Manobrar o senso comum para garantir apoio popular a medidas de afronta à dignidade social e laboral foi um instrumento político de recurso abundante nos recentes anos de crise económica.
Na tentativa de promoção da precariedade como veículo de eficiência e desenvolvimento, este instrumento foi usado com frequência, procurando-se transmitir a ideia de que os trabalhadores precários são mais produtivos. O enunciado era simples: um trabalhador com um contrato precário tem um maior incentivo a esforçar-se do que um trabalhador com um contrato efetivo, porque não tem um posto de trabalhado garantido, logo é mais produtivo. O raciocínio, linear e intuitivo, encontrou algum acolhimento na opinião pública.
O problema é que não é verdadeiro. Como já tive oportunidade de referir
aqui, em resposta aos argumentos do gerente da Padaria Portuguesa, a evidência coligida sobre o tema aponta em sentido exatamente contrário. Nessa resposta, aludi a um dos estudos mais influentes e robustos sobre o tema, dos economistas Servaas Storm e C. W. Naastepad. O
estudo analisa 20 países da OCDE entre 1984 e 2004 e conclui que países com mercados de trabalho mais regulados (com menor favorecimento legal da precariedade) registam maiores aumentos de produtividade.
Nessa ocasião, algumas pessoas fizeram notar que um estudo isolado não constitui evidência bastante para sustentar qualquer conclusão. E têm razão. Um estudo isolado, por mais bem fundamentado, pode ser cirurgicamente escolhido pelo autor do argumento para
validar o seu ponto de vista.
Uma boa fonte de consulta para uma visão global sobre a relação entre produtividade e precariedade é o
relatório publicado em Novembro de 2016 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), organismo das Nações Unidas, sobre formas de trabalho não padronizadas (
non-standard forms of employment), designação que contempla um leque alargado de modalidades de relações de trabalho que na discussão pública são referidos sob o conceito lato de “precariedade”. (Em particular a informação contida entre as páginas 178 e 181).
O relatório conclui que a relação entre produtividade e precariedade se assemelha graficamente a um “U invertido”. Isto é, se o recurso a contratos de trabalho temporários for reduzido e os trabalhadores forem voluntariamente temporários, existe um impacto positivo na produtividade. No entanto, quando o recurso a trabalhadores precários é generalizado e os trabalhadores com vínculo precário pretendem ter um vínculo permanente, o impacto na produtividade é negativo.
Um dos estudos revistos conclui que trabalhadores voluntariamente temporários no seio de organizações com uma tradição de contratação estável podem ser até 10 pontos percentuais mais produtivos. As hipóteses teóricas para sustentar estes resultados são razoáveis: o recurso a trabalhadores temporários é fundamental para suprir a falta de trabalhadores efetivos ausentes por motivos de paternidade ou doença, bem como para corresponder a picos de procura de produção. Permite ainda trazer novo conhecimento potencial, que a empresa pode escolher incorporar futuramente através de um contrato permanente.
Contudo, os estudos revistos são claros e consistentes ao concluir que empresas com elevada expressão de vínculos precários contra a vontade dos trabalhadores são menos produtivas. Um dos estudos, conduzido em Espanha, conclui que 20% do abrandamento da produtividade entre 1992 e 2005 se deveu ao excessivo uso de vínculos precários. Os resultados obtidos em exercícios semelhantes para Itália e Holanda apontam no mesmo sentido. Adicionalmente, um estudo à escala global centrado em empresas de 132 países em vias de desenvolvimento registou que as empresas com recurso intensivo a relações precárias – categoria em que se inseriam empresas com mais de 50% de contratos temporários nos seus quadros tinham piores níveis de produtividade e investiam menos em formação do que as suas congéneres que optavam por contratos estáveis.
O relatório aponta um leque de fatores que explicam estes resultados. Em primeiro lugar, as empresas onde a precariedade é prevalecente investem menos em formação no posto de trabalho, o que por sua vez reduz o incentivo a introduzir nova tecnologia que necessita dessa formação prévia. Por outro lado, tendem a ser menos inovadoras e a registar menos patentes, por temerem a fuga de conhecimento para os seus concorrentes através da elevada rotação de trabalhadores. Compromete ainda a aquisição e transmissão de conhecimento específico no contexto da empresa, impedindo a consolidação de processos e a busca de aperfeiçoamento nos modelos de gestão. Finalmente, tem um impacto negativo na moral dos trabalhadores precários, dificultando as relações de cooperação com os trabalhadores permanentes e com os órgãos de gestão.
Em suma, o estudo sublinha que os efeitos negativos da precariedade são muito pronunciados e tendem a sobrepor-se a quaisquer efeitos positivos, com exceção para as situações em que os cenários de precariedade são residuais no seio da organização e em que os
trabalhadores concordam voluntariamente com essa modalidade de contratação.
Tendo esta conclusão presente, tem interesse olhar para o caso português. Será que a maioria dos trabalhadores são voluntariamente temporários ou, pelo contrário, gostariam de ter acesso a um vínculo permanente?
É oportuno analisar o quadro acima, inserido na página 79 do
Livro Verde das Relações Laborais, publicado pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. De entre os trabalhadores com contratos temporários em 2015 entre os 15 e os 24 anos, 67.9% afirma que o motivo para manterem esse tipo de vínculo é não conseguirem encontrar um emprego permanente. No segmento entre os 25 e os 64 anos, essa percentagem aumenta consideravelmente para os 86.9%. De notar ainda o contraste com a média europeia no que se refere aos jovens. Se em Portugal 67.9% dos trabalhadores entre os 15 e os 24 anos têm contratos temporários por não conseguirem encontrar um posto permanente, a média europeia que assinala esse motivo para o mesmo segmento etário é de apenas 37.3%.
Em presença destes resultados, é razoável inferir que o elevado nível de precariedade do mercado de trabalho português tem, muito provavelmente, um impacto negativo na produtividade do trabalho. Com efeito, diminuir a precariedade laboral não é apenas uma condição para a dignificação do trabalho: é um imperativo de desenvolvimento económico.