sexta-feira, 21 de julho de 2017
Precariedade e produtividade: evidência para abalar mitos
Manobrar o senso comum para garantir apoio popular a medidas de afronta à dignidade social e laboral foi um instrumento político de recurso abundante nos recentes anos de crise económica.
Na tentativa de promoção da precariedade como veículo de eficiência e desenvolvimento, este instrumento foi usado com frequência, procurando-se transmitir a ideia de que os trabalhadores precários são mais produtivos. O enunciado era simples: um trabalhador com um contrato precário tem um maior incentivo a esforçar-se do que um trabalhador com um contrato efetivo, porque não tem um posto de trabalhado garantido, logo é mais produtivo. O raciocínio, linear e intuitivo, encontrou algum acolhimento na opinião pública.
O problema é que não é verdadeiro. Como já tive oportunidade de referir aqui, em resposta aos argumentos do gerente da Padaria Portuguesa, a evidência coligida sobre o tema aponta em sentido exatamente contrário. Nessa resposta, aludi a um dos estudos mais influentes e robustos sobre o tema, dos economistas Servaas Storm e C. W. Naastepad. O estudo analisa 20 países da OCDE entre 1984 e 2004 e conclui que países com mercados de trabalho mais regulados (com menor favorecimento legal da precariedade) registam maiores aumentos de produtividade.
Nessa ocasião, algumas pessoas fizeram notar que um estudo isolado não constitui evidência bastante para sustentar qualquer conclusão. E têm razão. Um estudo isolado, por mais bem fundamentado, pode ser cirurgicamente escolhido pelo autor do argumento para validar o seu ponto de vista.
Uma boa fonte de consulta para uma visão global sobre a relação entre produtividade e precariedade é o relatório publicado em Novembro de 2016 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), organismo das Nações Unidas, sobre formas de trabalho não padronizadas (non-standard forms of employment), designação que contempla um leque alargado de modalidades de relações de trabalho que na discussão pública são referidos sob o conceito lato de “precariedade”. (Em particular a informação contida entre as páginas 178 e 181).
O relatório conclui que a relação entre produtividade e precariedade se assemelha graficamente a um “U invertido”. Isto é, se o recurso a contratos de trabalho temporários for reduzido e os trabalhadores forem voluntariamente temporários, existe um impacto positivo na produtividade. No entanto, quando o recurso a trabalhadores precários é generalizado e os trabalhadores com vínculo precário pretendem ter um vínculo permanente, o impacto na produtividade é negativo.
Um dos estudos revistos conclui que trabalhadores voluntariamente temporários no seio de organizações com uma tradição de contratação estável podem ser até 10 pontos percentuais mais produtivos. As hipóteses teóricas para sustentar estes resultados são razoáveis: o recurso a trabalhadores temporários é fundamental para suprir a falta de trabalhadores efetivos ausentes por motivos de paternidade ou doença, bem como para corresponder a picos de procura de produção. Permite ainda trazer novo conhecimento potencial, que a empresa pode escolher incorporar futuramente através de um contrato permanente.
Contudo, os estudos revistos são claros e consistentes ao concluir que empresas com elevada expressão de vínculos precários contra a vontade dos trabalhadores são menos produtivas. Um dos estudos, conduzido em Espanha, conclui que 20% do abrandamento da produtividade entre 1992 e 2005 se deveu ao excessivo uso de vínculos precários. Os resultados obtidos em exercícios semelhantes para Itália e Holanda apontam no mesmo sentido. Adicionalmente, um estudo à escala global centrado em empresas de 132 países em vias de desenvolvimento registou que as empresas com recurso intensivo a relações precárias – categoria em que se inseriam empresas com mais de 50% de contratos temporários nos seus quadros tinham piores níveis de produtividade e investiam menos em formação do que as suas congéneres que optavam por contratos estáveis.
