quinta-feira, 30 de setembro de 2021
Entre o sórdido e o sonso: «salários emocionais» para «colaboradores»
Foi recentemente publicado, na página do Human Resources Portugal, um artigo cujo título é, sem precisar de mais nada, todo um programa: «A importância do salário emocional na compensação dos colaboradores». Atentem bem na sequência das ideias-chave, entre o sórdido e o sonso: «salários emocionais», «compensação» e «colaboradores».
Citando a Cobee, apresentada como «a primeira plataforma digital europeia de gestão de benefícios para colaboradores», dá-se nota de que «complementar o salário habitual com uma compensação não monetária faz toda a diferença nos níveis de satisfação das equipas, e traz também inúmeras vantagens para as empresas», definindo-se o «salário emocional» como «uma recompensa extra, além do salário tradicional, que promove a qualidade de vida e o bem-estar dos colaboradores».
No concreto, está-se a falar, por exemplo, de maior flexibilidade de horários e melhor conciliação com a vida familiar, acesso a programas de formação, adaptação de espaços para melhorar o bem-estar dos trabalhadores, criação de locais para exercício físico, etc. Ou seja, de coisas que já existem, mas sem qualquer relação com a questão salarial. De práticas que fazem já parte do dia-a-dia de empresas decentes (e inteligentes), mas que aqui apenas são mobilizadas, num linguajar de hipocrisia delicodoce, como «compensação» pelo não aumento dos salários. Chegam a chamar a isto «employee experience», assegurando que assim se conseguem maiores níveis de satisfação «sem ter de ampliar o orçamento das empresas».
Do neoliberalismo dito progressista
quarta-feira, 29 de setembro de 2021
Tendências eleitorais nas mais recentes autárquicas (II)
Quanto às eleições do passado domingo, e face às tendências eleitorais aqui assinaladas, registe-se que a esquerda no seu conjunto - e apesar de uma ligeira descida do seu peso relativo (-3,3%) - mantém a maioria dos votos para a eleição dos executivos municipais (52,0% do total), com a direita a fixar-se nos 40%. Relativamente às autárquicas de 2017, regista-se curiosamente uma quebra do peso eleitoral de partidos ideologicamente menos definidos (de 8,4% para 6,6%), em linha com a perda de expressão de candidaturas independentes (Grupos de Cidadãos), cuja votação passa de 7,1% para 5,8%.
Em termos globais, e sobretudo pelas dinâmicas nesse sentido à direita, bem como pelo aumento de candidaturas independentes (Grupos de Cidadãos), a votação em candidaturas isoladas dos partidos representados na AR continuou em declínio, tendo-se passado gradualmente de um valor em torno dos 80%, registado em 2001, para cerca de 70%, em 2021. A opção por coligações, a que a esquerda quase não adere, é de facto a forma de candidatura que mais cresce ao longo deste período, recolhendo em 2021 cerca de 24% dos votos expressos. Ou seja, 8 pontos percentuais acima do valor registado em 2001.
terça-feira, 28 de setembro de 2021
Nós. Nas notícias internacionais. Por boas razões
Portugal precisa de baixar os impostos para sair da crise?
Este tipo de propostas é normalmente fundamentado por dois argumentos. O primeiro é o de que, atualmente, se pagam demasiados impostos em Portugal. O CNCP considera que o próximo orçamento deve ter como “preocupação central […] aliviar a carga fiscal às empresas e famílias”. O segundo é o de que baixar os impostos tem efeitos positivos para o conjunto da economia - como argumentam os patrões, "a redução das taxas do IRC potencia o crescimento económico, a criação de emprego e a atração do investimento". No entanto, nenhum destes argumentos sobrevive ao confronto com os factos.
