por exemplo, compra de acções de empresas domésticas) e de investimento directo (aquisição/instalação de capacidade produtiva).
Os três primeiros tipos de investimento foram aqueles que mais depressa se desenvolveram nos últimos anos e os seus resultados sobre os países em desenvolvimento são conhecidos. Caracterizados por uma enorme volatilidade, eles tendem a desestabilizar os mercados financeiros locais, exacerbando quaisquer tendências de evolução - afluem aos molhos quando as perspectivas são boas (favorecendo leituras excessivamente optimistas do crescimento económico) e são os primeiros a fugir quando as coisas ameaçam correr mal. Dado o peso desmesurado que têm nos mercados financeiros dos países em desenvolvimento - e.g., o mercado de capitais da Nigéria, o maior da África sub-sahariana é 5.000 vezes mais pequeno que o americano - a fuga dos capitais estrangeiros torna tais ameaças em realidade (como demonstram as sucessiva crises financeiras da última década e meia - México, Sudeste asiático, Rússia, Brasil, Turquia, ...).
Em contraste, o investimento directo estrangeiro (IDE) é mais estável, acarretando consigo mais capacidades produtivas e conhecimentos. Mas o IDE também tem as suas limitações e problemas: os vários estudos realizados sobre o contributo do IDE para a melhoria das competências técnicas e organizacionais dos países de destino são inconclusivos; em muitas situações, também o IDE pode ser relocalizado rapidamente; a filial pode ser usada pela empresa mãe para obter empréstimos bancários no mercado doméstico, diminuindo os capitais disponíveis a nível nacional; grande parte das vezes o IDE não é mais do que a aquisição de empresas já existentes, com objectivos que podem passar inclusive pela sua destruição (para limitar a concorrência internacional).
Talvez por isso, o controlo do investimento externo tem sido um elemento fundamental nas estratégias de desenvolvimento referidas nas postas anteriores desta série.