Contudo, ainda que a maior parte dos credores tenha aceitado o corte de 70% que o default argentino implicou, uma pequena parte destes - sobretudo hedge funds que nunca emprestaram um cêntimo ao Estado argentino, pois compraram os seus títulos no mercado secundário ao preço da uva mijona - exige nos tribunais, um pouco por todo mundo, o pagamento integral dos seus títulos. No mês passado, um barco militar argentino foi arrestado no Gana, devido a um processo entreposto por um hedge fund, no que podia ser considerado um acto de guerra. Agora, depois de anos de luta judicial, uma decisão nos EUA pretende obrigar o pagamento integral a dois hedge funds norte-americanos, no que é um enorme imbróglio pois em caso de recusa do governo argentino de pagar a estes abutres, os fundos reservados a quem aceitou a troca de dívida poderão ser mobilizados para estes. Uma confusão legal com enormes implicações para processos de reestruturação futuros.
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
Colonialismo legal
Contudo, ainda que a maior parte dos credores tenha aceitado o corte de 70% que o default argentino implicou, uma pequena parte destes - sobretudo hedge funds que nunca emprestaram um cêntimo ao Estado argentino, pois compraram os seus títulos no mercado secundário ao preço da uva mijona - exige nos tribunais, um pouco por todo mundo, o pagamento integral dos seus títulos. No mês passado, um barco militar argentino foi arrestado no Gana, devido a um processo entreposto por um hedge fund, no que podia ser considerado um acto de guerra. Agora, depois de anos de luta judicial, uma decisão nos EUA pretende obrigar o pagamento integral a dois hedge funds norte-americanos, no que é um enorme imbróglio pois em caso de recusa do governo argentino de pagar a estes abutres, os fundos reservados a quem aceitou a troca de dívida poderão ser mobilizados para estes. Uma confusão legal com enormes implicações para processos de reestruturação futuros.
Notas sobre os que andam orgulhosamente acompanhados
1. As periferias sob tutela externa são um laboratório para todas as experiências neoliberais. Estas têm por principal objectivo eliminar os freios e contrapesos laborais que dão relativa segurança a segmentos importantes das classes trabalhadoras, que permitem a sua acção colectiva e algum controlo sobre os processos de trabalho. Conquistas laborais e regulatórias que funcionam como um exemplo e estímulo para a capacitação mais geral de quem trabalha por um salário. A derrota e demolição de direitos desmoralizam em geral. A troika sabe isto muito bem e daí a sua insistência em privilegiar a luta nos portos. Pena que muitos à esquerda, alguns vítima de colonização ideológica pela teoria selectiva dos “grupos de interesse”, não tenham compreendido o que está em causa.
2. A situação laboral dos estivadores, vítimas de uma das mais aldrabonas campanhas mediáticas, e que ainda resistem em alguns portos portugueses contra a circunscrição absoluta de direitos, ilustra a aberta luta de classes desencadeada pela troika e seu governo, já que noutros portos é mesmo a economia do medo que domina há algum tempo: “Apoiamos a greve dos colegas do Sul, se pudéssemos também a fazíamos. Quem assinou o acordo foi um sindicato onde ninguém se revê e ao qual não temos acesso também: já nos avisaram para nem pensar em nos sindicalizarmos, pois não renovam o contrato”.
3. Aconselho a maioria dos deputados, sobretudo Hélder Amaral, o que disse que a estiva é “sexy”, a ler o artigo de Alan Stoleroff. A regressão que ontem foi aprovada, na generalidade, na AR generalizará a tal economia do medo, feita de insegurança e de correspondente incremento da exploração nos portos e para lá deles.
4. Aliás, não foi por acaso que os estivadores portugueses tiveram ontem o apoio presencial de camaradas de toda a Europa. Para lá da solidariedade operária, tradicional neste grupo profissional, todos sabem que a estratégia europeia consiste em usar as periferias como alavanca para conseguir generalizar a precarização laboral, objectivo várias vezes tentado à escala europeia. Confirma-se pela enésima vez que a ficção do trabalho como mercadoria descartável está inscrita nesta integração europeia constitucionalmente neoliberal.
5. As manifestações dos estivadores são também exemplares pela combinação que exprimem de patriotismo e de internacionalismo, de comunitarismo e de solidariedade operária sem fronteiras. Quem disse que as coisas têm de ser contraditórias? O esforço para andar acompanhado tem múltiplas formas e escalas que se podem reforçar mutuamente.
Carta aberta
«Nenhum candidato à liderança do Governo podia invocar desconhecimento sobre a situação existente. O Programa eleitoral sufragado pelos Portugueses e o Programa de Governo aprovado na Assembleia da República, foram em muito excedidos com a política que se passou a aplicar. As consequências das medidas não anunciadas têm um impacto gravíssimo sobre os Portugueses e há uma contradição, nunca antes vista, entre o que foi prometido e o que está a ser levado à prática.
(...) Ao embuste, sustentado no cumprimento cego da austeridade que empobrece o País e é levado a efeito a qualquer preço, soma-se o desmantelamento de funções essenciais do Estado e a alienação imponderada de empresas estratégicas, os cortes impiedosos nas pensões e nas reformas dos que descontaram para a Segurança Social uma vida inteira, confiando no Estado, as reduções dos salários que não poupam sequer os mais baixos, o incentivo à emigração, o crescimento do desemprego com níveis incomportáveis e a postura de seguidismo e capitulação à lógica neoliberal dos mercados.
(...) No meio deste vendaval, as previsões que o Governo tem apresentado quanto ao PIB, ao emprego, ao consumo, ao investimento, ao défice, à dívida pública e ao mais que se sabe, têm sido, porque erróneas, reiteradamente revistas em baixa.
(...) Perante estes factos, os signatários interpretam - e justamente - o crescente clamor que contra o Governo se ergue, como uma exigência, para que o Senhor Primeiro-Ministro altere, urgentemente, as opções políticas que vem seguindo, sob pena de, pelo interesse nacional, ser seu dever retirar as consequências políticas que se impõem, apresentando a demissão ao Senhor Presidente da República, poupando assim o País e os Portugueses ainda a mais graves e imprevisíveis consequências.»
Da carta aberta, subscrita por cidadãos de diferentes quadrantes da sociedade portuguesa, entre os quais Mário Soares, ontem enviada a Pedro Passos Coelho e dada a conhecer a Aníbal Cavaco Silva.
(...) Ao embuste, sustentado no cumprimento cego da austeridade que empobrece o País e é levado a efeito a qualquer preço, soma-se o desmantelamento de funções essenciais do Estado e a alienação imponderada de empresas estratégicas, os cortes impiedosos nas pensões e nas reformas dos que descontaram para a Segurança Social uma vida inteira, confiando no Estado, as reduções dos salários que não poupam sequer os mais baixos, o incentivo à emigração, o crescimento do desemprego com níveis incomportáveis e a postura de seguidismo e capitulação à lógica neoliberal dos mercados.
(...) No meio deste vendaval, as previsões que o Governo tem apresentado quanto ao PIB, ao emprego, ao consumo, ao investimento, ao défice, à dívida pública e ao mais que se sabe, têm sido, porque erróneas, reiteradamente revistas em baixa.
(...) Perante estes factos, os signatários interpretam - e justamente - o crescente clamor que contra o Governo se ergue, como uma exigência, para que o Senhor Primeiro-Ministro altere, urgentemente, as opções políticas que vem seguindo, sob pena de, pelo interesse nacional, ser seu dever retirar as consequências políticas que se impõem, apresentando a demissão ao Senhor Presidente da República, poupando assim o País e os Portugueses ainda a mais graves e imprevisíveis consequências.»
Da carta aberta, subscrita por cidadãos de diferentes quadrantes da sociedade portuguesa, entre os quais Mário Soares, ontem enviada a Pedro Passos Coelho e dada a conhecer a Aníbal Cavaco Silva.
Uma nova narrativa para mascarar o fracasso
Se não viram, tomem meia hora do vosso tempo para ver a edição da semana passada da Quadratura do Círculo (sobretudo a partir do vigésimo minuto). Trata-se de uma excelente síntese dos tempos que correm, em três planos: a tentativa de mascarar, através de uma nova narrativa, o fracasso da austeridade; a importância crucial de desmontar a fraude intelectual que subjaz a essa tentativa (e à própria estratégia austeritária); e a necessidade de clareza quando se fala na superação do memorando de entendimento (que implica evitar formulações simplistas, as que se ficam pelo vazio ambíguo de o «romper» ou pela falsa alternativa de o «adaptar»).
Estes pontos são em grande medida personificados por cada um dos três comentadores do programa. Lobo Xavier congratula-se com o facto de, na sexta avaliação, a troika começar a desprezar as «metas nominais» para se concentrar no «processo» (como se o falhanço das metas não correspondesse, evidentemente, ao falhanço do processo). Pacheco Pereira lembra que as «metas nominais» foram o alfa e o ómega da governação da direita ao longo do último ano. E António Costa refere, com particular clareza, o que deve significar, no concreto, uma «renegociação» do memorando. A não perder.
