quarta-feira, 30 de setembro de 2009
Compromisso à Esquerda - subscrição aberta online
Car@s amig@s,
Na presença de vários jornalistas (DN, JN, Público, Rádio Renascença e Antena 1, pelo menos), decorreu hoje o lançamento público da iniciativa “Compromisso à Esquerda”, no Martinho da Arcada, em Lisboa.
O apelo, subscrito por um conjunto de cerca de 150 personalidades de vários quadrantes profissionais, sociais e político-ideológicos que constituem a sua comissão promotora, está já disponível para subscrição pública no seguinte sítio da internet: http://www.compromissoaesquerda.com.
Como o tempo urge, era útil divulgarem a iniciativa o mais rápido possível para que todos os que concordarem com a ideia a possam subscrever de imediato.
Lisboa, 30 de Setembro de 2009
Pelos promotores.
Debate e movimento contra maldições
“É que o capitalismo tóxico não foi um mero excesso especulativo (…) É por isso que a formação do maior movimento da esquerda socialista é decisivo para o futuro da confrontação entre alternativas políticas.” Francisco Louçã, no esquerda, retira cinco lições dos resultados eleitorais. A desmontagem dos delírios editoriais de José Manuel Fernandes dá a necessária vivacidade polémica ao texto. Um diagnóstico político, um diagnóstico da conjuntura capaz de guiar uma alternativa, não prescinde de considerações sobre a crise do capitalismo português, sobre a sua crescente toxicidade socioeconómica e intelectual e sobre a melhor forma de fazer face a esta e a outras maldições.
Na minha opinião, quem apoia convergências duradouras entre os partidos de esquerda tem o dever de ancorar essa generosa aposta em análises exigentes e sobretudo em propostas substantivas no campo das políticas públicas. A CGTP também percebeu isso. A sua análise dos resultados é acompanhada de dez propostas gerais, mas clarificadoras, para um governo de mudança que esteja à altura das circunstâncias: onde e como dar os toques de política com impactos estratégicos?
Na minha opinião, quem apoia convergências duradouras entre os partidos de esquerda tem o dever de ancorar essa generosa aposta em análises exigentes e sobretudo em propostas substantivas no campo das políticas públicas. A CGTP também percebeu isso. A sua análise dos resultados é acompanhada de dez propostas gerais, mas clarificadoras, para um governo de mudança que esteja à altura das circunstâncias: onde e como dar os toques de política com impactos estratégicos?
terça-feira, 29 de setembro de 2009
Impeachment
Ouve falar há vários meses de suspeitas de escutas e só hoje se lembra de pedir a peritagem (não ao sistema de comunicações, mas ao sistema informático). Sabe que um seu assessor acusa o governo de espionagem, mas não o corrobora nem o desmente - e acha isso normal. Perante a notícia de que esse assessor falou em seu nome, afirma que ninguém fala em seu nome, mas também não o demite (apenas o afasta das funções). Quando todos vimos o PSD a usar as suspeitas de vigilância para alimentar a teoria da asfixia democrática, limita-se a acusar o “partido do governo” de tentativas de manipulação e insiste que é um homem isento. Fazendo a declaração mais destabilizadora que podia fazer neste momento delicado, quer que acreditemos que constitui o garante da normalidade democrática.
O homem que nunca se engana e raramente tem dúvidas não está no seu pleno juízo. Quanto tempo mais teremos de viver com alguém assim à frente da República?
O homem que nunca se engana e raramente tem dúvidas não está no seu pleno juízo. Quanto tempo mais teremos de viver com alguém assim à frente da República?
Quilos e Quilos de Bolo Rei
As declarações do Presidente da República sobre o caso das escutas são um dos momentos mais confusos e disparatados da vida política dos últimos anos. Senão vejamos:
1. O PR não esclarece se afinal desconfia ou não das escutas. Despediu o seu assessor mas também não esclarece se ele ficou ou não na Casa Civil. E, no entanto, parece relativamente evidente que um assessor de imprensa que implicasse sem fundamento o PR numa denúncia à Comunicação Social não arranjaria um emprego na Câmara do Marco de Canavezes, quanto mais permanecer na Casa Civil...
2. Sobre os problemas de segurança, o PR aposta na confusão: fala sobre violação de e-mails da Presidência, como se o e-mail que veio a público tivesse alguma coisa a ver com a Presidência e não fosse um e-mail entre dois jornalistas. Aliás, qualquer desses jornalistas poderia ter posto cá fora a dita-cuja missiva (não estou a dizer que foi o caso) sem que para isso fosse preciso qualquer filme de espionagem. De qualquer forma, não existe nenhum facto que sugira violação da correspondência da Presidência ou, se existe, ele não foi referido pelo PR.
3. Se a ideia era matar uma falsa notícia, não se percebe porque não o fez durante a campanha, desanuviando o ambiente e recentrando a campanha no debate de ideias. Ao deixar essa dúvida marinar, aparentemente sem fundamento e por responsabilidade (no mínimo) de um elemento da sua própria Casa Civil, o PR efectivamente interferiu na campanha. Aliás, não foram só os dirigente do PS, BE e PCP que exigiram um esclarecimento imediato. Pacheco Pereira falou no mesmíssimo sentido.
4. Porque não pode reconhecer essa ingerência, o Presidente foge para a frente: atira-se a dirigentes não identificados (coisa mui digna e isenta num Presidente), lança mais suspeitas e insinuações e encoraja o clima de dúvida e confusão. Ou seja, mais poeira e intriga irresponsável.
5. Esta embrulhada, que partiu da Presidência da República e promete continuar a entreter o país (por acaso, durante outra campanha eleitoral), mostra bem como o sentido de Estado é entendido pela Presidência. A isenção é uma palavra para usar e abusar nas comunicações ao país mas sem grande valor para a prática política quotidiana. É por isso que a fotografia que ilustra este post se arrisca a tornar-se um dos momentos menos constrangedores da vida política de Cavaco Silva. Ele é bem pior sem a boca cheia.
Compromisso à Esquerda - apelo à estabilidade governativa
"As recentes eleições revelaram que as preferências maioritárias dos portugueses deram a vitória ao PS, embora aquém da maioria absoluta, e uma maioria de esquerda (PS, BE e CDU) em votos e mandatos parlamentares. Por um lado, o PS ganhou com 36,6% dos votos, mas perdeu cerca de 8,4% dos votos face aos 45,0% de 2005. Por outro lado, entre 2005 e 2009, os partidos à sua esquerda aumentaram significativamente (BE: de 6,4% para 9,9%) ou muito ligeiramente (CDU: de 7,5% para 7,9%). Tudo somado, e mesmo tendo em conta que ainda faltam distribuir 4 deputados da emigração, há uma clara maioria à esquerda, seja em termos de votos (53,8% do total), seja em termos de lugares no parlamento (127/230 = 55,2%). Portanto, ao rejeitar a maioria absoluta, o eleitorado apontou para a necessidade de entendimentos entre os partidos. Além disso, tendo em conta a maioria das esquerdas, podemos dizer também que o eleitorado aponta para que, prioritariamente, tais esforços de entendimento sejam feitos neste sentido.
Estes resultados exigem que as esquerdas se encontrem e sejam capazes de explicitar o contributo que cada um destes partidos (PS, BE e CDU) está disposto a dar para se encontrar uma solução estável de governo, tão comum por essa Europa fora. Pelo menos essa tentativa de entendimento é devida ao povo português pela forma como demonstrou a sua vontade eleitoral.
Os subscritores do presente apelo convidam a comunicação social para o lançamento público da iniciativa, no Martinho da Arcada, em Lisboa, nesta quarta feira, 30 de Setembro, pelas 17H00. Neste mesmo dia, o apelo, subscrito por um conjunto de cerca de 150 personalidades de vários quadrantes profissionais, sociais e político-ideológicos que constituem a sua comissão promotora, estará disponível para subscrição pública no seguinte sítio da internet: http://www.compromissoaesquerda.com.
Lisboa, 29 de Setembro de 2009
Pelos promotores
Isabel de Castro
Maria João Seixas
Maria do Céu Guerra (co-porta-voz)
Ana Paula Fitas (co-porta-voz)
Fernando Vicente
Ulisses Garrido (porta-voz)"
Estes resultados exigem que as esquerdas se encontrem e sejam capazes de explicitar o contributo que cada um destes partidos (PS, BE e CDU) está disposto a dar para se encontrar uma solução estável de governo, tão comum por essa Europa fora. Pelo menos essa tentativa de entendimento é devida ao povo português pela forma como demonstrou a sua vontade eleitoral.
Os subscritores do presente apelo convidam a comunicação social para o lançamento público da iniciativa, no Martinho da Arcada, em Lisboa, nesta quarta feira, 30 de Setembro, pelas 17H00. Neste mesmo dia, o apelo, subscrito por um conjunto de cerca de 150 personalidades de vários quadrantes profissionais, sociais e político-ideológicos que constituem a sua comissão promotora, estará disponível para subscrição pública no seguinte sítio da internet: http://www.compromissoaesquerda.com.
Lisboa, 29 de Setembro de 2009
Pelos promotores
Isabel de Castro
Maria João Seixas
Maria do Céu Guerra (co-porta-voz)
Ana Paula Fitas (co-porta-voz)
Fernando Vicente
Ulisses Garrido (porta-voz)"
A campanha civilizada vai continuar
“Uma campanha inteligente e civilizada, contrastando com o desnorte e o radicalismo do PSD.” Vital Moreira sobre o CDS. Preparem-se para o pior. Uma campanha civilizada? A campanha do racismo social contra os excluídos? A defesa da combinação da «piedade» e da «forca» para lidar com os pobres? A xenofobia latente? A defesa, na teoria e sobretudo na prática governamental, do Estado penal e da redução do governo a simples executivo dos negócios das fracções mais predadoras da burguesia, dos submarinos aos sobreiros? Enfim, leia-se o livro do sociólogo francês Loïc Wacquant – Punir os pobres: o governo neoliberal da insegurança social – se se quiser entender melhor para onde nos conduzem estas campanhas civilizadas: o pesadelo do Estado penal norte-americano está a chegar à Europa. Desorientação ou orientação de Vital Moreira? Num país brutalmente desigual, num país com aparelhos de segurança pública e privada em acentuado crescimento, que estas coisas estão relacionadas, podemos estar a entrar numa nova fase da «governamentalidade» neoliberal. A descaracterizada social-democracia aperta a mão à reforçada extrema-direita parlamentar?
Respeito e medo
"Uma vez mais, e de forma clara, os portugueses votaram maioritariamente à esquerda e esse voto tem de ser respeitado." Vale a pena ler o comunicado da CGTP, em especial as suas dez prioridades para um governo de esquerda. Muito depende da arte e do engenho da acção colectiva dos trabalhadores. Entretanto, Van Zeller tem medo da esquerda. Demasiados patrões portugueses têm medo de quem esteja disposto a fixar-lhes regras exigentes. Regras que assegurem um maior equilíbrio nas relações laborais e que aumentem os incentivos para a modernização da estrutura produtiva, a partir do momento em que os sectores mais retrógrados do patronato sabem que não podem mais prosperar através da transferência sistemática de custos para os trabalhadores e para a sociedade: baixos salários, relações laborais autoritárias, precariedade, doenças laborais, poluição, etc. A exigência em relação a quem detém os activos da economia tem de ser muito maior. As consequências da complacência liberal estão à vista.
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
Tornar possível a esquerda necessária
Com mais ou menos consultas e negociações, Portugal vai ter mais um governo da chamada “esquerda possível”, desta vez sem maioria absoluta. Os líderes do PS (incluindo a sua corrente Opinião Socialista) e os do Bloco de Esquerda tiveram muito tempo para negociar convergências programáticas e políticas que facilitassem uma fórmula de governação bem estruturada, cujos últimos retoques seriam dados nos próximos dias. Mas preferiram deixar tudo na mesma, o que é congruente com as diferenças de visão do mundo, da economia, de valores … que os separam. Estabilidade governativa à esquerda, negociada com seriedade intelectual e política, implicava muito trabalho e humildade quanto baste. Não aconteceu. Não era possível?