O primeiro argumento parte de um equívoco: o de que a "carga fiscal" serve como indicador do esforço a que as empresas e os cidadãos de um país estão sujeitos por via da fiscalidade. Como tem sido explicado, a carga fiscal corresponde apenas ao rácio das receitas do Estado com impostos e contribuições sociais sobre o PIB. Ou seja, um aumento da carga fiscal pode estar relacionado com a redução do desemprego (e consequente aumento das receitas de impostos e contribuições), o aumento dos salários (que passam a ser abrangidos por taxas de imposto mais altas) ou a tributação de rendimentos que anteriormente escapavam aos impostos. Além disso, a carga fiscal em Portugal continua abaixo da média da Zona Euro e da União Europeia, sendo também inferior à dos países mais desenvolvidos da região - Alemanha, França, Bélgica, Países Baixos, Áustria, bem como os países nórdicos (gráfico acima). Nestes países, maiores receitas do Estado conjugam-se com serviços públicos mais robustos e um Estado Social mais abrangente.
O segundo argumento está relacionado com a discussão em torno do "efeito multiplicador", que mede o impacto de uma determinada medida orçamental, como um aumento da despesa ou um corte de impostos, no crescimento económico. A ideia expressa pelas confederações patronais é a de que a diminuição dos impostos pode estimular o investimento das empresas, gerando efeitos positivos para o conjunto da economia pelo lado da oferta. No entanto, a evidência empírica não o tem confirmado. Em junho deste ano, Sebastian Gechert e Philipp Heimberger publicaram o estudo "Os cortes de impostos para as empresas estimulam o crescimento económico?", em que analisam a literatura relevante e mostram que os economistas não têm encontrado dados que suportem esta relação. Os cortes de impostos desta natureza têm, isso sim, o potencial de aumentar a desigualdade, uma vez que beneficiam sobretudo os empresários e gestores de topo, o que talvez ajude a explicar a posição das confederações patronais.
Na verdade, a maioria dos estudos sobre efeitos multiplicadores conclui que o impacto de um corte de impostos no crescimento do PIB é bastante inferior ao de um aumento da despesa pública, e em particular do investimento público, que além de constituir um estímulo à procura no curto prazo, também contribui para o aumento da produtividade da economia a médio/longo prazo. Ou seja, um aumento de 1€ na despesa do Estado tem maior impacto no crescimento da economia do que um corte de 1€ nos impostos cobrados. Isto é especialmente importante em períodos de crise e elevada incerteza: nestes períodos, a intervenção do Estado é decisiva para fazer face à quebra do consumo e do investimento do setor privado. É um tema para próximos artigos.
segunda-feira, 27 de setembro de 2021
Três notas
1. Começo pelo que está mais próximo, pelo que me preocupa mais: os comunistas e seus aliados conheceram um novo recuo que merece reflexão e impulso reactivo. Alguns resultados positivos em Lisboa, Porto, Belmonte ou Barrancos não compensam, nem de perto, nem de longe, a perda de municípios, como Loures ou Montemor-o-Novo, ou derrotas, como a de Almada;
domingo, 26 de setembro de 2021
E o PCP, não entra por quê?
A menos que o PCP tenha declinado o convite para se fazer representar, o que é muito improvável, seria bom conhecer-se o critério adotado pela SIC para compor o painel de intervenientes. De facto, se estamos a falar de partidos há muito representados no parlamento, o PCP manifestamente não poderia nunca ficar de fora. E como outro critério aceitável não se vislumbra, é provável que a questão seja mesmo, e apenas, um problema de «linhas vermelhas».
Adenda: A imagem ali em cima é uma adaptação da original, com o prolongamento de uma das margens. Talvez assim se perceba melhor que estamos perante um debate inaceitavelmente amputado e empobrecido. Como o seria também se estivesse em falta, pondo agora as coisas no prisma oposto, um representante da área do CDS-PP ou da área do PSD.
sábado, 25 de setembro de 2021
Tendências eleitorais nas mais recentes autárquicas (I)
Uma dessas tendências tem que ver com o recúo gradual de voto à direita (cerca de -10 pontos percentuais), que reflete o aumento das votações à esquerda (cerca de +5 pontos percentuais) e em partidos com perfil ideológico menos definido (de 2,5% para 8,4% no período considerado). Outra tendência é a da relativa perda de terreno dos atuais partidos com representação parlamentar, quando avançam sozinhos (de cerca de 81% para 74%) e do aumento do peso relativo das coligações e candidaturas de independentes (Grupo de Cidadãos), mantendo-se inalterada a percentagem de votos noutros partidos que concorrem isoladamente (a rondar 1% do total).
