terça-feira, 31 de outubro de 2023

Escalões de IRS: queremos mesmo voltar aos anos 90?


No âmbito da discussão sobre o Orçamento do Estado para 2024, o Instituto +Liberdade - think tank não oficial da Iniciativa Liberal - divulgou um gráfico sobre a evolução dos escalões de IRS em Portugal. Na publicação, pode ler-se que "Portugal tem, atualmente, nove escalões de IRS, o número mais elevado das últimas três décadas", sublinhando que, na década de 1990, o país "tinha apenas quatro escalões de IRS" e que "a taxa máxima se ficava pelos 40%", tendo aumentado após a viragem do século e também durante o programa de ajustamento da Troika. O Instituto sublinha ainda que não houve "alívio fiscal sobre os maiores rendimentos no pós-Troika" e que o número de escalões aumenta a "complexidade do imposto".

Apesar de a complexidade ser um aspeto relevante, não é assim tão difícil encontrar informação sobre as taxas médias aplicadas em cada escalão de rendimento. O cálculo pode complicar-se, sim, com as deduções específicas associadas a diferentes tipos de despesas (tema para outro texto), mas é difícil argumentar que os atuais nove escalões tornam as contas excessivamente complexas. A principal crítica que os liberais apresentam face ao número de escalões de IRS prende-se mesmo com a progressividade do imposto, como, de resto, se percebe pelo foco que o Instituto +Liberdade decidiu colocar na evolução da taxa máxima. No debate político, a IL destacou-se por defender o fim da progressividade, propondo uma taxa plana de 15% para todos os rendimentos do trabalho.

Neste contexto, é preciso perceber para que serve a progressividade do IRS: combater as desigualdades que se verificam na repartição do rendimento. Desse ponto de vista, o IRS português parece ser eficaz: na análise mais recente, levada a cabo com recurso a microdados da Autoridade Tributária, conclui-se que o IRS reduziu em 12% as desigualdades de rendimento. O índice de Gini - que mede a desigualdade de um país e varia entre 0 (igualdade completa) e 1 (desigualdade completa) - passou de cerca de 0,37 durante a década de 1990 para 0,31 em 2019, o que indica que os níveis de desigualdade se reduziram em Portugal ao longo das últimas décadas. Embora não explique tudo, é difícil argumentar que o aumento da progressividade do IRS não desempenhou um papel importante nesta tendência.

Em geral, existe uma relação clara entre a progressividade fiscal e a desigualdade. Um dos estudos mais influentes do economista Thomas Piketty e dos seus co-autores, que analisaram a evolução da progressividade entre 1960 e 2010 em diversas economias, mostra que, nas últimas décadas, os países que mais reduziram a taxa de imposto aplicada aos 1% mais ricos foram aqueles onde a fração do rendimento nacional captada por estes mais aumentou. Por outras palavras, foi nesses países que o 1% do topo passou a arrecadar uma fatia ainda maior do bolo.

Portugal até se destaca pela negativa ao longo desse período, tendo sido um dos países que mais reduziu a tributação sobre os mais ricos. Apesar de a taxa máxima de imposto ter aumentado na última década, o país continua a apresentar níveis de desigualdade de rendimento acima da média da União Europeia.

Além disso, a crescente desigualdade de riqueza - menos sujeita a tributação - e a desigualdade na repartição funcional - isto é, na distribuição do rendimento produzido na economia entre trabalho e capital -, assinaladas recentemente pelo Alexandre Abreu, sugerem que ainda há muito a fazer no combate às desigualdades. É mais um motivo para olharmos com bons olhos para a progressividade fiscal. Complementado pelas transferências sociais, o IRS progressivo é o que tem evitado que o país se torne ainda mais desigual. Voltar à situação dos anos 90 pode ser favorável para os mais ricos, mas não o será para a maioria da pessoas.

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Viragem para a direita?


A jornalista Ana Sá Lopes defendeu recentemente que “não é fácil ser-se oposição de direita por estes dias”, ao considerar que o governo do PS se teria apropriado do seu programa em matéria de finanças públicas.

Do continuado sacrifício do investimento em infraestruturas e serviços públicos, desta forma cada vez mais degradados, à aposta na redução de impostos diretos, mais progressivos, acompanhado de reforços dos impostos indiretos, mais regressivos, é caso para dizer: não é fácil ser-se defensor de políticas de esquerda por estes dias.

A aposta em novas privatizações – da TAP à EFACEC –, ou numa política de habitação centrada em transferência de rendimentos para os proprietários, sob a forma de benefícios fiscais, por exemplo, só confirmam a orientação neoliberal geral do atual governo.

O resto do artigo pode ser lido no setenta e quatro.