Vamos pois ter um governo com frágil apoio parlamentar, ou com apoio político de "geometria variável", ora negociado com o CDS-PP ora com o Bloco de Esquerda e/ou a CDU. Acontece que, com políticas de "geometria variável", não há estratégia de desenvolvimento. Não há futuro decente para o País. Este governo da “esquerda possível” vai ser confrontado com: a drástica redução das receitas fiscais face a um crescimento que vai tardar e, quando aparecer, será anémico; exigências de vários lados para conceder mais apoios sociais para atenuar a crise; exigências de Bruxelas e da finança internacional para que faça mais "reformas estruturais", quer dizer, menos despesa e mais desemprego. Acabará por se deixar entalar numa estratégia de meio-termo, de compromissos desconexos, naquele tipo de estratégia que Michael Porter qualificava "de desastre".
Para os que acreditam que o País tem futuro, talvez ainda se possa escrever direito por linhas tortas. À gravidade da situação financeira do País, à insustentabilidade do nível de desemprego a que se chegará, às divisões que depressa se vão cavar dentro do PS e do BE quanto às políticas a adoptar no imediato, juntar-se-á a pressão das elites de esquerda para que o País encontre uma solução governativa à altura dos desafios dos próximos anos. Porém, essa solução não é possível com o predomínio da "esquerda possível", ela só resultará de uma esquerda "socialista", uma esquerda mais do que nunca "necessária". Se realmente quisermos, a partir de hoje começa a contagem do tempo urgente da sua criação.
Esboço de alguns passos fundamentais:
a) Dentro do PS, os militantes das suas correntes de opinião deveriam elaborar uma reflexão autónoma relativamente aos órgãos do partido e ao governo sobre o que significa ser socialista hoje, e que implicações políticas retiram dessa reflexão. Deveriam também reflectir sobre a qualidade da democracia que praticam internamente;
b) Dentro do Bloco, os militantes e dirigentes deveriam assumir que a tarefa histórica a que se propuseram na última década foi um êxito. Mas também devem reconhecer que esta etapa se está a esgotar. Vão ter de praticar destruição criadora: a de superarem a antinomia “gerir o capitalismo” versus “derrubar o capitalismo”. Trata-se de ir assumindo responsabilidades no governo do capitalismo e, ao mesmo tempo, irem introduzindo elementos de subversão. Fazer o exercício da governação participada e transformadora. Claro que é reformismo, e os frutos das reformas nem sempre se vêm logo. Contudo, será um reformismo tão bem sucedido quanto mais for capaz de ir tornando o nosso capitalismo irreconhecível (e inaceitável) aos olhos dos financeiros. Uma escolha exigente para o BE.
c) Dentro do PCP, dever-se-ia discutir a viabilidade de uma participação naquilo que bem se poderia chamar “refundação da esquerda”. Seria importante obter uma decisão clara do PCP quanto ao seu interesse em discutir as bases programáticas de um novo partido de “esquerda socialista” para o século XXI onde a pluralidade de pontos de vista seja considerada uma riqueza.
d) Fora dos partidos – vários grupos independentes, sobretudo intelectuais, deveriam dar início a uma reflexão programática, bem fundamentada, sobre a estratégia dos socialistas em Portugal e na UE nas próximas décadas. Um primeiro documento, já com algum detalhe, deveria ser objecto de aberta discussão até meados de 2010 com todos os que estivessem interessados.
e) Concluída a redacção do documento programático seria lançado um novo partido que recolheria toda a gente da "esquerda socialista" disposta a fazer algumas rupturas (mais ou menos dolorosas) com o seu percurso político passado. É previsível que muita gente esteja descontente com a actual fragmentação da esquerda mas, pelas mais variadas razões, acabe por não conseguir romper com os respectivos partidos. Contudo, um projecto desta natureza não pode ficar à espera da unanimidade.
O processo de lançamento do novo partido deveria estar concluído a tempo das próximas eleições legislativas que, muito provavelmente, serão eleições intercalares. A meu ver, chegou a hora de tornar possível a esquerda de que o País precisa, a "esquerda necessária". É que o País vota maioritariamente à esquerda mas não está feliz com a representação política que recebe em troca. E tem razão, merece melhor.
Política a política
O socialismo desfaz-se e faz-se política pública a política pública. As reformas estruturais de que o país necessita – do imposto sobre as grandes fortunas à revisão do código do trabalho, passando pela apropriação pública das mais-valias fundiárias obtidas graças a modificações políticas ou pelo reforço do subsídio de desemprego para fazer face à crise – também. O novo parlamento, sem maiorias absolutas de um só partido, pode facilitar este processo de transformação, a partir de uma valorização do debate e da participação democráticas. Pode. A esquerda socialista duplicou a sua força. O processo de reconstrução da esquerda portuguesa vai continuar. Enfim, as esquerdas alternativas somam 18% e têm juntas um milhão de votos. Com 36% e uma descida assinalável, a esquerda-mocambo precisa de uma boa dose de cafeína. As escolhas do PS são claras: bloco central com um partido sem paz, pão, povo e liberdade, alianças com a extrema-direita em ascensão ou convergências à esquerda para mudar o país. Política a política, as escolhas ficarão muito mais claras e isto será muito pedagógico e interessante. Vejam o que aconteceu ao SPD na Alemanha: quem converge com a direita e com as suas políticas perde. Aprender sempre. Esperemos então que não se repitam as cedências sistemáticas ao empresarialmente correcto. Isto também depende da capacidade das esquerdas alternativas, dentro e fora do parlamento. Este é mesmo o primeiro dia do resto da vida da esquerda num país onde a direita está em minoria...
A verdadeira asfixia democrática
Há um pequeno país que vive num regime de asfixia democrática. O seu legítimo presidente está cercado e não se sabe quando regressará ao exercício das suas funções. Falo, obviamente, das Honduras. Faz hoje três meses que Manuel Zelaya foi deposto por um golpe de Estado condenado por toda a comunidade internacional, que se recusa a reconhecer o novo poder. O resto da minha crónica semanal pode ser lido no i.
domingo, 27 de setembro de 2009
Um ciclo a não perder
Economia Global e os Muros da Repartição nos Estados Unidos e no Mundo
28 de Setembro de 2009, 16.00, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
28 de Setembro de 2009, 16.00, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
John Schmitt (Center for Economic and Policy Research in Washington, DC)
Desigualdade como Política: Os Estados Unidos desde 1979.
Thomas Coutrot (Ministério do Trabalho e Membro do Conselho Científico da ATTAC, França)
Que emancipação do salariado no séc. XXI?
Esta é a primeira iniciativa de um ciclo a não perder. Mais detalhes aqui.
sábado, 26 de setembro de 2009
República das bananas?
Estou a escrever a minha crónica para o i. Para variar, decido concentrar-me no vergonhoso golpe de Estado nas Honduras, que faz na próxima segunda-feira três meses. Situação volátil. A embaixada brasileira, onde o legítimo Presidente deposto, Manuel Zelaya, está refugiado, está a ser atacada pelo exército (via cinco dias). O governo brasileiro já fez saber que a única solução aceitável é o regresso de Zelaya à presidência. Claro. O que pensará agora Palmira Silva da esquerda neo-conservadora? Pergunta de um pobre "albanês"?
Leituras para um dia de reflexão
A New Left Review é uma das minhas revistas preferidas. No último número, destaque para as especulações de Gopal Balakrishnan sobre a actualidade do espectro que perseguiu os economistas clássicos – o estado estacionário: “será que é inevitável que novas fases de acumulação emirjam depois do que promete ser uma enorme e prolongada convulsão?” Jan Breman, por sua vez, demole os mitos da rede social supostamente criada pela crescente informalização da economia, ali onde a crise faz as suas maiores vitimas: entre os mais pobres dos mais pobres. Duas propostas de leitura para um dia de reflexão.
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
Inovar à esquerda - III
[Conclusão do texto iniciado aqui e continuado aqui]
3. A democracia tem de estar presente também na economia e nas relações económicas
Por último, queria referir que a actual crise veio também impor que se proceda à revisão do conceito de empresa e, consequentemente, à definição dos parâmetros de definição da responsabilidade social da mesma.
A democracia não pode ficar confinada ao sistema político e dizer respeito apenas às funções do estado na sua relação com os cidadãos e cidadãs enquanto votantes. A democracia tem de estar presente também na economia e nas relações económicas.
A ideia de que o mercado, só por si, é o garante da democracia económica presidiu ao pensamento liberal e neo-liberal das últimas décadas, mas hoje não resiste à verificação empírica: as grandes desigualdades, o risco ambiental, o desemprego massivo, só para referir alguns exemplos de disfunções que o mercado não previne nem corrige. Volta a falar-se na necessidade de um papel mais interventivo do Estado e dos Órgãos de regulação e orientação estratégica do desenvolvimento que matizem o papel do mercado, nomeadamente na salvaguarda do bem comum, da coesão social e dos direitos das futuras gerações.
Também o conceito de empresa carece de profunda revisão. Com efeito, a empresa não é apenas um capital, mas uma realidade social complexa, que envolve múltiplas relações: entre os diferentes sujeitos que nela intervêm (trabalhadores, fornecedores, clientes, além dos detentores do capital) bem como com a sociedade onde está implantada e onde opera. Assim sendo, os gestores não devem responder apenas, como hoje sucede, perante os accionistas que os nomeiam, mas devem também assumir responsabilidades perante os demais elementos que integram a empresa. Ladislau Dowbor ao defender a democracia económica, afirma que esta “se manifesta na qualidade da inserção no processo produtivo, no acesso equilibrado aos resultados do esforço, e no acesso à informação que assegure o direito às opções.” Estas questões não são novas. A título de exemplo, veja-se Robert A. (1985) - A preface to economic democracy, University of Califórnia Press.
Concluindo
No meu próprio percurso académico, fui acompanhando e participando no esforço comum para reconduzir a economia à sua matriz ética donde nunca deveria ter saído.
Quero crer que a presente crise venha a ter o mérito de colocar de novo na agenda académica e política estas questões e abrir caminho para a construção de uma real democracia económica, capaz de assegurar, em simultâneo, eficiência na utilização responsável dos recursos e repartição equitativa dos bens alcançados.
A extensão e a persistência do fenómeno da pobreza à escala mundial, incluindo nesta os países ricos e de economia avançada, a par de uma maior consciência dos direitos humanos universais são, a meu ver, razões para acelerar as mudanças de paradigma económico que a crise exige.
Combater as causas da pobreza e erradicá-la das nossas sociedades de abundância e desperdício, enquanto violação de direitos humanos, implica olhar criticamente para o modelo de economia actual e identificar caminhos que levem à democratização da economia, incluindo a revisão dos conceitos de empresa e de mercado em que aquela se fundamenta.
3. A democracia tem de estar presente também na economia e nas relações económicas
Por último, queria referir que a actual crise veio também impor que se proceda à revisão do conceito de empresa e, consequentemente, à definição dos parâmetros de definição da responsabilidade social da mesma.
A democracia não pode ficar confinada ao sistema político e dizer respeito apenas às funções do estado na sua relação com os cidadãos e cidadãs enquanto votantes. A democracia tem de estar presente também na economia e nas relações económicas.
A ideia de que o mercado, só por si, é o garante da democracia económica presidiu ao pensamento liberal e neo-liberal das últimas décadas, mas hoje não resiste à verificação empírica: as grandes desigualdades, o risco ambiental, o desemprego massivo, só para referir alguns exemplos de disfunções que o mercado não previne nem corrige. Volta a falar-se na necessidade de um papel mais interventivo do Estado e dos Órgãos de regulação e orientação estratégica do desenvolvimento que matizem o papel do mercado, nomeadamente na salvaguarda do bem comum, da coesão social e dos direitos das futuras gerações.
Também o conceito de empresa carece de profunda revisão. Com efeito, a empresa não é apenas um capital, mas uma realidade social complexa, que envolve múltiplas relações: entre os diferentes sujeitos que nela intervêm (trabalhadores, fornecedores, clientes, além dos detentores do capital) bem como com a sociedade onde está implantada e onde opera. Assim sendo, os gestores não devem responder apenas, como hoje sucede, perante os accionistas que os nomeiam, mas devem também assumir responsabilidades perante os demais elementos que integram a empresa. Ladislau Dowbor ao defender a democracia económica, afirma que esta “se manifesta na qualidade da inserção no processo produtivo, no acesso equilibrado aos resultados do esforço, e no acesso à informação que assegure o direito às opções.” Estas questões não são novas. A título de exemplo, veja-se Robert A. (1985) - A preface to economic democracy, University of Califórnia Press.