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
O Estado-providência é sustentável
O meu artigo no jornal i:
Confrontado com os disparates que leio e ouço na comunicação social, em texto anterior (“Um bolo muito apetitoso”) expliquei sumariamente em que consiste o mecanismo de repartição que sustenta a nossa Segurança Social. Hoje pretendo mostrar aos leitores que a ideia da falência da Segurança Social, e do Estado-providência em geral, faz parte de uma retórica inspirada na ideologia neoliberal. Essa retórica será repetida até à exaustão para inculcar nos cidadãos a inevitabilidade da privatização de boa parte da provisão pública. O objectivo é, criando um clima de anomia social, converter o Estado-providência num Estado de serviços mínimos, complementado com uma rede de assistência aos mais desamparados através das IPSS. O resto da população tornar-se-ia o mercado dos grupos económicos privados.
O pretexto para este golpe político é a crise financeira em que estamos mergulhados. Com uma política económica deliberadamente recessiva – o suicídio para que caminha a Europa, segundo Paul Krugman –, as receitas dos impostos e das contribuições sociais afundam-se e as transferências sociais disparam. Consequentemente, o subfinanciamento dos serviços públicos torna-se dramático e, com um nível de desemprego de Grande Depressão, a Segurança Social acabará por entrar em défice. Evidentemente, bastaria não pagar os juros da dívida para que o garrote financeiro ficasse no imediato aliviado. Mas também sabemos que essa despesa não é igual às outras e, face à conhecida irredutibilidade da Alemanha, esse incumprimento implicaria a saída do euro. Esta é a única opção que permite ao país lançar uma estratégia de desenvolvimento que lhe dê futuro. Infelizmente, alguma esquerda ainda receia assumir as implicações da denúncia do Memorando e o não pagamento dos juros, desse modo atrasando um debate público que já deveria estar em curso.
As dificuldades de financiamento da saúde e da educação que hoje vivemos, e a insustentabilidade da Segurança Social que este caminho induz, estão a ser deliberadamente criadas pela política económica suicida que a UE nos está a impor. O abandono da moeda única permite ao país voltar ao crescimento económico e ao normal financiamento do Estado-providência. Portugal pode enfrentar com seriedade o seu défice externo se dispuser de soberania monetária e de autonomia para conduzir políticas públicas, com destaque para as políticas cambial, de comércio externo e industrial. Quanto ao défice público, deixa de ser um problema a partir do momento em que o governo se financia no Banco de Portugal e a economia relança o seu crescimento.
Dirão alguns, então e o problema do envelhecimento demográfico? Mais que um problema, é sobretudo um espantalho ideológico esgrimido para justificar a introdução de uma componente de capitalização. Quando a economia começa a crescer, sobretudo através de um forte aumento da produtividade, então o aumento do consumo dos pensionistas, no futuro, será coberto pelo maior produto a repartir nessa data. Mais ainda, num contexto de crescimento, o desemprego diminui, dessa forma aumentando as receitas de contribuições e reduzindo a pressão sobre as despesas da Segurança Social. Por outro lado, nesse novo contexto, e sendo necessário, seria mais fácil aumentar a taxa social única, em alternativa à redução de prestações, ou ao aumento da idade da reforma, como até agora se tem feito.
Com a adesão ao euro, o nosso crescimento económico tornou-se medíocre, o desemprego disparou e o Estado-providência ficou sob pressão. Hoje está nas nossas mãos decidir que vamos ter um Estado-providência sustentável. Mas terá de ser fora do euro.
Amanhã: A economia em crise
«Dentro da crise económica há uma outra crise: uma crise da Economia, isto é, da teoria económica dominante que ainda hoje continua a ser ensinada na maior parte das Faculdades de Economia.
É fácil compreender a razão pela qual uma crise económica põe em crise um determinado tipo de teoria económica. Essa teoria económica assente em ficções acerca do comportamento humano, e as propriedades dos mercados, serviu ela própria para desenhar e construir mercados e de forma indireta para condicionar o próprio comportamento dos seres humanos. Mais do que isso, advogando a desregulamentação, participou na criação das condições que propiciaram a crise financeira.
Sair da crise é portanto também sair da teoria económica a ela associada. Difícil de compreender é que a teoria económica falida continue a dominar o ensino da Economia em todo o mundo, incluindo, muito particularmente Portugal.»
O debate «A economia em crise: teoria e realidade» (que integra o ciclo de debates «Um Futuro Incerto: Economia, Instituições e Sociedade», promovido pelo CES e pela Almedina), tem lugar amanhã, 30 de Novembro, na Livraria Almedina do Atrium Saldanha (em Lisboa), a partir das 18.30h. Com Ana Cordeiro Santos e José Castro Caldas, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
É fácil compreender a razão pela qual uma crise económica põe em crise um determinado tipo de teoria económica. Essa teoria económica assente em ficções acerca do comportamento humano, e as propriedades dos mercados, serviu ela própria para desenhar e construir mercados e de forma indireta para condicionar o próprio comportamento dos seres humanos. Mais do que isso, advogando a desregulamentação, participou na criação das condições que propiciaram a crise financeira.
Sair da crise é portanto também sair da teoria económica a ela associada. Difícil de compreender é que a teoria económica falida continue a dominar o ensino da Economia em todo o mundo, incluindo, muito particularmente Portugal.»
O debate «A economia em crise: teoria e realidade» (que integra o ciclo de debates «Um Futuro Incerto: Economia, Instituições e Sociedade», promovido pelo CES e pela Almedina), tem lugar amanhã, 30 de Novembro, na Livraria Almedina do Atrium Saldanha (em Lisboa), a partir das 18.30h. Com Ana Cordeiro Santos e José Castro Caldas, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
Um governo para ficar na história
Passos Coelho
Vítor Gaspar
(O senhor acima foi também o primeiro a propor a a desvalorização fiscal como remédio para os problemas da periferia europeia. Foi assim a inspiração intelectual da famosa proposta sobre a TSU.)
(O senhor acima foi também o primeiro a propor a a desvalorização fiscal como remédio para os problemas da periferia europeia. Foi assim a inspiração intelectual da famosa proposta sobre a TSU.)
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
O caminho das alternativas
«Na realidade, não há verdadeira alternativa ao Orçamento aprovado que não passe pela redução da única despesa que pode ser cortada sem efeitos recessivos e com benefício na libertação de recursos para o investimento e a criação de emprego: os juros da dívida pública. Os juros da dívida representam 9% da despesa e 4,3% do PIB, quase todo o défice previsto para 2013. Um corte de 1% nos juros vale dois mil milhões de euros. Seria possível diminuir a despesa em quatro mil milhões na despesa (como agora se estima ser necessário) com base num corte de 2% nos juros. Esse é aproximadamente o valor que os fundos europeus nos cobram acima da taxa a que esses fundos obtêm os seus empréstimos.»
Excerto do comunicado, que merece ser lido na íntegra, do Congresso Democrático das Alternativas («Um orçamento sem credibilidade para impor a destruição do Estado Social»). Com uma linha propositiva muito clara para romper com as teses da «inevitabilidade» do suicídio austeritário e com a fraude da «refundação» do Estado Social (que mais não pretende do que aprofundar, em nome de interesses privados, os cortes nos serviços públicos de saúde, educação e protecção social).
Vítor Gaspar, o radical
O Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, é um homem inteligente e qualificado, mas também obcecado e, por isso mesmo, perigoso. Tem uma agenda de desvalorização interna e privatização do Estado Social. É um técnico, politicamente muito hábil, que procurou no encerramento do debate orçamental transferir para os seus adversários políticos as características que melhor o definem a si próprio: radical e aventureiro.
Só alguém assim pode pretender impor ao país, pela segunda vez consecutiva e numa dose reforçada, uma receita que já falhou. Só um radical se dispõe a retirar 5,3 mil milhões de euros à economia portuguesa em 2013, em cima dos mais de 10 mil milhões que retirará durante o ano de 2012. Só um aventureiro se predispõe a fazer experiências numa economia complexa com base em cenários delirantes que nenhum economista subscreve. É exemplo disso a tentativa frustrada de, através de alterações na TSU, transferir rendimento diretamente de trabalhadores para patrões. Só um conservador radical aproveita a crise presente para transformar o Estado Social português numa versão minimalista e assistencialista.
No entanto, não demonstrou qualquer vergonha quando acusou de radicalismo e aventureirismo aqueles que, no PS, defendem o financiamento da dívida pública pelo BCE. Não há nada de mais bom senso que defender que o BCE tenha os mesmos instrumentos dos Bancos Centrais dos Estados Unidos da América, Inglaterra ou Japão. Basta para isso ler o seu “amigo” e conselheiro económico de Durão Barroso, Paul De Grauwe, na defesa de que não pode existir uma moeda única sem este mecanismo. Se há lição a tirar desta crise europeia é a de que o euro não pode sobreviver sem um Estado europeu digno desse nome. Pelo contrário, de Vítor Gaspar nunca ouvimos uma ideia, uma proposta que vise solucionar o carácter europeu desta crise.