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Da ocupação sufocante


«Num momento crucial como este, é vital ter princípios claros – começando pelo princípio fundamental de respeitar e proteger os civis. Condenei inequivocamente os atos de terror horríveis e sem precedentes de 7 de outubro, perpetrados pelo Hamas em Israel. Nada pode justificar o assassinato, ferimento e rapto deliberados de civis – ou o lançamento de foguetes contra alvos civis. Todos os reféns devem ser tratados com humanidade e libertados imediatamente e sem condições.
(...) É importante reconhecer também que os ataques do Hamas não surgiram do vácuo. O povo palestiniano tem estado sujeito a 56 anos de ocupação sufocante. Viram as suas terras serem continuamente devoradas por colonatos e assoladas pela violência. A sua economia foi sufocada, as suas populações deslocadas e as suas casas demolidas. As esperanças de uma solução política para a sua difícil situação têm vindo a desaparecer. Mas as queixas do povo palestiniano não podem justificar os terríveis ataques do Hamas e esses terríveis ataques não podem justificar a punição coletiva do povo palestiniano.
»

Excertos da corajosa intervenção de António Guterres na reunião do Conselho de Segurança que ontem decorreu nas Nações Unidas. Uma intervenção que vale mesmo a pena ler na íntegra (e cuja tradução pode ser consultada em Ler Mais).

terça-feira, 24 de outubro de 2023

Alguém me explica o que são “contas certas”?

A explicação repetida por António Costa e Fernando Medina para o aforro forçado é que Portugal tem de sair do pódio dos países mais endividados da zona euro, para nos protegermos de futuras instabilidades financeiras. Parecem ignorar que dos oito países da UE que foram sujeitos a programas de resgate em 2010-2012, só dois tinham então rácios da dívida superiores à média da zona euro. Se o objetivo é prevenir a repetição da troika, o governo está a olhar para o alvo errado. 

Se o objetivo é antes garantir a sustentabilidade da dívida pública a prazo (o que é positivo e desejável), para isso não são necessários excedentes orçamentais. Ao contrário do que se pensa, não é preciso ter saldos positivos para reduzir a dívida. Por exemplo, nos últimos 10 anos para os quais existem dados disponíveis no Eurostat, a dívida pública do conjunto dos países da UE desceu, enquanto os saldos orçamentais foram em média 2,6% do PIB (ou seja, houve défices e não excedentes). A explicação não é intuitiva, mas é fácil de compreender: dentro de certos limites, o crescimento anual das economias permite pagar os défices anuais ao mesmo tempo que se abate a dívida. Tendo em conta as previsões de crescimento económico e de taxas de juro para os próximos anos, Portugal continuaria numa trajectória de redução sustentada da dívida pública mesmo que tivesse défices orçamentais na ordem de 1% do PIB. 

A expressão “contas certas” merece um prémio de marketing político, mas é difícil associá-la com rigor às opções orçamentais do governo. O que Costa e Medina estão a fazer com os nossos recursos parece-se cada vez mais com uma pessoa a quem chove em casa mas não faz obras, que está doente mas não vai ao médico e que abdica investir na educação dos filhos, porque tem de encher o mealheiro, não vá alguma coisa acontecer no futuro. Chamar a isto “contas certas” é um pouco absurdo. Mas em termos políticos funciona. 

O resto do meu artigo pode ser lido no site do Público. 

Investimento público: para o ano é que é, não era?

 

A discussão sobre o Orçamento do Estado para 2024, apresentado pelo governo na semana passada, tem-se centrado no lado da receita. A redução dos impostos, com destaque para a diminuição do IRS para os primeiros cinco escalões, foi o tema que mereceu maior destaque na apresentação da proposta pelo governo e nos espaços de comentário. Do lado da despesa, o governo tem colocado ênfase na importância da contenção, tendo em conta o “objetivo essencial [de] redução da dívida pública”, embora não deixe de expressar ambição no que diz respeito ao investimento público, em que promete o melhor registo desde a Troika.

Não é nada de novo. Em 2016, sobre o investimento público, António Costa dizia que “há duas formas de estar na vida, os que ficam à espera que aconteça e os que fazem acontecer”, colocando-se, sem hesitar, do lado dos segundos. Em 2017, o primeiro-ministro prometia aumentar o investimento público em 20% e distribuir fundos por “escolas, centros de saúde, hospitais, instalações de forças de segurança [e] rodovias”. Em 2018, anunciava novamente “um crescimento mais significativo” desta rubrica. Em 2019, garantia que o investimento público era “absolutamente essencial”. Em 2020, já com o país a enfrentar a pandemia, o investimento passara a ser “absolutamente inadiável”. Em 2021, Costa salientou que “nestes momentos de crise, é mesmo a altura de apostar em fazer aquilo que há muito está por fazer” no que toca ao investimento. Já no ano passado, sublinhou a “forte aposta” do governo no investimento público.

Só houve um problema: em todos estes anos, o país registou os níveis de investimento público mais baixos da sua história recente.


Na verdade, na última década, Portugal foi o segundo país da União Europeia em que o Estado menos investiu.