Concluindo
No meu próprio percurso académico, fui acompanhando e participando no esforço comum para reconduzir a economia à sua matriz ética donde nunca deveria ter saído.
Quero crer que a presente crise venha a ter o mérito de colocar de novo na agenda académica e política estas questões e abrir caminho para a construção de uma real democracia económica, capaz de assegurar, em simultâneo, eficiência na utilização responsável dos recursos e repartição equitativa dos bens alcançados.
A extensão e a persistência do fenómeno da pobreza à escala mundial, incluindo nesta os países ricos e de economia avançada, a par de uma maior consciência dos direitos humanos universais são, a meu ver, razões para acelerar as mudanças de paradigma económico que a crise exige.
Combater as causas da pobreza e erradicá-la das nossas sociedades de abundância e desperdício, enquanto violação de direitos humanos, implica olhar criticamente para o modelo de economia actual e identificar caminhos que levem à democratização da economia, incluindo a revisão dos conceitos de empresa e de mercado em que aquela se fundamenta.
“Este Bloco de Esquerda é mesmo um perigo.”
Os blogues de apoio partidário do PS e do PSD não me interessaram muito nesta campanha. Serviram como meras claques de cada um dos partidos. Já é mais chato quando começam a inventar coisas, como o Zé Neves aqui assinala.
Parece valer tudo. O pudor dos líderes do PS na campanha não tem correspondência nos seus apoiantes. Não há aqui a mínima tentativa de debate político. Porfírio Silva qualifica Louçã de “pároco de Arronches”. Fiquei esmagado pelo argumento. Palmira Silva decide alinhar com Paulo Portas no ridículo insulto de associar o BE à Coreia do Norte ou à Albânia. Enfim, já sabemos que, ao contrário dos congéneres europeus, a origem identitária do PS foi o combate à esquerda. Num momento em que as sondagens mostram a possibilidade de viabilização de um governo do PS pelo PP, estas convergências não são nada estranhas, pois não? “Este Bloco de Esquerda é mesmo um perigo” escreve Palmira. Pois é, mas para quem?
Todavia, o maior prémio do argumento mais rasteiro vai para Carlos Santos que confunde o que se escreve neste blogue com o Programa do Bloco de Esquerda (obviamente, sem referir o meu post). Fico muito honrado pelo poder que me atribui, mas se quer discutir o cheque-dentista é de bom-tom interpelar quem sobre ele escreveu e não começar, sei lá, a inventar.
De facto, sou contra o cheque-dentista como paradigma do que não se deve fazer na saúde. Num país em que os médicos dentistas são forçados a emigrar maciçamente para o estrangeiro, acho extraordinário que este governo promova um modelo de cuidados de saúde que, sendo necessariamente parcial, porque dificilmente consegue financiar o tratamento de duas cáries, promove e fortalece o actual modelo de provisão exclusivamente privada de medicina dentária. Defende Carlos Santos que um serviço de saúde público dentário não se cria com um “estalar de dedos”. Pois não. Mas o que fez este governo nesse sentido? Esta é simplesmente uma discussão sobre qual deve ser o destino dos recursos públicos. O resto é areia para os olhos dos pasmados leitores de Carlos Santos.
Parece valer tudo. O pudor dos líderes do PS na campanha não tem correspondência nos seus apoiantes. Não há aqui a mínima tentativa de debate político. Porfírio Silva qualifica Louçã de “pároco de Arronches”. Fiquei esmagado pelo argumento. Palmira Silva decide alinhar com Paulo Portas no ridículo insulto de associar o BE à Coreia do Norte ou à Albânia. Enfim, já sabemos que, ao contrário dos congéneres europeus, a origem identitária do PS foi o combate à esquerda. Num momento em que as sondagens mostram a possibilidade de viabilização de um governo do PS pelo PP, estas convergências não são nada estranhas, pois não? “Este Bloco de Esquerda é mesmo um perigo” escreve Palmira. Pois é, mas para quem?
Todavia, o maior prémio do argumento mais rasteiro vai para Carlos Santos que confunde o que se escreve neste blogue com o Programa do Bloco de Esquerda (obviamente, sem referir o meu post). Fico muito honrado pelo poder que me atribui, mas se quer discutir o cheque-dentista é de bom-tom interpelar quem sobre ele escreveu e não começar, sei lá, a inventar.
De facto, sou contra o cheque-dentista como paradigma do que não se deve fazer na saúde. Num país em que os médicos dentistas são forçados a emigrar maciçamente para o estrangeiro, acho extraordinário que este governo promova um modelo de cuidados de saúde que, sendo necessariamente parcial, porque dificilmente consegue financiar o tratamento de duas cáries, promove e fortalece o actual modelo de provisão exclusivamente privada de medicina dentária. Defende Carlos Santos que um serviço de saúde público dentário não se cria com um “estalar de dedos”. Pois não. Mas o que fez este governo nesse sentido? Esta é simplesmente uma discussão sobre qual deve ser o destino dos recursos públicos. O resto é areia para os olhos dos pasmados leitores de Carlos Santos.
O sábio, artífice de humilhante derrota
O sábio fez na terça-feira, no Público, na sua usual coluna um artigo sobre as “leis de bronze” do sistema partidário português que tem tanto de ciência quanto pode ter uma generalização (“lei”) baseada num único caso (Portugal, ainda que multiplicado por 12 eleições, mas muitas deles sem necessidade de acordos: 12 – 3 (maiorias absolutas) = 9), ainda que com 9 ocorrências.
Quanto à sapiência, penso que estamos conversados…
Mais recentemente, terá afirmado o sábio/spin doctor, segundo uma notícia do Público:
“Quem não é por nós está contra nós! Esta é uma interpretação Vital das declarações do rosto da última derrota do Partido Sócrates. Segundo o Público, "o constitucionalista" disse à Rádio Clube «que o PS não deve ceder à oposição e que se tiver dificuldades em aprovar os orçamentos e em conseguir “maiorias de geometria variável” é preferível clarificar a situação com novas eleições para perceber “se deve governar quem ganhou as eleições ou se devem governar as oposições coligadas”». Portanto, para evitar novas eleições, segue-se já a orientação do "constitucionalista": quem deseja uma coligação entre o Partido de Sócrates e "as esquerdas", só tem de votar PSD. Se este ganhar as eleições, governam as oposições coligadas.”
Mas as afirmações deste ilustre sábio não são apenas de sapiência duvidosa, são também de muitíssimo duvidosa eficácia enquanto conselheiro político: recorde-se que, com ele como cabeça de lista, o PS teve a maior de derrota de sempre em europeias (a segunda maior em termos relativos) e, em larga medida, por causa dos seus conselhos políticos.
A sua responsabilidade na derrota, que antevi muito antes das europeias, expliquei-a aqui, aqui e aqui.
Será uma deriva suicidária?
Quanto à sapiência, penso que estamos conversados…
Mais recentemente, terá afirmado o sábio/spin doctor, segundo uma notícia do Público:
“Quem não é por nós está contra nós! Esta é uma interpretação Vital das declarações do rosto da última derrota do Partido Sócrates. Segundo o Público, "o constitucionalista" disse à Rádio Clube «que o PS não deve ceder à oposição e que se tiver dificuldades em aprovar os orçamentos e em conseguir “maiorias de geometria variável” é preferível clarificar a situação com novas eleições para perceber “se deve governar quem ganhou as eleições ou se devem governar as oposições coligadas”». Portanto, para evitar novas eleições, segue-se já a orientação do "constitucionalista": quem deseja uma coligação entre o Partido de Sócrates e "as esquerdas", só tem de votar PSD. Se este ganhar as eleições, governam as oposições coligadas.”
Mas as afirmações deste ilustre sábio não são apenas de sapiência duvidosa, são também de muitíssimo duvidosa eficácia enquanto conselheiro político: recorde-se que, com ele como cabeça de lista, o PS teve a maior de derrota de sempre em europeias (a segunda maior em termos relativos) e, em larga medida, por causa dos seus conselhos políticos.
A sua responsabilidade na derrota, que antevi muito antes das europeias, expliquei-a aqui, aqui e aqui.
Será uma deriva suicidária?
Governabilidade à esquerda
Se estivéssemos numa democracia madura, como a espanhola, a francesa, a italiana, a sueca, a norueguesa, a dinamarquesa ou a finlandesa, etc., o acordo parlamentar entre um PS com maioria relativa e o BE seria perfeitamente plausível. Numa tal democracia e em abstracto, seria talvez desejável incorporar também a CDU (mesmo que aritmeticamente dispensável) para que não ficasse a monopolizar o protesto…
A improbabilidade de um tal acordo não radica nas distâncias ideológicas que, embora grandes, não são muito diferentes das que se verificam nesses outros países em partidos congéneres. E mesmo em políticas de mais difícil aproximação (Europa e política externa), a Suécia fornece o exemplo: deixar essas políticas fora do acordo.
O problema é que às lideranças de cada um dos três partidos parece faltar-lhes a atitude compromissória necessária. Esta atitude não é congruente com a vontade maioritária dos seus eleitores (daí, provavelmente, a brutal queda do BE). Se o veredicto popular for claro nesta matéria, creio que os que não estiverem à sua altura poderão ser fortemente penalizados em próximas eleições.
Publicado no Diário Económico, 25/9/2009, no contexto de um dossiê especial sobre as eleições.
A improbabilidade de um tal acordo não radica nas distâncias ideológicas que, embora grandes, não são muito diferentes das que se verificam nesses outros países em partidos congéneres. E mesmo em políticas de mais difícil aproximação (Europa e política externa), a Suécia fornece o exemplo: deixar essas políticas fora do acordo.
O problema é que às lideranças de cada um dos três partidos parece faltar-lhes a atitude compromissória necessária. Esta atitude não é congruente com a vontade maioritária dos seus eleitores (daí, provavelmente, a brutal queda do BE). Se o veredicto popular for claro nesta matéria, creio que os que não estiverem à sua altura poderão ser fortemente penalizados em próximas eleições.
Publicado no Diário Económico, 25/9/2009, no contexto de um dossiê especial sobre as eleições.
Razões de um voto
Por que voto à direita? Por que voto à esquerda? Duas perguntas do i. Duas respostas no i. Paulo Tunhas responde pela direita. Eu respondo pela esquerda:
Um voto à esquerda, tal como a cantiga, é uma arma. Contra quem? Ou melhor, contra o quê? Contra a insolência que o dinheiro ganha quando está concentrado em poucas mãos, contra a sua conversão em poder político, em desigual capacidade para influenciar e moldar decisões que dizem respeito a toda a comunidade. Um voto à esquerda é um voto contra a tirania das desigualdades socioeconómicas. Este é o grande bloqueio à participação democrática dos cidadãos na definição dos destinos comuns e a uma saída mais rápida para a crise.
Um voto à esquerda exprime a vontade de pertença a uma comunidade política que tem num Estado Social robusto o seu pilar essencial. Os bens e serviços públicos, geridos democraticamente – do Serviço Nacional de Saúde à escola ou à biblioteca públicas, passando pelos correios ou pela Segurança Social –, são a base material de uma sociedade de bem-estar. Mandar uma carta para qualquer ponto do país deve custar o mesmo. São estas pequenas coisas que fazem uma sociedade decente. Proteger os serviços públicos contra as tentações da sua comercialização, ou seja, da sua perversão, é uma tarefa para a esquerda.
Um voto à esquerda é um voto realista. O desmantelamento do Estado Social que nos propõe a utopia de mercado não é o início do reino da liberdade, mas sim o início do Estado Penal, do Estado que encarcera os pobres e excluídos ou que promove a administração de paliativos caridosos que não passam de incentivos à subordinação e ao preconceito, maus substitutos dos direitos sociais, dos direitos de cidadania.
Um voto à esquerda é uma autorização para entrar nos grandes baluartes de poder e de subordinação – as empresas – e para distribuir direitos e obrigações de outra forma. Esta opção traduz uma vontade política de fixar regras exigentes que assegurem um maior equilíbrio nas relações laborais e que aumentem os incentivos para a modernização da estrutura produtiva, a partir do momento em que os sectores mais retrógrados do patronato sabem que não podem mais prosperar através da transferência sistemática de custos para os trabalhadores e para a sociedade sob a forma dos baixos salários, das relações laborais autoritárias, da precariedade ou da poluição.