Radical é um Ministro das Finanças que tenta excluir, pela via da retórica, todos os que querem participar no debate político com propostas praticadas no mundo real. São homens assim que perigam a nossa democracia.
(Artigo publicado no jornal i)
Portugal não é a Grécia (II)
«Com um forte aperto fiscal - na ordem dos 3,2% do PIB em 2013, que inclui mais subidas de impostos - e elevados níveis de dívida privada, 2013 será muito provavelmente mais um ano de profunda recessão. O que conduzirá a um agravamento do défice. Prevê-se que Portugal necessite de um apoio financeiro externo adicional até ao final de 2013 / início de 2014, quando o actual programa de resgate chegar ao fim. Tal como a Grécia, esta situação exigirá provavelmente um corte na dívida soberana portuguesa, de forma a limitar a sua exposição aos credores oficiais. O reequilíbrio da economia só agora começou e levará mais alguns anos até ficar concluído».
O parágrafo sobre Portugal no recente relatório do Citigroup («Global Economic Outlook and Strategy - Prospects for Economies and Financial Markets in 2013 and Beyond»), que aponta para uma quebra do PIB de 4,6% em 2013 (apenas superada pela Grécia num conjunto de 36 países) e para uma taxa de desemprego a rondar os 18%. Completamente ao arrepio, portanto, do optimismo radical, populista e aventureiro do governo de Vítor Gaspar (que prevê uma variação de apenas -1,0% do PIB e uma taxa de desemprego limitada a 16,4% em 2013).
terça-feira, 27 de novembro de 2012
Infame
É um OE ilegítimo, pois assenta numa fraude democrática: executa um programa de transformação (mais propriamente, destruição) económica e social que não foi sufragado nas urnas e que, se o fosse, seria derrotado por uma imensa maioria.
É um OE fantasioso, pois assenta em pressupostos de previsão macroeconómica totalmente desfasados da realidade (a realidade, sempre esse empecilho!), tal como é amplamente ilustrado pelo permanente desfasamento entre as previsões macroeconómicas do governo e a evolução do desemprego, do consumo, do investimento, do défice, da dívida.
É um OE profundamente injusto, pois repercute a austeridade em sede de IRS em 89% nos rendimentos do trabalho e em 11% nos rendimentos do capital. Profundamente injusto pois ataca com extrema insensibilidade os mais vulneráveis (os desempregados, os doentes, os reformados) no contexto da mais grave crise social e económica das últimas décadas. Profundamente injusto porque, em sede de IRS, procede a alterações regressivas na fiscalidade que fazem com que quem recebe menos pague relativamente mais. Profundamente injusto porque perpetua a falta de progressividade ao nível do IRC, penalizando as pequenas empresas que mais postos de trabalho criam (incluindo as de sectores como a restauração, adicionalmente penalizadas pelo IVA). Profundamente injusto porque trata como intocável o serviço da dívida pública, servindo apenas para dar mais algum tempo à prossecução do projecto neoliberal deste governo (cujo núcleo fundamental é a eliminação de direitos laborais, a redução dos salários directos e indirectos e a conclusão do processo de privatizações a preços de saldo) e para dar mais algum tempo à transferência da titularidade dessa mesma dívida pública, principalmente da banca centro-europeia para os Estados - leia-se, para os contribuintes de outros países -, de modo a que o incumprimento, inevitável mais cedo ou mais tarde, venha a recair, também ele, sobre os trabalhadores e classes populares e não sobre os detentores do capital. Profundamente injusto porque mal toca no autêntico saque que são as parcerias público-privadas, ao mesmo tempo que retira salários a quem trabalha, reformas e subsídios de desemprego a quem descontou, apoios a quem está doente.
E é um OE profundamente destrutivo, pois apenas conduzirá ao alastramento da pobreza, ao aprofundamento da desigualdade, ao aumento do desemprego, à generalização das falências de PMEs, à perda de potencial produtivo da economia, à degradação da qualidade e universalidade de serviços públicos em áreas tão fundamentais como a saúde e a educação, à emigração em massa de população qualificada, à captura - pelos grupos económicos de sempre - de mais sectores de rendas asseguradas, de modo a fazerem uma população cada vez mais empobrecida pagar cada vez mais pelo acesso a serviços básicos.
Este OE infame foi concebido por este governo e aprovado e aplaudido de pé pelas bancadas do PSD e do CDS.
A História julgá-los-á.
Portugal não é a Grécia (I)
«Há cada vez mais velhos abandonados nos hospitais. Há cada vez mais crianças abandonadas nos hospitais. Há cada vez mais animais abandonados. Há cada vez mais meninos que vão para a escola sem terem tomado o pequeno-almoço. Há cada vez mais pessoas a ter de entregar a casa ao banco por não conseguirem pagar a prestação. Há cada vez mais gente desempregada. Há cada vez mais gente a alimentar-se de papas. Há cada vez mais gente a levar um tupperware com comida para o emprego. Há cada vez mais restaurantes a fechar as portas. Há cada vez mais pessoas a fumar tabaco de enrolar. Há cada vez mais pessoas a pedir esmola nas ruas. Há cada vez mais pessoas a recorrer às Misericórdias e ao Banco Alimentar contra a Fome. Há cada vez mais pessoas a não tratar dos dentes. Há cada vez mais pessoas a não ir ao médico. Há cada vez mais casos de tuberculose. Há cada vez mais casos de tosse convulsa. Há cada vez mais casos de dengue na Madeira. Há cada vez mais pessoas a deixar de comprar jornais e revistas. Há cada vez mais pessoas a andar de transportes públicos. Há cada vez mais pessoas a emigrar.»
Nicolau Santos, «O país onde há cada vez mais de tudo» (Expresso)
O INE divulgou há dias dados definitivos dos Censos de 2011. Em muitos aspectos, porém, Portugal já terá mudado mais, no espaço de um ano, do que durante a década que separa este apuramento censitário daquele que o antecedeu. O retrato do país que a crónica de Nicolau Santos estabelece não cai do céu: é construído com notícias que vão surgindo e que - como peças de um puzzle macabro - vão desvelando a tragédia social em que estamos cada vez mais atolados.
Curiosamente, esta percepção da degradação das condições de vida dos portugueses dificilmente se obtém no portal que prometia dar a «conhecer a crise», patrocinado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e entregue ao sociólogo António Barreto, um dos profetas levianos da necessidade de «refundação do Estado Social». Apostado na simples compilação de dados estatísticos, o «portal do pingo doce» limita-se a estabelecer um retrato esquálido, que se auto-aprisiona no conjunto de variáveis previamente seleccionadas e que, por isso, é insensível a muitos dos efeitos sociais concretos que a austeridade tem desencadeado.
Tempos estranhos estes, em que um sociólogo se refugia na frieza dos números para dissimular os contornos da crise social que o país atravessa e em que um economista lúcido dispensa sabiamente o linguajar opaco e traiçoeiro das análises quantitativas para melhor sentir, e poder perceber, o que mudou na vida concreta das pessoas. E, como se não bastasse, perante os sinais da devastação económica e do sofrimento inútil, ainda temos Cavaco Silva, o presidente da república que tenta disfarçar a sua incompetência, mediocridade e irresponsabilidade política com graçolas pueris sobre o silêncio cúmplice em que se tem acobardado.
Nicolau Santos, «O país onde há cada vez mais de tudo» (Expresso)
O INE divulgou há dias dados definitivos dos Censos de 2011. Em muitos aspectos, porém, Portugal já terá mudado mais, no espaço de um ano, do que durante a década que separa este apuramento censitário daquele que o antecedeu. O retrato do país que a crónica de Nicolau Santos estabelece não cai do céu: é construído com notícias que vão surgindo e que - como peças de um puzzle macabro - vão desvelando a tragédia social em que estamos cada vez mais atolados.
Curiosamente, esta percepção da degradação das condições de vida dos portugueses dificilmente se obtém no portal que prometia dar a «conhecer a crise», patrocinado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e entregue ao sociólogo António Barreto, um dos profetas levianos da necessidade de «refundação do Estado Social». Apostado na simples compilação de dados estatísticos, o «portal do pingo doce» limita-se a estabelecer um retrato esquálido, que se auto-aprisiona no conjunto de variáveis previamente seleccionadas e que, por isso, é insensível a muitos dos efeitos sociais concretos que a austeridade tem desencadeado.
