«O Estado é ineficiente por natureza» é uma das frases-chave da lenga-lenga habitual dos neoliberais. E as empresas públicas, como extensões do Estado, ineficientes são. A certeza com que a afirmação é proferida é tão grande que me leva a suspeitar que quem a faz nunca pensou na fragilidade dos argumentos que a sustentam.
São três os argumentos teóricos habitualmente esgrimidos para atacar as empresas públicas. O primeiro diz que os gestores públicos, por não serem os proprietários, não se preocupam o suficiente com o destino das empresas que gerem. O segundo argumento diz-nos que os verdadeiros proprietários - ou seja, cada um dos cidadãos do país em causa - têm pouco a ganhar do ponto de vista individual com o bom funcionamento das ‘suas’ empresas, pelo que nunca se darão ao trabalho de exigir um bom desempenho por parte dos respectivos gestores. Por último, diz-se que o facto de terem o Estado sempre pronto a socorrê-las caso as coisas corram mal constitui um incentivo adicional para que as empresas públicas sejam mal geridas. Na gíria dos economistas, estes três argumentos dão pelos nomes de problema do agente-princial, problema do ‘free-rider’ e problema do ‘soft-budget’.
O que os neoliberais parecem querer ignorar é que qualquer um destes argumentos se aplica, sem grandes transformações, à gestão de empresas privadas. Desde inícios do século XX que se generalizou o modelo de separação da propriedade e da gestão de empresas nas economias capitalistas - e, por muitas voltas que se dê, também no caso das empresas privadas o problema do agente-principal permanece essencialmente por resolver (o caso de Enron foi só o mais visível dos inúmeros exemplos de gestão fraudulenta no sector privado).
O problema da dispersão do capital das empresas também se coloca no sector privado, convidando os accionistas individuais (por vezes dispersos por todo o mundo) a deixarem para os outros a monitorização próxima das ‘suas’ empresas. Quanto ao problema do ‘soft-budget’, também as empresas privadas, quando são suficientemente grandes e importantes para as economias nacionais, sabem que podem contar com o Estado para as socorrer quando as coisas correm mal.
Em suma, problemas de eficiência associadas ao (des)alinhamento de incentivos não são um exclusivo do sector público. E muitas vezes, as soluções encontradas são aplicáveis tanto no público como no privado. Poder-se-ia dizer que os argumentos teóricos são inconclusivos, mas que o mau desempenho das empresas públicas é empiricamente inquestionável. Pois, assim não é. Mas isso ficará para outra posta desta série.
Totalmente de acordo. A questão é se faz sentido o Estado estar directamente em sectores ou não. E em meu entender na grande maioria dos casos não faz sentido.
ResponderEliminarPedro,
ResponderEliminarComo é que define «maioria dos casos»: nº de empresas? nº de trabalhadores ao serviço? valor acrescentado? volume de vendas? nº de secções/divisões/classes da Classificação das Actividades Económicas? Em qualquer um dos destes casos eu estaria de acordo. Mas essa não é a questão mais relevante, certo?
Os contra-argumentos apresentados são válidos, mas no caso das empresas privadas a má gestão é geralmente controlada em tempo útil (ex. IBM). O caso da ENRON, que refere, é interessante porque dele resultou a criação de legislação reguladora (Sarbanes-Oxley). Acha que o Estado teria sido tão rápido a reagir se o "papão" fosse um dos seus?
ResponderEliminarA contraposição de argumentos teóricos "pro" ou "con" seja o que for tem - penso eu de que... - relativamente pouco interesse. Penso que, teoricamente, o Estado (essa hidra de, não mil, mas milhões, de cabeças) deve estar afastado das tarefas de gestão - como regra. Mas desconhecer casos de sucesso da gestão pública, que a História Económica regista e que, quanto a mim, surgem na sequência do reconhecimento, por quem de direito, do carácter POLITICAMENTE vital desse sucesso, também me parece um pouco fundamentalista... E estar o fundamentalismo na moda é mais uma razão para o combater...
ResponderEliminarVitor Correia