Um voto à esquerda defende as famílias, ameaçadas por uma sociedade de mercado que, mesmo em crise, odeia tempos mortos, ou tem formas desumanas de os gerar. É um voto contra códigos do trabalho que dão poder aos patrões para baralhar ainda mais horários e rotinas. A luta pela possibilidade do casamento por parte de pessoas do mesmo sexo é também uma luta em defesa da família, de todas as famílias. Um voto é um modesto contributo para que a ética do cuidado possa florescer e para que possam ser removidas, pouco a pouco, as fontes evitáveis de infelicidade.
Um voto à esquerda, tal como a cantiga, é uma arma. Contra quem? Ou melhor, contra o quê? Contra a insolência que o dinheiro ganha quando está concentrado em poucas mãos, contra a sua conversão em poder político, em desigual capacidade para influenciar e moldar decisões que dizem respeito a toda a comunidade. Um voto à esquerda é um voto contra a tirania das desigualdades socioeconómicas. Este é o grande bloqueio à participação democrática dos cidadãos na definição dos destinos comuns e a uma saída mais rápida para a crise.
Um voto à esquerda exprime a vontade de pertença a uma comunidade política que tem num Estado Social robusto o seu pilar essencial. Os bens e serviços públicos, geridos democraticamente – do Serviço Nacional de Saúde à escola ou à biblioteca públicas, passando pelos correios ou pela Segurança Social –, são a base material de uma sociedade de bem-estar. Mandar uma carta para qualquer ponto do país deve custar o mesmo. São estas pequenas coisas que fazem uma sociedade decente. Proteger os serviços públicos contra as tentações da sua comercialização, ou seja, da sua perversão, é uma tarefa para a esquerda.
Um voto à esquerda é um voto realista. O desmantelamento do Estado Social que nos propõe a utopia de mercado não é o início do reino da liberdade, mas sim o início do Estado Penal, do Estado que encarcera os pobres e excluídos ou que promove a administração de paliativos caridosos que não passam de incentivos à subordinação e ao preconceito, maus substitutos dos direitos sociais, dos direitos de cidadania.
Um voto à esquerda é uma autorização para entrar nos grandes baluartes de poder e de subordinação – as empresas – e para distribuir direitos e obrigações de outra forma. Esta opção traduz uma vontade política de fixar regras exigentes que assegurem um maior equilíbrio nas relações laborais e que aumentem os incentivos para a modernização da estrutura produtiva, a partir do momento em que os sectores mais retrógrados do patronato sabem que não podem mais prosperar através da transferência sistemática de custos para os trabalhadores e para a sociedade sob a forma dos baixos salários, das relações laborais autoritárias, da precariedade ou da poluição.
Um voto à esquerda defende as famílias, ameaçadas por uma sociedade de mercado que, mesmo em crise, odeia tempos mortos, ou tem formas desumanas de os gerar. É um voto contra códigos do trabalho que dão poder aos patrões para baralhar ainda mais horários e rotinas. A luta pela possibilidade do casamento por parte de pessoas do mesmo sexo é também uma luta em defesa da família, de todas as famílias. Um voto é um modesto contributo para que a ética do cuidado possa florescer e para que possam ser removidas, pouco a pouco, as fontes evitáveis de infelicidade.
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
Convergências e divergências intelectuais
Numa manifestação de trabalhadores no Chile de Allende pontificava uma faixa onde se podia ler: «é um governo de m..., mas é o nosso governo». Talvez um governo socialista não possa, não deva, almejar mais. É o realismo de quem reconhece que as expectativas estão em adaptação permanente e que o campo dos possíveis não é fixo. E ainda bem.
Seja como for, as políticas do keynesianismo ecológico e social no marco do capitalismo são valiosas, entre outras razões, porque atenuam o grande mecanismo que disciplina as classes subalternas – o desemprego e a multiplicação de transacções desesperadas – e porque podem gerar a confiança e a imprevisibilidade que anunciam transformações na forma como se produz. Como argumenta Prabhat Patnaik neste artigo, as medidas de promoção do Estado Social não se opõem, pelo contrário, ao socialismo como processo de intensificação do protagonismo popular . E, entretanto, tornam a vida mais decente para todos.
No actual contexto, a expansão destas políticas depende, é claro, da progressiva remoção do chamado colete de forças dourado criado pela globalização económica. Uma boa dose de proteccionismo comercial e de mecanismos de taxação e de controlo de capitais a várias escalas (sobretudo a escala dos grandes blocos regionais) mudaria a correlação das forças sociais porque reduziria o impacto desestabilizador da concorrência internacional e das ameaças de fuga dos capitais, os dois grandes bloqueios à política socialista. Isto apesar da mobilidade de capitais e da sua capacidade em fazer reféns serem menores do que se julga.
Não há nada de novo aqui, mas há coisas que têm de ser constantemente relembradas porque, talvez devido aos muitos anos de hegemonia neoliberal, há gente à esquerda que delas se esqueceu. Não cesso de me espantar com o uso de termos totalmente vazios, caso da «economia de mercado», cuja função de ofuscação ideológica deveria ser evidente para quem quer alternativas à esquerda. O mercado é, entre outros, um plástico e necessário mecanismo de coordenação, claro, mas muito do que conta passa-se a montante e a jusante dele. Devemos voltar a falar de capitalismos e de socialismos. No plural porque as instituições económicas têm alguma plasticidade e é variado o menu das suas combinações.
Boas intuições morais, valores socialista firmes, teoria social crítica e unidade política é tudo o que a esquerda pode ter no seu caminho de criação das condições para o tal governo da faixa. Não é pouco. Isto permite-nos separar o trigo das reformas socialistas do joio das políticas conformes ao capitalismo tóxico. O resto é correlação de forças, hegemonia e infinita paciência.
Escrevi um capítulo neste livro plural acabado sair e que coordenei com Renato Carmo. Inspirado em Karl Polanyi, toco em alguns destes temas. Depois das eleições, assente o pó, trocaremos umas ideias sobre os assuntos. O debate não pode parar.
Seja como for, as políticas do keynesianismo ecológico e social no marco do capitalismo são valiosas, entre outras razões, porque atenuam o grande mecanismo que disciplina as classes subalternas – o desemprego e a multiplicação de transacções desesperadas – e porque podem gerar a confiança e a imprevisibilidade que anunciam transformações na forma como se produz. Como argumenta Prabhat Patnaik neste artigo, as medidas de promoção do Estado Social não se opõem, pelo contrário, ao socialismo como processo de intensificação do protagonismo popular . E, entretanto, tornam a vida mais decente para todos.
No actual contexto, a expansão destas políticas depende, é claro, da progressiva remoção do chamado colete de forças dourado criado pela globalização económica. Uma boa dose de proteccionismo comercial e de mecanismos de taxação e de controlo de capitais a várias escalas (sobretudo a escala dos grandes blocos regionais) mudaria a correlação das forças sociais porque reduziria o impacto desestabilizador da concorrência internacional e das ameaças de fuga dos capitais, os dois grandes bloqueios à política socialista. Isto apesar da mobilidade de capitais e da sua capacidade em fazer reféns serem menores do que se julga.
Não há nada de novo aqui, mas há coisas que têm de ser constantemente relembradas porque, talvez devido aos muitos anos de hegemonia neoliberal, há gente à esquerda que delas se esqueceu. Não cesso de me espantar com o uso de termos totalmente vazios, caso da «economia de mercado», cuja função de ofuscação ideológica deveria ser evidente para quem quer alternativas à esquerda. O mercado é, entre outros, um plástico e necessário mecanismo de coordenação, claro, mas muito do que conta passa-se a montante e a jusante dele. Devemos voltar a falar de capitalismos e de socialismos. No plural porque as instituições económicas têm alguma plasticidade e é variado o menu das suas combinações.
Boas intuições morais, valores socialista firmes, teoria social crítica e unidade política é tudo o que a esquerda pode ter no seu caminho de criação das condições para o tal governo da faixa. Não é pouco. Isto permite-nos separar o trigo das reformas socialistas do joio das políticas conformes ao capitalismo tóxico. O resto é correlação de forças, hegemonia e infinita paciência.
Escrevi um capítulo neste livro plural acabado sair e que coordenei com Renato Carmo. Inspirado em Karl Polanyi, toco em alguns destes temas. Depois das eleições, assente o pó, trocaremos umas ideias sobre os assuntos. O debate não pode parar.
Tarefa socialista: impedir a maioria absoluta de Sócrates
O PSD já perdeu. Cavaco e as «baboseiras» (a expressão é de Paulo Mendo, antigo ministro do PSD) de economistas retintamente neoliberais como António Borges (a mão que escreveu um manifesto pobre para parar o país) deram um bom contributo. Uma campanha sem paz, pão, povo e liberdade. Agora a coisa discute-se à esquerda. Só uma votação expressiva na esquerda-café pode impedir o poder absoluto da esquerda-mocambo. É questão de esmiuçar a realidade do país. A esquerda do PS sabe, no fundo, que a sua sorte depende do fracasso do seu apelo ao voto em Sócrates. Um paradoxo interessante. Só se mudarmos a correlação de forças à esquerda é que podemos começar a atacar os grande baluartes do privilégio neste país, a remover discriminações - como as que impedem o casamento de pessoas do mesmo sexo ou a adopção - que são outros tantos mecanismos de geração de infelicidade ou a criar um multiplicador de igualdade e de combate à corrupção, lançando um imposto sobre as grandes fortunas, um novo imposto sucessório, assegurando a apropriação pública das mais-valias fundiárias, revendo um código de trabalho que ataca a contratação colectiva e os tempos da família ou proibindo os contratos a prazo por mais de um ano. Proposta a proposta impede-se uma maioria absoluta, constrói-se uma esquerda grande e desmonta-se o bloco central de interesses que nos tem desgovernado.
Dou a palavra a Fernando Rosas numa excelente iniciativa do i: «A estratégia neoliberal gerou a desigualdade e a injustiça social mais profundas, mergulhou o país numa crise estrutural duradoura, numa semiperiferia dependente e subqualificada, em suma, confirmou, e aqui regressamos, a falência histórica das elites pós-abrilistas, dos seus partidos do centro-direita e do seu modelo neoliberal quanto à modernização economicamente sustentada e socialmente justa do país. Isto, só por si, exprime o grave impasse actual da democracia portuguesa.É, por tudo isto, o momento histórico de desarticulação do bloco central e de romper o caminho de mudança. Isto é, de juntar e organizar o campo social e político capaz de protagonizar um novo modelo de desenvolvimento e uma governação de novo tipo à esquerda. É claro que falo de um processo em que o BE não é senão um participante, falo de um movimento de reunião de forças sociais e políticas, partidárias e não partidárias, que se iniciou antes das eleições e continuará para além delas, mas em que se apela ao voto no BE como um gesto de confirmação, apoio e reforço decisivo à construção de um poder político e social alternativo.»
Inovar à esquerda - II
[Continuação do texto iniciado aqui]
2. Um modelo de crescimento económico inviável
A crise mundial que conhecemos teve (e tem!), como seria de esperar, consequências muito negativas do ponto de vista do agravamento da pobreza, tanto em extensão como em intensidade. Não só se agravou a pobreza tradicional em muitos países como surgiram novas formas de pobreza, sobretudo em países ditos desenvolvidos, incluindo os Estados Unidos e os países da U E.
Os governos nacionais e as autoridades supranacionais têm procurado contornar os efeitos da crise e evitar que o fenómeno da exclusão social se propague e atinja níveis que ponham em risco a própria democracia e o modelo de economia e de sociedade que conhecemos. Cresce a convicção de que não bastam medidas pontuais, já que a crise é global e de natureza sistémica e que são também muito limitados os resultados das políticas nacionais, por mais generosas que se apresentem.
Surgem no horizonte propostas de criação de mecanismos que assegurem uma melhor regulação das transacções a nível mundial e pressões políticas no sentido de que se venha a pôr termo à especulação financeira que esteve na origem do desencadear da crise. Por seu turno, no plano nacional, os reguladores financeiros impuseram critérios mais exigentes no que respeita a normas prudenciais e intensificaram as acções inspectivas assim como têm recorrido a injecções de liquidez no sistema.