Tempos estranhos estes, em que um sociólogo se refugia na frieza dos números para dissimular os contornos da crise social que o país atravessa e em que um economista lúcido dispensa sabiamente o linguajar opaco e traiçoeiro das análises quantitativas para melhor sentir, e poder perceber, o que mudou na vida concreta das pessoas. E, como se não bastasse, perante os sinais da devastação económica e do sofrimento inútil, ainda temos Cavaco Silva, o presidente da república que tenta disfarçar a sua incompetência, mediocridade e irresponsabilidade política com graçolas pueris sobre o silêncio cúmplice em que se tem acobardado.
segunda-feira, 26 de novembro de 2012
Flexinsegurança
A lata deste governo, exemplificada por um fundamentalista Secretário de Estado do Emprego, não tem fim. Pedro Martins é co-autor de um artigo surreal no Público de hoje, escrito a meias com um seu colega norueguês das finanças, militante dos socialistas de esquerda e tudo, a desenterrar a ideia da flexisegurança, o modelo ideológico da defunta terceira via para combinar a desregulamentação laboral com inclusão social. Nem uma palavra sobre a destruição em centenas de milhares de postos de trabalho no nosso país devido à compressão da procura criada pela austeridade (o desemprego é mesmo keynesiano…), apenas uma menção inicial a uma parda crise. Nem uma palavra sobre a brutal contração do Estado social em Portugal, que torna “um sistema generoso e universal de segurança social” numa miragem para cada vez mais cidadãos, numa piada de mau gosto. Nem sequer uma palavra sobre um dos ingredientes fundamentais, e institucionalmente complementares ao Estado social universal e à aposta na formação do tal “modelo” nórdico: a presença de elevadas taxas de sindicalização e de uma tradição institucional de negociação colectiva mais centralizada que, apesar de tudo, também vai ainda garantindo menor desigualdade, o contrário do que se está a fazer por cá. Sobram no artigo generalidades sobre a “flexibilidade laboral” para combater a “segmentação”, inevitável num capitalismo tão desigual, que são a base ideológica do real projecto do governo e dos seus amigos da troika: transformar Portugal num imenso laboratório para a desvalorização interna, através da redução dos direitos laborais e sociais e do desemprego de massas, uma verdadeira flexinsegurança. De resto, as periferias pagam um preço elevado do ponto de vista da tóxica ideologia dominante por estarem no euro, embora o preço principal seja mesmo a quase quadruplicação, desde o final do século XX, de uma taxa de desemprego que, por sua vez, tinha atingido um máximo histórico no nosso país de menos de 8% antes de aderirmos a esta rígida utopia monetária.
Para que serve o «Direito à Habitação»?
«Às nove da manhã o meu filho ligou para mim. Que estavam a dormir, quando chegou a Polícia e um fiscal da Câmara. Que os mandou vestir. E que depois ficaram (as crianças) na rua, porque a casa ia abaixo. (...) A Segurança Social perguntou se o meu filho tinha fome mas eu recusei comida. Eu não quero comida, eu quero uma casa para morar. Para o comer, eu trabalho.» (Cristina Coelho, 35 anos, mãe solteira).
As demolições, iniciadas em Julho, regressaram a Santa Filomena, um bairro do concelho da Amadora onde vivem famílias com baixos rendimentos (250 a 300 euros mensais), desempregadas ou em situação de emprego precário e mal remunerado (essencialmente na construção civil e nas «limpezas«). Nesta segunda fase do processo, prevê-se que as operações de despejo e demolição afectem 67 famílias, não estando assegurada nenhuma resposta de alojamento, condigno e adequado, em relação a 14 destes agregados familiares. Na segunda feira da semana passada, vinte e duas pessoas (entre as quais dez crianças e dois idosos), ficaram sem tecto.
A Câmara Municipal da Amadora justifica a ausência de resposta a estas famílias com o facto de as mesmas não constarem do recenseamento efectuado em 1993, no âmbito do PER. Isto é, como se desde essa data as carências habitacionais ficassem proibidas por decreto. E como se tal justificasse a redução das suas casas a escombros, por força do pulso metálico das escavadoras e das forças policiais.
Num país em que o alojamento social é o parente mais pobre das políticas públicas e em que o Estado obtém um saldo positivo com a gestão dos bairros sociais municipais (3 milhões de euros em 2009) fica no ar a pergunta incómoda: se nem para evitar despejos selváticos como os que estão a ter lugar na Amadora, para que raio serve o tão constitucional, e solenemente consagrado, «Direito à Habitação»?
domingo, 25 de novembro de 2012
Não há Europa para o euro
Quando nasceu o euro foi apresentado, com pompa e circunstância, como sendo uma moeda para a Europa. A verdade é que dificilmente encontraremos uma Europa para o euro.
João Ferreira do Amaral, Euro: um futuro incerto, 2010.
A pedido de um leitor, deixo-vos os principais artigos de João Ferreira do Amaral que encontrei em linha sobre estes assuntos: O impasse da Europa, 1997; As duas Europas, 2005; O impacto económico da integração de Portugal na Europa, 2006; A crise e as instituições, 2009; Euro: um futuro incerto, 2010; Moeda Única: o custo de uma utopia, 2012. O artigo de 1995, cuja conclusão aqui citei, é um dos que não estão disponíveis em linha.
sábado, 24 de novembro de 2012
Relações nada saudáveis
Parece que há mais uma indicação de que estamos perante um governado de um Banco que não é de Portugal: “Governador do BdP partilhou com banqueiros documentos sobre banco de fomento. Carlos Costa sentiu necessidade de explicar-se a Faria de Oliveira e a Ricardo Salgado depois de gestores terem criticado a futura instituição financeira.” Fica a pergunta de economia política mais importante: para quando um Banco de Portugal?
Investimentos nada saudáveis
Soares dos Santos abre 40 clínicas em centros comerciais. Estes são os investimentos que se fazem em época de aposta política na destruição recessiva e regressiva do Estado social. A mensagem que as políticas públicas devem enviar aos grupos económicos é outra, como aqui temos repetido: ide trabalhar para os transaccionáveis, dirigidos à substituição de importações e à exportação, e larguem a fruta doce do Estado social, seus malandros. De resto, daqui até Fevereiro, aposto que veremos a fundação do pingo doce - Barreto, Jonet e companhia - a continuar a vender, entre outras mercearias finas, a insustentabilidade do Estado social. Se estas políticas não forem travadas, a mensagem destas elites para os pobres, velhos e novos, passará a ser: não gastem o dinheiro todo em vinho ou em concertos porque vão precisar de cada vez mais para a saúde.
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
Pluralismo
Há cerca de dois anos, um conjunto de cidadãos, indignados com o transbordante monolitismo de opinião no debate político-económico promovido pelos órgãos de comunicação social (particularmente pelas televisões), subscreveram uma petição que seria posteriormente enviada às direcções de informação dos diferentes canais, aos grupos parlamentares e à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).
Para os seus promotores e subscritores, estava em causa um incompreensível empenho dos meios de comunicação social - «por ignorância, preguiça, hábito, desconsideração deliberada ou manifesto servilismo» - em mostrar a inevitabilidade das medidas de austeridade então anunciadas, bem como (e sobretudo) o silenciamento a que assim eram sujeitos outros pontos de vista, oriundos de diversos sectores político-sociais e expressos por reputados economistas, que alertavam - já nessa altura - «para o resultado nefasto de receitas semelhantes aplicadas em outros países».
O afunilamento dos termos do debate significava, para os peticionários, um grave problema de democracia e um alarmante entrave a uma discussão plural e aberta da crise e dos caminhos alternativos para a sua superação. A ERC esquivou-se, contudo, a proceder a uma análise competente e aprofundada das questões que lhe foram colocadas nesse contexto, como demonstra a deliberação produzida em Março de 2011 e a que os promotores da petição responderam, através de um comunicado que denunciou as insuficiências, contradições e manobras evasivas da entidade reguladora.
Tem sido, de facto, a própria realidade - face à evidência crescente e cada vez mais generalizada do fracasso colossal da via austeritária - a contribuir de modo mais relevante para o surgimento de alguns sinais (sempre ténues, pontuais e insuficientes) de mudança no panorama da discussão político-económica em espaços de debate televisivo não reservados à representação partidária. Mas sem que, contudo, muitos dos habituais tele-economistas tivessem perdido os privilégios de acesso às televisões ou começassem a ser devidamente confrontados com os resultados reais das medidas que insistente e recorrentemente advogaram (naquilo a que, da parte do papel da comunicação social, José Vítor Malheiros designa, de forma certeira - por jornalismo de «pé de microfone» ou de «pé de câmara»).
Mas há de facto excepções. E uma delas teve lugar ontem de manhã na SIC Notícias, com a participação do Alexandre Abreu no programa «Opinião Pública» (conduzido pela jornalista Carla Jorge de Carvalho). Recomendo que o vejam na íntegra (pois são também interessantes, deste ponto de vista, algumas opiniões dos espectadores). Mas não percam, sobretudo, a excelente intervenção inicial do Alexandre.
"Uma banca acima das nossas possibilidades"
Baseado em alguns dos textos que por aqui publiquei, escrevi um breve artigo sobre a banca nacional para o Jornal de Negócios de hoje. Fica o aperitivo para o texto integral, disponível em linha:
"Imagine o leitor um negócio onde o Estado financia o capital, garante os empréstimos e o acesso à liquidez e, finalmente, assegure um modelo de negócio rentável. Há outro motivo que não o poder dos seus proprietários e o preconceito ideológico para este negócio ser privado?"
"Imagine o leitor um negócio onde o Estado financia o capital, garante os empréstimos e o acesso à liquidez e, finalmente, assegure um modelo de negócio rentável. Há outro motivo que não o poder dos seus proprietários e o preconceito ideológico para este negócio ser privado?"
