segunda-feira, 9 de junho de 2025

A mensagem de Ventura é eficaz - e profundamente errada


Hoje vi no Facebook um vídeo incrivelmente eficaz de André Ventura. Parte de uma notícia sobre uma escola em Odivelas (cidade onde cresci) que passou a preparar refeições para crianças muçulmanas. Parte daí para dizer que não temos de nos tornar parecidos com aqueles que para cá vêm viver. Que quem usa as nossas escolas e hospitais tem de se adaptar aos nossos hábitos e à nossa língua. Que os médicos e professores não têm de falar línguas que não sejam a nossa, têm de ser os imigrantes a falar português. E que se não querem, devem voltar para onde vieram.

A mensagem é eficaz porque usa ideias que são intuitivas – como o facto o português ser a nossa língua e não se poder exigir que os cidadãos nacionais abdiquem da sua língua e dos seus hábitos – para promover uma ideia errada – a de quem não tem à partida os mesmos hábitos da maioria não é bem-vindo.

A obrigação da escola pública numa sociedade democrática é garantir que nenhuma criança deixa de se alimentar como deve ser. Quando eu estava a crescer em Odivelas, nas décadas de 1980 e 1990, as cantinas escolares sempre ofereceram refeições diversificadas – chamavam-lhe o prato de dieta. Ninguém era obrigado a comer o prato de dieta. Como hoje ninguém obrigado a comer o prato que os miúdos de famílias muçulmanas – ou que são vegetarianos, ou alérgicos ao glúten, ou qualquer outra coisa – podem comer.

Não sou a favor do multiculturalismo – entendo que a partilha de alguns valores e de uma língua comuns são essenciais à construção de uma verdadeira democracia. Também não acho que a imigração possa ser ilimitada – as sociedades têm de ter condições para proporcionar as melhores condições de educação, saúde, habitação e protecção social a quem as constitui, o que só é possível quando o volume de imigração é acompanhado dos investimentos correspondentes nos serviços públicos.

Mas, sim, acredito que uma sociedade como a portuguesa precisa e precisará de ser renovada com pessoas oriundas de outras geografias e culturas - e que isso não tem de ser um problema. Se formos responsáveis e sensatos, em vez de convidarmos estes cidadãos a regressarem aos locais de origem porque trazem hábitos diferentes dos nossos, investiremos na sua integração plena – promovendo o ensino do português (não só entre crianças e jovens como já fazemos, mas também entre adultos), evitaremos a concentração de populações imigrantes em guetos, e combateremos a precariedade e a exploração laboral de estrangeiros como combatemos a de portugueses.

A mensagem de André Ventura é eficaz e é também profundamente errada. A quem nela não se revê cabe combatê-la todos os dias.

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