Os resultados de amanhã permitirão verificar se estas tendências se mantêm, nomeadamente quanto ao aumento da votação à esquerda - que não deixa de trazer à memória os resultados que criaram as condições para a solução política encontrada na sequência das legislativas de 2015 (e que se repetiu, em termos de votos, nas de 2019) - e aumento da percentagem obtida por candidaturas independentes.
sexta-feira, 24 de setembro de 2021
Vão trabalhar, malandros
Os pobres não trabalham porque têm demasiados rendimentos; os ricos não trabalham porque não têm rendimentos suficientes. Expande-se e revitaliza-se a economia dando menos aos pobres e mais aos ricos.
quinta-feira, 23 de setembro de 2021
O nosso dinheiro
Subjacente a esta desproporcionalidade creio estar uma conceção convencional do dinheiro, comum nos manuais de Economia, segundo a qual este surge (quer atualmente, quer na sua origem histórica) de forma “natural”, como resultado das ações descentralizadas de indivíduos, das suas opções e preferências numa lógica de mercado livre, havendo até quem descreva este processo como o mais democrático possível. Daqui decorre que qualquer interferência neste processo é vista como ilegítima e desrespeitosa das escolhas e preferências dos indivíduos devendo, portanto, ser a mínima possível. Esta conceção, instrumental para a legitimação duma sociedade submissa à lógica do mercado, não corresponde à realidade atual nem a sua história de origem do dinheiro tem qualquer sustentação empírica.
Uma perspetiva alternativa (apoiada por factos e lógica) atribui, para o bem e para o mal, ao Estado, ou a uma autoridade central, um papel fundamental na criação e formulação de dinheiro e do sistema monetário, sendo este um bem público, uma criatura do Estado. Segundo esta visão, não existe nada de “natural” na forma como o dinheiro surge na economia, sendo este antes uma construção coletiva com beneficiados e prejudicados e efeitos profundos no funcionamento da economia. Christine Desan é atualmente a principal figura desta perspetiva e a que a melhor tem exposto e divulgado, apelando a uma democratização do sistema monetário. Recomendo o seu livro “Making Money: Coin, Currency, and the Coming of Capitalism”, ou estes excelentes artigos, assim como a conferência que organizou há dois anos intitulada Money as a Democratic Medium ou uma das inúmeras palestras e entrevistas que facilmente se encontram por aí.
No pico da sua hegemonia, a conceção convencional de dinheiro foi institucionalizada - e ainda mais reificada do que era até então - com a criação do euro, onde o dinheiro parece menos nosso do que nunca, tendo o campo de contestação política do seu desenho passado para um nível europeu, convenientemente longe das tricas políticas nacionais. Mas isto não pode limitar o horizonte das nossas reivindicações e aspirações sobretudo num cenário de emergência social e climática. É importante que tenhamos presente o carácter público e comunitário da forma que medeia praticamente todas as interações duma economia monetária para que consigamos legitimar as transformações da nossa sociedade de que tão urgentemente precisamos. É que – nunca é demais insistir – o dinheiro é nosso. Temos o direito de exigir que este seja reformulado para dar uma resposta mais eficaz às nossas necessidades e aspirações.
quarta-feira, 22 de setembro de 2021
«Bolsas» e «seguros», que não são liberdade nem escolha
Na candidatura a Oeiras, a Iniciativa Liberal tem um outdoor que promete «Bolsas» para frequência de Creche e Jardim de Infância e, na página do facebook, um «Seguro Municipal de Saúde», para assegurar «aos cidadãos os cuidados (...) que necessitam, independentemente de o prestador ser público, cooperativo ou privado». Alegam que com este seguro «a escolha é tua» e que assim se garante, «de forma inequívoca, a universalidade no acesso». Só não explicam quanto custa (pouco não é certamente) nem de onde vem o dinheiro para financiar estas medidas.
