A rede elétrica — fulcral para qualquer transformação ecológica, de acordo com o consenso das forças sociais que se concentram em torno das energias renováveis — reflete, por isso, a mesma colonização que outros sistemas infraestruturais sob condições neoliberais: estrutura-se para dar gás a empresas financeirizadas, enquanto estas exigem, a Estados depauperados e sociedades às escuras, que suportem os custos de qualquer investimento adicional que ocorrerá, sem dúvida, sob a égide das únicas entidades hoje capacitadas para mobilizar conhecimento e planear sistemas, a saber, essas mesmas empresas.
Obviamente, houve quem se apressasse a exigir o costumeiro resgate neoliberal em troca da segurança quotidiana: se querem uma rede mais resiliente, os custos adicionais terão de ser suportados pelos consumidores ou pelo orçamento do Estado. E, provavelmente, não será compensador. Um apagão a menos por cada vinte simulações não é compensador. Pelo menos do ponto de vista dos acionistas da EDP: em abril de 2024, a empresa aprovou a distribuição de 812 milhões de euros em dividendos. Até ao fim de maio de 2025, a REN distribuirá mais de 100 milhões. Estes números não incluem a recompra de ações. O apagão não apagou a obrigatoriedade da remuneração do capital investido.
Entretanto, a Agência Internacional para a Energia tem chamado a atenção para a necessidade de se pensar na adaptação das redes elétricas como componente fundamental da segurança energética do futuro. Se o futuro é elétrico, as redes construídas nas últimas décadas precisam de investimento. E a União Europeia, ultimamente ocupada com uma resposta financeira com 800 mil milhões de euros de voltagem à sua (construída) impressão de ameaça militar, já nos ofereceu uma quantificação deste megaprojeto infraestrutural: 584 mil milhões de euros. Resta saber se, mais apagão ou menos apagão, o investimento em infraestruturas críticas passa a ser mais importante do que a despesa em armas acríticas.
Luís Bernardo, Portugal apagado e a União rearmada, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, maio de 2025.
1 comentário:
Entretanto, o "Beobachter" da burguesia indígena faz o seu trabalho de normalizar o "inevitável" apagão impingindo kits aos distraídos. Como diria o anúncio: "apagão, tão natural como o neo liberalismo vende pátrias".
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