quinta-feira, 31 de janeiro de 2013
Sin fondo?
O título do editorial do El Pais resume bem a situação económica num país com mais de um quarto da força de trabalho desempregada e que até há pouco era o destino de cerca de um quarto das nossas exportações: “No vemos el fondo”. Lembram-se quando a economia espanhola, movida a tijolo financiado externamente, com os seus superávites orçamentais, baixa dívida pública e bancos internacionalizados era um modelo de disciplina e de adaptação ao euro para os euro-liberais? Bom, afinal era um caso típico dos desequilíbrios gerados pela finança de mercado, num euro feito para a dinamizar, de captura do poder político pela construção e pela finança, com um novo caso de possível financiamento ilegal PP, com relatos de doações que chegam lá mesmo ao topo, a ilustrar uma dimensão de toda uma economia política feita de desigualdades sem fim: “uma pequena elite de 1400 pessoas, que representa 0,0035% da população espanhola, controlava recursos que equivalem a 80,5% do PIB” (Hay alternativas, p. 39). Ainda sem troika, mas já com as suas políticas, até porque o euro ainda é para todos na periferia, sem instrumentos de política dignos de relevo, até quando aguentarão aqui ao lado esta tóxica economia política? Deste lado, a elite da bancarrotocracia, a avaliar, uma vez mais, por Ulrich, aposta que aguentaremos tudo...
quarta-feira, 30 de janeiro de 2013
A importância das palavras
A propósito do alargamento do prazo de pagamento dos empréstimos do FEEF e do MEEF, a secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque, na entrevista que deu ao “Jornal de Negócios”, à pergunta “Como explica que não estamos perante uma reestruturação da dívida ou um novo programa?” respondeu: “Na pureza técnica, é uma reestruturação. Mas como a expressão ‘restruturação’ passou a ter uma conotação negativa, que implica perda para o investidor, é importante salientar que não é disso que se trata.” É fácil perceber porque é que o alargamento dos prazos representa uma perda para o investidor. Os empréstimos do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) apresentam uma maturidade média de 14,6 anos, enquanto os do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeiro (MEEF) apresentam, em média, maturidades de 12,4 anos. Se viermos a obter prolongamento das maturidades para 30 anos, como conseguiu a Grécia, isso significará mais que duplicar as maturidades que tínhamos inicialmente contratualizado. É óbvio que este prolongamento representará perdas para os credores, que por via do efeito acumulado da inflação vão receber, em termos reais, menos que aquilo que emprestaram. É que, ao contrário do que muita gente pensa, o principal destes empréstimos é pago, na sua totalidade, no fim do prazo, e não ao longo tempo, como acontece com os comuns empréstimos à habitação.
Não é para evitar assustar os investidores que a secretária de Estado se recusa a falar em “reestruturação”. Até porque serviria de pouco. Se alguém sabe o que representa o prolongamento dos prazos são precisamente os investidores e os credores. A secretária de Estado foge da palavra, “tecnicamente pura”, porque quer esconder a verdade dos portugueses. Não quer assumir que, num contexto de recessão e austeridade, o nível de dívida pública acaba por se tornar insustentável e por obrigar a “reestruturações”.
(crónica publicada às quartas-feiras no jornal i)
Não é para evitar assustar os investidores que a secretária de Estado se recusa a falar em “reestruturação”. Até porque serviria de pouco. Se alguém sabe o que representa o prolongamento dos prazos são precisamente os investidores e os credores. A secretária de Estado foge da palavra, “tecnicamente pura”, porque quer esconder a verdade dos portugueses. Não quer assumir que, num contexto de recessão e austeridade, o nível de dívida pública acaba por se tornar insustentável e por obrigar a “reestruturações”.
(crónica publicada às quartas-feiras no jornal i)
Outros meios, o mesmo fim
Esta narrativa esbarra num pequeno detalhe, que é o facto de ser totalmente absurda. A última vez que o país foi salvo foi em Junho de 2011. Foi salvo porque não se conseguia financiar nos mercados. O que mudou entretanto? O país teve mais um ano e meio de recessão, a dívida aumentou para 198 mil milhões, o desemprego (registado) para 884 mil e o défice derrapou em 2011 e 2012, sendo sustido apenas por medidas extraordinárias, e mesmo assim acima das previsões iniciais. Hoje, não há nenhum economista sério ou que se leve a sério que seja capaz de dizer que o nosso nível de dívida é sustentável.
Neste contexto, a explicação para uma emissão de dívida a cerca de 4,9% tem de ser outra. Esta é, aliás, fácil de encontrar: a disponibilidade ilimitada do BCE para comprar títulos de dívida pública no mercado secundário. Essa disponibilidade foi concretizada através do programa de OMTs (Transações Monetárias Definitivas, ou diretas, conformes as traduções para português).
As declarações de Draghi a respeito deste programa foram fortes e inequívocas: "O Euro é irreversível". Aparentemente, o triunfalismo e a fanfarronice dos eurocratas aumenta com a degradação da situação económica concreta. De qualquer forma, estas declarações tiveram uma consequência imediata nos mercados de dívida, o que prova que a atuação do BCE pode, de facto, ter um enorme efeito estabilizador.
Mas será esse o caso com este programa? Vejamos o que diz o BCE sobre essa matéria, para lá da propaganda:
"Uma condição necessária para as Transações Monetárias Definitivas é a condicionalidade estrita e efetiva associada a um Programa apropriado do Fundo de Estabilização Financeira Europeu / Mecanismo de Estabilidade Europeu. [...] O envolvimento do FMI também será procurado para a elaboração da condicionalidade específica para cada país e para a monitorização desse programa."
Ou seja, exatamente o que temos tido até agora, sem tirar nem pôr um milímetro. A política económica e orçamental continuará a ser a que produziu os resultados a que estamos a assistir. A única alteração no "programa de ajustamento" será a forma de financiamento: em vez de empréstimos diretos, os países submetidos a este novo programa passarão a ser indiretamente financiados pelo BCE, através da intervenção deste nos mercados secundários de dívida pública.
O que é que isso muda na prática? Em primeiro lugar, o juro médio da nossa dívida irá aumentar. Se considerarmos a estimativa do relatório da Iniciativa para uma Auditoria Cidadã para o juro médio dos empréstimos da Troika (3,4%), a emissão de OTs do dia 23 de Janeiro representa um aumento dos nossos custos de financiamento de cerca de 1,5%. Esta emissão custará cerca de 612,5 milhões em juros durante cinco anos, 187,5 milhões acima do que pagaria com juros ao nível dos da Troika e 518,75 milhões acima do que pagaria com a taxa de juro atualmente praticada pelo BCE.
Estes custos acrescidos poderiam valer a pena se significassem que o país ficava livre para prosseguir uma política de crescimento e combate ao desemprego. Mas não será esse o caso. Se olharmos para a Análise Anual de Crescimento para 2013 apresentada pela Comissão Europeia, o que encontramos é, nada mais, nada menos, do que a mesma conversa estafada sobre disciplina orçamental e confiança, competitividade e reformas estruturais. Se a isto juntarmos as declarações de vários responsáveis europeus, incluindo Mario Draghi, no sentido de que a crise do Euro está a aproximar-se do fim, concluiremos que a política de austeridade é para continuar.
Neste momento, o Governo faz a festa, atira foguetes e apanha as canas. No entanto, infelizmente, o confronto com a realidade não se fará esperar. A continuação da recessão em 2013 continuará a atirar a dívida para valores crescentemente insustentáveis e, agora, com a agravante de a nova dívida que entretanto for emitida ser paga a juros mais elevados.
A "libertação" do país é, assim, uma fraude pura e simples. Como consta do próprio documento sobre as OMT, o BCE terá plenos poderes para interromper ou encerrar o programa se não estiver satisfeito com as políticas implementadas. Uma entidade totalmente independente dos poderes democráticos europeus e dirigida pelos maiores fanáticos da austeridade continuará a determinar o essencial da política económica, com a colaboração entusiástica de um governo de extremistas.
Até, claro, que o país se farte da estratégia do bom aluno. O próximo dia 2 de Março será um momento único para apresentar essa alternativa: a dignidade de um país contra um Governo subalterno e corrupto e uma Eurocracia irresponsável.
Publicado no Esquerda
O Mali aqui tão perto?
“O
sobreendividamento dos anos 1970 serviu de justificação para impor ao Mali uma
reestruturação da dívida. Esta reestruturação foi condicionada a planos de
ajustamento assassinos que impuseram a austeridade na despesa pública, privatizações
e liberalização excessiva durante os anos 1990 e 2000. A França sempre apoiou
esta política predadora, mantendo este país sob a tutela monetária
do Franco CFA, com as suas desvalorizações a serem decididas em Paris.”
De um recomendável dossier
sobre a intervenção francesa no Mali.
terça-feira, 29 de janeiro de 2013
Regresso aos mercados - mais algumas notas
Há uma semana escrevi, a propósito do “regresso aos mercados”, o seguinte: dada a recapitalização da banca portuguesa e o bom negócio que tem sido a compra de dívida pública, “é portanto provável que seja a banca portuguesa a ficar com o grosso da emissão agora anunciada”. Estava errado. O Governo, ao contrário do que é normal, prontificou informação sobre a composição dos agentes financeiros compradores desta emissão, vincando a procura estrangeira.
Partindo da minha errada conjectura das garantias do BCE não serem suficientes para atrair investidores estrangeiros, vale a pena olhar com mais cuidado para o que foi este leilão de dívida portuguesa. Foi prontamente assinalado por alguma imprensa que a procura neste leilão tinha vindo sobretudo de fundos de investimento e “hedge funds”, normalmente associados a apostas mais arriscadas no mercado, por contraponto a fundos de pensões ou a própria banca.
Este artigo do Financial Times, onde o caso português nem sequer entra, sublinha e explica este regresso de capital do exterior para a zona euro, sobretudo para a sua periferia. O artigo aponta o papel do BCE como decisivo para estes novos fluxos financeiros. Nada que já não soubéssemos. O risco de desintegração da zona euro foi, pelo menos no curto prazo, diminuído, sendo o suficiente para, num contexto onde activos financeiros com rentabilidades altas escasseiam, os agentes financeiros com um perfil mais especulativo integrarem dívida dos países periféricos nas suas carteiras de investimento (dívida mais arriscada, mas com maiores taxas de juro). Um investimento com chorudos lucros, como aliás verificámos da experiência da banca portuguesa ao longo do último ano. No entanto, como bem assinala um dos analistas citados pelo FT, este (ainda assim) modesto fluxo de capital, tendo a Europa como destino traduz sobretudo as crenças de curto prazo em mercados financeiros caracterizados pela miopia: “Talvez estejamos ainda a mover-nos em terreno negativo. Isso não interessa. Para os investidores o “momentum” é que importa" (tradução livre).