Todos os anos, houve uma enorme diferença entre as promessas feitas pelo governo no início de cada ano e o valor realmente executado no fim. Entre 2017 e 2023, face aos valores orçamentados, ficaram por aplicar 5802 milhões de euros. E isto é se aceitarmos a previsão do próprio governo sobre a execução do investimento neste ano, que também pode não se concretizar.


O que é certo é que isso não acontece por falta de necessidades. No Serviço Nacional de Saúde, o desinvestimento degrada o serviço público e promove a contratação de serviços aos privados. Nos transportes, a falta de investimento tem levado ao encerramento de várias linhas ferroviárias e à supressão sistemática de comboios ou autocarros. Na habitação, o país continua a ter um dos mais reduzidos parques habitacionais públicos da União Europeia, além de falhar na manutenção da pouca habitação social existente. Serve de pouco reduzir impostos se o desinvestimento no Estado Social empurrar as famílias para serviços privados mais caros.

Desta vez, o governo apresenta aquilo que parece ser uma justificação antecipada para o seu registo desapontante neste campo: a criação de um Fundo de Investimentos Estruturantes, supostamente destinado a armazenar dinheiro para financiar investimentos necessários no futuro. O ministério das Finanças até já avança que poderá financiar a construção da linha de alta velocidade (TGV). Não deixa de ser irónico que se refira a este projeto, que vem sendo adiado por sucessivos governos há décadas, ainda para mais num ano em que o investimento na ferrovia já sofreu um corte de 25% face ao valor inicialmente orçamentado. O problema desta opção prende-se precisamente com o eterno adiamento dos investimentos necessários no país, apesar das necessidades evidentes.

O argumento do governo para justificar a estratégia de contenção orçamental é o de que o único caminho que permite reduzir a dívida pública passava, antes, pela eliminação dos défices orçamentais e, agora, pela acumulação de excedentes. Só que há bons motivos para pensarmos que esta é uma estratégia orçamental contraproducente. Isso deve-se ao «efeito multiplicador», isto é, ao impacto que a política orçamental tem no funcionamento da economia. A maioria dos estudos sobre multiplicadores da despesa conclui que estes são superiores a 1: por cada aumento de 1 euro na despesa (e, sobretudo, no investimento) do sector público, o PIB cresce mais do que 1 euro.

O que isto significa é que os benefícios que o investimento gera para a economia não só compensam, como tendem a superar os seus custos iniciais, por vários motivos. O investimento permite assegurar a provisão de elementos indispensáveis à atividade económica e tem potencial para alavancar o investimento privado, que responde sobretudo ao dinamismo da economia. Além disso, pode ajudar a substituir importações: ao investir em transportes públicos e na eficiência energética dos edifícios, reduz-se o consumo de combustíveis fósseis importados (e as emissões de carbono associadas).

Nesse sentido, a promoção do investimento não só é compatível com a sustentabilidade das contas do Estado, como pode ajudar a reduzir de forma mais sustentada a dívida pública em percentagem do PIB, especialmente num país com necessidades significativas de investimento, como até a OCDE reconheceu recentemente. Já a obsessão do governo com os excedentes orçamentais é uma escolha que sai cara ao país.

Artigo publicado inicialmente no Setenta e Quatro.

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Da série: Não há Alojamento Local a mais


«Em setembro de 2023, Nova Iorque começou a aplicar um regulamento que visa acabar com todos os Alojamentos Locais ilegais. A Airbnb apressou-se a reagir, declarando que a iniciativa do governo da cidade representava uma proibição "de facto" do AL na cidade. De sublinhar que, em 8 de outubro, existiam, em Nova Iorque 44,5 mil casas em Airbnb. Comparativamente, Lisboa, na mesma data tinha na plataforma de agregação airDNA 18 mil casas. (...) Estes números são, contudo, subavaliados, porque existem mais operadores, tais como a VRBO e a Booking.com, para além de muitos operadores de menor dimensão e de outros que não estão presentes em nenhuma destas redes. Mas é impossível fazer esta comparação sem ter em conta que Nova Iorque tem 8.804.190 habitantes e 44,5 mil casas em AL mas que Lisboa tem apenas 547.773 habitantes em 323.981 alojamentos e mais de 18 mil AL. Estes números significam que, para Nova Iorque a proporção de casas em AL é de 0,505% enquanto em Lisboa a proporção é de 3,29%. Ou seja: 6,52 vezes mais! (...) A 8 de Outubro existiam no Idealista 12 mil casas em arrendamento: imaginemos que este valor era reforçado com as 18 mil casas em AL na mesma data: que tipo de descida de preços poderíamos esperar de um aumento de 150% no número total de casas disponíveis para arrendamento?»

Excertos do recente artigo de Rui Pedro Martins no Público, «O conflito entre Alojamento Local e a necessidade urgente de habitação em Lisboa e Nova Iorque», a ler na íntegra. Para quem continua a achar que Lisboa não tem Alojamento Local (AL) a mais, ou que esta modalidade de oferta turística não contribui para a redução do acesso à habitação pelas famílias, a comparação com Nova Iorque é esclarecedora.