São certamente medidas necessárias e urgentes mas, por enquanto, deixam intocável o modelo de crescimento económico. Ora, a crise actual não é apenas uma crise financeira com os seus decorrentes efeitos no funcionamento da economia. É o próprio modelo de crescimento económico que se mostra inviável: quer por razões de insustentabilidade ambiental (esgotamento de recursos não renováveis, efeitos sobre a degradação do meio ambiente, atentados à biodiversidade, …) quer por aumento de risco de perda de coesão social (concretizado na elevada e crescente desigualdade na repartição da riqueza e do rendimento, no elevado volume de desemprego, na precariedade do trabalho e nos baixos salários, no alastramento da pobreza, no desajustamento da oferta de bens às necessidades básicas de boa parte da população) quer, ainda, porque, nas actuais circunstâncias de informação e mobilidade das populações, o mau funcionamento da economia constitui um factor propiciador de violência e de ameaça à paz.
A actual crise obriga, assim, a repensar o modelo de crescimento económico num quadro mais amplo, o da sua finalidade última de desenvolvimento humano e sustentável e abre caminho a um maior envolvimento da sociedade civil na viabilização de empreendimentos de economia social e de economia solidária que assentem na valorização dos recursos humanos e no seu emprego em produção de bens e serviços de utilidade social.
Em particular, cabe atender às necessidades de consumo e às potencialidades de emprego e inserção no sistema produtivo dos grupos de população mais carenciada e providenciar no sentido da criação de serviços de proximidade adequados às suas reais necessidades e recursos humanos. Trata-se de olhar a crise a partir de baixo e colocar a economia ao serviço das pessoas e do seu bem-estar.
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
Ainda há social-democratas no PSD?
Surpreendentemente, parece que sim. Paulo Mendo, ex-ministro da Saúde do PSD, arrasa o programa do PSD (o discurso político de António Borges é qualificado como "baboseira") e acusa o governo PS de promover a entrega dos cuidados de saúde ao sector privado. Não é nada difícil concordar com ele. Foi este governo que manteve e promoveu a empresarialisação dos hospitais (e consequente desorçamentação dos gastos de saúde), que introduziu preços em todos os serviços de saúde (as abusivas taxas moderadoras para internamentos), que entregou a gestão de futuros hospitais públicos a privados depois de desastrosas experiências como a do Amadora-Sintra e, last but not least, inventou o cheque-dentista. Uma medida que mostra bem qual o sentido futuro das políticas públicas de saúde. Financiamento público do mercado privado de cuidados de saúde, desresponsabilizando-se o Estado da provisão.
Inovar à esquerda - I
No passado Sábado realizou-se no Porto uma conferência de homenagem à Professora Leonor Vasconcelos Ferreira. Abrindo a conferência, a Profª Manuela Silva apresentou um texto notável que, pela sua extensão, não vou transcrever na íntegra. Porque considero importante dar a conhecer o seu pensamento inovador, com a devida autorização vou divulgar alguns excertos que constituem, não tenho dúvidas, outros tantos desafios à renovação do pensamento da esquerda em Portugal. Textos para ler devagar.
1. O conceito de pobreza como violação de direitos humanos
O conceito de pobreza mais frequente nos estudos académicos ou nos relatórios institucionais continua a ser o de pobreza monetária, que consiste em considerar como pobres os indivíduos ou agregados familiares cujo rendimento ou despesa é inferior a um certo limiar.
Por outro lado, não basta dispor de certo rendimento monetário para deixar de ser pobre. O reconhecimento desta realidade tem levado a adoptar um conceito de pobreza assente no grau efectivo de privação, em que a privação do rendimento é apenas um elemento de um indicador compósito que contemple os diferentes défices de satisfação relativamente a um conjunto de necessidades essenciais correspondentes ao estilo de vida corrente.
Deve-se a Peter Townsend, recentemente falecido, a ideia original do conceito de privação expresso nestes termos: são pobres os indivíduos, famílias e grupos de população que não dispõem de recursos suficientes para obterem os tipos de alimentação, participarem nas actividades e terem as condições de vida e conforto que são comuns, ou pelo menos largamente encorajadas e aprovadas, na sociedade a que pertencem. (Townsend, 1979)
Por outro lado, não pode considerar-se indiferente o facto de as pessoas poderem - ou não - satisfazer as suas necessidades pelos seus próprios meios. Dispor de um subsídio de assistência social ou ter uma remuneração devida pelo seu trabalho ou por reforma, mesmo que de valores equivalentes, não é o mesmo. A dependência em relação à assistência social configura, só por si, uma situação de pobreza.
Para dar conta de mais esta perplexidade, é particularmente relevante o contributo dado por Amartya Sen que recorre ao conceito de capacitação (entitlement) para definir a pobreza. Segundo este prestigiado economista indiano, prémio Nobel da economia, não são as características dos bens em si mesmos e a respectiva privação que definem a situação de pobreza, mas sim a ausência de capacidades próprias para levar uma vida segundo os padrões correntes na sociedade. (Sen,1983)
Este conceito tem o mérito de, além de acomodar melhor a complexidade do fenómeno da pobreza nas suas várias dimensões, veicular também a ideia de que a pobreza não se combate apenas com medidas compensatórias da escassez de rendimento monetário, ou seja por meio do recurso à subsidiação, mas sim através do reforço da dotação de recursos ao dispor das pessoas e famílias em situação de pobreza, afim de que alcancem capacidades para, por si próprias, assegurarem uma vida digna. Daí a ênfase posta no combate à pobreza através das políticas educacionais e de qualificação profissional, promoção da saúde, inserção no sistema produtivo e no mercado de trabalho, remuneração por serviços prestados à família e à comunidade, etc...
Todos estes conceitos, que, até agora, têm servido de base aos estudos sobre a pobreza, partilham um mesmo ângulo de visão que é o de considerar a pobreza como um infortúnio de alguns dos membros da sociedade a que esta, por razões de solidariedade, deve prestar auxílio, através de políticas públicas generosas e eficientes e de organizações privadas de solidariedade social. Está, porém, em curso um novo conceito de pobreza que poderá alterar profundamente este paradigma.
Com efeito, desde o início do Milénio, tem vindo a impor-se a ideia de que a pobreza involuntária constitui uma violação de direitos humanos fundamentais e como tal deve ser colocada na agenda política, nomeadamente da responsabilidade dos governos nacionais e das instâncias internacionais, a par de outras matérias como a segurança ou a paz. De algum modo, já foi esta a ideia que esteve subjacente ao Pacto dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, assinado em 2001 pela generalidade dos Estados que integram a ONU.
Podemos perguntar-nos: Que valor acrescenta este enfoque ao conhecimento da pobreza e, sobretudo, às estratégias para sua erradicação?
Em primeiro lugar, este conceito traz para primeiro plano o valor da dignidade de toda a pessoa humana, fundamento dos direitos humanos universalmente reconhecidos, e afirma que a pobreza involuntária ofende esta dignidade e põe em causa o valor da vida humana. Em segundo lugar, porque a existência de um amplo consenso universal em torno deste princípio abre caminho a que os governos e as organizações internacionais se comprometam com a definição de estratégias de eliminação da pobreza e encontrem os adequados suportes institucionais para fazer valer estes direitos e sancionar o respectivo incumprimento.
Apesar de reunir um amplo consenso político, não tem sido fácil, porém, implementar esta ideia e encontrar os instrumentos adequados para a transpor para a agenda política e a prática dos governos.
Aproveito a lembrar que, em Portugal, por força de uma petição promovida pela Comissão Nacional Justiça e Paz, apresentada à Assembleia da República em Outubro 2007, aquele Órgão de soberania veio a aprovar uma Resolução (n.º 31/2008) na qual se dispõe o seguinte: declara-se solenemente que a pobreza conduz à violação dos direitos humanos; recomenda-se ao Governo a definição de um limiar de pobreza em função do nível de rendimento nacional e das condições de vida padrão na nossa sociedade; determina-se a avaliação regular das políticas públicas de erradicação da pobreza; afirma-se que o limiar de pobreza estabelecido sirva de referência obrigatória à definição e à avaliação das políticas públicas de erradicação da pobreza.
Como se deduz do teor desta Resolução da Assembleia da República de Julho 2008, há uma intencionalidade por parte deste Órgão de soberania de dar passos neste caminho inovador de introduzir na agenda política da governação do País o conceito de pobreza como violação de direitos humanos.
1. O conceito de pobreza como violação de direitos humanos
O conceito de pobreza mais frequente nos estudos académicos ou nos relatórios institucionais continua a ser o de pobreza monetária, que consiste em considerar como pobres os indivíduos ou agregados familiares cujo rendimento ou despesa é inferior a um certo limiar.
Por outro lado, não basta dispor de certo rendimento monetário para deixar de ser pobre. O reconhecimento desta realidade tem levado a adoptar um conceito de pobreza assente no grau efectivo de privação, em que a privação do rendimento é apenas um elemento de um indicador compósito que contemple os diferentes défices de satisfação relativamente a um conjunto de necessidades essenciais correspondentes ao estilo de vida corrente.
Deve-se a Peter Townsend, recentemente falecido, a ideia original do conceito de privação expresso nestes termos: são pobres os indivíduos, famílias e grupos de população que não dispõem de recursos suficientes para obterem os tipos de alimentação, participarem nas actividades e terem as condições de vida e conforto que são comuns, ou pelo menos largamente encorajadas e aprovadas, na sociedade a que pertencem. (Townsend, 1979)
Por outro lado, não pode considerar-se indiferente o facto de as pessoas poderem - ou não - satisfazer as suas necessidades pelos seus próprios meios. Dispor de um subsídio de assistência social ou ter uma remuneração devida pelo seu trabalho ou por reforma, mesmo que de valores equivalentes, não é o mesmo. A dependência em relação à assistência social configura, só por si, uma situação de pobreza.
Para dar conta de mais esta perplexidade, é particularmente relevante o contributo dado por Amartya Sen que recorre ao conceito de capacitação (entitlement) para definir a pobreza. Segundo este prestigiado economista indiano, prémio Nobel da economia, não são as características dos bens em si mesmos e a respectiva privação que definem a situação de pobreza, mas sim a ausência de capacidades próprias para levar uma vida segundo os padrões correntes na sociedade. (Sen,1983)
Este conceito tem o mérito de, além de acomodar melhor a complexidade do fenómeno da pobreza nas suas várias dimensões, veicular também a ideia de que a pobreza não se combate apenas com medidas compensatórias da escassez de rendimento monetário, ou seja por meio do recurso à subsidiação, mas sim através do reforço da dotação de recursos ao dispor das pessoas e famílias em situação de pobreza, afim de que alcancem capacidades para, por si próprias, assegurarem uma vida digna. Daí a ênfase posta no combate à pobreza através das políticas educacionais e de qualificação profissional, promoção da saúde, inserção no sistema produtivo e no mercado de trabalho, remuneração por serviços prestados à família e à comunidade, etc...
Todos estes conceitos, que, até agora, têm servido de base aos estudos sobre a pobreza, partilham um mesmo ângulo de visão que é o de considerar a pobreza como um infortúnio de alguns dos membros da sociedade a que esta, por razões de solidariedade, deve prestar auxílio, através de políticas públicas generosas e eficientes e de organizações privadas de solidariedade social. Está, porém, em curso um novo conceito de pobreza que poderá alterar profundamente este paradigma.
Com efeito, desde o início do Milénio, tem vindo a impor-se a ideia de que a pobreza involuntária constitui uma violação de direitos humanos fundamentais e como tal deve ser colocada na agenda política, nomeadamente da responsabilidade dos governos nacionais e das instâncias internacionais, a par de outras matérias como a segurança ou a paz. De algum modo, já foi esta a ideia que esteve subjacente ao Pacto dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, assinado em 2001 pela generalidade dos Estados que integram a ONU.
Podemos perguntar-nos: Que valor acrescenta este enfoque ao conhecimento da pobreza e, sobretudo, às estratégias para sua erradicação?
Em primeiro lugar, este conceito traz para primeiro plano o valor da dignidade de toda a pessoa humana, fundamento dos direitos humanos universalmente reconhecidos, e afirma que a pobreza involuntária ofende esta dignidade e põe em causa o valor da vida humana. Em segundo lugar, porque a existência de um amplo consenso universal em torno deste princípio abre caminho a que os governos e as organizações internacionais se comprometam com a definição de estratégias de eliminação da pobreza e encontrem os adequados suportes institucionais para fazer valer estes direitos e sancionar o respectivo incumprimento.