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
Mais justo?
Como Hugo Mendes assinala, Vítor Gaspar leva-nos para o plano inclinado da destruição do Estado social, repetindo a ideia de que concentrá-lo nos mais pobres tornará os arranjos mais justos. É uma ideia falsa, isto se por mais justo entendermos mais redistributivo, com maior capacidade de servir os interesses dos mais desfavorecidos, claro. O princípio da universalidade é muito mais eficaz. Leia-se João Cardoso Rosas: "Um Estado social justo é, necessariamente, aquele que assume a sua função redistributiva e geradora de coesão social. Nesse Estado social existe universalidade dos benefícios e universalidade das contribuições, adaptadas aos rendimentos e riqueza de cada um. Este Estado social é para todos e todos nele participam. Não é um Estado social apenas para os muito pobres." Aproveito a boleia para repetir o que já aqui escrevi:
O ideal da universalidade está na base dos Estados sociais com maior capacidade redistributiva e com maior qualidade dos serviços, onde é maior a confiança social porque são menores as desigualdades económicas e, logo, mais elevada a legitimidade dos arranjos sociais. É fácil perceber porquê: a universalidade é o meio mais eficaz para podermos dizer com algum realismo que estamos todos no mesmo barco, que temos, enquanto comunidade, bens partilhados. Desta forma, aumenta a “moralidade fiscal”, a disponibilidade para pagar impostos progressivos mais elevados e para taxar os rendimentos do capital, sobretudo o que não tem aplicações produtivas, cuja importância tem aumentado. A probabilidade de fuga dos serviços públicos por parte dos grupos mais instruídos diminui e, logo, a pressão para o aumento da sua qualidade mantém-se. O acesso universal diminui os custos administrativos, pois economiza em controlos burocráticos desnecessários para criar barreiras contraproducentes. Diminui também a probabilidade de guetização dos mais pobres, condenados, em alternativa, a programas medíocres e subfinanciados, e dos que têm algumas posses, condenados a ficar na dependência de grupos financeiros cujo poder aumenta na proporção da vulnerabilidade das pessoas, resultando em transacções de mercado sistematicamente desiguais.
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
Sexta-feira: Economia e interdisciplinaridade(s)
«O pressuposto de que partimos é que existem várias interdisciplinaridades e conotações plurais neste domínio, sendo múltiplos os tópicos a tratar e as interconexões que entre eles podem ser estabelecidas. Esta pluralidade está bem expressa nos textos deste livro. Ela traduz-se na diversidade das relações interdisciplinares consideradas (relações da Economia com a Ciência Política, a Sociologia, a Psicologia, a História, a Filosofia ou a Ética), nos diferentes entendimentos sobre o significado da interdisciplinaridade (desde a simples colaboração entre disciplinas à integração transdisciplinar dos saberes), nos temas/problemas analisados (Estado, organizações do terceiro sector, cidades, etc.)».
Sabemo-lo cada vez melhor: o pensamento económico dominante constitui uma das causas profundas da crise. Ao fechar-se sobre si próprio, dispensando o diálogo com outros saberes, este pensamento habita um mundo imaginário, isolado e irreal, incapaz de interpretar e agir sobre a economia como ela é. Os seus representantes são os economistas de que fala Manuel António Pina na entrevista a Nuno Ramos de Almeida, «uma espécie de núncios e arautos dos mercados. (...) Os que em geral têm acesso às televisões». Superar a sua influência e reabilitar a Economia como ciência social, estabelecendo necessariamente laços com outros domínios do saber, constitui por isso um desafio que se inscreve na tarefa de superação da crise em que nos encontramos.
Organizado por Celia Kerstenetzky e Vítor Neves, o livro «Economia e Interdisciplinaridade(s)» será lançado na próxima sexta-feira, 23 de Novembro, na Livraria Almedina Atrium Saldanha, em Lisboa, a partir das 19.00h. A apresentação da obra estará a cargo de Olga Pombo (Coordenadora do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa) e contará com a participação de Vítor Neves. Estão todos convidados.
Sabemo-lo cada vez melhor: o pensamento económico dominante constitui uma das causas profundas da crise. Ao fechar-se sobre si próprio, dispensando o diálogo com outros saberes, este pensamento habita um mundo imaginário, isolado e irreal, incapaz de interpretar e agir sobre a economia como ela é. Os seus representantes são os economistas de que fala Manuel António Pina na entrevista a Nuno Ramos de Almeida, «uma espécie de núncios e arautos dos mercados. (...) Os que em geral têm acesso às televisões». Superar a sua influência e reabilitar a Economia como ciência social, estabelecendo necessariamente laços com outros domínios do saber, constitui por isso um desafio que se inscreve na tarefa de superação da crise em que nos encontramos.
Organizado por Celia Kerstenetzky e Vítor Neves, o livro «Economia e Interdisciplinaridade(s)» será lançado na próxima sexta-feira, 23 de Novembro, na Livraria Almedina Atrium Saldanha, em Lisboa, a partir das 19.00h. A apresentação da obra estará a cargo de Olga Pombo (Coordenadora do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa) e contará com a participação de Vítor Neves. Estão todos convidados.
Homenagem
João Ferreira do Amaral será homenageado depois de uma carreira como professor no ISEG de que muito beneficiámos. Neste contexto, tenho andado a ler ou a reler os seus artigos sobre a integração europeia depois de Maastricht e tenho encontrado muitas razões para homenagem. Por exemplo, em 1995, Ferreira do Amaral concluía um artigo na revista Política Internacional com o realismo que marca a sua análise e que sempre contrastou com a inane sabedoria convencional nestas matérias: “O Tratado da União Europeia constituiu, no domínio económico, um verdadeiro golpe de Estado, ao impor concepções e instituições ultra-liberais aos cidadãos europeus apanhados desprevenidos. E, nem o facto deste golpe ter sido depois legitimado pelas ratificações parlamentares e por alguns referendos, pode esconder a realidade do erro histórico que se cometeu, só possível devido ao défice democrático na Europa. A parte económica do Tratado constituirá uma amarga experiência para os europeus que constatarão mais uma vez, à sua custa, que subordinar a concertação de interesses nacionais às abstracções ideológicas é a via mais rápida para o desastre.”
terça-feira, 20 de novembro de 2012
Repetir
Público de hoje
A troika fez mais uma autoavaliação positiva. Trata-se, afinal de contas, do seu governo. Os fracassos políticos são naturalizados no comunicado com a metáfora dos “ventos contrários”. Nada há de natural no que é conhecido: taxa de desemprego crescente e recessão cada vez mais profunda, mecanismos para destruir o que sobra da economia política do 25 de Abril, aproveitando a oportunidade para promover a contraproducente concorrência fiscal inscrita nesta integração europeia assimétrica, para criar condições financeiras mais favoráveis para os bancos ou para reforçar a austeridade destruidora das funções sociais do Estado e da economia, dada a quebra na procura assim engendrada e que não é contrariada. Daqui até à sétima autoavaliação há um trabalho ideológico que requere toda a mobilização dos aparelhos ideológicos disponíveis. Trata-se sempre de tentar naturalizar os cortes, a lógica da inevitabilidade, porque a “economia”, vejam lá, não aguenta as funções sociais que resistem, uma coisa que lhe deu. O guião está escrito. É uma prática política que se repete, sempre como tragédia para uma imensa maioria.
Histórias
Há dois anos e meio, Eduardo Catroga e Medina Carreira divertiam-se a choramingar pela presença do FMI e não hesitavam em dar a opinião para um artigo do DN escrito por Rui Pedro Antunes sob o título: “Se o país sair do euro corre o risco de falir como a Islândia”. Hoje, tanto um como o outro estão bem na vida, mas não será prudente começar a pensar fazer exactamente o contrário do que defendem?
Tem toda a razão Tiago Mota Saraiva: é sempre prudente fazer o contrário do que dizem estas figuras e aprender as lições dos que usaram todos os instrumentos de política ao serviço da soberania democrática para sair da crise, partilhando os custos do ajustamento com os credores, reaprendendo a controlar os fluxos de capitais e usando a política cambial para, através da desvalorização, corrigir desequilíbrios de forma relativamente mais rápida e com menores custos para quem trabalha.
Entretanto, Rui Ramos saiu em defesa de Jonet, inventando uma história sobre conspirações colectivistas nas redes sociais. Para Rui Ramos vale tudo menos reconhecer que uma camarada de lutas ideológicas revelou um desconhecimento preconceituoso demasiado óbvio de assuntos importantes. Poucos na direita mostraram tal intransigência, tendo de começar por reconhecer que Jonet não esteve bem antes de passar ao ataque. Jonet é um teste. Ramos passou no teste com distinção e tem um plano com pergaminhos históricos: inventar uma ameaça subversiva vinda da esquerda para tentar manter um bloco social unido pela defesa de um projecto político e monetário que, se não for alterado, poderá destruir as liberdades democráticas, e a sua base material, conquistas antifascistas. A pergunta de Pedro Lains é pertinente neste contexto: "É impressão minha ou em breve o euro vai ser declarado pela extrema-direita portuguesa como um desígnio nacional?" Desígnio à altura de quem sabe onde está a força para os seus projectos ideológicos, de quem tem um jeito inigualável para inventar histórias que os sirvam.