Aqui chegados, vale a pena voltar à minha conjectura inicial. O BCE pode resolver os problemas de curto prazo de liquidez dos Estados, como este lucrativo "regresso" aos mercados demonstra. Porém, com a actual arquitectura institucional, os problemas de solvabilidade manter-se-ão. Com uma dívida em crescimento, contracção do produto e doses consecutivas de austeridade, o serviço da dívida dos estados será sempre um bloqueio ao crescimento económico da periferia europeia. O caminho para o abismo económico e social continua a ser percorrido.
Partindo da minha errada conjectura das garantias do BCE não serem suficientes para atrair investidores estrangeiros, vale a pena olhar com mais cuidado para o que foi este leilão de dívida portuguesa. Foi prontamente assinalado por alguma imprensa que a procura neste leilão tinha vindo sobretudo de fundos de investimento e “hedge funds”, normalmente associados a apostas mais arriscadas no mercado, por contraponto a fundos de pensões ou a própria banca.
Este artigo do Financial Times, onde o caso português nem sequer entra, sublinha e explica este regresso de capital do exterior para a zona euro, sobretudo para a sua periferia. O artigo aponta o papel do BCE como decisivo para estes novos fluxos financeiros. Nada que já não soubéssemos. O risco de desintegração da zona euro foi, pelo menos no curto prazo, diminuído, sendo o suficiente para, num contexto onde activos financeiros com rentabilidades altas escasseiam, os agentes financeiros com um perfil mais especulativo integrarem dívida dos países periféricos nas suas carteiras de investimento (dívida mais arriscada, mas com maiores taxas de juro). Um investimento com chorudos lucros, como aliás verificámos da experiência da banca portuguesa ao longo do último ano. No entanto, como bem assinala um dos analistas citados pelo FT, este (ainda assim) modesto fluxo de capital, tendo a Europa como destino traduz sobretudo as crenças de curto prazo em mercados financeiros caracterizados pela miopia: “Talvez estejamos ainda a mover-nos em terreno negativo. Isso não interessa. Para os investidores o “momentum” é que importa" (tradução livre).
Aqui chegados, vale a pena voltar à minha conjectura inicial. O BCE pode resolver os problemas de curto prazo de liquidez dos Estados, como este lucrativo "regresso" aos mercados demonstra. Porém, com a actual arquitectura institucional, os problemas de solvabilidade manter-se-ão. Com uma dívida em crescimento, contracção do produto e doses consecutivas de austeridade, o serviço da dívida dos estados será sempre um bloqueio ao crescimento económico da periferia europeia. O caminho para o abismo económico e social continua a ser percorrido.
Entranhamentos
“Estou seguro de que se exagera extremamente as forças dos interesses adquiridos quando comparada com o gradual entranhamento das ideias.” Talvez Keynes exagerasse, mas talvez devamos agir como se estivesse certo. O editorial de apresentação da nova Review of Keynesian Economics enfatiza precisamente a importância da interacção entre ideias e políticas: “As consequências do regresso da macroeconomia clássica foram enormes. Para a sociedade implicaram uma era de domínio neoliberal sobre as políticas, que contribuiu para a estagnação salarial e para a desigualdade de rendimentos maciça, em grande medida responsável pela Grande Recessão e pela perspectiva de estagnação. A teoria económica e a política andam de mão dadas, com a teoria a reforçar a política e a política a reforçar a teoria”. O primeiro número está disponível gratuitamente e contém artigos, entre outros, sobre a austeridade, em particular na zona euro, a política orçamental orientada para o pleno emprego no mundo real ou os efeitos macroeconómicos das desigualdades.
Outras ideias, altamente complementares em relação às keynesianas sem abastardamentos, que têm de se entranhar mais são as a da chamada economia política internacional crítica – a que insiste em falar de poder, classes, suas fracções, lutas, alianças e projectos hegemónicos –, em particular na área dos estudos sobre a integração europeia, até há pouco dominada por abordagens panglossianas, ou não fosse a Comissão um agente importante aqui, e onde a actual crise sistémica é coisa embaraçosa. Magnus Ryner e Alan Cafruny, por exemplo, há vários anos que vêm desenvolvendo um trabalho crítico importante, que está sintetizado num artigo desta revista, sobre uma crise em desenvolvimento, graças aos poderes que construíram uma arquitectura disfuncional, mas feita para garantir todas as vitórias de classe.
Outras ideias, altamente complementares em relação às keynesianas sem abastardamentos, que têm de se entranhar mais são as a da chamada economia política internacional crítica – a que insiste em falar de poder, classes, suas fracções, lutas, alianças e projectos hegemónicos –, em particular na área dos estudos sobre a integração europeia, até há pouco dominada por abordagens panglossianas, ou não fosse a Comissão um agente importante aqui, e onde a actual crise sistémica é coisa embaraçosa. Magnus Ryner e Alan Cafruny, por exemplo, há vários anos que vêm desenvolvendo um trabalho crítico importante, que está sintetizado num artigo desta revista, sobre uma crise em desenvolvimento, graças aos poderes que construíram uma arquitectura disfuncional, mas feita para garantir todas as vitórias de classe.
É, basicamente, isto
«Não é a austeridade que dá confiança aos mercados, os mercados querem é saber que não vão perder dinheiro».
(da entrevista de Catarina Martins ao «i», no passado sábado).
(da entrevista de Catarina Martins ao «i», no passado sábado).
segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
Uma boa imagem
sábado, 26 de janeiro de 2013
Sucessos
A entrevista à secretária de estado Maria Luísa Albuquerque – “trabalha 15 horas por dia, um pouco menos aos sábados e domingos”, “tem-nos habituado a intervenções claras, concisas e assertivas”, etc. – feita ontem pelo Negócios reflecte a sabedoria económica convencional depois da “ida aos mercados”: “este sucesso não é uma enorme responsabilidade?”. As outras perguntas não são muito mais desafiadoras. É a própria secretária de estado que tem de colocar alguma água na fervura jornalística. A ideia central é clara: “sem manter a austeridade este sucesso desaparece.” Sem austeridade não há recessão e sem recessão não há aumento de desemprego e sem desemprego de massas não há quebras de salários e do consumo e sem quebras de consumo, e já agora do investimento, que continua a colapsar, não há reequilíbrio na balança corrente neste euro. Um combinado sucesso periférico, aliás, como este gráfico ilustra.
Entretanto, sobre a crise que realmente se aprofunda numa Zona Euro que aprofunda o desenvolvimento desigual (os choques assimétricos, como os economistas convencionais gostam de dizer), leiam este artigo no Vox. Cheguei a ele via Jorge Costa, agora no Insurgente. Apesar de dar marginalmente para o peditório da flexibilidade de preços, na linha da literatura sobre zonas monetárias óptimas, curiosamente o argumento central do artigo não corrobora em nada as previsíveis observações iniciais de Costa: os EUA, ao contrário da Zona Euro, já saíram da crise, graças ao uso muito mais aguerrido da política orçamental e monetária, as duas têm de andar de mão dada. Uma ideia keynesiana, perigosamente socialista, para entrar no universo insurgente, embora não seja keynesiano quem quer, mas sim quem pode, quem tem soberania monetária. Bom, a verdade é que os EUA são os Estados Unidos da América, o que significa que existe redistribuição entre Estados, e Estados Unidos da Europa é coisa que esta aberração monetária nunca será.
sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
Leituras
«O regresso aos mercados não é o resultado da lucidez e sagacidade do Governo português. A lucidez, neste caso, tem perna curta: aceder aos mercados é uma das condições fixadas pelo BCE em setembro para a dívida de um Estado ser suscetível de compra pelo banco. O que o Governo agora anuncia com pompa como sendo uma vitória sua não é afinal mais do que um requisito de uma política europeia que o mesmo Governo sempre combateu. (...) Portugal regressou aos mercados no mesmo dia em que o Eurostat tornou público que a dívida pública portuguesa atingiu o seu valor mais alto de sempre. Do segundo para o terceiro trimestre de 2012, a dívida passou de 117,4% para 120,3% do PIB, sendo a terceira mais elevada da UE, a seguir à Grécia e à Itália. »
José Manuel Pureza, «Adeus até ao meu regresso (aos mercados)»
«Exemplo recente 1: O sector público era minoritário na dívida total portuguesa em 2007, correspondia a 25,3%. Note-se: com a crise (tendo injectado já 5,6 mil milhões de euros no BCP, BPI, CGD e Banif e outro tanto nos casos BPN e BPP) essa proporção aumentou para cerca de 35%, notavelmente ainda uma componente minoritária do nosso problema com a dívida total.
Exemplo recente 2: as despesas com protecção social sempre estiveram abaixo da média da UE-15. Note-se: os apoios às famílias e aos desempregados têm-se reduzido em plena crise, Portugal tinha em 2012 gastos sociais 3% menores em termos reais que em 2007. No meio de tudo isto qual a prioridade do Governo? Encomendar ao FMI (e agora à OCDE) textos para os quais fornece as opiniões, os dados, e as recomendações de proposta.»
Sandro Mendonça, «O (det)Estado Social»
«Foi justamente aqui que começou a notável encenação em três actos que o Governo montou esta semana para fazer passar a sua nova narrativa. O enredo é claro: Portugal, graças à política de austeridade do Governo e aos sacrifícios dos portugueses, está a cumprir as metas do programa de ajustamento; é porque está a cumprir que teve agora condições para pedir e beneficiar de mais tempo no pagamento da dívida contraída junto da ‘troika' e é também porque está a cumprir que conseguiu o regresso antecipado aos mercados. Em suma, tudo valeu a pena. Não é que esta história não tenha a beleza das coisas simples e até o encanto do final feliz - mas tem um pequeno problema: não é verdade. Não passa de uma encenação, sem qualquer correspondência com a vida real.»
Pedro Silva Pereira, «A encenação»
José Manuel Pureza, «Adeus até ao meu regresso (aos mercados)»
«Exemplo recente 1: O sector público era minoritário na dívida total portuguesa em 2007, correspondia a 25,3%. Note-se: com a crise (tendo injectado já 5,6 mil milhões de euros no BCP, BPI, CGD e Banif e outro tanto nos casos BPN e BPP) essa proporção aumentou para cerca de 35%, notavelmente ainda uma componente minoritária do nosso problema com a dívida total.
Exemplo recente 2: as despesas com protecção social sempre estiveram abaixo da média da UE-15. Note-se: os apoios às famílias e aos desempregados têm-se reduzido em plena crise, Portugal tinha em 2012 gastos sociais 3% menores em termos reais que em 2007. No meio de tudo isto qual a prioridade do Governo? Encomendar ao FMI (e agora à OCDE) textos para os quais fornece as opiniões, os dados, e as recomendações de proposta.»