Não sendo plausível que a IL aumente ou crie novos impostos (pelo contrário), cabia ao partido dizer em que rubricas do orçamento municipal vai cortar para patrocinar as «bolsas» e o «seguro». Aliás, e mesmo ainda antes disso, seria de esperar que a Iniciativa Liberal assumisse que o que quer mesmo é criar um «cheque-ensino» e um «cheque-saúde», de modo a poder financiar privados com dinheiros públicos. Se estes vouchers são assim tão bons, tão «universais» e com tanta «liberdade de escolha», porque não dizem, sem disfarce nem vergonha, ao que vêm?
A questão é que a IL tem a noção que propor «cheques-ensino» e «cheques-saúde» não é um trunfo eleitoral mobilizador. Porque já perceberam que já se percebeu que estes instrumentos, apenas na aparência bondosos, significam subfinanciar serviços públicos e instituir profundas desigualdades sociais no acesso, ao contrário do que se apregoa. É que, perante a procura, e em contexto de concorrência (que obriga a alardear elevados níveis de supostos «sucessos»), são os privados quem detém, na verdade, a dita «liberdade de escolha», optando pelos melhores alunos (que garantem bons lugares nos rankings), pela manipulação de notas, pelas situações de doença menos problemáticas ou pela inflação de atos médicos. Ao contrário do que sucede com a Escola Pública e o SNS, que são de todos para todos.
terça-feira, 21 de setembro de 2021
Não, não era
“Era difícil imaginar tanto disparate, tanta asneira, tanta insensibilidade, tanta irresponsabilidade, tanta falta de solidariedade”, afiançou agora, a propósito da Galp, António Costa, o que nada fez.
segunda-feira, 20 de setembro de 2021
Estes “jornalistas”, para quê?
Miguel Sousa Tavares informou-nos recentemente que não faz mais entrevistas. É uma excelente notícia, já que Tavares, como foi pela enésima vez visível nas entrevistas a Pedro Nuno Santos e a António Costa, é um exemplo acabado da mediocridade do que passa por elite no jornalismo mediático, a que substitui o estudo pelo achismo preguiçoso e pelo preconceito de classe mais desavergonhado.
Desde o Equador que não lia Sousa Tavares, mas esta semana chamaram-me a atenção para um artigo no Expresso, onde justifica a menção ao tal jovem dos seus círculos sociais que ganha 2700 euros: “não fui buscar os 2700 euros por acaso”, uma vez que “a taxa de incidência de IRS é de uns aterradores 45%”, garantindo Tavares que o desgraçado jovem paga 1300 euros ao Estado.
Não há terceira hipótese: Tavares é ignorante ou é desonesto, já que omite a diferença entre taxa média e taxa marginal que é aqui explicada com exemplos e tudo. Quem paga impostos sabe a diferença e quem é rico sabe que 45% é a taxa marginal, aquela que incide apenas sobre a parte - sublinho, apenas a parte - do rendimento coletável acima - sublinho acima - dos 36000 euros anuais. A taxa média para este jovem pouco ultrapassará portanto um quarto do rendimento coletável, sublinho outro detalhe omitido na contabilidade fictícia de classe patrocinada por Tavares.
Estes “jornalistas”, para quê?
sexta-feira, 17 de setembro de 2021
E sem o SNS, como estaríamos hoje?
Como em tudo na crise pandémica, são múltiplos e entrecruzam-se os fatores que contribuem, em cada país, para o maior ou menor êxito, ou fracasso, do processo de vacinação. No nosso caso, e entre outros fatores, é de destacar o facto de os portugueses serem «os europeus que mais consideram que os benefícios da vacina contra a covid-19 superam os riscos (87%) e que mais defendem o “dever cívico” da vacinação (86%)». O que, conjugado com a extraordinária capacidade de organização e resposta do SNS neste âmbito, contribui, e muito, para explicar o sucesso da vacinação, que as comparações internacionais registam.