Tem toda a razão Tiago Mota Saraiva: é sempre prudente fazer o contrário do que dizem estas figuras e aprender as lições dos que usaram todos os instrumentos de política ao serviço da soberania democrática para sair da crise, partilhando os custos do ajustamento com os credores, reaprendendo a controlar os fluxos de capitais e usando a política cambial para, através da desvalorização, corrigir desequilíbrios de forma relativamente mais rápida e com menores custos para quem trabalha.
Entretanto, Rui Ramos saiu em defesa de Jonet, inventando uma história sobre conspirações colectivistas nas redes sociais. Para Rui Ramos vale tudo menos reconhecer que uma camarada de lutas ideológicas revelou um desconhecimento preconceituoso demasiado óbvio de assuntos importantes. Poucos na direita mostraram tal intransigência, tendo de começar por reconhecer que Jonet não esteve bem antes de passar ao ataque. Jonet é um teste. Ramos passou no teste com distinção e tem um plano com pergaminhos históricos: inventar uma ameaça subversiva vinda da esquerda para tentar manter um bloco social unido pela defesa de um projecto político e monetário que, se não for alterado, poderá destruir as liberdades democráticas, e a sua base material, conquistas antifascistas. A pergunta de Pedro Lains é pertinente neste contexto: "É impressão minha ou em breve o euro vai ser declarado pela extrema-direita portuguesa como um desígnio nacional?" Desígnio à altura de quem sabe onde está a força para os seus projectos ideológicos, de quem tem um jeito inigualável para inventar histórias que os sirvam.
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
Do gradualismo em política
A introdução de propinas no ensino superior, no início dos anos noventa, foi durante muito tempo apresentada (e justificada) como tendo apenas em vista o reforço dos recursos necessários à melhoria da qualidade do ensino e da acção social. Não estava portanto em causa - era solenemente assegurado - o financiamento corrente do ensino superior público, responsabilidade inalienável do Estado.
Mais tarde, entra em cena a tese da necessidade de aumento das receitas próprias das instituições. Não se tratava - garantia-se - de que as mesmas servissem para substituir os recursos provenientes do Orçamento de Estado, que deveriam continuar a assegurar o funcionamento do sistema. O que se pretendia era, essencialmente, estimular as relações entre as instituições de ensino superior e o tecido económico e institucional envolvente.
A verdade é que estas ideias românticas foram dando lugar a uma crua realidade: a receita das propinas começou a ser indispensável para garantir o financiamento corrente do sistema (isto é, para pagar despesas como salários, água ou electricidade) e as receitas próprias assumiram um peso cada vez mais expressivo no orçamento das instituições de ensino superior. O que permitiu, obviamente, aliviar o Orçamento de Estado das suas «inalienáveis» responsabilidades. Entre 2005 e 2013, por exemplo, o peso das transferências do OE para as universidades desceu de 72 para 53% e as receitas próprias passaram a significar 29% do total em 2013 (quando em 2005 o seu peso era de cerca de 20%). Se em 2005 as propinas representavam 12% do orçamento privativo das universidades, em 2009 aproximaram-se dos 14% e, na proposta do OE para 2013, atingem já os 18%. Isto é, quase 1/5 do total. Paralelamente, aumenta o peso das receitas próprias no financiamento da acção social: cerca de 24% em 2005 para 60% em 2013.
Estes dados contém uma lição política: a do gradualismo como estratégia para que as ideias façam caminho e se materializem. Trata-se, essencialmente, de «quebrar o gelo» para que - a partir daí - se torne possível fazer avançar um processo de erosão progressiva. Não foi isto que se passou, afinal de contas, de modo mais amplo, com «as gorduras do Estado» que era preciso suprimir, passando para a necessidade de cortes ditados pelas necessidades de ajustamento orçamental (o «fazer o mesmo com menos dinheiro»), para chegarmos finalmente à ideia de «refundação do Estado Social»?
Talvez a esquerda devesse prestar mais atenção ao gradualismo como estratégia de acção política, sem perder de vista o que pretende alcançar (tal como a direita não perde de vista os seus objectivos). Tratar-se-ia por exemplo, no caso das propinas, de propor a fixação de um tecto máximo (5%?) para o peso que estas deveriam assumir no orçamento das instituições. Em vez de se cristalizar – tão orgulhosamente pura como politicamente inócua – na frondosa reivindicação de um «fim imediato das propinas» no ensino superior.
Mais tarde, entra em cena a tese da necessidade de aumento das receitas próprias das instituições. Não se tratava - garantia-se - de que as mesmas servissem para substituir os recursos provenientes do Orçamento de Estado, que deveriam continuar a assegurar o funcionamento do sistema. O que se pretendia era, essencialmente, estimular as relações entre as instituições de ensino superior e o tecido económico e institucional envolvente.
A verdade é que estas ideias românticas foram dando lugar a uma crua realidade: a receita das propinas começou a ser indispensável para garantir o financiamento corrente do sistema (isto é, para pagar despesas como salários, água ou electricidade) e as receitas próprias assumiram um peso cada vez mais expressivo no orçamento das instituições de ensino superior. O que permitiu, obviamente, aliviar o Orçamento de Estado das suas «inalienáveis» responsabilidades. Entre 2005 e 2013, por exemplo, o peso das transferências do OE para as universidades desceu de 72 para 53% e as receitas próprias passaram a significar 29% do total em 2013 (quando em 2005 o seu peso era de cerca de 20%). Se em 2005 as propinas representavam 12% do orçamento privativo das universidades, em 2009 aproximaram-se dos 14% e, na proposta do OE para 2013, atingem já os 18%. Isto é, quase 1/5 do total. Paralelamente, aumenta o peso das receitas próprias no financiamento da acção social: cerca de 24% em 2005 para 60% em 2013.
Estes dados contém uma lição política: a do gradualismo como estratégia para que as ideias façam caminho e se materializem. Trata-se, essencialmente, de «quebrar o gelo» para que - a partir daí - se torne possível fazer avançar um processo de erosão progressiva. Não foi isto que se passou, afinal de contas, de modo mais amplo, com «as gorduras do Estado» que era preciso suprimir, passando para a necessidade de cortes ditados pelas necessidades de ajustamento orçamental (o «fazer o mesmo com menos dinheiro»), para chegarmos finalmente à ideia de «refundação do Estado Social»?
Talvez a esquerda devesse prestar mais atenção ao gradualismo como estratégia de acção política, sem perder de vista o que pretende alcançar (tal como a direita não perde de vista os seus objectivos). Tratar-se-ia por exemplo, no caso das propinas, de propor a fixação de um tecto máximo (5%?) para o peso que estas deveriam assumir no orçamento das instituições. Em vez de se cristalizar – tão orgulhosamente pura como politicamente inócua – na frondosa reivindicação de um «fim imediato das propinas» no ensino superior.
Hoje
Realiza-se a segunda de três conferências do ciclo «Ideias Políticas, Pensamento Económico. Da Grande Depressão aos dias de hoje», coordenado por José Neves e promovido pelo Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Depois de, na semana passada, o Alexandre Abreu ter falado sobre «Keynes e os Keynesianos - Um legado conflituoso», hoje será a vez do João Rodrigues, com «O Neoliberalismo não é um slogan - História de uma ideia com mercado». É às 18.00h na FCSH-UNL (Rua de Berna, Torre B, sala T16).
A encerrar este ciclo, a conferência de Ricardo Noronha, «Sair do Século XX - Esquerdas radicais, crítica situacionista do espectáculo e autonomia operária», tem lugar no próximo dia 26.
A encerrar este ciclo, a conferência de Ricardo Noronha, «Sair do Século XX - Esquerdas radicais, crítica situacionista do espectáculo e autonomia operária», tem lugar no próximo dia 26.
domingo, 18 de novembro de 2012
Uni-vos
Sandra Monteiro faz uma análise sobre as causas e consequências das engenharias neoliberais, seguida de um apelo às suas vitimas: “austerizados, uni-vos!”. Destaque ainda para os dois dossiês na edição portuguesa de Novembro: “o orçamento da refundação que afunda o país” e “crise do jornalismo, crise da democracia”.
sábado, 17 de novembro de 2012
Um bolo muito apetitoso
Extracto do meu artigo desta semana no jornal i:
Outro caso é o de Luís Mira Amaral (LMA), na mesma edição do “Expresso”/Economia [10 de Novembro]. Aí escreve que as pensões de reforma “correspondem no fundo a um seguro de velhice imposto pelo Estado e pago ao longo da vida contributiva pelo trabalhador e pela sua empresa. Neste caso o beneficiário já pagou a sua reforma e temos pois aí o Estado segurador e não o Estado social pago pelos contribuintes…”. Na realidade, as contribuições não pagam a reforma do próprio, apenas lhe dão direito à solidariedade dos trabalhadores mais jovens quando chegar o dia da sua reforma, mesmo que não tenha feito uma carreira contributiva completa. Mas percebe-se por que razão LMA oculta a natureza de repartição do nosso regime de segurança social, aliás típica do modelo continental europeu de Estado-providência. Recorrendo à metáfora do seguro (“imposto” pelo Estado), abre a porta à ideia de que os fundos de pensões privados serão mais eficientes na gestão das nossas contribuições, do nosso “seguro”.
