O nosso ministro das Finanças declarou em Bruxelas que Portugal é um país “que cumpriu e que cumpre” os seus compromissos do programa de ajustamento, e que a “forte capacidade de execução” permite que o país esteja agora “prestes a poder realizar emissões no mercado primário de obrigações”. “O facto de o Tesouro português recuperar o seu acesso ao mercado de obrigações permite que os bancos portugueses e as grandes empresas portuguesas possam também elas beneficiar desse acesso ao mercado”, e tal é “um impulso decisivo para a recuperação da actividade da economia em geral e do investimento em particular”.
Como era de esperar, estas declarações foram acriticamente recebidas pelos jornalistas dos negócios e pelos comentadores dos telejornais. Como qualquer cidadão minimamente informado sabe, Portugal falhou estrondosamente os objectivos da chamada “consolidação orçamental” e, no caso de 2012, além de ter aumentado o valor do objectivo para o défice, tratou de vender apressadamente uma empresa pública (ANA) para poder registar parte do encaixe como receita corrente. Hoje a própria troika admite que as metas orçamentais de 2013 também estão em risco. Por conseguinte, estas declarações só podem fazer parte de uma manobra de diversão, do governo e dos credores. Não podendo reconhecer que a destruição do tecido produtivo e social produzida pela desvalorização interna em curso falhou os objectivos anunciados, martelam agora a mente dos cidadãos com a retórica do sucesso nas reformas do mercado de trabalho, na redução das transferências sociais, nos primeiros passos do processo de reconversão da sociedade portuguesa numa sociedade de salários (ainda mais) baixos e dotada de um Estado assistencialista. É esta a nova meta, mas estão com medo. E se o povo português, o soberano, decidir pronunciar-se em tempo útil sobre esta via para o subdesenvolvimento?
Face ao estrondoso, mas previsível, fracasso desta política económica, há quem no seio da troika esteja aberto ao adiamento do reembolso da nossa dívida oficial. Sabem que a economia portuguesa não vai crescer e portanto gerar excedentes orçamentais para estabilizar uma dívida pública que já vai nos 120% do PIB. Aproximando-se o início dos reembolsos à troika (entre 2014 e 2016), só resta reciclar esta dívida, ou seja, pagá-la com a receita da venda de novos títulos vendidos nos mercados financeiros (bancos, seguradoras, fundos de pensões, fundos soberanos, etc.) a uma taxa de juro suportável. É a isto que se chama “regressar aos mercados”. Porém, sabendo que a dívida a reciclar é volumosa, e sabendo também que o país entrou numa espiral recessiva que se encaminha para uma depressão (desemprego a explodir e taxa de inflação a descer), o ministro das Finanças quer adiar esse momento da verdade. Entretanto, vai fazendo testes de emissão de dívida, de pequeno montante, no contexto da acalmia imposta pelo BCE. Resta saber quem vai financiar os défices orçamentais após 2013. Se os mercados ainda não estão preparados, e não vão estar enquanto a economia estiver deprimida, continuará a troika disponível para o fazer? E a que preço?
O ministro das Finanças acredita que as taxas de juro mais baixas dão “um impulso decisivo à recuperação da actividade da economia”, mas a sua teoria está errada. Mesmo com taxas de juro baixas, nenhum empresário investe se não tem encomendas. A teoria económica keynesiana diz-nos que temos uma crise da procura, pelo que só com programas públicos de investimento, de criação directa de emprego e de redistribuição do rendimento se tira a economia deste buraco e se reduz o peso da dívida pública. O que é incompatível com a permanência na zona euro. Mas o ministro e os seus amigos de Bruxelas e Frankfurt preferem acreditar na fada da confiança. Por isso se agarram a precários sucessos nos mercados financeiros. Até ao dia em que o soberano se pronuncie.
(O meu artigo no jornal i)
"...Até ao dia em que o soberano se pronuncie."
ResponderEliminarO problema reside no sistema político vigente que, subverte a vontade e interesse da maioria dos cidadãos.
Os partidos do arco do poder,representando a maioria formal,procuram gerir a situação de modo a conseguir evitar a convulsão e, vão posicionando alguns peões (...cada vez são mais! ),em posições estratégicas,para uma "oferecida alternância".
Na situação actual,uma verdade inquestionável, está na afirmação:
- o sistema não é reformável!
A resolução da "crise" - a contento do POVO -
só surgirá quando o soberano se pronunciar... em convulsão!
Eles pensam que mudam a realidadde escondendo-a debaixo do tapete da propaganda. Mas ela está lá, e vai comçar a cheirar mal como o lixo acumulado pelos que sofrem o sindroma de Diógenes.
ResponderEliminar