Quando se pondera o número de unidades de AL (cerca de 45 mil em Nova Iorque e 18 mil em Lisboa) pela população residente e o total de alojamentos nas duas cidades, o resultado é esmagador. Nova Iorque tem cerca de 5 unidades de Alojamento Local por cada mil habitantes e Lisboa 33 (cerca de 7 vezes mais). E na ponderação por mil alojamentos, Nova Iorque tem cerca de 12 unidades de AL e Lisboa 56 (cerca de 5 vezes mais).

Encontrando-se portanto, em termos comparativos, numa posição bem menos preocupante, mas percebendo o impacto que o AL tem na redução da oferta de habitações para fins residenciais, Nova Iorque não prescindiu de adotar mecanismos de regulação mais eficazes, em que, «para se poderem registar, os proprietários não podem colocar em AL uma casa completa». Ou seja, a oferta apenas pode ser criada na residência habitual dos proprietários, impedindo assim a sua transferência para o setor do turismo e a respetiva mudança de uso. Nada para que Carlos Moedas - o autarca que até participa em manifestações de agentes do setor - pareça estar disponível.

sábado, 21 de outubro de 2023

Megafone #14 - Orçamento do Estado para 2024: quem serve o PS?


Megafone #14 - Orçamento do Estado para 2024: quem serve o PS?

Multiplicam-se os problemas estruturais do país. O empobrecimento dos jovens, dos trabalhadores, reformados e pensionistas é visível, mas também igualmente visível é a acumulação de lucros dos grandes grupos económicos. O Governo tinha que tomar uma opção e tomou-a: ficou do lado daqueles que têm ganho com o aumento do custo de vida. Neste episódio do Megafone foram dissecadas as opções reflectidas no OE, as previsões macroeconómicas e a propaganda adjacente, assim como os condicionamentos a que Portugal está sujeito consequentes da submissão à União Europeia e Euro. Para tudo isto contámos com a participação de Duarte Alves, deputado do PCP à Assembleia da República, José Lourenço, economista, e Paulo Coimbra, também economista. 

O IRC em Portugal é mesmo o "2º mais pesado da OCDE"?

Esta semana, o jornal ECO publicou uma notícia em que se lê que, em Portugal, o imposto sobre as empresas é "o segundo mais elevado entre os 38 países da OCDE", citando dados de dois institutos liberais - o Tax Foundation e o +Liberdade - que apontam para a fraca competitividade fiscal do país. O estatuto editorial do ECO diz que o seu objetivo é "contribuir para uma sociedade informada" e "separar o que interessa do que é dispensável" na análise económica. Se fosse verdade, não tentariam induzir-nos em erro sobre o IRC que a maioria das empresas paga em Portugal.

A taxa geral de IRC em Portugal é de 21%. Convém ter em conta que esta taxa já foi substancialmente reduzida ao longo dos últimos 30 anos, como se observa no gráfico ao lado. Para uma empresa atingir a taxa máxima de IRC, teria de ser sujeita não apenas à derrama municipal, que varia entre 0% e 1,5% consoante o município em questão, como também à derrama estadual, que pode ir dos 3% aos 9% e que se aplica apenas a empresas que apresentem um rendimento coletável superior a €1,5 milhões.

Em 2020, a percentagem de empresas portuguesas com rendimento coletável superior a 1,5 milhões de euros - ou seja, a percentagem de empresas que poderia ser alvo da derrama municipal ou estadual - correspondia a... 0,8% das empresas com coleta registada. É por isso que é útil olhar para a taxa efetiva de IRC, que indica o peso do imposto efetivamente pago no rendimento total das empresas quando se consideram os vários benefícios fiscais. Em 2020, a taxa efetiva de IRC foi de 18,4% - pouco mais de metade da taxa máxima.

Apesar de ser difícil (para não dizer impossível) encontrar uma empresa que pague 31,5% de IRC, há quem argumente que a taxa máxima funciona como desincentivo ao investimento. No entanto, há três aspetos que o desmentem. Por um lado, o que os dados da Autoridade Tributária nos dizem é que algumas grandes empresas chegam a pagar menos do que as médias: nos últimos anos, as empresas com volume de negócios entre €1,5 milhões e €75 milhões pagaram taxas médias efetivas inferiores às que tinham volume de negócios inferiores a €1,5 milhões. Por outro lado, o que não falta em Portugal são isenções e benefícios fiscais para as empresas que decidam investir. Por fim, é muito pouco credível que alguma empresa não invista apenas para não pagar uma taxa de imposto ligeiramente superior, sobre rendimentos muito superiores.

Centrar a discussão na taxa máxima de IRC revela falta de rigor ou de seriedade. Até o instituto citado pelo ECO já confirmou, talvez inadvertidamente, que não há qualquer relação entre estas taxas e o rendimento per capita dos países. Na escolha das fontes de informação, também é preciso separar o que interessa do que é dispensável.