Sandro Mendonça, «O (det)Estado Social»
Pedro Silva Pereira, «A encenação»
Hoje
Esta lei propõe mecanismos simples que enfrentam as situações mais comuns de precariedade: os falsos recibos verdes, a contratação a prazo para funções permanentes e o recurso abusivo ao trabalho temporário.
Esta iniciativa demonstra que há alternativas à precariedade e ao desemprego e uma clara vontade popular para que sejam implementadas. Num momento em que se tenta convencer o conjunto da população que não existe alternativa ao desastre social, nunca foi tão importante combater a precariedade e o desemprego. Esta é uma escolha de sociedade e do futuro. É com esta força que a Lei Contra a Precariedade confronta o parlamento. A força dos cidadãos pode ser lei.»
quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
Até que o soberano se pronuncie
O nosso ministro das Finanças declarou em Bruxelas que Portugal é um país “que cumpriu e que cumpre” os seus compromissos do programa de ajustamento, e que a “forte capacidade de execução” permite que o país esteja agora “prestes a poder realizar emissões no mercado primário de obrigações”. “O facto de o Tesouro português recuperar o seu acesso ao mercado de obrigações permite que os bancos portugueses e as grandes empresas portuguesas possam também elas beneficiar desse acesso ao mercado”, e tal é “um impulso decisivo para a recuperação da actividade da economia em geral e do investimento em particular”.
Como era de esperar, estas declarações foram acriticamente recebidas pelos jornalistas dos negócios e pelos comentadores dos telejornais. Como qualquer cidadão minimamente informado sabe, Portugal falhou estrondosamente os objectivos da chamada “consolidação orçamental” e, no caso de 2012, além de ter aumentado o valor do objectivo para o défice, tratou de vender apressadamente uma empresa pública (ANA) para poder registar parte do encaixe como receita corrente. Hoje a própria troika admite que as metas orçamentais de 2013 também estão em risco. Por conseguinte, estas declarações só podem fazer parte de uma manobra de diversão, do governo e dos credores. Não podendo reconhecer que a destruição do tecido produtivo e social produzida pela desvalorização interna em curso falhou os objectivos anunciados, martelam agora a mente dos cidadãos com a retórica do sucesso nas reformas do mercado de trabalho, na redução das transferências sociais, nos primeiros passos do processo de reconversão da sociedade portuguesa numa sociedade de salários (ainda mais) baixos e dotada de um Estado assistencialista. É esta a nova meta, mas estão com medo. E se o povo português, o soberano, decidir pronunciar-se em tempo útil sobre esta via para o subdesenvolvimento?
Face ao estrondoso, mas previsível, fracasso desta política económica, há quem no seio da troika esteja aberto ao adiamento do reembolso da nossa dívida oficial. Sabem que a economia portuguesa não vai crescer e portanto gerar excedentes orçamentais para estabilizar uma dívida pública que já vai nos 120% do PIB. Aproximando-se o início dos reembolsos à troika (entre 2014 e 2016), só resta reciclar esta dívida, ou seja, pagá-la com a receita da venda de novos títulos vendidos nos mercados financeiros (bancos, seguradoras, fundos de pensões, fundos soberanos, etc.) a uma taxa de juro suportável. É a isto que se chama “regressar aos mercados”. Porém, sabendo que a dívida a reciclar é volumosa, e sabendo também que o país entrou numa espiral recessiva que se encaminha para uma depressão (desemprego a explodir e taxa de inflação a descer), o ministro das Finanças quer adiar esse momento da verdade. Entretanto, vai fazendo testes de emissão de dívida, de pequeno montante, no contexto da acalmia imposta pelo BCE. Resta saber quem vai financiar os défices orçamentais após 2013. Se os mercados ainda não estão preparados, e não vão estar enquanto a economia estiver deprimida, continuará a troika disponível para o fazer? E a que preço?
O ministro das Finanças acredita que as taxas de juro mais baixas dão “um impulso decisivo à recuperação da actividade da economia”, mas a sua teoria está errada. Mesmo com taxas de juro baixas, nenhum empresário investe se não tem encomendas. A teoria económica keynesiana diz-nos que temos uma crise da procura, pelo que só com programas públicos de investimento, de criação directa de emprego e de redistribuição do rendimento se tira a economia deste buraco e se reduz o peso da dívida pública. O que é incompatível com a permanência na zona euro. Mas o ministro e os seus amigos de Bruxelas e Frankfurt preferem acreditar na fada da confiança. Por isso se agarram a precários sucessos nos mercados financeiros. Até ao dia em que o soberano se pronuncie.
(O meu artigo no jornal i)
Escrutínios há muitos
Fala-se muito da ausência de alternativas. Pois bem, o que é que faz a generalidade da comunicação social quando surge um documento como este? Corrijam-me se estiver enganado, mas julgo que o relatório produzido pela Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida foi recebido com estrepitoso silêncio. E, no entanto, trata-se de um documento com mais de cem páginas (isto talvez possa explicar o atraso no escrutínio, espero), que apresenta uma “narrativa” clara, como agora se diz, das origens da crise da dívida externa que não é soberana e da captura do Estado por vários interesses e que contém um roteiro para uma reestruturação séria e a sério da dívida.
Coisas certamente de pouco interesse, muito menos agora que Portugal começa a regressar aos “mercados”. Na realidade, o país continua entre a parede da condicionalidade austeritária, seja por via da troika ou futuramente “apenas” do BCE/CE e a espada de fundos especulativos, agora temporariamente eufóricos com as garantias dadas pela tal parede política pós-democrática que, à escala da zona euro, é absolutamente determinante na formação de convenções financeiras. Há um detalhe que ameaça esta nova convenção: a abismal diferença entre taxas de juro positivas e um PIB em contracção intensa não mudou e garante que a reestruturação da dívida e tudo o que se lhe segue continuam a ser de um rematado realismo. Por agora, a austeridade recessiva e regressiva consolida-se, até porque se difunde a ideia de “que há quem tenha tido confiança na recuperação económica e financeira pelo caminho da austeridade que estamos a seguir” (Helena Garrido).
Ao contrário do que li ontem, a recuperação da soberania não está obviamente mais próxima, bem pelo contrário: basta olhar para Espanha, com uma taxa de desemprego recorde de 26,6% sem troika, mas com toda a austeridade, basta olhar para toda a estrutura de constrangimentos de uma moeda feita à medida do desenvolvimento do subdesenvolvimento periférico e em que as elites europeias continuam a apostar, garantindo todas as vitórias políticas do projecto ideológico de Gaspar e seus aliados na finança e nos grandes grupos económicos. De resto, pelo menos numa coisa concordo com Garrido: “Portugal vai ser agora ainda mais escrutinado do que no seu passado recente”, se por escrutinado entendermos condicionado e comandado pelo exterior e por aqueles que por aqui servem de sua correia de transmissão. A política interna da periferia é determinada externamente, embora os hábitos de pensamento ainda não tenham integrado inteiramente uma dimensão que, se não resolutamente enfrentada, nos garante derrotas sem fim. No fundo, na periferia nada de novo.
Coisas certamente de pouco interesse, muito menos agora que Portugal começa a regressar aos “mercados”. Na realidade, o país continua entre a parede da condicionalidade austeritária, seja por via da troika ou futuramente “apenas” do BCE/CE e a espada de fundos especulativos, agora temporariamente eufóricos com as garantias dadas pela tal parede política pós-democrática que, à escala da zona euro, é absolutamente determinante na formação de convenções financeiras. Há um detalhe que ameaça esta nova convenção: a abismal diferença entre taxas de juro positivas e um PIB em contracção intensa não mudou e garante que a reestruturação da dívida e tudo o que se lhe segue continuam a ser de um rematado realismo. Por agora, a austeridade recessiva e regressiva consolida-se, até porque se difunde a ideia de “que há quem tenha tido confiança na recuperação económica e financeira pelo caminho da austeridade que estamos a seguir” (Helena Garrido).
Ao contrário do que li ontem, a recuperação da soberania não está obviamente mais próxima, bem pelo contrário: basta olhar para Espanha, com uma taxa de desemprego recorde de 26,6% sem troika, mas com toda a austeridade, basta olhar para toda a estrutura de constrangimentos de uma moeda feita à medida do desenvolvimento do subdesenvolvimento periférico e em que as elites europeias continuam a apostar, garantindo todas as vitórias políticas do projecto ideológico de Gaspar e seus aliados na finança e nos grandes grupos económicos. De resto, pelo menos numa coisa concordo com Garrido: “Portugal vai ser agora ainda mais escrutinado do que no seu passado recente”, se por escrutinado entendermos condicionado e comandado pelo exterior e por aqueles que por aqui servem de sua correia de transmissão. A política interna da periferia é determinada externamente, embora os hábitos de pensamento ainda não tenham integrado inteiramente uma dimensão que, se não resolutamente enfrentada, nos garante derrotas sem fim. No fundo, na periferia nada de novo.
quarta-feira, 23 de janeiro de 2013
Regresso aos mercados
O ministro das Finanças de Portugal, Vítor Gaspar, pediu aos ministros das Finanças dos 27 países da União Europeia uma extensão dos prazos dos empréstimos assegurados pelo Fundo Europeu de Estabilização Financeira. A Comissão Europeia e o Eurogrupo preparam-se para aceitar o pedido de prolongamento dos prazos de empréstimos que venceriam entre 2014 e 2016.
Desta forma conseguir-se-á reduzir a elevada concentração de refinanciamentos previstos para esses três anos e facilitar o regresso aos mercados. O governo tem assentado a sua narrativa no sucesso da sua governação no regresso aos mercados e na saída da troika do nosso país. Primeiro importa lembrar que a possibilidade de o país regressar aos mercados para obter financiamento em nada se fica a dever ao trabalho do governo português.
Ficará a dever-se, exclusivamente, ao novo papel que o BCE decidiu assumir, na senda daquilo que foi sempre defendido pelo Partido Socialista mas nunca pelo governo PSD/CDS. Foi apenas a decisão e o anúncio do BCE da sua intenção de comprar títulos de dívida pública no mercado secundário que retirou pressão sobre as taxas de juro cobradas aos países em dificuldades. E será essa mesma decisão do BCE que permitirá o regresso aos mercados a taxas de juro mais baixas que as cobradas nas vésperas do pedido de resgate financeiro.
Segundo, importa também lembrar que o BCE só apoiará o regresso aos mercados mediante condições. O que isto quer dizer é que a receita da troika continuará a ser implementada em Portugal, mesmo depois de ela se ter ido embora. Olhemos para Espanha. Tem-se financiado nos mercados, não tem a troika fisicamente presente, mas está igualmente afundada numa austeridade imposta de fora. O país pode regressar aos mercados e a troika ir-se embora, mas isso não significar nada no que ao fim da austeridade e da espiral recessiva diz respeito.