Agora imaginem que não dispúnhamos hoje de um serviço público de saúde - o SNS - com a sua rede de unidades e recursos fundada numa lógica de cobertura territorial e que assume os princípios da universalidade, gratuitidade e equidade no acesso, intrinsecamente comprometido com o direito constitucional à saúde e organizado de modo a assegurar a necessária coordenação, coesão e coerência na implementação de orientações e decisões. E que tínhamos, ao contrário - como a direita pretende - um «sistema» de saúde assente na indiferenciação entre público e privado (com o Estado a financiar este último), numa amálgama de perfis institucionais, «filosofias de vida» e objetivos distintos (desde logo na questão do lucro). Se assim fosse, estaríamos como hoje estamos no processo de vacinação? Certamente que não.
quarta-feira, 15 de setembro de 2021
Neoliberalismo "reloaded"?
Introdução
Os efeitos da actual crise económica continuam a trocar as voltas à economia internacional: escassez de componentes necessários à produção, aumento de preços para determinados bens e cadeias logísticas em ruptura. Esta situação é fruto das consequências directas e indirectas de uma crise pandémica muito peculiar: confinamentos e vacinação a diferentes ritmos nacionais e regionais; mudança de hábitos de consumo; diferentes níveis de gastos públicos e subsequentes recuperações económicas desiguais. Entretanto, um novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas foi publicado, dando conta da irreversibilidade das mudanças climáticas, da impossibilidade de cumprir as metas propostas e, portanto, da necessidade de uma nova e maior acção pública e privada.
Quer sejam imediatos ou de médio prazo, os desafios e riscos que se colocam não estão a ser ignorados. Decididos a não cometer muitos dos erros da crise de 2008-09, os diferentes Estados, de forma assimétrica é certo, convocaram a política monetária e a política orçamental para superar as diferentes crises. Os bancos centrais dos EUA, Japão e Zona Euro assumiram uma política expansionista de juros baixos e compra de dívida nos mercados, que preveniu qualquer crise no setor financeiro ou pressão nos mercados de dívida pública e privada. Nos EUA e na União Europeia programas de investimento público inéditos prometem não só assegurar uma rápida recuperação económica, mas também reestruturar as economias, respondendo aos desafios climáticos e aumentando a sua competitividade externa.
Depois de anos em que a austeridade foi a panaceia da política económica, há quem assegure que o neoliberalismo acabou (um anúncio já proclamado aquando da Crise Financeira Global (CFG)). Estaríamos agora num período de recuperação do papel do Estado na economia, tal como aconteceu com o New Deal norte-americano dos anos trinta. Contudo, é de notar no domínio da política monetária, que dada a hierarquia monetária internacional, nem todos os bancos centrais têm a mesma margem de manobra, como se atesta agora na política de juros altos de países mais periféricos como o Brasil ou o México, sob o genérico pretexto do combate à inflação, mas, na verdade, como forma de atrair capital especulativo de curto-prazo e estabilizar assim as suas moedas. A mesma assimetria de poder faz-se sentir na política orçamental. Enquanto as maiores economias mundiais se dispuseram a pacotes de gastos públicos inéditos e imediatos, países subordinados, como os do Sul Europeu, optaram por modestos aumentos da despesa pública, preferindo aproveitar as condições favoráveis dos mercados financeiros para promover o endividamento privado, através de moratórias e garantias de crédito.
No entanto, ainda que de forma assimétrica e com recuos já anunciados, é inegável que as sacrossantas regras para as metas de inflação e dos défices públicos foram colocadas em discussão, abrindo o campo das possibilidades políticas. Precisamos, pois, de entender melhor o que motiva estas mudanças e o seu conteúdo de forma a pensar que tipo de intervenção política pode ser articulada à esquerda neste contexto.
