Fotografia nº 150, tirada por Sebastião Salgado: peregrinos no Santuário de Lamego em Setembro de 1975. Fotografia nº 136, tirada por Alécio de Andrade: manifestação a favor da independência das colónias no verão de 1974.
São umas poucas centenas de quilómetros de Lamego a Lisboa, mas é como se fossem dois países separados por milhares. Um país sofrido e postergado por décadas de obscurantismo e um país sorridente e pleno de esperança anticolonial.
Venham mais cinco [O olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa] 1974-1975, a exposição de que Sérgio Tréfaut é curador, começou a ser pensada em 1993, mas só agora viu a luz do dia em Almada. Bastava isto e um filme, Raiva, para lhe estar eternamente agradecido, mas há e haverá muito mais, claro.
São 200 fotografias iluminadoras, tiradas por fotógrafos estrangeiros, incluindo o economista-fotógrafo Sebastião Salgado, falecido na véspera da inauguração da exposição, como nos informa Pedro Cerejo num artigo no Le Monde diplomatique – edição portuguesa também a não perder.
Esta exposição emocionou-me profundamente, verti lágrimas, pôs-me a pensar em ligações, em comparações, para lá das que estão explicitadas. Não é só a exposição, nunca é, sou eu, nós, em 2025. Estas duas fotografias marcaram-me. Muitas o fizeram, estou a tentar descobrir como.
Entretanto, nos próximos seis dias andarei pelo Estado estrangeiro que me é mais familiar, Espanha, com o meu filho, a primeira parte das férias a dois deste ano, de carro entre Mérida e Ávila, passando por Toledo e Madrid.
A minha nação favorita fora de portas é a Galiza, lá em cima, claro; um dia há-de ser um Estado. O nacionalismo de esquerda galego é uma inspiração político-ideológica desde sempre, desde os economistas Xosé Manuel Beiras e Ramón López-Suevos.
Enfim, vou mostrar-lhe as ruínas romanas, o Alcázar de Toledo, os quadros de El Greco, a Guernica, As meninas de Velásquez, os quadros arrebatadores de Goya, a paixão religiosa de Santa Teresa e assim, com um magnifico livro, escrito por um holandês voador, em punho. O resto das férias, lá mais para a frente, será, como sempre, na geografia sentimental que inclui poemas geológicos.
Sim, sou privilegiado, posso ir de férias para fora de casa, ir ao estrangeiro próximo e voltar para o granito familiar, com o xisto logo ali, a seguir a uma curva. Gostaria de ir de comboio, mas já/ainda não é viável. Estamos mais de três décadas atrasados em relação a Espanha, graças à austeridade e a prioridades erradas em relação às ligações ferroviárias de alta velocidade na jangada de pedra. Portugal e mais dois países são os que menos investimento público fazem na UE (em percentagem do PIB), notai
E é como diz Adam Smith, ver tudo como se fosse a primeira vez, graças à capacidade de nos colocarmos nos sapatos de outrem, a tal simpatia, o principal dos sentimentos morais (livro desgraçadamente por traduzir). E irritar-me-ei com o El Pais, claro. Comeremos churros e calamares, comprarei livros. À noite trabalharei.
Sinto que estou nas pisadas do meu pai. Gosto sempre de pensar em termos de reciprocidade, numa cadeia do tempo sem fim, dar o que recebi. A minha disposição conservadora é só a expressão da sorte. Gosto de pensar que o meu filho também a tem, incuto-lhe isso, combato a ideologia do mérito.
Ele tem 20 tópicos de conversa para a viagem e fizemos playlists. A minha é intensa e melosa, como Espanha, como eu. A dele será solar, aposto.
As férias começam hoje, com concerto dos GNR no jardim da Sereia. Nos próximos dias, regressarei à exposição com a ruína da Lisnave à vista, que isto está tudo ligado, ao que ficou dela em mim.
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