(crónica publicada às quartas-feiras no jornal i)
Desta forma conseguir-se-á reduzir a elevada concentração de refinanciamentos previstos para esses três anos e facilitar o regresso aos mercados. O governo tem assentado a sua narrativa no sucesso da sua governação no regresso aos mercados e na saída da troika do nosso país. Primeiro importa lembrar que a possibilidade de o país regressar aos mercados para obter financiamento em nada se fica a dever ao trabalho do governo português.
Ficará a dever-se, exclusivamente, ao novo papel que o BCE decidiu assumir, na senda daquilo que foi sempre defendido pelo Partido Socialista mas nunca pelo governo PSD/CDS. Foi apenas a decisão e o anúncio do BCE da sua intenção de comprar títulos de dívida pública no mercado secundário que retirou pressão sobre as taxas de juro cobradas aos países em dificuldades. E será essa mesma decisão do BCE que permitirá o regresso aos mercados a taxas de juro mais baixas que as cobradas nas vésperas do pedido de resgate financeiro.
Segundo, importa também lembrar que o BCE só apoiará o regresso aos mercados mediante condições. O que isto quer dizer é que a receita da troika continuará a ser implementada em Portugal, mesmo depois de ela se ter ido embora. Olhemos para Espanha. Tem-se financiado nos mercados, não tem a troika fisicamente presente, mas está igualmente afundada numa austeridade imposta de fora. O país pode regressar aos mercados e a troika ir-se embora, mas isso não significar nada no que ao fim da austeridade e da espiral recessiva diz respeito.
(crónica publicada às quartas-feiras no jornal i)
terça-feira, 22 de janeiro de 2013
O Estado português regressa aos mercados. Bem-vindos ao segundo resgate da troika.
O regresso aos mercados não assinala o fim da intervenção da
troika em Portugal? Confuso? Não é para menos. É nesta confusão que o
Governo joga as suas fichas. Portugal prepara-se para regressar ao
financiamento dos mercados através de uma emissão de obrigações a cinco anos. O
Estado recapitalizou a banca nacional com o empréstimo da troika, com o
compromisso, explícito no caso do Banif, de a banca comprar dívida pública portuguesa.
É portanto provável que seja a banca portuguesa a ficar com o grosso da emissão
agora anunciada.
Que importa que seja a banca portuguesa a comprar? O que interessa é livrar-nos do financiamento e da austeridade da troika. Aliás, é excelente para a nossa economia que se dê uma substituição dos credores estrangeiros por domésticos (o serviço da dívida deixa de ser uma sangria de rendimento para o exterior). Pois. No entanto, se a banca portuguesa pode substituir os agentes estrangeiros em algumas emissões, duvido que tenha arcaboiço para aguentar o exigente calendário de obrigações a refinanciar nos próximos três anos, mesmo com as facilidades de liquidez do BCE. Aparentemente, não sou o único a duvidar se tivermos em conta a extensão das maturidades do financiamento europeu também hoje anunciada.
Mas então isto não passa de uma vã manobra de diversão para enganar os mercados financeiros? Também não. O que o governo português consegue com esta jogada é obedecer a uma das condições fixadas pelo BCE para as operações de compra de dívida comunicada em Setembro. O BCE só compra títulos de dívida pública de um determinado país se este tiver efectivo acesso aos mercados. Ora, é exactamente isso que Portugal poderá agora apresentar em Frankfurt. Posto de forma muito simples, com o apoio do BCE, a banca portuguesa poderá comprar dívida, vendê-la ao BCE e em seguida comprar mais dívida ao Estado.
Portugal continuará a estar dependente de financiamento oficial, desta feita de um dos elementos da troika, mas agora não haverá memorando nenhum a cumprir. Teremos financiamento sem austeridade? Não. As operações anunciadas pelo BCE estabelecem explicitamente condicionalidade aos países “ajudados”, no quadro do FEEF e do FMI. Trocado por miúdos, teremos novo financiamento associado a nova austeridade desenhada pela troika. Bem-vindos ao segundo resgate.
Que importa que seja a banca portuguesa a comprar? O que interessa é livrar-nos do financiamento e da austeridade da troika. Aliás, é excelente para a nossa economia que se dê uma substituição dos credores estrangeiros por domésticos (o serviço da dívida deixa de ser uma sangria de rendimento para o exterior). Pois. No entanto, se a banca portuguesa pode substituir os agentes estrangeiros em algumas emissões, duvido que tenha arcaboiço para aguentar o exigente calendário de obrigações a refinanciar nos próximos três anos, mesmo com as facilidades de liquidez do BCE. Aparentemente, não sou o único a duvidar se tivermos em conta a extensão das maturidades do financiamento europeu também hoje anunciada.
Mas então isto não passa de uma vã manobra de diversão para enganar os mercados financeiros? Também não. O que o governo português consegue com esta jogada é obedecer a uma das condições fixadas pelo BCE para as operações de compra de dívida comunicada em Setembro. O BCE só compra títulos de dívida pública de um determinado país se este tiver efectivo acesso aos mercados. Ora, é exactamente isso que Portugal poderá agora apresentar em Frankfurt. Posto de forma muito simples, com o apoio do BCE, a banca portuguesa poderá comprar dívida, vendê-la ao BCE e em seguida comprar mais dívida ao Estado.
Portugal continuará a estar dependente de financiamento oficial, desta feita de um dos elementos da troika, mas agora não haverá memorando nenhum a cumprir. Teremos financiamento sem austeridade? Não. As operações anunciadas pelo BCE estabelecem explicitamente condicionalidade aos países “ajudados”, no quadro do FEEF e do FMI. Trocado por miúdos, teremos novo financiamento associado a nova austeridade desenhada pela troika. Bem-vindos ao segundo resgate.
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
Frentes
O historiador britânico Perry Anderson recorda que no Congresso de Viena, em 1815, se verificou uma concertação entre cinco potências (França, Reino Unido, Rússia, Áustria e Prússia) para prevenir a guerra e esmagar as revoluções. A seu ver, a ordem mundial está agora a ser governada por uma nova «pentarquia» informal, que reúne os Estados Unidos, a União Europeia, a Rússia, a China e a Índia. Esta Santa Aliança conservadora, constituída por potências rivais e cúmplices, sonha com estabilidade. Mas o mundo que ela está a construir garante que vão ocorrer novos sobressaltos económicos. E vai alimentar, faça ela o que fizer, as próximas revoltas sociais.
Serge Halimi, Frente antipopular
No ano que agora começa, o «Basta!» que invadiu as ruas em 2012 e mostrou o crescimento da revolta social vai continuar a recusar um programa de empobrecimento e subdesenvolvimento do país, mas vai traduzir também a rejeição de um programa que nunca perdura para sempre: desprezar os povos, tomá-los por parvos. É este duplo «Basta!» que tem de ser inscrito em qualquer solução governativa futura que seja uma verdadeira mudança.
Sandra Monteiro, Descartáveis ou sujeitos de mudança?
Para além de artigos sobre serviço público de televisão ou sobre corrupção, destaque na edição deste mês, no quadro de um dossiê sobre avaliação de políticas públicas, para a desmontagem que o Nuno Serra efectua, no seguimento deste poste, de um estudo encomendado pela fundação pingo doce, e que a comunicação social difundiu sem qualquer escrutínio crítico, para legitimar a criação de ainda mais iníquas barreiras monetárias no acesso ao ensino superior.
Serge Halimi, Frente antipopular
No ano que agora começa, o «Basta!» que invadiu as ruas em 2012 e mostrou o crescimento da revolta social vai continuar a recusar um programa de empobrecimento e subdesenvolvimento do país, mas vai traduzir também a rejeição de um programa que nunca perdura para sempre: desprezar os povos, tomá-los por parvos. É este duplo «Basta!» que tem de ser inscrito em qualquer solução governativa futura que seja uma verdadeira mudança.
Sandra Monteiro, Descartáveis ou sujeitos de mudança?
Para além de artigos sobre serviço público de televisão ou sobre corrupção, destaque na edição deste mês, no quadro de um dossiê sobre avaliação de políticas públicas, para a desmontagem que o Nuno Serra efectua, no seguimento deste poste, de um estudo encomendado pela fundação pingo doce, e que a comunicação social difundiu sem qualquer escrutínio crítico, para legitimar a criação de ainda mais iníquas barreiras monetárias no acesso ao ensino superior.
Concurso de blogues do Aventar
Graças à escolha dos seus leitores - que muito nos honra e nos incentiva a continuar - o «Ladrões de Bicicletas» ficou entre os cinco blogues de Economia mais votados na primeira fase do concurso promovido pelo «Aventar».
Vamos assim bem acompanhados, com o «Economia e Finanças», «Má Despesa Pública», «Poupar Melhor» e «Pedro Lains», para a segunda fase, que decorre até ao próximo sábado, dia 26 de Janeiro. No dia 27 serão conhecidos os resultados finais em todas as categorias do concurso.
Vamos assim bem acompanhados, com o «Economia e Finanças», «Má Despesa Pública», «Poupar Melhor» e «Pedro Lains», para a segunda fase, que decorre até ao próximo sábado, dia 26 de Janeiro. No dia 27 serão conhecidos os resultados finais em todas as categorias do concurso.
domingo, 20 de janeiro de 2013
Enviesamentos
Esta semana ficámos a saber que um dos co-autores da fraude que não é sobre Portugal, também conhecida por relatório do FMI, e que por sinal foi autor do programa económico de Zapatero, faz campanha contra a austeridade nas horas livres. Qual é a surpresa? A Comissão Europeia, ou melhor a sua direcção-geral de emprego, assuntos sociais e inclusão, também fez um estudo detalhado, onde conclui que a austeridade leva, olha a surpresa, a uma compressão da procura agregada e que não há nada que faça mais pela destruição de emprego, ao mesmo tempo que se cava um fosso entre centro e periferia, o tal desenvolvimento desigual. O próprio FMI é conhecido por rever em alta os multiplicadores orçamentais: agora, por cada euro de austeridade, a economia pode cair até 1,7 euros, o que faz com que a economia portuguesa, só devido ao corte adicional de 4000 milhões de euros a que estamos “condenados”, a expressão é de Passos, possa dar um tombo adicional de 4% do PIB, segundo Eugénio Rosa. Só o BCE, por sinal a instituição mais poderosa das três, insiste em negar que a realidade tem um enviesamento keynesiano, para retomar Krugman, ao nível macroeconómico, embora BCE, Comissão e FMI mantenham o enviesamento anti-keynesiano nas políticas, o que aliás está na sua natureza. De resto, é cada vez mais claro qual é o objectivo destas políticas: “O horror que está diante dos nossos olhos é a ruina social. A estratégia europeia face à crise consiste em partir a espinha à resistência dos trabalhadores aos cortes salariais, deixando que o desemprego exploda. É nisto que consistem as ‘desvalorizações internas’. E isto causa repulsa.” Quem escreveu isto não escreve por aqui, mas sim num jornal conservador britânico: vale a pena seguir Ambrose
Evans-Prichard, comentador económico do Daily Telegraph. Parece que a realidade também tem uns enviesamentos marxistas...
sábado, 19 de janeiro de 2013
Hoje
No Instituto Franco-Português (Av. Luís Bívar, 91, em Lisboa), o Primeiro Encontro Nacional da Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida: «Crises não pagam dívidas». O Relatório Preliminar, que será apresentado e discutido neste encontro, pode ser descarregado aqui.