Apesar de reunir um amplo consenso político, não tem sido fácil, porém, implementar esta ideia e encontrar os instrumentos adequados para a transpor para a agenda política e a prática dos governos.
Aproveito a lembrar que, em Portugal, por força de uma petição promovida pela Comissão Nacional Justiça e Paz, apresentada à Assembleia da República em Outubro 2007, aquele Órgão de soberania veio a aprovar uma Resolução (n.º 31/2008) na qual se dispõe o seguinte: declara-se solenemente que a pobreza conduz à violação dos direitos humanos; recomenda-se ao Governo a definição de um limiar de pobreza em função do nível de rendimento nacional e das condições de vida padrão na nossa sociedade; determina-se a avaliação regular das políticas públicas de erradicação da pobreza; afirma-se que o limiar de pobreza estabelecido sirva de referência obrigatória à definição e à avaliação das políticas públicas de erradicação da pobreza.
Como se deduz do teor desta Resolução da Assembleia da República de Julho 2008, há uma intencionalidade por parte deste Órgão de soberania de dar passos neste caminho inovador de introduzir na agenda política da governação do País o conceito de pobreza como violação de direitos humanos.
Elogio da política
«Querem ser populares? Digam mal dos políticos. Chamem-lhes aldrabões, falsários, carreiristas - terão aplauso de aprovação. Começou nos anos oitenta, pela mão do liberalismo yuppie, a estratégia de desqualificação da política. Nas universidades, nos media, na fala de rua, soprou-se que os políticos não são senão empecilhos ao funcionamento da economia segundo as suas "leis naturais". A política como confronto de propostas de fundo foi atirada pelo pragmatismo frio para o campo da verborreia. Os políticos das jotas puseram-se a jeito. E o resultado é este: a repugnância pela política como outra face do "cada um por si". O elogio da política é hoje um imperativo de resistência.»
«A humildade postiça e ensaiada pelo Primeiro-Ministro faz lembrar os liftings que correm mal e deixam as bochechas grotescamente empinadas ou os cantos dos lábios "a la" Joker. Mas, para lá do anedótico, o simulacro de conversão de Sócrates suscita uma questão pouco debatida entre nós: quais devem ser as virtudes públicas numa sociedade democrática e plural? Em tempo de maquiavelismo travestido de humildade, por onde passa a "fortuna" e por onde passa a "virtu"?»
José Manuel Pureza no seu blogue palombella rosa. As palavras são mesmo importantes. Na última terça-feira, Pureza falou de palavras que temos de acarinhar: socialismo e feminismo contra o extremismo da violência social. O parlamento precisa destes «salpicos de vida». Coimbra também. As alternativas, que se escondem atrás de Ana Jorge, são os Vítor Baptistas desta vida. Vítor Baptista é o melhor exemplo do aparelhismo, do bloco central dos interesses e da defesa dos privilégios e abusos dos gestores de topo no país mais desigual da Europa. Esta é a esquerda mocambo. No dia 27 de Setembro, vamos eleger um deputado da esquerda socialista.
«A humildade postiça e ensaiada pelo Primeiro-Ministro faz lembrar os liftings que correm mal e deixam as bochechas grotescamente empinadas ou os cantos dos lábios "a la" Joker. Mas, para lá do anedótico, o simulacro de conversão de Sócrates suscita uma questão pouco debatida entre nós: quais devem ser as virtudes públicas numa sociedade democrática e plural? Em tempo de maquiavelismo travestido de humildade, por onde passa a "fortuna" e por onde passa a "virtu"?»
José Manuel Pureza no seu blogue palombella rosa. As palavras são mesmo importantes. Na última terça-feira, Pureza falou de palavras que temos de acarinhar: socialismo e feminismo contra o extremismo da violência social. O parlamento precisa destes «salpicos de vida». Coimbra também. As alternativas, que se escondem atrás de Ana Jorge, são os Vítor Baptistas desta vida. Vítor Baptista é o melhor exemplo do aparelhismo, do bloco central dos interesses e da defesa dos privilégios e abusos dos gestores de topo no país mais desigual da Europa. Esta é a esquerda mocambo. No dia 27 de Setembro, vamos eleger um deputado da esquerda socialista.
Sem paz, pão, povo e liberdade
Houve um tempo em que as belas palavras do hino do PSD - "paz, pão, povo e liberdade" - eram ameaçadoras para toda a esquerda. Era o tempo de Cavaco e das suas maiorias absolutas. Era o tempo em que o PSD tinha uma capacidade de mobilização impar. Era o tempo em que os Dias Loureiros e os Oliveira e Costas desta vida comandavam uma máquina partidária muito bem oleada. Há muito tempo que isso desapareceu. Hoje, o cavaquismo, ou o que resta dele na Presidência da República, já só é um espectro que persegue o PSD. No entanto, sabemos agora que um fantasma consegue destruir uma campanha frágil, ancorada no simulacro da "asfixia democrática" e onde a dura realidade da "asfixia social" criada pela crise do neoliberalismo nunca entrou. O PSD deixou de fazer jus ao seu nome porque o seu programa foi redigido por gente mais habituada ao conforto da Goldman Sachs. Esta é uma campanha sem paz, num partido dividido e enfraquecido pelos comportamentos irresponsáveis de Belém e do seu "porta-voz" no jornal "Público". É uma campanha sem pão porque o PSD desistiu de apresentar um programa de reforço da capacidade pública para tirar o país da crise. É uma campanha sem povo porque Manuela Ferreira Leite, já se sabe, não gosta de comícios, ou seja, não gosta das festas da democracia. Uma maçada. E é uma campanha sem propostas para expandir as liberdades e para remover o que hoje realmente as ameaça - desemprego, precariedade ou desigualdades socioeconómicas. É por estas e por outras que arrisco uma previsão: o PSD já perdeu e o bloco central também.
A minha crónica no i sobre a campanha do PSD também pode ser lida aqui.
terça-feira, 22 de setembro de 2009
Incertezas para as legislativas I I
(continuação)
Falar no “labirinto socialista” não implica escamotear as responsabilidades do BE e do PCP nas dificuldades para a formação de um governo de esquerda plural. Primeiro, temos um dos partidos comunistas mais ortodoxos da Europa. Segundo, há um certo défice de cultura democrática na “esquerda radical”: em democracia os números contam e, por isso, nunca poderão ser os pequenos a determinar as principais linhas de uma coligação. A não ser que também só consigam governar com maioria absoluta… Claro que, num tal acordo, os pequenos obtêm geralmente um poder acrescido. Mas isto não significa que sejam eles a determinar o grosso do programa. Adicionalmente, um estudo recente revelou que é na “esquerda radical” que há um maior desfasamento entre votantes e eleitos, com os segundos bastante mais à esquerda do que os primeiros. Mais, tal como o crescimento da direita não resultou de uma adesão recente às ideias neoliberais, também o crescimento da “esquerda radical” não resulta da adesão a um extenso programa de nacionalizações.
Na Europa é usual as esquerdas entenderem-se. Em França há muito que se entenderam para um “programa comum”, o qual tem tido tradução governativa em várias legislaturas desde 1981. Actualmente, no PSF discute-se a hipótese de alianças que vão dos centristas (MoDem) até à “esquerda radical”. Em Espanha, o PSOE já fez uma coligação pré-eleitoral com a Izquierda Unida (2000), e governou com o seu apoio e o da “Esquerda Republicana da Catalunha” (2004-08). Em Itália, desde 1994 que tem havido várias coligações incluindo as várias esquerdas e o centro. No Chipre, os renovadores comunistas do AKEL (o maior partido, que governa o país e do qual é oriundo o presidente) também têm sabido entender-se com os outros partidos. Na Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia, há muito que os sociais-democratas se entendem com a esquerda pós comunista e libertária para soluções de governo. Pelo contrário, em Portugal continuamos como há cerca de 30 anos. Todavia, vários estudos demonstram que esta falta de entendimentos resulta de um significativo desfasamento entre os eleitores, propensos a um entendimento, e os dirigentes, que persistem na incomunicabilidade. Após as eleições, e se se verificar uma maioria de esquerdas, veremos se os dirigentes destes partidos estarão ou não à altura das suas responsabilidades.
Artigo originalmente publicado no Público de 21/9/2009
Falar no “labirinto socialista” não implica escamotear as responsabilidades do BE e do PCP nas dificuldades para a formação de um governo de esquerda plural. Primeiro, temos um dos partidos comunistas mais ortodoxos da Europa. Segundo, há um certo défice de cultura democrática na “esquerda radical”: em democracia os números contam e, por isso, nunca poderão ser os pequenos a determinar as principais linhas de uma coligação. A não ser que também só consigam governar com maioria absoluta… Claro que, num tal acordo, os pequenos obtêm geralmente um poder acrescido. Mas isto não significa que sejam eles a determinar o grosso do programa. Adicionalmente, um estudo recente revelou que é na “esquerda radical” que há um maior desfasamento entre votantes e eleitos, com os segundos bastante mais à esquerda do que os primeiros. Mais, tal como o crescimento da direita não resultou de uma adesão recente às ideias neoliberais, também o crescimento da “esquerda radical” não resulta da adesão a um extenso programa de nacionalizações.
Na Europa é usual as esquerdas entenderem-se. Em França há muito que se entenderam para um “programa comum”, o qual tem tido tradução governativa em várias legislaturas desde 1981. Actualmente, no PSF discute-se a hipótese de alianças que vão dos centristas (MoDem) até à “esquerda radical”. Em Espanha, o PSOE já fez uma coligação pré-eleitoral com a Izquierda Unida (2000), e governou com o seu apoio e o da “Esquerda Republicana da Catalunha” (2004-08). Em Itália, desde 1994 que tem havido várias coligações incluindo as várias esquerdas e o centro. No Chipre, os renovadores comunistas do AKEL (o maior partido, que governa o país e do qual é oriundo o presidente) também têm sabido entender-se com os outros partidos. Na Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia, há muito que os sociais-democratas se entendem com a esquerda pós comunista e libertária para soluções de governo. Pelo contrário, em Portugal continuamos como há cerca de 30 anos. Todavia, vários estudos demonstram que esta falta de entendimentos resulta de um significativo desfasamento entre os eleitores, propensos a um entendimento, e os dirigentes, que persistem na incomunicabilidade. Após as eleições, e se se verificar uma maioria de esquerdas, veremos se os dirigentes destes partidos estarão ou não à altura das suas responsabilidades.
Artigo originalmente publicado no Público de 21/9/2009
Incertezas para as legislativas I
As sondagens apontam para uma vitória do PS ou do PSD, sobretudo do primeiro, sem maioria absoluta. Apontam ainda para um crescimento dos partidos à esquerda do PS. Mas o elevado número de indecisos torna todos os cenários possíveis. Há dois dados de especial relevo. Primeiro, muitos dos eleitores que admitem ainda mudar o sentido de voto são potenciais votantes do BE. Segundo, é também entre estes que muitos dizem ser mais importante “pensar nas consequências do voto para a formação do governo” do que “votar de acordo com as simpatias e proximidades ideológicas”. Ou seja, muito dos potenciais eleitores do BE dão bastante importância à produção de soluções governativas. Logo, caso se vislumbre como totalmente improvável o BE contribuir para tais soluções, então as votações na “esquerda radical” poderão ficar uns furos abaixo do estimado...
A rejeição da maioria absoluta resulta do exercício musculado e pouco dialogante do poder nesta legislatura, da penalização da inflexão centrista do PS e da crise económica. Sobretudo desde a estrondosa derrota nas europeias que os socialistas se apresentam mais propensos ao diálogo e piscando o olho à esquerda. Mas esta mudança é para muitos demasiado tardia e não congruente com a actuação de um governo que passou a legislatura a combater os sindicatos, apesar de alguns acordos na concertação, a passar a ideia de que “só se fazem reformas contra os profissionais” que as irão executar, a descapitalizar alguns dos melhores serviços públicos (veja-se o que se passou no ensino superior) e a fazer da “esquerda radical” a sua bête noire.
Se PSD e CDS juntos conseguirem maioria absoluta, a governabilidade estará, em princípio, assegurada: a última coligação foi suportada por uma maioria coesa, numa conjuntura difícil, e o seu colapso resultou da acção presidencial. Se ganhar, tal dever-se-á não tanto a uma adesão recente dos portugueses às ideias de recuo do Estado social mas antes à rejeição do governo incumbente. Todavia, poderá existir alguma adesão à prudência quanto ao endividamento do país, bem como à necessidade de uma política menos centrada na produção de estatísticas a qualquer preço e, nesta exacta medida, uma certa adesão à “política de verdade”. Tudo junto, e somado a uma certa incapacidade de Leite em capitalizar com a dinâmica das europeias, será porventura insuficiente para uma maioria de direita.