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

A Comissão Europeia já percebeu a nova questão da habitação?


Assumindo que «a crise da habitação está presente em toda a UE», o comissário europeu do Emprego e Direitos Sociais, Nicolas Schmit, afirma serem necessários «investimentos públicos e privados massivos em habitação a preços acessíveis para evitar que as pessoas sejam empurradas para a pobreza», assegurando que a Comissão está disponível para «apoiar os Estados-membros nos seus esforços para proporcionar habitação a preços acessíveis sob forma de várias iniciativas e instrumentos de financiamento». Na linha da tese simplista de que o problema é, apenas, de oferta («falta de casas»), bastando portanto construir mais.

Talvez valesse por isso a pena que o comissário europeu do Emprego e Direitos Sociais se detivesse um pouco sobre a evolução, na última década, do número de famílias (procura) e de alojamentos (oferta). Se o fizesse, constataria que o aumento do número de alojamentos na Europa entre 2011 e 2020 (mais 15 milhões de fogos) foi até superior ao do número de famílias (mais 12 milhões), não sustentando, portanto, a tese da «falta de casas» e, consequentemente, o disparar dos preços da habitação (que aumentam cerca de 25%, muito acima da variação do número de famílias e de alojamentos).

Tudo indica, portanto, que a Comissão Europeia ainda não percebeu que a crise de habitação que hoje atravessa a Europa se explica sobretudo pelo impacto das novas procuras (indissociáveis da intensificação do turismo e de dinâmicas especulativas diversas, que encaram a habitação como um mero «ativo financeiro»). Isto é, investimentos potencialmente inesgotáveis e com os quais as famílias dificilmente podem competir. Investimentos que, a manter-se, têm capacidade de absorver uma parte significativa da nova oferta de alojamentos, impedindo portanto a descida dos preços e mantendo a habitação inacessível para a maioria das famílias.

Em suma, não basta criar programas de «investimentos públicos e privados massivos» na construção de habitação, de resto severamente prejudicados pelas lógicas da austeridade orçamental e monetária europeias. É preciso que a Comissão Europeia considere a adoção de mecanismos de regulação das procuras especulativas, permitindo desde logo que os Estados membros os apliquem. Aliás, não é o próprio comissário europeu que refere que «a regulação da habitação social e a preços acessíveis é uma competência nacional»?

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Solidariedade com o povo palestiniano

O caminho para a paz passa pelo respeito dos direitos do povo palestiniano, com a criação do Estado da Palestina, livre e independente, no cumprimento do direito internacional e das resoluções das Nações Unidas. Meio século depois da guerra colonial, a maior homenagem que podemos prestar aos homens e mulheres que dedicaram as suas vidas a lutar pela emancipação dos povos por todo o mundo não é considerar as suas ações como simples património moral, mas reivindicar hoje o que elas/es reivindicaram durante décadas: a liberdade e o direito à autodeterminação de todos os povos. 

Excerto final do apelo As vidas palestinianas contam! Em apoio e solidariedade com o povo palestiniano, subscrito por centenas de pessoas e que saiu hoje no Público

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Economistas neoliberais nos seus labirintos


«Em termos históricos, a evidência é irrefutável: se os salários reais tivessem acompanhado a produtividade, a parcela de riqueza que remunera o trabalho tinha-se mantido constante. E, na realidade, não é isso que se passa. Se em 1999 (início do euro), a parcela de PIB que remunerava o trabalho se situava em 60%, em 2016 já só representava 51%. E no final de 2022, seis anos mais tarde, e depois de uma muito tímida recuperação, obtida no contexto da pandemia e, entretanto, já em processo de reversão, aquela parcela ronda uns recuados e socialmente injustos 53%.
Neste contexto de distribuição regressiva do rendimento, talvez nem seja assim tão difícil perceber a resistência de Ricardo Reis em admitir o erro. É que o que está em causa é mesmo muito mais do que um simples «lapso», num programa televisivo de comentário político-económico. É a própria capacidade para, respeitando os factos históricos, continuar a justificar uma «economia do pingo» que não pinga. Ou seja, a crença na trickle-down economics, segundo a qual «os grandes devem ter tudo, pois, ao terem tudo, deixam pingar recursos para baixo, para o resto da economia. Se não forem tributados, se puderem amassar o máximo de massa possível, acumularão recursos que depois serão largados na economia.
(...) O que poderá justificar um tão incompreensível afastamento da realidade? A convicção inabalável de que há leis intrínsecas e imutáveis, além de eminentemente técnicas, e por isso alheias às dinâmicas sociais e políticas? Ou estamos perante uma instrumentalização da ciência em defesa dos interesses dominantes, mesmo que tal implique um distanciamento deliberado da realidade?
».

Do artigo publicado no número de outubro do Le Monde Diplomatique - Edição Portuguesa.

