Depois de um período de estagnação, desindustrialização e aumento do desemprego, Portugal tem beneficiado, desde 2015, de crescimento económico e do emprego só interrompidos pela pandemia de Covid-19. Refletindo o seu carácter semiperiférico na economia internacional, o sucesso foi assente na procura internacional por turismo e nos fluxos de capitais externos. Estes, em busca de rendibilidade, num contexto de baixas taxas de juro, aproveitaram os preços baratos dos ativos nacionais pós-Troika. O peso do turismo no produto interno bruto (PIB) quase duplicou no período entre 2013 (5,4%) e 2023 (9,5%). O emprego disparou 68% no setor de alojamento, restauração e similares no mesmo período. O crescimento do turismo conduziu à recuperação do setor do imobiliário e da construção. O emprego no setor da construção aumentou 40% e nas atividades imobiliárias cresceu 120%. Os preços da habitação mais do que duplicaram de 2015 até 2024. Criou-se, assim, um nexo turismo-imobiliário que comanda a acumulação de capital em Portugal. O dinamismo destes sectores, dependentes do acesso à terra, conduziu à criação de vários tipos de rendas fundiárias. A competição entre capitais faz-se pela captura destas, seja através da sua ampliação direta, investindo (por exemplo, na hotelaria, casinos ou habitação), seja pela aposta especulativa futura, por via de alterações regulatórias ou do investimento público e privado num determinado território.
Esta dinâmica de acumulação de capital não beneficia apenas o capital estrangeiro. Velhos e novos milionários viram as suas fortunas crescer. Segundo o ranking da revista Forbes, algumas das famílias portuguesas mais ricas do país, investidas no imobiliário e turismo, viram o seu património crescer no período de 2019 a 2024: de 4173 para 5400 milhões de euros na família Amorim; de 1192 para 1770 milhões na família Alves Ribeiro; e de 681 para 1750 milhões na família Pestana. Paralelamente, novos capitalistas, também eles lucrando com o nexo turismo-imobiliário, tornaram-se os principais proprietários de meios de comunicação social, como Mário Ferreira, principal acionista da Media Capital (TVI, CNN Portugal, Rádio Comercial) ou Marco Galinha, principal acionista da Global Media Group (TSF, Diário de Notícias, Jornal de Notícias). Em torno destas fortunas foi também dinamizado um conjunto de atividades «profissionais», desde os escritórios de advocacia até à consultoria, com o surgimento de um novo estrato de «profissionais» qualificados e bem remunerados. A estes somam-se os proprietários de habitação, agora valorizada em determinadas localizações, que também beneficiam deste nexo.
Se o capital e seus serviçais se recompuseram e reforçaram depois da crise de 2011-2013, o mesmo não aconteceu com a generalidade dos trabalhadores. O emprego cresceu muito nos últimos dez anos, mas, sendo o nexo turismo-imobiliário assente nos baixos salários, os ganhos salariais estiveram quase exclusivamente associados à elevação, em termos reais, do salário mínimo. As sucessivas reformas laborais e consequente progressivo desmantelamento de sindicatos e negociação coletiva impediram um aumento generalizado dos salários ou o reequilíbrio de poder entre trabalhador e patrão, naquilo que são os horários e condições do processo de trabalho. Embora o rendimento bruto nominal do trabalho médio tenha crescido 14% entre 2020 e 2023, puxado pelos aumentos de salário mínimo, o rendimento médio real, descontado da inflação, ficou estagnado, resultando na crescente compressão salarial entre o mínimo e o médio.
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