O relatório aponta um leque de fatores que explicam estes resultados. Em primeiro lugar, as empresas onde a precariedade é prevalecente investem menos em formação no posto de trabalho, o que por sua vez reduz o incentivo a introduzir nova tecnologia que necessita dessa formação prévia. Por outro lado, tendem a ser menos inovadoras e a registar menos patentes, por temerem a fuga de conhecimento para os seus concorrentes através da elevada rotação de trabalhadores. Compromete ainda a aquisição e transmissão de conhecimento específico no contexto da empresa, impedindo a consolidação de processos e a busca de aperfeiçoamento nos modelos de gestão. Finalmente, tem um impacto negativo na moral dos trabalhadores precários, dificultando as relações de cooperação com os trabalhadores permanentes e com os órgãos de gestão.
Em suma, o estudo sublinha que os efeitos negativos da precariedade são muito pronunciados e tendem a sobrepor-se a quaisquer efeitos positivos, com exceção para as situações em que os cenários de precariedade são residuais no seio da organização e em que os trabalhadores concordam voluntariamente com essa modalidade de contratação.
Tendo esta conclusão presente, tem interesse olhar para o caso português. Será que a maioria dos trabalhadores são voluntariamente temporários ou, pelo contrário, gostariam de ter acesso a um vínculo permanente?
É oportuno analisar o quadro acima, inserido na página 79 do Livro Verde das Relações Laborais, publicado pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. De entre os trabalhadores com contratos temporários em 2015 entre os 15 e os 24 anos, 67.9% afirma que o motivo para manterem esse tipo de vínculo é não conseguirem encontrar um emprego permanente. No segmento entre os 25 e os 64 anos, essa percentagem aumenta consideravelmente para os 86.9%. De notar ainda o contraste com a média europeia no que se refere aos jovens. Se em Portugal 67.9% dos trabalhadores entre os 15 e os 24 anos têm contratos temporários por não conseguirem encontrar um posto permanente, a média europeia que assinala esse motivo para o mesmo segmento etário é de apenas 37.3%.
Em presença destes resultados, é razoável inferir que o elevado nível de precariedade do mercado de trabalho português tem, muito provavelmente, um impacto negativo na produtividade do trabalho. Com efeito, diminuir a precariedade laboral não é apenas uma condição para a dignificação do trabalho: é um imperativo de desenvolvimento económico.
A precariedade é uma absoluta imoralidade, é pôr em causa a saúde e a vida das pessoas, perceber se um trabalhador é mais produtivo numa condição em que é explorado é por si só uma destituição. A precariedade é um eufemismo que serve o seu propósito, deixou de ser possível retratar a realidade tal como ela se apresenta, é demasiado chocante e selvagem para os mais impressionáveis. Temos uma sociedade de idiotas úteis incapazes de distinguir o que quer que seja, incapazes de sentir verdadeiramente os outros, a decadência moral e intelectual é uma evidência.
ResponderEliminarA simples ideia de precário/efectivo é um aborto abrilesco.
ResponderEliminarTrabalhador temporário ou sem termo, com respectivos períodos de experiência, tanto bastaria não fosse a parvoeira de que sem termo é para a vida, salvo uma 'justa causa' a ser avaliada por juízes que de negócios conhecem porra nenhuma e que fazem de cada despedimento um risco de consequências imprevisíveis.
E se as razões invocadas são económicas, não despeça um mas dois, que colectivo é mais fácil mas pode ter de incluir quem lhe faz mais falta!
Um país que adoptou a estupidez como meio de luta anticapitalista!
A moda actual é falar de precaridade sem nunca tocar nas condições do despedimento que a justificam.
O patronato é reconhecido como um bando de toscos, excepto na avaliação dos trabalhadores onde lhes é atribuída uma perspicácia tão extraordinária quanto o é a bondade natural atribuída aos trabalhadores.
Um país de cómicos.
PS: A Altice que comprou uma empresa com trabalhadores inactivos ( a bondade dos gestores era de ir às lágrimas) é suposta não usar as leis vigentes e continuar a pagar o disparate!