Não creio que os portugueses estejam dispostos a converter o regime de repartição da Segurança Social num jogo de casino da finança global, com o desastroso resultado que se conhece em muitos países. Só no ano de 2008, a perda dos fundos privados de pensões, estimada pela OCDE para mais de duas dezenas de países, foi de cerca de 23%. Mas esta gente da finança não vai desistir facilmente porque estão em jogo muitos milhões em taxas para cobrar e muitos lugares de gestão com altos salários e comissões. Pouco lhes importa que os trabalhadores corram o risco de ficar sem pensões em resultado das perdas financeiras em que esses fundos incorram. Como o que está em jogo é uma calamidade social, o Estado não deixará de acudir quando chegar a hora do resgate.
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
Evidências da peste e do desastre
«Tive primeiro sinal de que a peste da austeridade tinha tomado conta da mente de “Pessoas Muito Sérias” quando a OCDE, que é o centro da sabedoria convencional, avançou para o "todos em austeridade, já, já, já".
O relatório em questão (OCDE Economic Outlook de 2010), fez previsões económicas para o último trimestre de 2011. Para um projecto em que estou a trabalhar, comparei essas previsões com o que realmente aconteceu nos países assinalados (como mostra o gráfico): foram os países mais sujeitos à austeridade que alcançaram os piores resultados face ao esperado.
Isto está em linha com as conclusões do exercício feito pelo FMI, que convenceu as suas equipas de que os multiplicadores fiscais são não só positivos - a política contraccionista é mesmo contraccionista - como mais relevantes do que se pensava. Por isso, a OCDE enganou-se terrível, terrivelmente, e deu conselhos horríveis. E eu pergunto-me se eles aprenderam alguma coisa com a experiência.»
Paul Krugman, «Oh, we see disaster»
Não por acaso, de há uns tempos a esta parte, Vítor Gaspar deixou de ser tão peremptório quanto ao anúncio do «ponto de viragem» da economia, que já esteve agendado para 2012 e depois para 2013. Os sucessivos falhanços das metas, em toda a linha, não permitem que o ministro se sujeite consecutivamente ao vexame do fracasso. Das certezas temporais inabaláveis, Vítor Gaspar passou por isso, cada vez mais, a falar nos «riscos e incertezas» a que o seu imaculado plano de ajustamento está sujeito. A diferença de postura é, na prática, nenhuma: uma estratégia errada e contraproducente não deixa de o ser pelo facto de se relativizar o momento (ilusório) em que a mesma dará certo. Na maratona em que apostou, julgando-se já próximo da meta, Vítor Gaspar continua, cega e irresponsavelmente, a correr em sentido contrário.
O relatório em questão (OCDE Economic Outlook de 2010), fez previsões económicas para o último trimestre de 2011. Para um projecto em que estou a trabalhar, comparei essas previsões com o que realmente aconteceu nos países assinalados (como mostra o gráfico): foram os países mais sujeitos à austeridade que alcançaram os piores resultados face ao esperado.
Isto está em linha com as conclusões do exercício feito pelo FMI, que convenceu as suas equipas de que os multiplicadores fiscais são não só positivos - a política contraccionista é mesmo contraccionista - como mais relevantes do que se pensava. Por isso, a OCDE enganou-se terrível, terrivelmente, e deu conselhos horríveis. E eu pergunto-me se eles aprenderam alguma coisa com a experiência.»
Paul Krugman, «Oh, we see disaster»
Não por acaso, de há uns tempos a esta parte, Vítor Gaspar deixou de ser tão peremptório quanto ao anúncio do «ponto de viragem» da economia, que já esteve agendado para 2012 e depois para 2013. Os sucessivos falhanços das metas, em toda a linha, não permitem que o ministro se sujeite consecutivamente ao vexame do fracasso. Das certezas temporais inabaláveis, Vítor Gaspar passou por isso, cada vez mais, a falar nos «riscos e incertezas» a que o seu imaculado plano de ajustamento está sujeito. A diferença de postura é, na prática, nenhuma: uma estratégia errada e contraproducente não deixa de o ser pelo facto de se relativizar o momento (ilusório) em que a mesma dará certo. Na maratona em que apostou, julgando-se já próximo da meta, Vítor Gaspar continua, cega e irresponsavelmente, a correr em sentido contrário.
Baralhar para reinar
Este ano o Estado emprestou à banca 4,5 mil milhões de euros para esta se recapitalizar. A taxa de juro cobrada de 8,5% calou as vozes críticas que se poderiam levantar com este aumento do endividamento público. Afinal, a recapitalização parecia um bom negócio para o Estado. Contudo, viemos a saber mais tarde que afinal à volta de um quarto dos 8,5% de taxa cobrada podia ser amortizados na factura fiscal da banca. Mais, como no texto abaixo se mostrou, o financiamento da banca ao Estado - com constrangimentos marginais na sua restante actividade - resultou num aumento da sua margem financeira o que permitirá a amortização mais célere do empréstimo do Estado. Conclusão, o que a banca teria que pagar ao Estado pela sua recapitalização é compensado por créditos fiscais e pelos juros que o Estado paga na sua própria dívida.
Penso que esta realidade só não é um maior escândalo porque é confusa. Então o Estado empresta à banca que, por sua vez, paga a dívida com empréstimos ao Estado? É exactamente isso. A diferença está na natureza destes empréstimos. Os bancos foram obrigados a aumentar o rácio do seu capital em relação aos activos que detêm, ponderados pelo seu risco (grosso modo, os nossos empréstimos). Como em boa parte da banca portuguesa os accionistas não estiveram na disposição de aumentar a sua contribuição, o Estado substitui-se com um empréstimo que pode ser contabilizado como capital do banco (na verdade se não for reembolsado no prazo previsto a dívida será transformada em acções que o Estado deterá). Um empréstimo financiado através do resgate da troika. Chegados aqui, a pergunta que se coloca é: se a banca precisava de mais capital em relação aos empréstimos por si concedidos, o aumento dos empréstimos ao Estado não se torna contraproducente? Não. Os bilhetes de tesouro comprados pela banca não são contabilizados no rácio de capital. O seu risco é zero. Ou seja, o único limite que banca teria nestes empréstimos seria o constrangimento da liquidez, mas esse é em boa parte anulado porque estes bilhetes servem de garantia nos empréstimos da banca junto do BCE (a taxas de juro baixíssimas). A liquidez que se perde no financiamento do Estado é quase toda recuperada nos empréstimos do BCE. É à luz deste mecanismo que estas declarações de Fernando Ulrich devem ser lidas.
Finalmente, se o facto de estarmos todos a financiar a recomposição do balanço dos bancos não fosse escândalo suficiente, vale a pena lembrar que os 7,5 mil milhões de euros para a recapitalização da banca que não foram utilizados estão parados no Banco de Portugal. Dinheiro sobre o qual continuamos a pagar juros. Se fizermos uma taxa de juro de 4%, dá 300 milhões de euro ao ano. 300 milhões de euros deitados ao galheiro.
Penso que esta realidade só não é um maior escândalo porque é confusa. Então o Estado empresta à banca que, por sua vez, paga a dívida com empréstimos ao Estado? É exactamente isso. A diferença está na natureza destes empréstimos. Os bancos foram obrigados a aumentar o rácio do seu capital em relação aos activos que detêm, ponderados pelo seu risco (grosso modo, os nossos empréstimos). Como em boa parte da banca portuguesa os accionistas não estiveram na disposição de aumentar a sua contribuição, o Estado substitui-se com um empréstimo que pode ser contabilizado como capital do banco (na verdade se não for reembolsado no prazo previsto a dívida será transformada em acções que o Estado deterá). Um empréstimo financiado através do resgate da troika. Chegados aqui, a pergunta que se coloca é: se a banca precisava de mais capital em relação aos empréstimos por si concedidos, o aumento dos empréstimos ao Estado não se torna contraproducente? Não. Os bilhetes de tesouro comprados pela banca não são contabilizados no rácio de capital. O seu risco é zero. Ou seja, o único limite que banca teria nestes empréstimos seria o constrangimento da liquidez, mas esse é em boa parte anulado porque estes bilhetes servem de garantia nos empréstimos da banca junto do BCE (a taxas de juro baixíssimas). A liquidez que se perde no financiamento do Estado é quase toda recuperada nos empréstimos do BCE. É à luz deste mecanismo que estas declarações de Fernando Ulrich devem ser lidas.
