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Os impostos sobre as empresas foram um dos temas que dominou o debate do último Orçamento do Estado e voltaram a ter destaque nesta campanha eleitoral. A descida do IRC tem sido apresentada pelo governo como a bala de prata para promover o crescimento em Portugal e foi eleita como prioridade dos próximos anos, caso o governo seja reconduzido nas eleições do próximo fim de semana.
Quando se discute a tributação sobre as empresas, é frequente ouvir-se o argumento de que Portugal tem a taxa estatutária mais alta da União Europeia. Mas a verdade é que é muito difícil - para não dizer impossível - encontrar uma empresa que a pague. Quando olhamos para taxa média efetiva - isto é, a taxa que as empresas pagam efetivamente, depois de descontados os benefícios e deduções -, o valor é muito inferior: em 2023, foi de 18,5%, de acordo com os dados mais recentes da Autoridade Tributária.
As taxas de imposto que as empresas pagam efetivamente não só são bastante mais baixas do que a taxa máxima, como têm vindo a diminuir em praticamente todos os setores da economia nos últimos dez anos. Neste cenário, é difícil argumentar que uma nova redução marginal do IRC tenham um impacto muito expressivo sobre o investimento do setor privado.
Tendo isso em conta, a questão que se coloca é: quem ganha verdadeiramente com a medida? Quando olhamos para os dados da AT sobre a distribuição do IRC liquidado por dimensão das empresas, o que vemos é que mais de metade da receita é paga pelas empresas com volume de negócio superior a 25 milhões de euros, que representam... menos de 1% do tecido empresarial do país.
Além disso, se olharmos para o IRC liquidado por setor de atividade, mais de metade da receita é proveniente de cinco setores: o setor financeiro, o imobiliário, a construção, o alojamento e restauração e o comércio.
Estes dados dizem-nos duas coisas:
1. Uma redução do IRC beneficia de forma desproporcional as grandes empresas;
2. A maior parte dos ganhos concentra-se em setores com pouco potencial para a transformação estrutural da economia e que, com níveis de receita e de lucros avultados nos últimos anos, não precisam de incentivos.
Apesar deste cenário, os defensores da medida costumam argumentar que a redução do IRC permite atrair investimento estrangeiro. Há várias décadas que esta ideia serve de justificação para a corrida para o fundo na tributação das empresas um pouco por todo o mundo e, em especial, nos países europeus, sem que isso tenha impedido a estagnação do investimento no continente.
No entanto, podemos dizer que uma redução do IRC promoveria o crescimento da economia? Um artigo publicado na European Economic Review, onde é feita uma revisão de dezenas de estudos empíricos, mostra que os resultados são inconclusivos: os estudos existentes não nos permitem afirmar que baixar impostos às empresas estimularia necessariamente o crescimento.
Mesmo os estudos mais otimistas, que assumem que as empresas aproveitariam a descida do IRC para reinvestir e aumentar salários - e não para aumentar a distribuição de dividendos -, reconhecem que a medida gera uma perda significativa de receita do Estado, o que é especialmente relevante se tivermos em conta que os estudos empíricos sugerem que o investimento público tende a ter um impacto mais positivo para a economia do que os cortes de impostos.
É um erro olhar para a descida de impostos como a resposta para os problemas de fundo da economia portuguesa. O que sabemos é que as principais beneficiadas desta medida serão as empresas que menos precisam.
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