Adenda: Os trabalhos podem ser acompanhados em directo na página da IAC.
sexta-feira, 18 de janeiro de 2013
O milagre da descida dos juros
Os gráficos falam por si (e comparam a evolução dos juros da dívida a dez anos em Portugal, na Espanha, na Itália e na Grécia - clicar na imagem para ampliar). Mas não deixem de ler o notável post no Aspirina B, que os colige.
Como é possível tamanha sincronia entre países que passam a vida a dizer que não têm nada que ver uns com os outros? A explicação está basicamente aqui. Mas não se iludam, pois isto está muito longe de poder significar o fim da crise.
Nem a emigrarem, nem a sairem da «zona de conforto»
Claro que não. Apenas há um ano atrás o primeiro-ministro «aconselhava os professores a «abandonarem a sua zona de conforto e a procurarem emprego noutro sítio»; o Dr. Miguel Relvas desafiava os jovens desempregados a «terem uma visão cosmopolita do mundo»; e Alexandre Mestre (secretário de Estado do Desporto e Juventude) sugeria à malta «sair da zona de conforto e ir para além das nossas fronteiras».
O que vale é que, há um mês atrás, preocupado com a quebra histórica da natalidade, Feliciano Barreiras Duarte (secretário de Estado Adjunto do Ministro-Adjunto), nos assegurou que o governo irá «olhar cada vez mais para a imigração como uma área prioritária ao nível das políticas públicas» (foi para isso, aliás, que a maioria de direita aprovou recentemente uma nova lei).
A gente é que já nem liga, não é?
quinta-feira, 17 de janeiro de 2013
A factura detalhada da dívida
O Primeiro Encontro Nacional da Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida, é já depois de amanhã, sábado, a partir das 9.30h no Instituto Franco-Português (Avenida Luís Bívar, 91, em Lisboa).
Será apresentado e discutido um Relatório Preliminar, que condensa os resultados do primeiro ano de actividade da IAC, analisando o processo de endividamento e as suas causas, a composição da dívida pública e a relação entre dívidas privadas e públicas. E que coloca também sob escrutínio algumas fontes específicas de dívida (das despesas orçamentais aos resgates bancários e parcerias público-privadas).
Para acabar com a mistificação do «andámos a viver acima das nossas possibilidades» e para exigir a factura detalhada da dívida.
As consequências económicas da estupidez
E pronto. Como não podia deixar de acontecer, a recessão chegou à Alemanha (-0,5% no último trimestre de 2012). A imposição de cada vez mais austeridade a cada vez mais (e maiores) economias voltou a mergulhar a Alemanha na recessão, depois de ter feito o mesmo à Zona Euro no seu conjunto.
O mecanismo era igualmente previsível: o abrandamento das exportações alemãs, ou seja, a compressão da procura nas economias da Zona Euro pela política de austeridade. Quando uma economia aposta toda a sua estratégia de crescimento nas exportações, os resultados não podem ser brilhantes. E não foram. Ao contrário do que se possa pensar olhando para os excedentes da Balança corrente alemã, o crescimento desta economia durante a vigência do Euro foi extremamente reduzido e situou-se, aliás, abaixo da média da Zona Euro.
Quando, ainda por cima, uma economia dependente das suas exportações impõe, ao mesmo tempo políticas europeias de austeridade frenética, o resultado não pode ser bom. Trata-se, no fundo, de arruinar os clientes. O mau karma que a Alemanha lançou sobre a Europa, através da sua política de compressão salarial, associada à sua radical oposição a política económicas e orçamentais solidárias à escala europeia, regressou agora à origem.
Assim, e paradoxalmente, as escolhas impostas pelas elites económicas alemãs podem ser contra-producentes, incluindo do ponto de vista das mesmas. Dizem alguns analistas alemães que esta dinâmica é para continuar em 2013. Os que preferem a estratégia da negação, e são muitos, lançam olhares esperançosos para a recuperação no Estados Unidos e China, ou seja, para gente, apesar de tudo, mais sensata que eles.
Recusar o passado, escolher o futuro
«Chegou a hora. Chegou a hora de agir. De responder a um país que não pode tornar-se céptico a ponto de descrer da própria vida. A crise. Esta crise não pode ser pretexto para regressarmos ao passado. Temos direito a um país livre, a um país limpo, a um país justo. (...) Durante muito tempo, muito muito tempo, o meu país esteve dominado por vozes que foram explicando as nossas particularidades como povo. Teríamos nascido para intermediários, para mercadores. Teríamos nascido para ligar culturas e continentes, mas não para produzirmos. E muito menos para criarmos ciência, para criarmos conhecimento, para criarmos tecnologia. (...) Desperdiçamos. Desperdiçamos cinquenta anos do século XX abandonados a uma pobreza resignada, a um país sem educação, sem ciência, sem cultura. Como se a liberdade e os direitos se pudessem trocar por um pouco de segurança e de paz, que afinal não era paz mas sim guerra. (...)
Este é o problema de Portugal. Um problema que começamos a resolver no ano em que houve mesmo primavera, no mês de Abril. Desde então, desde então passaram quarenta anos de uma vida nova. De uma vida que fica também marcada pela Europa. Dedicamo-nos, e bem, à educação, à cultura, à ciência. Conseguimos ser Europa e colocar-nos a par de países que há séculos investem continuadamente em educação e em ciência. (...) E assim entramos no século XXI. Entramos no século XXI com três camadas que coexistem sobrepostas: uma geração qualificada e bons índices de educação e ciência; uma estrutura de administração e um tecido empresarial frágeis e em grande parte ineficazes; e um país com zonas de pobreza e enormes desigualdades. Quando a crise se abateu sobre a Europa, estávamos mais desprotegidos do que os outros. E certas ideologias logo se apressaram a explicar que era preciso recuar, que em vez de futuro teríamos de voltar a ser passado. (...) Mas também eu, tal como Alexandre O'Neill, também eu não quero que Portugal sejam só três sílabas - e de plástico, que sai mais barato.»
Do discurso de António Nóvoa, na abertura do ano académico da UL/UTL 2013.
quarta-feira, 16 de janeiro de 2013
Entrevista
O Alexandre Abreu foi entrevistado pelo jornalista Nuno Rodrigues na Antena 1 sobre economia africana, sobre economia política do desenvolvimento e do subdesenvolvimento. Vale mesmo a pena ouvir.
Corrida para o fundo
O governo conseguiu impor no país o debate sobre a reforma do Estado social, e nos termos que lhe interessava. Numa economia em recessão, com as receitas fiscais a cair, as despesas sociais a aumentar e com elevados encargos anuais com o serviço da dívida, torna-se cada vez mais difícil o financiamento das funções sociais do Estado. A austeridade mingou a capacidade da nossa economia de criar riqueza e agora a solução que apresentam é mingar o Estado social até ele caber nessa economia encolhida. Acontece que o corte nas despesas sociais não é menos austeridade. Se os portugueses pagarem mais no acesso aos serviços públicos vão ter menos rendimento disponível. Assim, uma reforma como a que o governo e o FMI querem fazer em vez de tornar o Estado social – que sobreviver aos cortes – sustentável só vai agravar a espiral recessiva, destruir mais economia e obrigar a ainda mais cortes no futuro. É uma corrida descontrolada para o fundo. Uma economia estrangulada pela austeridade e pelo peso da dívida não consegue crescer nem garantir o financiamento das funções sociais do Estado.
São infelizmente poucos os políticos com a coragem necessária para confrontar os problemas com a verdade e para assumir posições com clareza. Foi o que fez Ferro Rodrigues nas jornadas parlamentares do Partido Socialista e Correia de Campos na sua crónica semanal no jornal “Público”. O primeiro defendeu a necessidade de “uma unidade nacional muito forte” para “renegociar com a troika e se necessário incluir nessa renegociação alguma reestruturação dos valores e dos prazos da dívida”. O segundo argumentou a favor da adopção pelo governo português de uma política de firmeza nas negociações com a troika. Como escreveu Correia de Campos: “Os nossos parceiros só conhecem a linguagem do lucro e da força; têm de passar a conhecer a da sobrevivência colectiva. Os credores só nos prestarão atenção caso os ameacemos com a ruptura.”
(crónica publicada às quartas-feiras no jornal i)
São infelizmente poucos os políticos com a coragem necessária para confrontar os problemas com a verdade e para assumir posições com clareza. Foi o que fez Ferro Rodrigues nas jornadas parlamentares do Partido Socialista e Correia de Campos na sua crónica semanal no jornal “Público”. O primeiro defendeu a necessidade de “uma unidade nacional muito forte” para “renegociar com a troika e se necessário incluir nessa renegociação alguma reestruturação dos valores e dos prazos da dívida”. O segundo argumentou a favor da adopção pelo governo português de uma política de firmeza nas negociações com a troika. Como escreveu Correia de Campos: “Os nossos parceiros só conhecem a linguagem do lucro e da força; têm de passar a conhecer a da sobrevivência colectiva. Os credores só nos prestarão atenção caso os ameacemos com a ruptura.”
(crónica publicada às quartas-feiras no jornal i)
terça-feira, 15 de janeiro de 2013
O inverno do nosso descontentamento
No boletim de inverno, saído no início de 2012, o Banco que não é de Portugal previa um tímido crescimento de 0,3% no PIB para 2013. Um ano depois, no boletim de inverno, acabado de sair, o Banco que não é de Portugal já prevê uma expressiva contracção de 1,9% no PIB para o mesmo ano de 2013. Quem depositou esperança numa recuperação económica guiada apenas pelas exportações tem de se confrontar com um detalhe: a austeridade dos outros. Isto fez com que, só entre Novembro e agora, a previsão para o crescimento das exportações, em 2013, tenha caído para menos de metade. De resto, é a mesma lengalenga neoliberal de sempre: “reformas estruturais”, “novo quadro institucional”, remoção dos entraves ao investimento” (os próprios empresários dizem que é a evolução das vendas que entrava tudo, mas que sabem eles?), vagos “aumentos da eficiência” (pouco interessa o imenso desperdício do desemprego galopante) e, claro, a “redefinição do papel do Estado”. Palavras que suportam a regressão em curso e mascaram mal o total fracasso desta política para a maioria, cujos interesses quem manda por ali está habituado a não defender. Os bancos estão a recuperar à custa de todos, os credores estão protegidos e isto é que é importante. Descansem, em 2014 é que vai ser.
segunda-feira, 14 de janeiro de 2013
Sorriam?