O PS, por seu lado, está só no seu labirinto. Em 2004, altos responsáveis do partido (todos os que apoiaram a candidatura de Alegre nas primárias) defendiam que, em caso de maioria relativa, deviam ser envidados esforços de entendimento entre as esquerdas. O que mudou? Exceptuando algum acentuar do esquerdismo (vide o programa de nacionalizações), alias simétrico da inflexão centrista do PS, BE e PCP continuam iguais a si próprios... Pelo contrário, o PS apostou na estratégia “Sócrates (e a maioria absoluta) ou o caos”. Estão agora num beco de difícil saída: se perderem ou tiverem uma maioria muito relativa, o partido poderá afundar-se com o líder. Haverá sempre a hipótese de entendimento com o PSD, que aliás aprovou a maioria das suas iniciativas legislativas (SOL, 16/5/09), mas Leite não parece coadunar-se bem com Sócrates (e vice-versa). Esta solução agravaria a já pronunciada falta de clareza das alternativas ao centro. E não garante estabilidade: o “bloco central” durou menos do que a coligação PSD-CDS. Há ainda a possibilidade de um governo minoritário, mas será sempre também uma situação de instabilidade potencial.
(continua)
Artigo originalmente publicado no Público de 21/9/2009
A rejeição da maioria absoluta resulta do exercício musculado e pouco dialogante do poder nesta legislatura, da penalização da inflexão centrista do PS e da crise económica. Sobretudo desde a estrondosa derrota nas europeias que os socialistas se apresentam mais propensos ao diálogo e piscando o olho à esquerda. Mas esta mudança é para muitos demasiado tardia e não congruente com a actuação de um governo que passou a legislatura a combater os sindicatos, apesar de alguns acordos na concertação, a passar a ideia de que “só se fazem reformas contra os profissionais” que as irão executar, a descapitalizar alguns dos melhores serviços públicos (veja-se o que se passou no ensino superior) e a fazer da “esquerda radical” a sua bête noire.
Se PSD e CDS juntos conseguirem maioria absoluta, a governabilidade estará, em princípio, assegurada: a última coligação foi suportada por uma maioria coesa, numa conjuntura difícil, e o seu colapso resultou da acção presidencial. Se ganhar, tal dever-se-á não tanto a uma adesão recente dos portugueses às ideias de recuo do Estado social mas antes à rejeição do governo incumbente. Todavia, poderá existir alguma adesão à prudência quanto ao endividamento do país, bem como à necessidade de uma política menos centrada na produção de estatísticas a qualquer preço e, nesta exacta medida, uma certa adesão à “política de verdade”. Tudo junto, e somado a uma certa incapacidade de Leite em capitalizar com a dinâmica das europeias, será porventura insuficiente para uma maioria de direita.
O PS, por seu lado, está só no seu labirinto. Em 2004, altos responsáveis do partido (todos os que apoiaram a candidatura de Alegre nas primárias) defendiam que, em caso de maioria relativa, deviam ser envidados esforços de entendimento entre as esquerdas. O que mudou? Exceptuando algum acentuar do esquerdismo (vide o programa de nacionalizações), alias simétrico da inflexão centrista do PS, BE e PCP continuam iguais a si próprios... Pelo contrário, o PS apostou na estratégia “Sócrates (e a maioria absoluta) ou o caos”. Estão agora num beco de difícil saída: se perderem ou tiverem uma maioria muito relativa, o partido poderá afundar-se com o líder. Haverá sempre a hipótese de entendimento com o PSD, que aliás aprovou a maioria das suas iniciativas legislativas (SOL, 16/5/09), mas Leite não parece coadunar-se bem com Sócrates (e vice-versa). Esta solução agravaria a já pronunciada falta de clareza das alternativas ao centro. E não garante estabilidade: o “bloco central” durou menos do que a coligação PSD-CDS. Há ainda a possibilidade de um governo minoritário, mas será sempre também uma situação de instabilidade potencial.
(continua)
Artigo originalmente publicado no Público de 21/9/2009
O fim do mito cavaquista
Agora que temos mais uma oportunidade de revisitar as sórdidas práticas cavaquistas para além do mito cuidadosamente construído (da rodagem do carro à fracassada "política de verdade" de Ferreira Leite é sempre a mesma cantiga...), acho que vale a pena republicar o que escrevi no i sobre a economia política e moral do cavaquismo:
O cavaquismo legou um guião de políticas de privatização sem fim e de abertura mal gerida às forças do mercado global a que os governos subsequentes só acrescentaram algumas dissonantes notas de rodapé. As mudanças dependem sempre de uma mistura entre economia e política. Não é defeito, é feitio. A mistura iniciada pelo cavaquismo foi perniciosa porque deu origem a um poder político com um fôlego cada vez menor e a um poder económico cada vez mais rentista.
A “roubalheira” no Banco Português de Negócios, para usar a controversa expressão de Vital Moreira, tem servido para relembrar a experiência neoliberal portuguesa na sua origem, ou seja, a economia política e moral do cavaquismo. Isto é tanto mais útil quanto muitos dos problemas do país resultam das profundas transformações económicas promovidas pelos governos cavaquistas e das normas sociais que as legitimaram.
O cavaquismo legou um guião de políticas de privatização sem fim e de abertura mal gerida às forças do mercado global a que os governos subsequentes só acrescentaram algumas dissonantes notas de rodapé. As mudanças dependem sempre de uma mistura entre economia e política. Não é defeito, é feitio. A mistura iniciada pelo cavaquismo foi perniciosa porque deu origem a um poder político com um fôlego cada vez menor e a um poder económico cada vez mais rentista.
A obsessão cavaquista pela chamada convergência nominal, no quadro da aceleração liberal da integração europeia, contribuiu para uma duradoura sobreapreciação da nossa moeda. Esta opção enfraqueceu a competitividade do sector de bens transaccionáveis para exportação num período de transição crucial e canalizou muito do esforço empresarial para o sector de bens não-transaccionáveis, como foi o caso da construção. Foi à sombra desta e da especulação que prosperou a banca privada impulsionada pelo cavaquismo e por muitos cavaquistas. Nos sectores controlados pelos grupos económicos que ascenderam em Portugal, o mercado é irremediavelmente uma entidade vaporosa que esconde mal a força das redes sociais.
Estes processos foram oleados por um discurso que desprezava o sector público e incensava os negócios privados, mesmo que os últimos crescessem à custa do esvaziamento do primeiro. O cavaquismo representou a vitória de uma perniciosa cultura que transformou a acumulação de dinheiro na base do reconhecimento social. A redistribuição só servia para tolher o homem novo movido a incentivos pecuniários. Os direitos laborais e a acção colectiva eram um vestígio a remover à força de pacotes laborais e de algumas bastonadas. Não é de admirar que o cavaquismo tenha coincidido com a manutenção de elevadas taxas de pobreza e com um assinalável aumento, que nunca mais foi revertido, das desigualdades de rendimentos.
Mário Crespo escreveu recentemente que o mito do cavaquismo acabou. É pena que seja mais fácil acabar com os mitos do com as estruturas económicas e com os valores iníquos que eles nos legaram.
Um economista de combate na AR
«Resultados esmagadores em todos os sectores, menos na banca onde, mesmo assim, existe uma maioria em favor do público. Estes resultados mostram bem o desfasamento entre o que querem as pessoas e o que têm feito os últimos governos. Mostram também como a prioridade à luta por serviços públicos de qualidade é um desígnio estratégico para a esquerda de hoje. Querem perceber a desilusão dos cidadãos com os "políticos"? Olhem para a política do centro à luz destes gráficos». José Guilherme Gusmão, membro dos Ladrões de Bicicletas e cabeça de lista da esquerda socialista por Santarém (a discursar em Riachos na foto...), comentava assim o resultado desta sondagem da Visão em Março.
A proposta de controlo público do sector da energia está ancorada em razões fortes – nacionalizações necessárias – e, a avaliar por esta sondagem, a maioria dos cidadãos percebe isso. Ao contrário do que se escreve por aí, o programa de nacionalizações é moderado e circunscrito. Como afirmou ontem José Manuel Pureza em Coimbra, o que é radical é a realidade do fracasso do controlo privado de bens públicos essenciais.
Já agora, vejam os cálculos de Zé Miranda no excelente blogue de economia Da minha profunda ignorância: "Se hipotéticamente (porque não é a realidade) algum partido que concorresse às eleições tivesse a intenção de, na condução da política economica, nacionalizar as instituições a que a noticia faz referência [do DE], será que seria mesmo um mau negócio para o estado?"
A proposta de controlo público do sector da energia está ancorada em razões fortes – nacionalizações necessárias – e, a avaliar por esta sondagem, a maioria dos cidadãos percebe isso. Ao contrário do que se escreve por aí, o programa de nacionalizações é moderado e circunscrito. Como afirmou ontem José Manuel Pureza em Coimbra, o que é radical é a realidade do fracasso do controlo privado de bens públicos essenciais.
Já agora, vejam os cálculos de Zé Miranda no excelente blogue de economia Da minha profunda ignorância: "Se hipotéticamente (porque não é a realidade) algum partido que concorresse às eleições tivesse a intenção de, na condução da política economica, nacionalizar as instituições a que a noticia faz referência [do DE], será que seria mesmo um mau negócio para o estado?"
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Princípios para governar à esquerda
A campanha eleitoral tem de ser uma oportunidade para discutirmos os princípios que orientam as escolhas políticas capazes de dar os toques certeiros, aqueles que têm impactos sistémicos na estrutura socioeconómica. Estes princípios têm de ser realistas, ou seja, têm de ser compatíveis com o melhor conhecimento disponível.
Sabemos que a provisão pública e universal de bens e serviços essenciais, financiados por impostos progressivos, é o mais eficaz meio para os disponibilizar a todos. O Estado Social pode e deve ser expandido. Ele não é um fardo, mas um dos melhores activos de que um país dispõe porque gera valores de uso e padrões de interacção com externalidades positivas - da maior confiança entre cidadãos que partilham instituições à superação dos efeitos antimeritocráticos da lotaria da classe onde se nasce, passando pela promoção de um uso ambientalmente mais sustentável dos recursos. Este último ponto merece ser sublinhado: a desigualdade social e a fraqueza dos mecanismos redistributivos estão associadas ao predomínio do individualismo consumista que é ambientalmente insustentável. Um governo de esquerda não alinha no relativismo moral que justifica todas as preferências, suportadas por dinheiro, que se revelam nos mercados.
O Estado Social depende, por sua vez, de políticas de investimento que combatam um dos grandes desperdícios do capitalismo corrente: o desemprego e a insegurança que tolhe largos segmentos da população. Um governo de esquerda não pode ficar especado à porta das empresas. Tem de destrancar as latentes reservas de criatividade e de inovação através da promoção da democratização das relações laborais e do reforço do protagonismo dos trabalhadores dentro das empresas. Isto é meio e fim: uma economia mais pujante e cidadãos activos que não deixam de o ser quando entram no local de trabalho.
Pleno emprego, Estado Social e democracia nas empresas são algumas das tecnologias sociais que temos de descobrir e afinar se, seguindo o filósofo G. A. Cohen, recentemente falecido, queremos efectivar dois princípios de uma sociedade decente: igualdade substantiva de oportunidades para que os indivíduos alcancem funcionamentos genuinamente humanos e uma comunidade política onde as pessoas se respeitem pelo que são e não pelo que têm. A construção social das liberdades começa por aqui. Um governo de esquerda depende da hegemonia deste imaginário social. Eu chamo socialismo a este processo. A esquerda que conta é também a que recupera e reinventa uma palavra que alguns gostariam de ver proscrita.
A minha crónica semanal no i também pode ser lida aqui.
domingo, 20 de setembro de 2009
Tarefa para um governo de esquerda: proteger o SNS e combater a asfixia social
Manuel Alegre declarou ontem que as propostas do PSD de desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde asfixiariam socialmente o país. Tem toda a razão. No entanto, as políticas do PS de Sócrates enfraqueceram o SNS: «número de médicos em exclusivo no privado dispara» (DN de hoje). Como bem lembra Tiago Mota Saraiva, o próprio Alegre já reconheceu as «machadadas» do PS no SNS. Apesar de todas as piedosas declarações em contrário, a verdade é que a actual ministra persiste nas ruinosas parcerias público-privadas no sector da saúde. Afinal de contas, engenheiros de mercado há muitos: da linha Saúde 24 ao novo hospital de Loures.