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Que economia é que saiu reforçada do programa da Troika?


Em entrevista ao Expresso, Teixeira dos Santos, ex-ministro das Finanças do governo do PS entre 2005 e 2011, disse que “a economia portuguesa saiu reforçada do programa” da Troika. Teixeira dos Santos considera que “era um programa necessário” e que “os sacrifícios não foram em vão”, focando-se num indicador: “a partir de 2012/2013, passamos a ter uma economia com equilíbrio das trocas comerciais externas”, o que seria um sinal de robustez. No entanto, a ideia de que o país beneficiou do programa de austeridade não sobrevive a um confronto sério com os factos.

1. Produto Interno Bruto

Comecemos por olhar para a evolução do PIB. Após o colapso da atividade económica entre 2011 e 2013, houve um curto período em que a economia cresceu ligeiramente acima da média da década anterior à Troika. No entanto, basta recuar um pouco mais no tempo para perceber que as taxas de crescimento da economia portuguesa continuam a ser manifestamente baixas em termos históricos. Na verdade, o crescimento moderado registado nos três anos anteriores à pandemia – e também nos dois anos a seguir à crise pandémica (2021 e 2022) – esconde um desempenho económico desapontante, como veremos.



2. Emprego

A evolução do emprego merece um olhar mais atento. A taxa de desemprego diminuiu de forma expressiva desde o pico que atingiu durante o programa de austeridade. Contudo, se tivermos em conta não apenas o volume de emprego, mas também a sua composição, o cenário é bastante mais negativo: após a vaga de desregulação laboral da Troika, a precariedade alastrou-se no país. Portugal é o 3º país da União Europeia com maior peso de contratos a termo no emprego total. A taxa de pobreza no trabalho – que mede a percentagem de pessoas que, apesar de se encontrarem empregadas, não conseguem sair da pobreza – aumentou ligeiramente, tendo passado de 10,2% em 2011 para 10,7% em 2019.

3. Salários e distribuição do rendimento

A generalização da precariedade teve um impacto inequívoco na distribuição do rendimento. O peso ajustado dos salários no PIB – isto é, a fatia do rendimento produzido em cada ano que é recebida pelos trabalhadores – já vinha a cair desde o início do século e esse processo agravou-se com o programa da Troika. A tendência apenas se inverteu ligeiramente com a reposição de rendimentos durante o período da Geringonça.

A precariedade teve um efeito de compressão dos salários. Um estudo da Comissão Europeia concluiu que existe um diferencial salarial entre contratos precários e permanentes e que este é maior nos países com maior percentagem de precários, como Portugal. Não é, por isso, surpreendente que nos encontremos numa situação em que mais de metade dos trabalhadores recebem menos de 1000 euros, sendo que a percentagem sobe para 65% no caso dos jovens com menos de 30 anos.

Foi a evolução salarial que determinou, em grande medida, o comportamento do saldo da balança comercial após o programa da Troika. Ao contrário do que era pretendido, as exportações mantiveram essencialmente o mesmo ritmo e não beneficiaram da redução dos salários reais no país, mas a forte quebra do poder de compra estrangulou a procura interna e teve como consequência uma redução das importações, o que ajudou a equilibrar o saldo. Na prática, a solução apresentada para o desequilíbrio foi o empobrecimento estrutural do país. Dificilmente se pode considerar um sucesso.

4. Dívida pública

Se olharmos para a dívida pública, o fracasso do programa de austeridade torna-se evidente. Portugal, que tinha um nível de endividamento do Estado semelhante ao da média da Zona Euro antes da crise financeira, viu a sua dívida pública disparar inclusivamente após a aplicação das medidas da Troika, que supostamente se destinavam a combater o “despesismo” e a cortar as “gorduras do Estado”. Ao fim de uma década, o endividamento público continuava a ser superior ao que se registava antes do programa de ajustamento. Voltámos a financiar-nos nos mercados, mas apenas porque o Banco Central Europeu decidiu alterar radicalmente a sua orientação e passar a comprar títulos de dívida nos mercados, o que reduziu os juros e impediu que os países ficassem à mercê das dinâmicas especulativas que se tinham registado antes.

5. Investimento

Até à pandemia, os níveis de investimento na economia portuguesa não regressaram ao valor anterior ao programa de austeridade. O investimento privado começou por cair de forma significativa, em boa medida devido à quebra da procura interna provocada pela erosão dos salários reais, demonstrando novamente os efeitos contraproducentes do programa da Troika. Na verdade, o investimento privado só recuperou após as medidas de reposição de rendimentos que dinamizaram a procura interna no país. Quanto ao investimento público, teve uma quebra acentuada com o programa da Troika e a década seguinte foi marcada por níveis historicamente baixos, chegando a um ponto em que a formação bruta de capital fixo – isto é, o valor investido em obras públicas, equipamentos, I&D, software, etc. – nem sequer é suficiente para compensar o consumo de capital fixo – que mede o que se vai perdendo com o desgaste dessas obras públicas e equipamentos.