Quem quiser saber por que é que Moedas anda sempre tão contente tem de começar por conhecer o seu interessante percurso, ou seja, tem de ler o artigo de Adriano Campos. Confirma-se que os dois perfis do governo – negócios e ideologia pura e dura – se intersectam em figuras e numa política ao serviço de certas e determinadas fracções do capital. A aposta interna consiste, entre outras, na expansão para as áreas ocupadas pelo Estado social. O FMI aí está para garantir que Moedas continua a sorrir. A vitória, dada a estrutura externa de constrangimentos, está ao alcance desta gente como nunca esteve.
Já agora, leiam também Alexandre Soares dos Santos – “Tenho um pacemaker colocado pelo estado que não me custou nada. Não admito isso”. Quem não admite isso é quem tem investimentos nada saudáveis, que dependem em demasia do estiolamento do SNS, do acesso universal a serviços públicos tendecialmente gratuítos, financiados por impostos progressivos, a melhor forma de garantir a sua sustentabilidade política e, paradoxalmente, ou talvez não, o seu poder redistributivo e de criação de comunidade, como bem argumenta Hugo Mendes. Defender, e sobretudo expandir, o adequadamente comunitário e igualitário princípio da universalidade, tão ameaçado quanto incompleto no nosso país, é tarefa que exige uma frente tão ampla quanto possível. Para que Moedas deixe de sorrir.
Uma questão de justiça e direitos humanos
«Portugal tem o salário mínimo mais baixo da zona euro. Com o aumento do custo de vida, a manutenção deste valor demasiado baixo gerou um crescimento exponencial do número de trabalhadores pobres em Portugal. Um em cada dez trabalhadores vive abaixo do limiar da pobreza. Em 2010, o limiar da pobreza foi definido nos 434 euros. Hoje, depois dos descontos, os trabalhadores que auferem o salário mínimo recebem 431,65 euros líquidos, ou seja, ficam abaixo daquele limiar. Uma situação em que o exercício de uma profissão e o acesso ao emprego não permite escapar à pobreza não é admissível na Europa do século XXI. A pobreza ofende e viola a dignidade da pessoa humana e impede o exercício da liberdade. Num tempo em que se acentuam as desigualdades, o salário mínimo é um garante basilar de coesão social e de proteção dos trabalhadores, devendo contrariar estratégias de vulnerabilização salarial e de exploração da força do trabalho, já facilitadas pelas lógicas da precariedade e do trabalho a tempo parcial. Num contexto em que a pobreza se acentua e alastra, combate-la é, antes de mais, reafirmar um compromisso de solidariedade. O aumento do salário mínimo é por isso, em primeiro lugar, uma questão de direitos humanos.»
Excerto do texto da «Petição Pelo aumento do Salário Mínimo Nacional - Uma questão de justiça e de direitos humanos», que será entregue ao Governo, à Assembleia da República e aos parceiros sociais. Para além de uma questão de justiça, dignidade, direitos humanos e coesão social, o aumento do salário mínimo constitui igualmente - como referido no texto - uma «medida economicamente sensata», que contribui para a «dinamização do mercado interno devastado pela crise e para a recuperação económica do país». Assinem e divulguem.
Excerto do texto da «Petição Pelo aumento do Salário Mínimo Nacional - Uma questão de justiça e de direitos humanos», que será entregue ao Governo, à Assembleia da República e aos parceiros sociais. Para além de uma questão de justiça, dignidade, direitos humanos e coesão social, o aumento do salário mínimo constitui igualmente - como referido no texto - uma «medida economicamente sensata», que contribui para a «dinamização do mercado interno devastado pela crise e para a recuperação económica do país». Assinem e divulguem.
domingo, 13 de janeiro de 2013
5 ideias sobre a 'reindustrialização'
1. A desindustrialização não é um fenómeno distintamente português
A perda de peso da indústria transformadora no emprego, no produto ou nas exportações constituiu uma tendência observável na generalidade dos países desenvolvidos nas últimas quatro décadas. O processo não é particularmente mais acentuado no caso português. Olhando para um conjunto de países europeus para os quais existem dados desde 1970 (Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Itália, Portugal, Reino Unido e Suécia), é possível verificar que a posição relativa de Portugal no que respeita ao peso da indústria transformadora no PIB não se alterou entre 1970 e 2010, sendo a excepção o Reino Unido (onde o processo de desindustrialização foi particularmente acentuado do que no resto da UE). No que respeita a este indicador, Portugal apresenta actualmente valores que não se afastam da média da zona euro (sendo o peso da indústria superior à média quando excluímos a Alemanha, cuja estrutura económica é, a este nível, atípica).
2. A desindustrialização é uma característica do regime neoliberal - sem nele mexer, há pouco a fazer
A desindustrialização observada nas economias mais avançadas é, em larga medida, um resultado da globalização neoliberal. A liberalização dos movimentos internacionais de mercadorias e capitais, pôs em causa a lucratividade dos investimentos em actividades mais expostas à concorrência internacional (como são as actividades industriais). Por um lado, aumentou o grau de exposição dos produtores de bens e serviços transaccionáveis à concorrência internacional, pressionando as margens de lucro. Por outro lado, embora a capacidade produtiva instalada aumentasse de forma substancial, o crescimento da procura mundial ficou comprometido por uma pressão crescente sobre os salários, reflectindo a diminuição do poder negocial de um factor de produção essencialmente imóvel – o trabalho – face à crescente facilidade de movimentação dos capitais a nível global. Por conseguinte, os investidores procuraram novas fontes de aplicação dos seus recursos, menos vulneráveis à pressão concorrencial enfrentada pelos bens e serviços transaccionados nos mercados globais. Para além dos serviços e infraestruturas com procura garantida pelo Estado, agora privatizados, os investidores globais foram canalizando os seus investimentos de forma crescente para activos financeiros (acções, obrigações, produtos derivados, etc.) e não financeiros (matérias-primas, obras de arte, imobiliário, etc.), beneficiando da liberalização dos fluxos de capitais, da desregulação dos sistemas financeiros, bem como das possibilidades oferecidas pelas tecnologias de informação e comunicação. Sem reverter os desequilíbrios associados a este regime de acumulação – o que passa por medidas decisivas a nível internacional para limitar o peso e a influência do sector financeiro, o que está longe de acontecer – a reindustrialização apregoada em Bruxelas ou em Lisboa terá poucos efeitos práticos.
[Estas ideias são desenvolvidas nesta série de posts: I, II, III, IV, V e VI]
3. A desindustrialização não é um fenómeno negativo por natureza
Sendo parte integrante de um regime de acumulação que aumenta as desigualdades e a instabilidade, a redução do peso da indústria é reflexo de vários outros processos, nem todos necessariamente negativos. Há que ter presente que estamos, em parte, perante um efeito contabilístico: muitas das actividades de serviços que eram anteriormente desempenhadas no seio de empresas industriais, foram autonomizadas, passando a ser contabilizadas como 'serviços' e não como ‘indústria’. Se isto decorre em parte de uma tentativa de contornar as regras das relações laborais em grandes conglomerados industriais, em grande parte dos casos traduz-se em ganhos efectivos de eficiência, nomeadamente quando estão em causa serviços mais avançados (I&D, engenharia de produto e de processo, design, etc.). O aumento do peso dos serviços reflecte também a emergência de uma grande variedade de sectores ligados às novas tecnologias e de informação e comunicação, onde as componentes de software e serviços são dominantes em termos de emprego e de valor acrescentado. Finalmente, importa ter presente que a redução do peso da indústria é uma consequência expectável – e até desejável – do aumento do nível de vida das populações: por exemplo, nas sociedades mais ricas as famílias dedicam uma maior parte dos seus rendimentos à cultura, à educação, à saúde e ao lazer, o que tipicamente se traduz num maior crescimento dos serviços do que das actividades produtoras de bens materiais. Em suma, no processo de desindustrialização há que distinguir o que é indesejável do que não o é.
4. A desindustrialização em Portugal é indissociável do processo de integração na UE – o mesmo se aplicará a qualquer ‘reindustrialização’
Podendo a desindustrialização ser determinada pelos vários tipos de factores que referi acima, no caso português esta tendência está fortemente associada ao processo de integração europeia e às opções de modelo económico associadas. A preparação da União Económica e Monetária iniciada nos finais da década de 1980 – assente na prioridade atribuída à estabilização cambial no seio da UE – favoreceu uma valorização do escudo em termos reais face às moedas dos principais parceiros comerciais, dificultando a competitividade da indústria portuguesa. No mesmo período, fruto das regras do mercado interno e das opções do governo cavaquista, a evolução da economia portuguesa foi marcada pela liberalização do sector financeiro e pela sua privatização. O resultado imediato foi uma forte expansão do sector financeiro em Portugal e da oferta de crédito e de outros produtos financeiros na economia portuguesa – que favoreceram directa e indirectamente a expansão de sectores não-transaccionáveis na economia portuguesa. No período subsequente à criação do euro, a indústria transformadora portuguesa viria a confrontar-se com três choques significativos adicionais: os acordos comerciais entre a UE e a China (poderíamos acrescentar os acordos com Marrocos), o alargamento da UE a Leste e a forte apreciação do euro face ao dólar entre 2001 e 2008. Estes factores, mais do que qualquer erro ou desvio ao nível da governação (a não ser que consideremos a decisão de participar no processo de integração europeia nos termos em que o fizemos...), explicam a perda acentuada de peso da indústria portuguesa na economia nacional (pela concorrência acrescida, pela perda de competitividade por via cambial e pelas deslocalizações). Sem controlo sobre o instrumento cambial, sobre as regras do comércio externo e do investimento internacional, ou sobre os auxílios de Estado aos produtores domésticos – e sem intenção da UE de gerir estes instrumentos de forma mais razoável – não há programa de reindustrialização que nos valha.
