Numa imprensa tão frágil quanto dócil para com o capital, a relação sociopolítica central num sistema com cada vez menos freios e contrapesos democráticos, titulava-se recentemente: «Grandes empresários comprometem-se a ajudar país a regressar ao Top 15 europeu» em termos de produto interno bruto (PIB) per capita. Termos relativamente grandiloquentes para dar conta da fundação, em plena crise pandémica, de uma associação, reunindo para começar 42 empresas ou grupos económicos que operam em Portugal, independentemente da sua nacionalidade, e que foi baptizada com um nome bem português: Business Roundtable Portugal (BRP). Expressão linguística da perda económica de independência política, por sua vez filha da manifestação da globalização nesta periferia do continente, ou seja, da integração europeia, o uso do inglês tem a vantagem de ofuscar o que a tradução literal daria a ver – mesa-redonda dos negócios em Portugal, dos grandes negócios, claro, dado que é da organização política das grandes empresas que se trata.
O nome em inglês revela a coisa original, ou seja, a economia política de referência: de facto, a Business Roundtable foi criada em 1972, nos Estados Unidos, por um conjunto de grandes empresas norte-americanas. Trata-se de uma organização política capitalista ainda operacional e que foi reconhecidamente parte de uma reacção política anti-sindical mais vasta e extraordinariamente bem-sucedida no desmembramento do Estado saído do New Deal dos anos trinta. Destinava-se, assim, a restaurar as prerrogativas regulatórias do capital, ameaçadas pela militância laboral num contexto histórico, o dos anos setenta, de compressão dos lucros e juros, favorecendo igualmente a desregulamentação, a abertura de mercados e a redução dos impostos, bem como uma política económica que desse prioridade ao combate à inflação em detrimento do ameaçador pleno emprego. O neoliberalismo não se reduz a uma organizada reacção de classe, mas não pode ser compreendido sem este esforço deliberado, jamais inteiramente concluído, para restaurar em novos moldes todos os poderes disciplinares de um capitalismo idealmente expurgado das concessões colectivistas, favoráveis ao poder dos subalternos.
O resto do artigo, política capital, pode ser lido no Le Monde diplomatique - edição portuguesa de Setembro.
Os empresários reúnem-se para defender os seus interesses.
ResponderEliminarO Papa é católico?
Isto deve causar escândalo ou espanto? Evidentemente que não, até porque trabalhadores fazem o mesmo. Chama-se pluralismo e é habitual em todas as sociedades democráticas.
Isto não quer de modo nenhum dizer que os Governos devem seguir-lhes os conselhos, porque o interesse público é o interesse geral e não o interesse de uma classe...
Exacto. Em regimes capitalistas incapazes de superar o freio que a democracia, mesmo que limitada, impõe à classe dominante, a imprensa torna-se a ferramenta fundamental para manufacturar artificialmente os consensos e ilusões necessários para manter as relações de poder que interessam a essa classe dominante.
ResponderEliminarEsta obra está constantemente inacabada como realça aqui bem o Joao Rodrigues porque a classe dominante enferma de um par de fraquezas estratégicas na guerra de classes: a sua estrutura de poder depende inerentemente do trabalho das classes subalternas para se sustentar e reproduzir e simultaneamente tem de lidar com uma estrutural inferioridade numérica face a essas classes subalternas.
Dependendo da forma de cálculo, varia entre 1 para 100 e 1 para 1000.
'Em regimes capitalistas incapazes de superar o freio que a democracia, mesmo que limitada, impõe à classe dominante,...' o capital emigra.
ResponderEliminar@Jose,
ResponderEliminarTres palavras, nem isso... apenas duas chegam ao patamar de substantivo e verbo... e consegues, ainda assim, arrotar uma baboseira grosseira.
A emigracao de capital e uma das formas que as classes dominantes tem de superar (ou transceder) barreiras a reproducao das suas estruturas de poder.
Ha regimes capitalistas onde essa ferramenta nao esta a sua disposicao, ou estando, e insuficiente.
Isto e meridianamente obvio porque, se a emigracao de capital (mais tudo o resto: aparelho repressivo, desemprego de massas, leis a medida, educacao desintegradora, etc...) fossem panaceia para a classe dominante, eles (voces, tu) nao precisavam da imprensa.