segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Princípios para governar à esquerda

A campanha eleitoral tem de ser uma oportunidade para discutirmos os princípios que orientam as escolhas políticas capazes de dar os toques certeiros, aqueles que têm impactos sistémicos na estrutura socioeconómica. Estes princípios têm de ser realistas, ou seja, têm de ser compatíveis com o melhor conhecimento disponível.

Sabemos que a provisão pública e universal de bens e serviços essenciais, financiados por impostos progressivos, é o mais eficaz meio para os disponibilizar a todos. O Estado Social pode e deve ser expandido. Ele não é um fardo, mas um dos melhores activos de que um país dispõe porque gera valores de uso e padrões de interacção com externalidades positivas - da maior confiança entre cidadãos que partilham instituições à superação dos efeitos antimeritocráticos da lotaria da classe onde se nasce, passando pela promoção de um uso ambientalmente mais sustentável dos recursos. Este último ponto merece ser sublinhado: a desigualdade social e a fraqueza dos mecanismos redistributivos estão associadas ao predomínio do individualismo consumista que é ambientalmente insustentável. Um governo de esquerda não alinha no relativismo moral que justifica todas as preferências, suportadas por dinheiro, que se revelam nos mercados.

O Estado Social depende, por sua vez, de políticas de investimento que combatam um dos grandes desperdícios do capitalismo corrente: o desemprego e a insegurança que tolhe largos segmentos da população. Um governo de esquerda não pode ficar especado à porta das empresas. Tem de destrancar as latentes reservas de criatividade e de inovação através da promoção da democratização das relações laborais e do reforço do protagonismo dos trabalhadores dentro das empresas. Isto é meio e fim: uma economia mais pujante e cidadãos activos que não deixam de o ser quando entram no local de trabalho.

Pleno emprego, Estado Social e democracia nas empresas são algumas das tecnologias sociais que temos de descobrir e afinar se, seguindo o filósofo G. A. Cohen, recentemente falecido, queremos efectivar dois princípios de uma sociedade decente: igualdade substantiva de oportunidades para que os indivíduos alcancem funcionamentos genuinamente humanos e uma comunidade política onde as pessoas se respeitem pelo que são e não pelo que têm. A construção social das liberdades começa por aqui. Um governo de esquerda depende da hegemonia deste imaginário social. Eu chamo socialismo a este processo. A esquerda que conta é também a que recupera e reinventa uma palavra que alguns gostariam de ver proscrita.

A minha crónica semanal no i também pode ser lida aqui.

4 comentários:

  1. Caro João,
    Passo a citar "Sabemos que a provisão pública e universal de bens e serviços essenciais, financiados por impostos progressivos, é o mais eficaz meio para os disponibilizar a todos"
    A minha pergunta :Refere-se a bens públicos como a saúde e educação e a monopólios naturais como a electricidade ou energia?Ou também a outro tipo de bens e quais,pq eu sempre aprendi que o mercado era mais eficiente na provisão dos mesmos.
    Cumps

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  2. Uma leitura mais atenta já me tirou as dúvidas,refere-se a bens essenciais tais como a saúde e educação,financiados por imps prog
    Lapso meu,ou tentativa de uma leitura demasiado rigorosa ou á letra.De qualquer forma este post está muito sucinto e claro!

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  3. "Um governo de esquerda não pode ficar especado à porta das empresas. Tem de destrancar as latentes reservas de criatividade e de inovação através da promoção da democratização das relações laborais e do reforço do protagonismo dos trabalhadores dentro das empresas."
    .
    Tem algumas ideias sobre como fazer ou promover isto?

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  4. sei lá , quantas pessoas acha que estão dispostas a criar uma empresa em que o estado não fique à porta? sobretudo um estado que o que quer é mais dinheiro para distribuir pelos " seus" e que tem um curriculo jeitoso no que se refere à gestão de empresas públicas : à parte as que vendem produtos vendidos à partida , a maioria dá prejuizo , nè ? se não saber gerir a coisa pública, por que razão há-de saber gerir a coisa privada . ah já sei , manda bitaites e as pessoas que obedeçam. já agora , que não fique à porta de nossa casa também , e que nos ensine a construir uma sagrada família , não? suponho que será o próximo passo da vossa cruzada contra a liberdade de acção.

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