terça-feira, 11 de dezembro de 2007

As lições de Chang IX - Porque é que a livre de circulação de capitais não serve os propósitos do desenvolvimento

No discurso neoliberal, a livre circulação de capitais a nível internacional seria uma bênção para os países menos desenvolvidos. O afluxo de investimentos a estes países iria não apenas colmatar a escassez de capitais domésticos, como trazer consigo novas técnicas, novas formas de gestão e organização, e a exigência de novas prática nas políticas públicas.

Mas olhemos para as formas que o fluxo internacional de capitais assume e para as suas consequências. Para além da ajuda pública ao desenvolvimento (uma parcela ínfima dos fluxos), os capitais estrangeiros chegam aos países menos desenvolvidos sob a forma de: empréstimos, aquisição de dívida (pública e privada), investimento de portofólio (por exemplo, compra de acções de empresas domésticas) e de investimento directo (aquisição/instalação de capacidade produtiva).

Os três primeiros tipos de investimento foram aqueles que mais depressa se desenvolveram nos últimos anos e os seus resultados sobre os países em desenvolvimento são conhecidos. Caracterizados por uma enorme volatilidade, eles tendem a desestabilizar os mercados financeiros locais, exacerbando quaisquer tendências de evolução - afluem aos molhos quando as perspectivas são boas (favorecendo leituras excessivamente optimistas do crescimento económico) e são os primeiros a fugir quando as coisas ameaçam correr mal. Dado o peso desmesurado que têm nos mercados financeiros dos países em desenvolvimento - e.g., o mercado de capitais da Nigéria, o maior da África sub-sahariana é 5.000 vezes mais pequeno que o americano - a fuga dos capitais estrangeiros torna tais ameaças em realidade (como demonstram as sucessiva crises financeiras da última década e meia - México, Sudeste asiático, Rússia, Brasil, Turquia, ...).

Em contraste, o investimento directo estrangeiro (IDE) é mais estável, acarretando consigo mais capacidades produtivas e conhecimentos. Mas o IDE também tem as suas limitações e problemas: os vários estudos realizados sobre o contributo do IDE para a melhoria das competências técnicas e organizacionais dos países de destino são inconclusivos; em muitas situações, também o IDE pode ser relocalizado rapidamente; a filial pode ser usada pela empresa mãe para obter empréstimos bancários no mercado doméstico, diminuindo os capitais disponíveis a nível nacional; grande parte das vezes o IDE não é mais do que a aquisição de empresas já existentes, com objectivos que podem passar inclusive pela sua destruição (para limitar a concorrência internacional).

Talvez por isso, o controlo do investimento externo tem sido um elemento fundamental nas estratégias de desenvolvimento referidas nas postas anteriores desta série.

2 comentários:

  1. Meu amigo, também sou economista e estudos destes há-os para todos os gostos: basta escolher cuidadosamente as amostras e os critérios de análise do própio estudo. O que mais me impressiona é a sua incapacidade de olhar para o mundo e ver o que se passa. Ver, por exemplo, que a China está prestes a tornar-se na 2ª potência económica mundial, com um desenvolvimento baseado em IDE e no aproveitamento da Globalização Neoliberal. Ou que a India vai assumindo uma posição de liderança nos sectores dos Serviços, com base nas mesmas oportunidades. Representam metade da humanidade e, finalmente, após décadas de experiências socializantes falhadas, começam a poder proporcionar ao seu povo condições de vida e de trabalho infinitamente superiores às que antes tinham. E se isto acontece, não foi graças a altas de preços de matérias primas, nem a condições naturais previlegiadas, nem sequer devido a algum milagre de um Deus improvável. Isto deve-se apenas e tão só, ao aproveitamento das oportunidades criadas pelos tão odiados IDE e Globalização Neoliberal.
    Miguel RH

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  2. Caro Miguel,

    É certo que há estudos econométricos para todos os gostos no que toca ao impacto da liberalização comércio internacional, mas o livro do Chang não se apoia nesse tipo de análises, como aliás me parece claro pelos posts do Ricardo.

    Os bons exemplos que o Miguel fornece, China e India, são países que corroboram as "lições de Chang". Os dois países são analisados neste paper de Dan Rodrik:
    http://ksghome.harvard.edu/~drodrik/Saving%20globalization.pdf

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