Onde devemos gastar os muitos milhões de fundos europeus que estão a chegar a Portugal?
Isto é o que nos dizem os interesses. E o que nos dizem os estudos?
O economista Pedro Gil, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, apresentou hoje o estudo de impacto macroeconómico do Portugal 2020 (o estudo estará em breve disponível aqui). Uma das coisas que analisa é o efeito do PIB de longo prazo de diferentes tipos de despesa.
Como mostra a tabela abaixo, os apoios às empresas têm um efeito muito menor do que o investimento público (IG) e, em particular, do que o investimento em qualificações (TRAIN).
Os modelos em que se baseiam estes resultados dependem de muitas dezenas de hipóteses, quase todas questionáveis. É verdade que o modelo foi construído pela Comissão Europeia e é usado em muitos países distintos, mas nem por isso é ciência exacta. Ainda assim, dá que pensar, não é?
terça-feira, 14 de setembro de 2021
Alojamento local e crise de habitação no Porto
Tal como em Lisboa, também no Porto a relevância do alojamento local para o decréscimo do parque habitacional não pode ser ignorada nem subvalorizada. Desde logo pelos universos em causa: cerca de 8 mil unidades de AL em 2021, que comparam com a perda de 5 mil habitações. Ou seja, se pelo menos parte das unidades de alojamento local tivesse hoje uma função residencial, e não turística, o Porto não teria assistido a uma redução de casas na última década, período em que, note-se, o número de famílias residentes na cidade aumenta 1,4% (quase mais 1.500 que em 2011).
O impacto da intensificação do turismo, e em particular do alojamento local, na estrutura residencial do centro das grandes cidades, torna-se ainda mais evidente quando se procede a uma análise por freguesias. No caso do Porto, constata-se que é na União de Freguesias de Cedofeita, São Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória - que concentra cerca de 73% da oferta de alojamento local da cidade em 2021 - que as perdas de população (-7,4%), famílias residentes (-6,0%) e alojamentos (-12,6%) são mais pronunciadas. O que recomenda, à semelhança de Lisboa, que se trave e reduza, ou redistribua, a oferta de alojamento local na cidade.
segunda-feira, 13 de setembro de 2021
domingo, 12 de setembro de 2021
José Afonso - Utopia
sábado, 11 de setembro de 2021
sexta-feira, 10 de setembro de 2021
O meu Presidente
Para mim, perdemos a melhor pessoa que exerceu o cargo de Presidente de Portugal, a pessoa que deu a melhor imagem do meu país ao mundo na forma serena, destemida e competente como conduziu a defesa da auto-determinação de Timor-Leste, um homem que, desde jovem, conduziu a sua intervenção política sempre com grande dignidade.
A vida de Jorge Sampaio merece o meu maior respeito, como pessoa e como figura pública.
Todos por um
Dos «especialistas» à ausência de pluralismo e contraditório
Conclui-se também, num segundo monolitismo, que isto das leis e das relações laborais é matéria exclusiva do Direito do Trabalho. Ou seja, esqueçam sociólogos, economistas e outros especialistas em questões laborais, oriundos de distintos domínios das ciências sociais. No seu conjunto, esse contributo, necessariamente menos afunilado e mais abrangente, como convém a uma verdadeira economia política do trabalho, não é para aqui chamado. Se estamos a tratar de legislação laboral, basta ouvir juristas, não é? Para quê perder tempo com quem pode melhor conhecer os impactos, sociais e económicos, para trabalhadores e empresas, de «mexidas» no atual quadro legislativo?