5. A reindustrialização faz pouco sentido como objectivo central da política de desenvolvimento
O motivo pelo qual a ideia de reindustrialização entrou facilmente no debate público é simples: Portugal apresenta um défice comercial crónico, ao qual se atribuem as dificuldades presentes da economia portuguesa; sendo os bens industriais responsáveis por quase ¾ das exportações portuguesas, reforçar a indústria emerge como a opção óbvia. Há, no entanto, vários aspectos que devemos ter em consideração. Primeiro, o contributo dos serviços para a correcção da balança comercial portuguesa tem sido cada vez maior; tal contributo está, principalmente, associado ao turismo e aos transportes, mas os serviços avançados têm ganho cada vez mais importância; num caso ou noutro, trata-se de actividades incontornáveis em qualquer estratégia de desenvolvimento sustentável para o país. Um raciocínio semelhante pode e deve ser aplicado à agricultura. Por outro lado, a ideia de ‘desenvolvimento sustentável’ deve estar bem presente quando se apela ao crescimento da indústria: não só as actividades industriais estão frequentemente associadas a problemas ambientais acrescidos (que, para além do seu valor intrínseco mais cedo ou mais tarde se traduzem em custos económicos), como a sua sustentabilidade económica e social não é garantida - podemos aumentar significativamente as nossas exportações industriais sem que isso se reflicta em maior valor acrescentado nacional (leia-se, salários e lucros) ou em balanças externas mais equilibradas. Em suma, não é só a indústria que nos interessa desenvolver, e nem toda a indústria nos interessa.
A julgar pela visibilidade que lhe tem concedido a comunicação social portuguesa (ver Público de hoje, por exemplo), a ideia de ‘reindustrialização’ constituiu um eficaz instrumento de comunicação. Se esta ideia vem acompanhada de qualquer estratégia coerente para o desenvolvimento do país (nos domínios da I&D e da inovação, da diversificação e eficiência energética, dos transportes e do ordenamento do território, da energia, etc.), isso já é outra história.
A perda de peso da indústria transformadora no emprego, no produto ou nas exportações constituiu uma tendência observável na generalidade dos países desenvolvidos nas últimas quatro décadas. O processo não é particularmente mais acentuado no caso português. Olhando para um conjunto de países europeus para os quais existem dados desde 1970 (Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Itália, Portugal, Reino Unido e Suécia), é possível verificar que a posição relativa de Portugal no que respeita ao peso da indústria transformadora no PIB não se alterou entre 1970 e 2010, sendo a excepção o Reino Unido (onde o processo de desindustrialização foi particularmente acentuado do que no resto da UE). No que respeita a este indicador, Portugal apresenta actualmente valores que não se afastam da média da zona euro (sendo o peso da indústria superior à média quando excluímos a Alemanha, cuja estrutura económica é, a este nível, atípica).
Peso da Indústria Transformadora no PIB (%)
Fonte: AMECO
2. A desindustrialização é uma característica do regime neoliberal - sem nele mexer, há pouco a fazer
A desindustrialização observada nas economias mais avançadas é, em larga medida, um resultado da globalização neoliberal. A liberalização dos movimentos internacionais de mercadorias e capitais, pôs em causa a lucratividade dos investimentos em actividades mais expostas à concorrência internacional (como são as actividades industriais). Por um lado, aumentou o grau de exposição dos produtores de bens e serviços transaccionáveis à concorrência internacional, pressionando as margens de lucro. Por outro lado, embora a capacidade produtiva instalada aumentasse de forma substancial, o crescimento da procura mundial ficou comprometido por uma pressão crescente sobre os salários, reflectindo a diminuição do poder negocial de um factor de produção essencialmente imóvel – o trabalho – face à crescente facilidade de movimentação dos capitais a nível global. Por conseguinte, os investidores procuraram novas fontes de aplicação dos seus recursos, menos vulneráveis à pressão concorrencial enfrentada pelos bens e serviços transaccionados nos mercados globais. Para além dos serviços e infraestruturas com procura garantida pelo Estado, agora privatizados, os investidores globais foram canalizando os seus investimentos de forma crescente para activos financeiros (acções, obrigações, produtos derivados, etc.) e não financeiros (matérias-primas, obras de arte, imobiliário, etc.), beneficiando da liberalização dos fluxos de capitais, da desregulação dos sistemas financeiros, bem como das possibilidades oferecidas pelas tecnologias de informação e comunicação. Sem reverter os desequilíbrios associados a este regime de acumulação – o que passa por medidas decisivas a nível internacional para limitar o peso e a influência do sector financeiro, o que está longe de acontecer – a reindustrialização apregoada em Bruxelas ou em Lisboa terá poucos efeitos práticos.
[Estas ideias são desenvolvidas nesta série de posts: I, II, III, IV, V e VI]
3. A desindustrialização não é um fenómeno negativo por natureza
Sendo parte integrante de um regime de acumulação que aumenta as desigualdades e a instabilidade, a redução do peso da indústria é reflexo de vários outros processos, nem todos necessariamente negativos. Há que ter presente que estamos, em parte, perante um efeito contabilístico: muitas das actividades de serviços que eram anteriormente desempenhadas no seio de empresas industriais, foram autonomizadas, passando a ser contabilizadas como 'serviços' e não como ‘indústria’. Se isto decorre em parte de uma tentativa de contornar as regras das relações laborais em grandes conglomerados industriais, em grande parte dos casos traduz-se em ganhos efectivos de eficiência, nomeadamente quando estão em causa serviços mais avançados (I&D, engenharia de produto e de processo, design, etc.). O aumento do peso dos serviços reflecte também a emergência de uma grande variedade de sectores ligados às novas tecnologias e de informação e comunicação, onde as componentes de software e serviços são dominantes em termos de emprego e de valor acrescentado. Finalmente, importa ter presente que a redução do peso da indústria é uma consequência expectável – e até desejável – do aumento do nível de vida das populações: por exemplo, nas sociedades mais ricas as famílias dedicam uma maior parte dos seus rendimentos à cultura, à educação, à saúde e ao lazer, o que tipicamente se traduz num maior crescimento dos serviços do que das actividades produtoras de bens materiais. Em suma, no processo de desindustrialização há que distinguir o que é indesejável do que não o é.
4. A desindustrialização em Portugal é indissociável do processo de integração na UE – o mesmo se aplicará a qualquer ‘reindustrialização’
Podendo a desindustrialização ser determinada pelos vários tipos de factores que referi acima, no caso português esta tendência está fortemente associada ao processo de integração europeia e às opções de modelo económico associadas. A preparação da União Económica e Monetária iniciada nos finais da década de 1980 – assente na prioridade atribuída à estabilização cambial no seio da UE – favoreceu uma valorização do escudo em termos reais face às moedas dos principais parceiros comerciais, dificultando a competitividade da indústria portuguesa. No mesmo período, fruto das regras do mercado interno e das opções do governo cavaquista, a evolução da economia portuguesa foi marcada pela liberalização do sector financeiro e pela sua privatização. O resultado imediato foi uma forte expansão do sector financeiro em Portugal e da oferta de crédito e de outros produtos financeiros na economia portuguesa – que favoreceram directa e indirectamente a expansão de sectores não-transaccionáveis na economia portuguesa. No período subsequente à criação do euro, a indústria transformadora portuguesa viria a confrontar-se com três choques significativos adicionais: os acordos comerciais entre a UE e a China (poderíamos acrescentar os acordos com Marrocos), o alargamento da UE a Leste e a forte apreciação do euro face ao dólar entre 2001 e 2008. Estes factores, mais do que qualquer erro ou desvio ao nível da governação (a não ser que consideremos a decisão de participar no processo de integração europeia nos termos em que o fizemos...), explicam a perda acentuada de peso da indústria portuguesa na economia nacional (pela concorrência acrescida, pela perda de competitividade por via cambial e pelas deslocalizações). Sem controlo sobre o instrumento cambial, sobre as regras do comércio externo e do investimento internacional, ou sobre os auxílios de Estado aos produtores domésticos – e sem intenção da UE de gerir estes instrumentos de forma mais razoável – não há programa de reindustrialização que nos valha.
5. A reindustrialização faz pouco sentido como objectivo central da política de desenvolvimento
O motivo pelo qual a ideia de reindustrialização entrou facilmente no debate público é simples: Portugal apresenta um défice comercial crónico, ao qual se atribuem as dificuldades presentes da economia portuguesa; sendo os bens industriais responsáveis por quase ¾ das exportações portuguesas, reforçar a indústria emerge como a opção óbvia. Há, no entanto, vários aspectos que devemos ter em consideração. Primeiro, o contributo dos serviços para a correcção da balança comercial portuguesa tem sido cada vez maior; tal contributo está, principalmente, associado ao turismo e aos transportes, mas os serviços avançados têm ganho cada vez mais importância; num caso ou noutro, trata-se de actividades incontornáveis em qualquer estratégia de desenvolvimento sustentável para o país. Um raciocínio semelhante pode e deve ser aplicado à agricultura. Por outro lado, a ideia de ‘desenvolvimento sustentável’ deve estar bem presente quando se apela ao crescimento da indústria: não só as actividades industriais estão frequentemente associadas a problemas ambientais acrescidos (que, para além do seu valor intrínseco mais cedo ou mais tarde se traduzem em custos económicos), como a sua sustentabilidade económica e social não é garantida - podemos aumentar significativamente as nossas exportações industriais sem que isso se reflicta em maior valor acrescentado nacional (leia-se, salários e lucros) ou em balanças externas mais equilibradas. Em suma, não é só a indústria que nos interessa desenvolver, e nem toda a indústria nos interessa.
A julgar pela visibilidade que lhe tem concedido a comunicação social portuguesa (ver Público de hoje, por exemplo), a ideia de ‘reindustrialização’ constituiu um eficaz instrumento de comunicação. Se esta ideia vem acompanhada de qualquer estratégia coerente para o desenvolvimento do país (nos domínios da I&D e da inovação, da diversificação e eficiência energética, dos transportes e do ordenamento do território, da energia, etc.), isso já é outra história.
Dia 19, sábado: Encontro Nacional da IAC
Entrevista do esquerda.net a Nuno Teles, por ocasião do Primeiro Encontro Nacional da Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida (IAC), «As Crises não pagam Dívidas», que decorrerá no próximo sábado, 19 de Janeiro, no Instituto Franco-Português (Rua Luís Bívar, 91), em Lisboa, entre as 9.30h e as 18.00h.
A entrada é livre. Apareçam.
sábado, 12 de janeiro de 2013
Frases
«O relatório do FMI não é um relatório técnico. É um programa ideológico. Do ponto de vista técnico é um documento muito frágil e desonesto. Ilumina tudo o que favorece as teses que querem impor e oculta tudo o que as poderia prejudicar. Torturam os dados até que confessem o que o FMI nos quer impor como política.»
António Nóvoa (Jornal de Negócios)
«Do ponto de vista intelectual, não se compreende como alguém consegue defender dois erros seguidos sem pestanejos: o de ter ido para além da troika, em 2012, e agora, para cobrir esse erro, o de ir para além de tudo o que ainda mexe. O Governo quer reduzir o consumo e o emprego e, em consequência, reduz a confiança e o investimento, e agrava novamente o défice e a dívida. Allô!?»