6. Produtividade

Além do desempenho negativo do investimento, a economia portuguesa registou também um desempenho mais negativo da produtividade: o crescimento médio anual deste indicador após o programa da Troika foi cerca de metade do que se tinha registado na década anterior. É difícil não associar esta tendência à quebra do investimento público e, em particular, daquilo a que algumas instituições internacionais designam por “despesas amigas do crescimento” – como a despesa em educação, transportes, comunicações, I&D ou proteção ambiental, que costuma ter impactos positivos na inovação e na produtividade da economia.

Além disso, há bons motivos para pensar que o desempenho da produtividade e da inovação das economias tem relação com a natureza da regulação laboral. Alguns estudos que têm sido feitos sobre o desempenho das empresas nos países da Zona Euro apontam para que a capacidade de inovar seja menor em empresas com maior peso de contratos a prazo. Por um lado, trabalhadores com vínculos estáveis têm mais capacidade de adquirir e aplicar conhecimento específico sobre o processo produtivo. Por outro lado, a proteção laboral incentiva as empresas a investir e a apostar na formação dos trabalhadores, promovendo as qualificações e a produtividade. A estagnação da produtividade nos últimos anos não é alheia ao aumento da precariedade.

7. Perfil de especialização produtiva

O desempenho negativo do investimento e da produtividade na década que se seguiu ao programa de ajustamento reflete-se na estrutura produtiva do país. É isso que se percebe quando olhamos para o cabaz de exportações português: o país especializou-se na produção e exportação de bens e serviços pouco sofisticados e de baixo valor acrescentado (assinalados no gráfico ao lado a castanho mais escuro), com destaque para o turismo, o setor que mais cresceu e que tem concentrado boa parte do investimento nos últimos anos.




Portugal foi o país da UE que mais perdeu produção industrial desde 2005. A desindustrialização foi acompanhada de uma especialização da economia em serviços pouco sofisticados, com pouca incorporação de tecnologia e conhecimento e baixa produtividade, tipicamente caracterizados por baixos salários e precariedade. O programa da Troika não só não inverteu, como acentuou esta tendência, ao promover o modelo de crescimento com base em salários baixos e trabalho precário. De resto, desde 2011, Portugal não só não se aproximou dos países da Zona Euro mais avançados, como até perdeu lugares no ranking que mede a sofisticação da sua estrutura produtiva.


Conclusão

É difícil encontrar um indicador que demonstre o sucesso do programa de ajustamento e a maior robustez da economia portuguesa. Pelo contrário, a intervenção da Troika deixou o país com mais dívida pública, menos investimento, pior desempenho da produtividade e maior desigualdade na repartição funcional do rendimento, com uma generalização da precariedade e um aumento da taxa de pobreza no emprego. Além disso, a economia intensificou um padrão de especialização em setores pouco sofisticados e produtivos e assentes em baixos salários, com destaque para o turismo, que tem ainda efeitos perversos sobre os preços da habitação, afetando o poder de compra da população residente. O que saiu reforçado foi o modelo de crescimento assente em baixos salários, com as consequências que conhecemos.

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Até quando a especulação quiser?


«Como sustentar a tese, simplista, de que a questão se resume a um problema de "falta de casas", quando a relação entre famílias e alojamentos se manteve praticamente inalterada nos últimos dez anos? Porque se considera que deveria ter-se construído mais neste período, quando o acréscimo no número de famílias foi, em traços gerais, acompanhado pelo aumento do número de fogos?
A resposta a estas questões reside naquilo que muitos insistem em não querer reconhecer (por razões ideológicas expectáveis): existem hoje novas procuras de habitação, de natureza eminentemente especulativa, que a encaram como um ativo financeiro, um objeto de investimento, e não pela sua função residencial (e, já agora, social).
(...) As políticas de habitação com capacidade para responder a uma crise habitacional como a que estamos a atravessar, tanto à escala nacional como europeia, deverão ir além do reforço do parque habitacional público, que é fundamental, e de instrumentos que mitiguem, no imediato, o impacto da crise.
Isto é, adotando medidas robustas de regulação do mercado, capazes de diferenciar os investimentos orientados para a oferta de habitação a preços compatíveis com os rendimentos das famílias, dos investimentos de natureza rentista e especulativa. Sem esta linha de resposta, apenas resta a esperança de que, por uma qualquer razão, estes investimentos, potencialmente inesgotáveis, deixem o imobiliário e se desloquem para outros domínios.
».

O resto da crónica pode ser lido no Setenta e Quatro.

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Um jornal contra a austeridade perpétua


A perspectiva da austeridade perpétua encontra-se aqui com a do iminente desastre climático. Os que estão sempre prontos, no espaço político e mediático, a criticar as acções e as «propostas irrealistas» dos jovens que lutam por um planeta onde se possa viver deviam dedicar algum tempo a analisar as «soluções» propostas pela Comissão Europeia. Umas são falsas, outras desastrosas.