Não está em causa, note-se, a pertinência de ouvir juristas ou a opção por escritórios de advogados. E menos ainda o conhecimento ou as legítimas perspetivas dos consultados em apreço. Apenas se estranha que no Negócios não se estranhe a redundância de opiniões que daqui resulta, a ponto de as poder subsumir (apesar das nuances entre elas) no título taxativo que se deu à notícia. O que está em causa é mesmo este persistente enviesamento e monolitismo que, por preguiça, pressa, desleixo ou orientação ideológica, continua a viciar e a empobrecer, no campo mediático, o contraditório e o pluralismo no debate.
quinta-feira, 9 de setembro de 2021
É só somar
Recebi por correio uma soma simples com um resultado político correcto, relativamente em linha com o que por aqui se tem defendido, por exemplo a propósito das liberdades, ou com a campanha autárquica.
Este bloco político em construção teve e tem ventos europeus a seu favor, das políticas da troika à impotência socialista que resulta da lógica da integração, como se viu na Grécia, passando pelos efeitos de um certo contágio político-ideológico que vem de leste para oeste.
Este bloco também resulta da necessidade nacional, oriunda dos sectores mais reacionários, incluindo do capital, de complementar este viés estrutural por superar com uma política capaz de fazer contraponto político-ideológico à esquerda que não desiste. Sim, esta gente é mais do que a crise do PSD, sendo sintoma mórbido de uma crise mais profunda e sem fim à vista.
Mesmo em modo defensivo, e com limites óbvios, a esquerda ainda protege sectores relevantes face aos vampiros, pressionando a margem mínima que ainda cabe a este Estado nacional.
quarta-feira, 8 de setembro de 2021
terça-feira, 7 de setembro de 2021
Política capital
Numa imprensa tão frágil quanto dócil para com o capital, a relação sociopolítica central num sistema com cada vez menos freios e contrapesos democráticos, titulava-se recentemente: «Grandes empresários comprometem-se a ajudar país a regressar ao Top 15 europeu» em termos de produto interno bruto (PIB) per capita. Termos relativamente grandiloquentes para dar conta da fundação, em plena crise pandémica, de uma associação, reunindo para começar 42 empresas ou grupos económicos que operam em Portugal, independentemente da sua nacionalidade, e que foi baptizada com um nome bem português: Business Roundtable Portugal (BRP). Expressão linguística da perda económica de independência política, por sua vez filha da manifestação da globalização nesta periferia do continente, ou seja, da integração europeia, o uso do inglês tem a vantagem de ofuscar o que a tradução literal daria a ver – mesa-redonda dos negócios em Portugal, dos grandes negócios, claro, dado que é da organização política das grandes empresas que se trata.
segunda-feira, 6 de setembro de 2021
A memória é um país distante (V)
«O Dr. Bruno Top Soares conta uma história inspiradora de como há 70 anos (em 1951), se tinha maior liberdade para se singrar do que em 2021. É a chapada de fist bump que o socialismo precisava. As oportunidades que o Dr. Salazar oferecia para as pessoas saírem da sua zona de conforto, com sardinhas para sete pessoas, e emigrar para Lisboa dos anos 50, com todas as suas incubadoras de empresas e sem a carga fiscal socialista, é algo que não encontramos na ditadura socialista de certificados digitais, autênticas estrelas de David para quem quer comer em restaurantes. Quem não se lembra da Web Summit do Mundo Português, com oportunidades de investimento num Portugal que era muito maior do que é hoje?
Nos anos 50 não havia socialismo em Portugal, não havia "pandemia", não havia Festa do Avante, não havia sindicatos e as crianças não tinham de se preocupar com os pequenos-almoços comunistas porque estavam ocupadas com o seu ofício no vale do Ave. As pessoas podiam ir livremente a restaurantes sem terem de apresentar certificado. Podia não haver tantos restaurantes pelo racionamento da comida e da fome, mas não havia apartheid quando se colocava a hipótese de se ir a um restaurante. Hoje é muito pior, basta lerem o 1984. Obrigado Dr. Bruno Totil Soares por nos dar esperança no futuro, com exemplos de um passado feliz.»
Jovem Conservador de Direita (sobre o candidato da Iniciativa Liberal à Câmara Municipal de Lisboa).