A precariedade cria ricos não riqueza, nessa condição as pessoas são privadas dos mais elementares direitos constitucionais, o clima de coacção permanente limita a capacidade de intervir, de construir algo intrinsecamente bom, a liberdade das pessoas é um elemento estabilizador da sociedade, tem-se institucionalizado a desigualdade, com base na ideia que todos somos diferentes e temos capacidades diferentes, a justiça não pode ser um pormenor nisto tudo, privar os outros de tentarem o melhor é algo verdadeiramente irrazoável.
ResponderEliminar"Porra nenhuma"?
ResponderEliminarÉ isso mesmo. Ponha-se o espelho diante deste tipo e verifique-se como é o próprio a desmontar todo o seu reportório patronal
E a mostrar todo o seu clássico ódio de classe.
É de certa forma delicioso verificar como a dados concretos e objectivos apresentados pelo Diogo Martins, o Jose esbraceje e se contorcione todo.
ResponderEliminarE não diga objectivamente nada para além do seu paleio ideológica e pesporrentamente vinculado ao obscurantismo e à exploração.
Vejamos o que se pode "colher", como prova concreta por um lado, da sua impotência argumentativa, por outro do seu vínculo aos "homens de negócios":
"aborto abrilesco, parvoeira salvo uma "justa causa". Porra nenhuma e o risco de consequências imprevisíveis. Que colectivo é mais fácil, mas pode ter que incluir e um ponto de exclamação. E a estupidez e luta anticapitalista e mais um ponto de exclamação.A moda e a precariedade, sem tocar. A que se juntam um bando de toscos mais a atribuição da perspicácia extraordinária e a bondade natural. Cómicos.
E mais um PS sobre a Altice (já lá iremos). Ainda um outro ponto de exclamação
Uma ode fugitiva aos dados apresentados, uma oratória de lugares-comuns dum vero perito da coisa.
Uma tristeza pegada
"O patronato é reconhecido como um bando de toscos"
ResponderEliminarÉ isso e muito mais. Mas tal reconhecimento da parte deste sujeito é um passo certo. E confirma numa simples frase o post de Diogo Martins.
Porque motivo o sujeito gasta tanto paleio em nada é que não se percebe bem.
( já agora...ninguém atribui uma perspicácia tão extraordinária ao patronato na avaliação aos trabalhadores. É ler de novo)
ResponderEliminar«...privar os outros de tentarem o melhor é algo verdadeiramente irrazoável.»
Junte-se 'a capacidade de intervir', o 'intrinsecamente bom', o ser 'diferente' com repúdio da 'desigualdade', respeitando as 'capacidades', sempre relevando a 'justiça', para 'estabilizar...
Eis o perfeito mantra que levará a gestão a ser entregue a psicólogos assistidos por pedagogos e sociólogos.
Qual indústria 4.0! Indústria 10.0 JÁ!
Tem um enorme mérito este texto de Diogo Martins.
ResponderEliminarÉ que denuncia e desmascara o "manobrar o senso comum para garantir apoio popular a medidas de afronta à dignidade social e laboral." E que tal procedimento "foi um instrumento político de recurso abundante nos recentes anos de crise económica".
Não é por nada que tal "senso-comum" é invocado por um rebarbativo cultor do processo austeritário e defensor acérrimo de "medidas de afronta à dignidade social e laboral".
Contam-se pelas dezenas as invocações pelo dito sujeito da doutrina do "senso-comum".