A alternativa ao actual estado de coisas é clara: acabar com a expansão, politicamente promovida, do sector privado rentista, terminar progressivamente com todas as parcerias e convenções que o alimentaram e com a generalidade dos incentivos fiscais a seguros de saúde e outras despesas privadas, que só têm servido para incentivar a prejudicial fuga das classes médias. Os «recursos escassos» devem servir para promover a expansão da provisão pública e a melhoria continuada da sua qualidade, estancando também a ameaçadora fuga de muitos profissionais de saúde para o sector privado. A CGD, banco público, não deve ter participações e investimentos neste «negócio». A estratégia de um governo socialista de esquerda envolve assim uma luta sem quartel contra os grupos económicos que se expandem no sector à custa de todos. Dispomos dos instrumentos.
E como isto está tudo ligado, a política socialista envia assim os sinais certos aos grupos privados com propensão para ter antigos e futuros ministros nas suas folhas de pagamento: vão trabalhar para os sectores exportadores, malandros!
Tarefa para um governo de esquerda: controlo público de sectores estratégicos
Os lucros da EDP e da GALP, empresas em que o Estado deve ser accionista maioritário, servem hoje para remunerar accionistas privados e para pagar principescos bónus aos seus gestores. Os cidadãos pagam as facturas da energia, que são 25% mais caras do que as que vigoram na vizinha Espanha, e suportam as lucros abusivos da Galp no ajustamento dos preços do combustível, que se tornaram uma referência para o resto do mercado.
A recuperação do controlo público da Galp e da EDP é a única forma de manter em mãos nacionais o sector vital da energia e o meio mais eficaz de delinear uma política racional que reduza a dependência energética face ao exterior, acelere o aumento do peso das energias renováveis e garanta que a sua gestão é guiada por critérios mais amplos que a estreita criação de valor para o accionista. Privilegiar os accionistas dificulta aliás uma política industrial de reconversão do tecido empresarial e gera custos sociais que acabam por recair sobre a maioria dos cidadãos.
A regulação é complementar e não substitui a presença pública directa. No Brasil, Lula da Silva percebeu isso recentemente. O controlo público é a melhor forma de diminuir os riscos de captura do regulador por interesses privados poderosos e de evitar as assimetrias de informação que fazem com que os comportamentos abusivos para servir accionistas ávidos de dividendos sejam muito frequentes. Além disso, como a presença da CGD no sistema financeiro bem mostra, a propriedade pública pode ser um complemento útil quando a regulação falha. Não creio que a esquerda socrática seja a favor da privatização da Caixa apenas porque o sector financeiro já é regulado (mal regulado...).
O argumento do encargo para as finanças públicas das nacionalizações é míope. A recuperação do controlo público destas empresas não implica que o Estado recupere os activos aos preços que vigoram no mercado. Era o que mais faltava tendo em conta o ruinoso negócio que o Estado fez com a venda destas empresas. Calcula-se que, só na venda da Galp a Amorim, o Estado tenha perdido 1500 milhões de euros. Isto sem falar nos dividendos perdidos. Amorim tornou-se o homem mais rico do país sem produzir nada. Assim se premeia o empreendedorismo. Enfim, o Estado deve nacionalizar e pagar uma indemnização que tenha em conta o preço pago aquando da privatização e os lucros ganhos desde então. Um investimento com retorno mais do que certo para todos dado o prevísivel fluxo de lucros destas empresas (mesmo contando com os preços mais favoráveis aos utilizadores, um dos grandes argumentos para a nacionalização). O aumento da dívida seria temporário e, facto que é sempre esquecido nas discussões sobre a dívida, os activos do Estado aumentariam também. Tenhamos pois coragem para fazer o que deve ser feito.
A recuperação do controlo público da Galp e da EDP é a única forma de manter em mãos nacionais o sector vital da energia e o meio mais eficaz de delinear uma política racional que reduza a dependência energética face ao exterior, acelere o aumento do peso das energias renováveis e garanta que a sua gestão é guiada por critérios mais amplos que a estreita criação de valor para o accionista. Privilegiar os accionistas dificulta aliás uma política industrial de reconversão do tecido empresarial e gera custos sociais que acabam por recair sobre a maioria dos cidadãos.
A regulação é complementar e não substitui a presença pública directa. No Brasil, Lula da Silva percebeu isso recentemente. O controlo público é a melhor forma de diminuir os riscos de captura do regulador por interesses privados poderosos e de evitar as assimetrias de informação que fazem com que os comportamentos abusivos para servir accionistas ávidos de dividendos sejam muito frequentes. Além disso, como a presença da CGD no sistema financeiro bem mostra, a propriedade pública pode ser um complemento útil quando a regulação falha. Não creio que a esquerda socrática seja a favor da privatização da Caixa apenas porque o sector financeiro já é regulado (mal regulado...).
O argumento do encargo para as finanças públicas das nacionalizações é míope. A recuperação do controlo público destas empresas não implica que o Estado recupere os activos aos preços que vigoram no mercado. Era o que mais faltava tendo em conta o ruinoso negócio que o Estado fez com a venda destas empresas. Calcula-se que, só na venda da Galp a Amorim, o Estado tenha perdido 1500 milhões de euros. Isto sem falar nos dividendos perdidos. Amorim tornou-se o homem mais rico do país sem produzir nada. Assim se premeia o empreendedorismo. Enfim, o Estado deve nacionalizar e pagar uma indemnização que tenha em conta o preço pago aquando da privatização e os lucros ganhos desde então. Um investimento com retorno mais do que certo para todos dado o prevísivel fluxo de lucros destas empresas (mesmo contando com os preços mais favoráveis aos utilizadores, um dos grandes argumentos para a nacionalização). O aumento da dívida seria temporário e, facto que é sempre esquecido nas discussões sobre a dívida, os activos do Estado aumentariam também. Tenhamos pois coragem para fazer o que deve ser feito.
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
Optimistas e pessimistas
O gráfico acima representa o andamento do índice da bolsa portuguesa (PSI 20) entre o seu pico em Novembro de 2007 e o fecho de ontem. Mostra-nos que alguém com uma riqueza de 100 aplicada na bolsa em Novembro de 2007 (numa carteira com a mesma composição do índice), teria visto o seu pecúlio reduzido a 43 em Março de 2008. Dependendo da unidade de conta teria ficado menos rico, semi-rico ou até desfalcado. Mas mostra também que se não se tivesse desfeito da mesma carteira no momento de aflição, agora já teria recuperado bastante (o que valia 43 em Março vale agora 63). Por outro lado quem tivesse entrado na bolsa em Março com 100 teria agora 146. Nada mau em tão pouco tempo, sobretudo numa depressão.
Neste país dividido entre optimistas e pessimistas, parece-me que o número de optimistas deve ser maior entre os que vivem de rendimentos de aplicações financeiras e mais-valias bolsistas do que entre os que vivem apenas do trabalho.
O gráfico abaixo mostra a evolução do número de desempregados em Portugal no mesmo período, segundo o INE, e uma projecção da OCDE para o quatro trimestre de 2010: 440 mil pessoas desempregadas no 4º trimestre de 2007, 508 mil no 2º trimestre de 2009, 650 mil no 4º trimestre de 2010, segundo uma projecção da OCDE (Employement Outlook 2009).
Neste país dividido entre optimistas e pessimistas, parece-me que o número de optimistas deve ser maior entre os que vivem de rendimentos de aplicações financeiras e mais-valias bolsistas do que entre os que vivem apenas do trabalho.
Tarefa para um governo de esquerda: traçar linhas
João Cravinho, uma figura inconformada com a persistente impotência pública, defendeu recentemente que a corrupção política não pára de crescer no nosso país. Os liberais dizem que isto é o resultado do peso excessivo do Estado. Trata-se de um diagnóstico tão previsível quanto preguiçoso. Se estivesse correcto, outros países europeus, com os países escandinavos à cabeça, seriam os mais corruptos e os menos transparentes. Nada é mais errado. A corrupção não se combate pelo esvaziamento do Estado, mas sim pelo encolhimento das possibilidades que o dinheiro tem de influenciar o processo democrático de definição das regras e da sua aplicação. Um governo de esquerda tem de conseguir traçar linhas mais claras. Isto exige rupturas, ou seja, reformas revolucionárias. Estas têm de partir de um diagnóstico do contributo que as escolhas políticas dominantes têm dado para o atrevimento sem limites do dinheiro concentrado. Destaco três áreas.
Em primeiro lugar, o ciclo, com mais de vinte anos, de liberalização predatória, feito de abertura irrestrita às forças de mercado, de privatizações sem fim de sectores monopolistas e estratégicos ou de complacência face à apropriação privada de mais-valias fundiárias ou face à desigualdade de rendimentos, aumentou o perigo de captura do poder político por um poder económico privado crescentemente rentista. A mais recente geração de políticas de entrega aos privados de áreas da provisão pública, por exemplo, através de ruinosas parcerias público-privadas, cria um pernicioso caldo político feito de opacas desorçamentações, de tráfico de influências e de subversão da lógica dos serviços públicos. Estradas, aeroportos, matas, prisões, hospitais, rede eléctrica, património histórico, áreas protegidas. A lista de bens públicos em vias de serem capturados pelo sector privado não tem fim. As oportunidades para a corrupção também não.
Em segundo lugar, no país mais desigual da União Europeia, os mais ricos têm cada vez mais recursos e incentivos para contornar as regras e para influenciar o processo político a seu favor. Além disso, a desigualdade tende a corroer a crença de que as instituições fundamentais da sociedade são justas, a sabotar a legitimidade social das regras instituídas e a dificultar a participação de todos na definição dos destinos comuns. Sabemos que uma cidadania activa, mais robusta em sociedades europeias menos desiguais, é um dos antídotos para os comportamentos predatórios.
Em terceiro lugar, é preciso reconhecer que a ética do serviço público, outro ingrediente imprescindível em qualquer sociedade decente, só pode florescer se tivermos funcionários públicos autónomos e motivados. É por estas e por outras que a política de fragilização dos vínculos contratuais na administração pública, a política socrática que "tritura" funcionários, num contexto de hegemonia de um discurso governamental que tem subestimado e desprezado a ética do serviço público e os profissionais e as práticas que a podem sustentar, só irá acentuar a fraqueza e a submissão do Estado perante a insolência do dinheiro.
Pelo contrário, as políticas socialistas de combate às desigualdades, de reafirmação do controlo público directo de sectores estratégicos, de combate à fraude e evasão fiscais, por exemplo, através da total abolição do sigilo bancário, ou de apropriação pública das mais-valias fundiárias obtidas graças a investimentos de toda comunidade desenham linhas mais fortes entre o que pode ser comprado e vendido e o que é de todos e deve estar ao serviço de todos. Traçar linhas é uma tarefa prioritária para um governo de esquerda.
Isto foi escrito aqui.
Água mole...
Vale mesmo a pena ler o extenso trabalho da jornalista Elisabete Miranda no Jornal de Negócios de hoje (infelizmente não está disponível on-line). Jornalismo económico de excelência. A injustiça dos benefícios fiscais escrutinada recorrendo-se aos estudos existentes sobre o assunto: «De acordo com o último estudo publicado pelo Ministério das Finanças (...) estes benefícios fiscais aumentam mais que proporcionalmente ao rendimento bruto, ou seja, acabam por contribuir para diminuir a progressividade efectiva dos impostos. Quando analisa os efeitos desta situação na distribuição do rendimento, conclui que “o sistema de deduções, de abatimentos e de benefícios fiscais não contribui para a redução da desigualdade”. Esta ideia é corroborada por diversos outros estudos. José Gomes dos Santos e Carla Rodrigues mediram a perda monetária que corresponderia à eliminação destas duas deduções [saúde e educação] e concluem que “a existênciade uma grande diversidade de isenções e abatimentos à colecta faz com que, nos níveis de rendimento mais baixos, tais medidas se tornem redundantes, tornando questionável a prossecução de certos objectivos de protecção social apartir do IRS”.»