Um jornal para transformações
Os maiores fogos de sempre na Sibéria; incêndios descontrolados na Grécia, Itália e Turquia; enormes cheias na China, Alemanha e Bélgica; temperaturas próximas dos 50ºC no Canadá… A noção de que a crise climática se agrava de ano para ano é cada vez mais irrefutável. O mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa), só veio confirmar esta realidade e dar-lhe contornos mais precisos, baseados no melhor conhecimento científico disponível. Os impactos da crise estão a aumentar, ultrapassando inclusive as piores projecções (...) Esta crise não foi criada por todos de igual modo. Os 10% mais ricos do planeta são responsáveis por cerca de 50% das emissões anuais. Já os 50% mais pobres emitem menos de 10% das mesmas. A crise climática é hoje indissociável da crise da desigualdade económica, causada pelo triunfo do neoliberalismo nas últimas décadas. Nenhuma delas pode ser resolvida em separado. À luz do que a ciência climática indica, é urgente uma transformação profunda da economia e da sociedade (e não apenas uma mera «recuperação», para que tudo volte a ser como era antes da pandemia). Para isso, a economia terá de estar necessariamente sujeita à ecologia, cujas conclusões nos indicam que actividades humanas poderão ser mantidas e a que escala. E essa mesma economia terá de trabalhar para o bem-estar e a prosperidade de toda a população – e não apenas da pequena minoria que nos conduziu à beira do caos climático.
sábado, 4 de setembro de 2021
Razões para festa
No ano passado não fui à Festa. Aliás, fui contra sua realização quando foi anunciada, mas nada como uma campanha anti-comunista com escala inusitada, juntamente com a responsabilidade organizacional comunista, para me fazer mudar de posição.
sexta-feira, 3 de setembro de 2021
Uma alternativa ao "normal verde"
quinta-feira, 2 de setembro de 2021
Do moralismo económico
João Miguel Tavares aproveita o regresso de férias para partilhar com os leitores do Público a extraordinária descoberta que fez na sua viagem familiar pela Floresta Negra alemã: aí vive-se melhor do que em Portugal, vejam bem. Aproveita para se referir com nostalgia às promessas de convergência ilimitada dos anos oitenta e noventa, as do cavaquismo e quejandos.
quarta-feira, 1 de setembro de 2021
Censos, alojamento local e crise de habitação (III)
Uma das razões que explicam esta quebra (como já assinalámos aqui e aqui), tem que ver com o impacto do alojamento local na estrutura residencial da cidade, e de forma particular nas freguesias do seu centro histórico (nomeadamente Misericórdia e Santa Maria Maior), onde o peso relativo das unidades de alojamento local, no total do alojamento residencial e turístico (AL), oscila, nessas freguesias, entre os 30% e 40%, sendo também significativo (superior a 10%) nas freguesias de Santo António e de São Vicente.
Globalmente, o que se constata é que se, no limite, toda a oferta de alojamento local fosse destinada a habitação, Lisboa não teria registado as perdas de alojamentos que registou na última década, antes se verificando um aumento na ordem dos 12 mil fogos (+3,7%), face a 2011. O que significa, por seu turno, que para ter mantido, em 2021, o número de fogos de 2011, teria seria necessário que o atual número de unidades de alojamento local na cidade se situasse em 12 mil e não em 19 mil. Isto é, que representasse cerca de menos 1/3 da oferta atualmente existente.
Sabemos bem, é claro, que o alojamento local permitiu recuperar muitos fogos devolutos que, de outro modo, se teriam provavelmente mantido nessa situação. Tal como é inegável o contributo do alojamento local para a reabilitação e revitalização urbana, o turismo e o emprego e, de modo mais amplo, a economia da cidade. Mas a verdade é que também se torna evidente, face a estes dados, que Lisboa dispunha de um potencial de oferta que poderia ter sido mobilizado, pelo menos em parte, para fins habitacionais, mas que acabou por ser reorientado, de forma concentrada e excessiva, para a função turística, comprometendo o acesso à habitação. O equilíbrio é de facto, nestas matérias, um princípio essencial a acautelar.