domingo, 8 de junho de 2025

Contra o liberalismo até dizer chega

Crescimento económico, desemprego historicamente baixo, inflação de 2%, ganhos reais dos salários. Lendo estes indicadores, não parece muito surpreendente a vitória e reforço da votação da Aliança Democrática nas últimas eleições. Afinal, depois de um ano de governo, para quê mudar? Todavia, a surpresa foi o segundo lugar da extrema-direita no Parlamento, que se soma ao reforço da restante direita neoliberal. Corrupção, imigração, ciganofobia e racismo, ubiquidade mediática de André Ventura, ressurgimento internacional da extrema-direita são algumas das explicações já oferecidas há um ano, quase sempre elaboradas de forma isolada. Na verdade, na nova geografia do voto no Chega, embora o voto tenha concentrações nas regiões periurbanas, a homogeneidade geográfica mostra que, provavelmente, o voto obedece a várias motivações sobrepostas. Aqui chegados, importa explicar estes resultados num quadro de mudança estrutural da economia portuguesa, com várias contradições conjunturais, refletidas na degradação da vida dos trabalhadores. 

Depois de um período de estagnação, desindustrialização e aumento do desemprego, Portugal tem beneficiado, desde 2015, de crescimento económico e do emprego só interrompidos pela pandemia de Covid-19. Refletindo o seu carácter semiperiférico na economia internacional, o sucesso foi assente na procura internacional por turismo e nos fluxos de capitais externos. Estes, em busca de rendibilidade, num contexto de baixas taxas de juro, aproveitaram os preços baratos dos ativos nacionais pós-Troika. O peso do turismo no produto interno bruto (PIB) quase duplicou no período entre 2013 (5,4%) e 2023 (9,5%). O emprego disparou 68% no setor de alojamento, restauração e similares no mesmo período. O crescimento do turismo conduziu à recuperação do setor do imobiliário e da construção. O emprego no setor da construção aumentou 40% e nas atividades imobiliárias cresceu 120%. Os preços da habitação mais do que duplicaram de 2015 até 2024. Criou-se, assim, um nexo turismo-imobiliário que comanda a acumulação de capital em Portugal. O dinamismo destes sectores, dependentes do acesso à terra, conduziu à criação de vários tipos de rendas fundiárias. A competição entre capitais faz-se pela captura destas, seja através da sua ampliação direta, investindo (por exemplo, na hotelaria, casinos ou habitação), seja pela aposta especulativa futura, por via de alterações regulatórias ou do investimento público e privado num determinado território. 

Esta dinâmica de acumulação de capital não beneficia apenas o capital estrangeiro. Velhos e novos milionários viram as suas fortunas crescer. Segundo o ranking da revista Forbes, algumas das famílias portuguesas mais ricas do país, investidas no imobiliário e turismo, viram o seu património crescer no período de 2019 a 2024: de 4173 para 5400 milhões de euros na família Amorim; de 1192 para 1770 milhões na família Alves Ribeiro; e de 681 para 1750 milhões na família Pestana. Paralelamente, novos capitalistas, também eles lucrando com o nexo turismo-imobiliário, tornaram-se os principais proprietários de meios de comunicação social, como Mário Ferreira, principal acionista da Media Capital (TVI, CNN Portugal, Rádio Comercial) ou Marco Galinha, principal acionista da Global Media Group (TSF, Diário de Notícias, Jornal de Notícias). Em torno destas fortunas foi também dinamizado um conjunto de atividades «profissionais», desde os escritórios de advocacia até à consultoria, com o surgimento de um novo estrato de «profissionais» qualificados e bem remunerados. A estes somam-se os proprietários de habitação, agora valorizada em determinadas localizações, que também beneficiam deste nexo. 

Se o capital e seus serviçais se recompuseram e reforçaram depois da crise de 2011-2013, o mesmo não aconteceu com a generalidade dos trabalhadores. O emprego cresceu muito nos últimos dez anos, mas, sendo o nexo turismo-imobiliário assente nos baixos salários, os ganhos salariais estiveram quase exclusivamente associados à elevação, em termos reais, do salário mínimo. As sucessivas reformas laborais e consequente progressivo desmantelamento de sindicatos e negociação coletiva impediram um aumento generalizado dos salários ou o reequilíbrio de poder entre trabalhador e patrão, naquilo que são os horários e condições do processo de trabalho. Embora o rendimento bruto nominal do trabalho médio tenha crescido 14% entre 2020 e 2023, puxado pelos aumentos de salário mínimo, o rendimento médio real, descontado da inflação, ficou estagnado, resultando na crescente compressão salarial entre o mínimo e o médio.

Se o professor da Universidade Federal da Bahia não vem até ao blogue, vai o blogue até ele: o resto do artigo, absolutamente a não perder, de Nuno Teles pode ser lido no Le Monde diplomatique - edição portuguesa, em papel ou no site. Assinai, apoiai este projeto cooperativo com mais de um quarto de século.

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