Percebe-se porquê
Sem ir até à Alegoria da Caverna de Platão:
"Senso Comum é todo e qualquer conhecimento que possuímos e que nunca refletimos sobre eles, são subjectivos, isto é, expressam sentimentos e opiniões; são simplificadores, reduzimos um tema complexo em algo simples; não precisam de comprovação, as coisas são porque são; são generalizadores, reúnem vários conceitos numa só ideia; é auto suficiente,não necessita de comprovação ou experimentação. O conhecimento do senso comum é adquirido espontaneamente, sem muita preocupação com o método, a crítica ou com sistematização"
É o método panfletário e propagandista dos que abominam o senso crítico.Foi, é, utilizado como ferramenta ideológica a favor da ideologia dominante
E percebe-se porquê
Geralmente tal tipo de gente utiliza o próprio senso-comum contra o senso-crítico
ResponderEliminarO senso crítico "significa a capacidade de questionar e analisar de forma racional e inteligente. Através do senso crítico, o homem aprende a buscar a verdade questionando e e reflectindo sobre cada assunto.A consciência do papel social de cada indivíduo promove a capacidade de pensar sobre as verdades impostas pela sociedade dominante. Dessa forma, alguém com senso crítico aguçado não aceita a imposição de qualquer tradição, dogma ou comportamento sem antes questionar"
Ora existe uma ideologia dominante veiculada na política, religião, meios de comunicação, que procura manipular as pessoas para que não questionem; para que aceitem o que lhes for imposto sem ponderar ou investigar a(s) verdade(s).
Os cultores da ideologia dominante andam geralmente com o pobre do senso-comum na boca.
Utilizam-no como uma espécie de latrina (usada desde há séculos), tanto para confirmar que o Sol gira à volta da terra como para indicar que a responsabilidade das violações só mesmo das mulheres que não se comportam de forma decente.
Este tipo Joae? não está bom da cabeça. Agora refugia-se em psicólogos, sociólogos e pedagogos...
ResponderEliminarCoitado. Sem o querer tenta vender a sua ideologia através deste senso-comum tosco e idiota. Banhada
A produtividade de um trabalhador vai do carácter e capacidade de cada um, e da respectiva cadeia hierárquica da empresa que tem como dever orientar o trabalho dos seus funcionários no bom sentido, por forma atingir resultados satisfatórios para ambos; afirmar que a precariedade promove a produtividade é mentira, e quem defende este ponto de vista ou é ingénuo ou oportunista.
ResponderEliminarO grande problema da empregabilidade neste país, deve-se ao facto de em Portugal o trabalho ser negado ao cidadão, e onde até para empregado de balcão se entra por cunha, juntando a esta realidade a corrupção e tráfico de influências praticadas no Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) que se encontra infiltrado de neoliberais, que trabalham para destruir e minar esta estrutura por dentro, de maneira a que a mesma sirva os seus interesses e das facções que representam, usurpando para isso os mecanismos e organismos desta instituição prejudicando por conseguinte os cidadãos que recorrem aos seus serviços.
A isto junte-se também a gangrena das empresas de exploração de trabalho temporário, que num país civilizado não devem existir, criadas pelos fracassados das licenciaturas (pois ninguém os quer em lado nenhum).
"Qual indústria 4.0! Indústria 10.0 JÁ!"
ResponderEliminarJá? Assim deste jeitinho, JÃ?
Este parece que ainda está em Angola a dar ordens aos "nativos" ou na estrebaria a divertir-se com a pileca.
E que tal voltar-se ao que se discute e vez destas choraminguices idiotas sobre "psicólogos assistidos por pedagogos e sociólogos?
Excelente texto do Diogo Martins, claro e informativo. Acrescento duas notas:
ResponderEliminar1. Lembro-me de ter lido algures que os trabalhadores sindicalizados (logo, dos menos precários) eram muito mais abertos a alterações nos processos de trabalho, já que não temiam o despedimento por "inadequação ao novo posto de trabalho"
2. Neste momento nos EUA proliferam os acordos de não competição qyue extravasaram há muito os postos de trabalho em que fazem sentido. É a nova forma de escravidão, de impedir que um empregado mude para um novo emprego que lhe pague melhor. Assunto a estar atento, que estas modas mais tarde ou mais cedo chegam cá