Sandra Monteiro, Austeridade perpétua?, Le Monde Diplomatique - edição portuguesa, Outubro de 2023.
 

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Expliquem-me, por favor...

 …de onde veio esta ideia de que uma renda tinha de cobrir (e até ultrapassar) o valor da prestação paga pelo senhorio?

@rottenstein1

Isto é: vejo amiúde gente a defender que as rendas não estão assim tão altas, ou podiam até subir, porque se tem assistido a uma subida das prestações (em resultado da subida da Euribor). O raciocínio é algo como: com uma prestação de 500€ e uma renda de 700€ considera-se que a diferença (200€) é o lucro do dito arrendamento. No entanto, contabilisticamente, esta conta não faz o menor sentido.

Em primeiro lugar, a prestação depende de diversos fatores que dependem (quase) exclusivamente do comprador, por exemplo, do número de anos do crédito, da % de capitais próprios investidos na compra do imóvel. Logo por aí, a relação entre prestação e renda deixa de fazer qualquer sentido. Por exemplo, um proprietário pode reduzir o prazo numa ótica de reduzir os custos com o financiamento, mas aumentando a prestação. Da mesma forma, o proprietário pode amortizar grande parte do crédito antecipadamente) ou pode não haver crédito nenhum. Por que razão o valor da prestação há de ser indicativo do que quer que seja?

Em segundo lugar, contabilisticamente, os 500€ da prestação não são uma despesa, mas a soma de uma despesa (com o financiamento, i.e. os juros) mais um investimento (i.e. a amortização). Contabilisticamente significa que os juros são, de facto, uma despesa que sai da riqueza em numerário (que está no ativo) e sai do capital próprio do dito proprietário. Mas a amortização corresponde apenas a transformar um ativo (dinheiro) noutro ativo (o imóvel), bem como passar um passivo (o crédito) para um capital próprio (o mesmo imóvel). 

Há obviamente a possibilidade de haver perdas, isto é, depreciações, e num qualquer negócio isso teria de ser tido em conta para a determinação do preço, mas mais uma vez, isso nada tem a ver com o valor da prestação. 

É claro que em termos de caixa é fácil fazer a conta simples entre saídas e entradas de numerário. Mas isto não é o lucro ou a rentabilidade de um negócio, mas apenas retrata a liquidez de curto prazo do mesmo. Portanto, para se ver se um negócio imobiliário dá lucro tem de se ter em conta: os custos de financiamento, o valor futuro do imóvel, e os restantes custos (de manutenção, gestão, impostos, condomínio). Se a receita for maior do que a soma destes custos há um lucro. Se a receita for menor, há um prejuízo. A prestação não é nada para aqui chamada. 

E mesmo com isto, há mais uma palavra a dizer: se, por algum motivo, os custos do negócio subirem, não é mecânico que tal subida se deva refletir no preço (i.e. renda). Num negócio normal, esse custo é repartido entre empresa e consumidor dependendo das condições do mercado. O risco de perda não é o que usam para justificar o privilégio do lucro? Pois bem. 

Mas eu acho que isto é bem mais do que um mero erro contabilístico. Parece-me claro que este aparente equívoco é, na verdade, apenas um artifício usado por muitos para justificar aumentos desproporcionais de renda num mercado onde se tornou regra esperar enriquecer muito e em pouco tempo. 

É por isso que não bate a bota com a perdigota. No discurso individual, não há senhorio que esteja a ganhar muito dinheiro e são sempre uns pobres coitados. Mas depois, todos sabemos dos aumentos dos preços, aumentos das rendas, e somos obrigados a ouvir falar no grande dinamismo do mercado imobiliário, como bem mostra Nuno Serra aqui

De qualquer forma, tudo isto é apenas mais um argumento para aquilo que já sabemos: direitos de cidadania não deviam sequer estar sujeitos aos desmandos do mercado. E é o Estado que tem de agir, principalmente através da criação de uma oferta pública de habitação a preços acessíveis digna desse nome.


Guerra entre as classes...


Um jornalista do Financial Times dormiu no gabinete de Winston Churchill no War Office, agora transformado em hotel de luxo, depois de uma remodelação de mais de mil milhões de euros. Não pagou entre dezoito e vinte e cinco mil libras por noite, o preço do quarto a partir da semana passada. O porno-riquismo, ou seja, o consumo conspícuo na era das desigualdades pornográficas, vem do centro para a periferia emuladora. 

A economia política do que designa por “bem de Veblen”, dada a sua natureza predominantemente ostentatória, é identificada pelo jornalista quando dá a palavra a um responsável de marketing turístico: “O mercado está a bifurcar, os verdadeiramente ricos ascendem e estão disponíveis para pagar mais, enquanto as classes médias começam a sentir-se espremidas e declinam”. 

É o capitalismo realmente existente, depois de décadas de neoliberalismo por superar.