Pedro Lains, «Interessantemente...»
«O que nós temos aqui é um Governo que encomendou um relatório ao FMI para reforçar a posição do Governo junto dos Portugueses - a posição negocial, a capacidade de impor. Ora, o que nós esperávamos do Governo Português era que fizesse relatórios para reforçar a sua posição e a sua capacidade negocial junto do FMI.»
Pedro Adão e Silva (Fórum TSF)
«Pena que o documento esteja cheio de propostas inconstitucionais, (...) de falsificações grosseiras da realidade, (...) de afirmações risíveis pela sua total descontextualização, (...) assim como de contradições e conclusões abusivas e infundamentadas. (...) Ideologia travestida de parecer técnico, diz-se. Também, claro. Mas sobretudo incompetência e desonestidade. De quem o fez, de quem o avaliza e de quem o não denuncia.»
Fernanda Câncio, «No fundo do fundo»
António Nóvoa (Jornal de Negócios)
«Do ponto de vista intelectual, não se compreende como alguém consegue defender dois erros seguidos sem pestanejos: o de ter ido para além da troika, em 2012, e agora, para cobrir esse erro, o de ir para além de tudo o que ainda mexe. O Governo quer reduzir o consumo e o emprego e, em consequência, reduz a confiança e o investimento, e agrava novamente o défice e a dívida. Allô!?»
Pedro Lains, «Interessantemente...»
Pedro Adão e Silva (Fórum TSF)
«Pena que o documento esteja cheio de propostas inconstitucionais, (...) de falsificações grosseiras da realidade, (...) de afirmações risíveis pela sua total descontextualização, (...) assim como de contradições e conclusões abusivas e infundamentadas. (...) Ideologia travestida de parecer técnico, diz-se. Também, claro. Mas sobretudo incompetência e desonestidade. De quem o fez, de quem o avaliza e de quem o não denuncia.»
Fernanda Câncio, «No fundo do fundo»
sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
Um certo cheiro a anos 30
Para vencer a crise em que mergulhámos, grande parte da nossa elite intelectual e política defende a urgência de mudanças institucionais e da política económica europeia rumo a um estado federal. Independentemente da maior ou menor viabilidade política dessa posição, entendo que esse caminho não serve o desenvolvimento do nosso país e até aumenta o risco de implosão da UE.
De facto, os federalistas não fazem um diagnóstico completo da natureza da crise em que estamos mergulhados. Desde logo, passam frequentemente ao largo da sua dimensão económica para se centrarem na financeira. A crise das dívidas na periferia europeia foi causada pelo facto de estados-nação com muito diferentes níveis de desenvolvimento terem abdicado das respectivas moedas e bloqueado os restantes instrumentos de política económica. Sem estado federal, mais cedo ou mais tarde chegar-se-ia a uma situação de crise por endividamento insustentável: as economias mais competitivas criariam excedentes comerciais e as menos competitivas a sua contrapartida, défices externos financiados por dívida privada. Num contexto de financiamento exclusivo do Estado através dos mercados financeiros, o contínuo aumento relativo das dívidas públicas foi sobretudo uma consequência da estagnação imposta pela moeda única.
Quem vem agora defender a necessidade de um orçamento federal, capaz de realizar transferências dos estados ricos para os pobres, está de facto a propor que Portugal se torne definitivamente um estado federado pobre, permanentemente assistido. Com efeito, sem política económica própria, sem quadro institucional para executar uma estratégia de desenvolvimento, Portugal apenas aprofundaria a dinâmica da última década. Perderia definitivamente os sectores mais dinâmicos da sua população, aprofundaria a desindustrialização, manteria os serviços mal pagos, recuaria para o turismo barato. As transferências apenas serviriam de amortecedor social. Os que sonham com uma economia portuguesa acolhedora de investimento estrangeiro inovador, também produtora de serviços intensivos em conhecimento, estão a esquecer que ambos dependem do prévio desenvolvimento industrial do país. E não há industrialização sem política económica desenvolvimentista, como mostram as estratégias dos BRIC e a história das economias mais desenvolvidas. Em suma, mesmo que politicamente viável, um orçamento federal não resolveria as causas profundas da presente crise.
(Parte do meu artigo no jornal i)
Serviço Público
Depois de ter tomado a muito louvável iniciativa de traduzir para português, em Maio de 2011, a versão original do Memorando de Entendimento com a Troika, o blogue Aventar acaba de dar o arranque a uma segunda iniciativa de verdadeiro serviço público, convidando à participação num processo de tradução colaborativa do recente Relatório do FMI.
O processo é simples: cada interessado deve indicar, através de um comentário no Aventar, que parcela de texto se propõe traduzir e enviar a respectiva tradução para o seguinte endereço: traducao.fmi@gmail.com. As traduções vão ficando visíveis no blogue, permitindo assim críticas, sugestões e melhorias. O texto do relatório, na sua versão original em inglês, é disponibilizado aqui.
A dieta da democracia
Abaixo está o link do último número do Barómetro do Observatório sobre Crises e Alternativas, precisamente sobre despesa pública. Uma leitura obrigatória, por duas razões:
1. Mostra que o relatório do FMI tem mentiras. Não são exageros, não são enviesamentos, são factos pura e simplesmente falsos.
2. Mostra algumas coisas boas que a boa despesa (aquela que o Governo quer cortar) tem feito por nós. Por exemplo, estas:
É bom o Estado Social, não é? Era disto que o candidato Passos Coelho falava quando falava das "gorduras". A má despesa existe, mas essa continua na mesma. O relatório do FMI não é o programa do Governo. O relatório do FMI serve única e exclusivamente para uma coisa: aterrorizar os portugueses de tal forma que eles aceitem qualquer coisa que o Governo lhes ponha à frente.
O poço de Gaspar
Foi num Verão particularmente seco, no final da década de setenta ou início dos anos oitenta. A água canalizada tinha chegado há pouco tempo à minha aldeia (só mais tarde eu daria conta que se tratara de uma clara «conquista de Abril»). Um depósito, situado num ponto mais alto em redor da povoação, fazia a ligação entre a conduta principal (que trazia a água de uma barragem, a alguns quilómetros de distância) e a rede de abastecimento, assegurando as reservas necessárias a eventuais picos de consumo.
Mas nesse ano, nesse Verão, a barragem praticamente secara. Por isso, para garantir o abastecimento, os bombeiros enchiam o depósito à noite, de modo a que toda a aldeia pudesse ter água nas torneiras no dia seguinte. Mas não tinha. Misteriosamente não tinha. O depósito, pela manhã, já estava praticamente vazio. E por isso as pessoas eram forçadas a voltar às rotinas antigas: ir buscar água aos chafarizes para fazer comida e tomar banho. Até que o mistério da água que desaparecia fosse desvendado.
E foi. Um dia descobriu-se. Durante a instalação das condutas nas ruas, o senhor Germano (nome fictício) tinha arranjado maneira de fazer uma ligação directa ao poço que tinha no quintal perto de casa. Sem sequer passar pelo contador. E não resistiu, nesse Verão, a abrir durante a noite a conduta do poço (que também estava seco), para o encher com a «água da rede» e assim poder regar as suas couves e batatas na manhã seguinte.
O poço do senhor Germano faz-me lembrar o ministro Vítor Gaspar. Também ele instalou uma generosa conduta entre o «depósito do orçamento» e o «poço do serviço da dívida». E instalou-a na base do depósito, a um nível inferior ao de qualquer outra saída que não estivesse ao serviço dessa finalidade ou do abastecimento aos bancos. Se faltasse a água, que faltasse em tudo, menos no seu poço insaciável.
O senhor Germano nunca chegou ao ponto de afirmar que as suas hortaliças valiam mais do que a água nas torneiras dos seus conterrâneos. Não teve lata para isso. Reconheceu a esperteza e aceitou a multa que lhe foi imposta pela ilegalidade que cometera. Já o senhor Gaspar, que não pode ser acusado de nenhuma ilegalidade, vai muito mais longe na história que decidiu inventar para dissimular os resultados da sua imoral conduta.
Perante a escassa liquidez no depósito do orçamento - que não resulta de qualquer severidade atmosférica (ou de convenientes «ventos adversos»), mas sim da austeridade política e económica induzida (que Gaspar empenhadamente adoptou, como quem decide estoirar com a nascente de uma fonte) - vem agora dizer que o povo anda a gastar água acima das possibilidades, em banhos e comida. Isto é, que o depósito já não chega para tanto consumo.
Mas nesse ano, nesse Verão, a barragem praticamente secara. Por isso, para garantir o abastecimento, os bombeiros enchiam o depósito à noite, de modo a que toda a aldeia pudesse ter água nas torneiras no dia seguinte. Mas não tinha. Misteriosamente não tinha. O depósito, pela manhã, já estava praticamente vazio. E por isso as pessoas eram forçadas a voltar às rotinas antigas: ir buscar água aos chafarizes para fazer comida e tomar banho. Até que o mistério da água que desaparecia fosse desvendado.
E foi. Um dia descobriu-se. Durante a instalação das condutas nas ruas, o senhor Germano (nome fictício) tinha arranjado maneira de fazer uma ligação directa ao poço que tinha no quintal perto de casa. Sem sequer passar pelo contador. E não resistiu, nesse Verão, a abrir durante a noite a conduta do poço (que também estava seco), para o encher com a «água da rede» e assim poder regar as suas couves e batatas na manhã seguinte.
O poço do senhor Germano faz-me lembrar o ministro Vítor Gaspar. Também ele instalou uma generosa conduta entre o «depósito do orçamento» e o «poço do serviço da dívida». E instalou-a na base do depósito, a um nível inferior ao de qualquer outra saída que não estivesse ao serviço dessa finalidade ou do abastecimento aos bancos. Se faltasse a água, que faltasse em tudo, menos no seu poço insaciável.
O senhor Germano nunca chegou ao ponto de afirmar que as suas hortaliças valiam mais do que a água nas torneiras dos seus conterrâneos. Não teve lata para isso. Reconheceu a esperteza e aceitou a multa que lhe foi imposta pela ilegalidade que cometera. Já o senhor Gaspar, que não pode ser acusado de nenhuma ilegalidade, vai muito mais longe na história que decidiu inventar para dissimular os resultados da sua imoral conduta.
Perante a escassa liquidez no depósito do orçamento - que não resulta de qualquer severidade atmosférica (ou de convenientes «ventos adversos»), mas sim da austeridade política e económica induzida (que Gaspar empenhadamente adoptou, como quem decide estoirar com a nascente de uma fonte) - vem agora dizer que o povo anda a gastar água acima das possibilidades, em banhos e comida. Isto é, que o depósito já não chega para tanto consumo.