Finalmente, se o facto de estarmos todos a financiar a recomposição do balanço dos bancos não fosse escândalo suficiente, vale a pena lembrar que os 7,5 mil milhões de euros para a recapitalização da banca que não foram utilizados estão parados no Banco de Portugal. Dinheiro sobre o qual continuamos a pagar juros. Se fizermos uma taxa de juro de 4%, dá 300 milhões de euro ao ano. 300 milhões de euros deitados ao galheiro.
Os bons negócios da banca
Nas últimas semanas foram publicados os relatórios financeiros dos primeiros nove meses deste ano para os grandes bancos portugueses (CGD, BCP, BPI e BES). Um dos temas comuns à apresentação de resultados da banca é a forma como os seus “investimentos” em dívida pública permitiram aumentar as suas margens financeiras. Em relação à CGD e ao BES não é possível ter acesso ao que estas instituições detêm. Já o BCP e o BPI dão-nos
alguma informação. Ambos os bancos têm sobretudo bilhetes de tesouro (dívida
com prazos mais curtos): 2 mil milhões no BCP e outros 2,7 mil milhões no BPI (interessante ver que o BPI veio de quase zero em 2011 para este valor). A banca portuguesa consegue assim ganhar juros historicamente altos nestes títulos sem risco – a maior parte desta dívida vencerá no período previsto do empréstimo da troika e, em caso de reestruturação da dívida liderada pelos credores (à grega), estes títulos não são abrangidos. Por outro lado, estes títulos podem ser usados como garantia junto
do BCE nos seus empréstimos, tendo por isso um impacto marginal na liquidez da
banca.
Nas Obrigações do Tesouro (dívida com prazos mais alargados), o panorama parece ser um pouco mais complicado. No BCP não dá para perceber muito bem, mas aparentemente a exposição a OTs caiu um pouco. No BPI é mais interessante. Tinham 2,7 mil milhões de euros em Setembro do ano passado. Agora detêm 3 mil milhões. No entanto, destas OTs só 1,7 mil milhões correspondem a títulos detidos há um ano atrás. Como não houve qualquer leilão deste tipo de dívida, a única conclusão é a de que andaram a comprar e a vender dívida pública durante o ano (vulgo, especular). Como os preços subiram - num mercado pouco liquido como é o das OTs portuguesa é fácil manipular o preço - a operação foi altamente lucrativa. Quem disse que não há bons negócios para a banca em Portugal?
Nas Obrigações do Tesouro (dívida com prazos mais alargados), o panorama parece ser um pouco mais complicado. No BCP não dá para perceber muito bem, mas aparentemente a exposição a OTs caiu um pouco. No BPI é mais interessante. Tinham 2,7 mil milhões de euros em Setembro do ano passado. Agora detêm 3 mil milhões. No entanto, destas OTs só 1,7 mil milhões correspondem a títulos detidos há um ano atrás. Como não houve qualquer leilão deste tipo de dívida, a única conclusão é a de que andaram a comprar e a vender dívida pública durante o ano (vulgo, especular). Como os preços subiram - num mercado pouco liquido como é o das OTs portuguesa é fácil manipular o preço - a operação foi altamente lucrativa. Quem disse que não há bons negócios para a banca em Portugal?
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
A realidade milita contra os amigos de Gaspar
O Banco que não é de Portugal fez esta semana uma vez mais aquilo que sabe fazer melhor desde que se tornou numa sucursal de Frankfurt e num centro de irradiação das ideias mais extremistas em matéria de política económica: rever previsões em baixa e apoiar as políticas de austeridade que explicam este exercício regular. O novo ano da viragem já vai nuns optimistas -1,6% de quebra prevista. Na realidade, e ao contrário do que diz o Banco que um dia terá de voltar a ser daqui, não é o “ajustamento orçamental” que é “inadiável”, puro pretexto, mas sim o uso do orçamento como instrumento no combate político que visa assegurar a transferência de rendimentos de baixo para cima, do trabalho para certas fracções do capital, com promoção da concorrência fiscal autorizada pela troika, ao mesmo tempo que se destrói o Estado social. Em contraste com as inanes prescrições, até a realidade empresarial milita contra os amigos de Gaspar e lá vai assomando discretamente no Relatório do Outono do nosso descontentamento:
“[O] comportamento do setor empresarial reflete a deterioração das expectativas quanto à evolução da procura interna e a redução da confiança dos empresários, num ambiente de elevada incerteza e de baixa utilização da capacidade produtiva na indústria. De acordo com o Inquérito de Conjuntura ao Investimento do INE, divulgado em julho de 2012, a percentagem de empresas que afirma ter limitações ao investimento voltou a apresentar um aumento, atingindo 59.1 por cento em 2012, após se ter situado em 55.2 no ano anterior. Entre as empresas que consideram ter limitações ao investimento, a deterioração das expectativas em relação à procura continua a ser inequivocamente o principal fator limitativo tendo-se registado em 2012 um reforço da sua importância” (p. 53).
O INE ainda faz jus ao seu nome, produzindo estatísticas nacionais que nos mostram a crise económica que se agudiza, a subida galopante do desemprego. Os gráficos do Público são ilustrativos. E ainda há quem fale em rigidez laboral. Agora, até as exportações estão em quebra. Isto não parece dever-se à greve dos estivadores, o volume de carga nos portos aumentou, mas sim a um dos muitos paradoxos da austeridade depressiva com escala europeia e para lá dela: a despesa de uns é o rendimento de outros, as importações de uns são as exportações de outros. É o paradoxo salarial desta desunião europeia que aqui repetimos pela enésima vez: tratar os salários como um custo a conter a todo o custo pode parecer racional para tentar incrementar a procura externa, mas, como todos os países estão na mesma linha, temos a procura externa deprimida em cima de uma procura interna que colapsa e lá se vai o único motor. A chamada flexibilidade, pura ideologia ao serviço de quem só pensa em gerar e transferir custos sociais para terceiros, só aumenta os encadeamentos perversos.
Solidariedade europeia
O governo espanhol, numa tentativa desesperada para evitar um memorando como os da Grécia-Irlanda-Portugal, pondera pedir um empréstimo somente ao FMI. Não deve querer maçar os "parceiros" europeus.
Pequena História do Grande "Ajustamento"
Escrevi um texto para a Iniciativa por uma Auditoria Cidadã sobre o balanço do Programa de Ajustamento. Nesse balanço, comparo o cenário inicial avançado pela Troika, o que realmente aconteceu (bem diferente) e as novas previsões. Além disso, tento discutir o que se tem estado a passar com as exportações e os mitos que se tem tentado construir a esse respeito. Os números reais são do Eurostat e do INE. Os números imaginados são do FMI. Está um texto grande e chatinho, mas espero que seja informativo e revelador...
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
Depende de nós
Já faz parte da tradição deste blogue em dia de Greve Geral:
Elogio da Dialéctica
A injustiça avança hoje a passo firme
Os tiranos fazem planos para dez mil anos
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são
Nenhuma voz além da dos que mandam
E em todos os mercados proclama a exploração;
isto é apenas o meu começo
Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos
Quem ainda está vivo não diga: nunca
O que é seguro não é seguro
As coisas não continuarão a ser como são
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados
Quem pois ousa dizer: nunca
De quem depende que a opressão prossiga? De nós
De quem depende que ela acabe? Também de nós
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí que o retenha
E nunca será: ainda hoje
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã.
Bertolt Brecht
terça-feira, 13 de novembro de 2012
Mais tempo, mais dinheiro e menos dívida
Com o estrondoso falhanço do programa da troika na Grécia -
que o nosso país segue a passos largos - o Eurogrupo (verdadeiro órgão decisor
da troika) optou por dar mais dois anos ao ajustamento grego, o que implicará tapar
um novo buraco de financiamento no valor 33 mil milhões de euros. Ao mesmo
tempo, com as estimativas oficiais para a dívida grega a atingirem 194% do PIB
para o próximo ano, negoceia-se uma nova reestruturação da dívida, alongando
prazos, reduzindo juros e provavelmente emprestando mais dinheiro à Grécia para
que esta possa comprar a sua própria dívida nos mercados secundários a preço de
desconto e, assim, reduzir um pouco o seu stock.Os brutais cortes aprovados pelo parlamento grego deixam a União Europeia sem
grandes desculpas para cortar o financiamento a este país - para além de tal
cenário não ser hoje de todo desejável (depois das eleições alemãs o caso muda
de figura). Contudo, tendo em conta o actual debate político português, parece
que Portugal só teria de exigir as mesmas condições dadas à Grécia para salvar
a economia portuguesa. Vale a pena pois olhar com mais cuidado para duas dimensões
do actual debate europeu sobre a Grécia para percebermos o que está aqui em causa.
A primeira dimensão diz respeito à aparente discordância entre FMI e UE sobre os cenários de sustentabilidade da dívida pública grega em 2020. O FMI insiste nos 120%, enquanto o Eurogrupo admite 125% nesse ano. Quem ler a imprensa nacional de hoje parece que o FMI faz agora de "polícia mau" e a UE de "polícia bom". É exactamente ao contrário. O FMI, ao insistir no cenário dos 120%, aponta para a necessidade de um maior corte no valor da dívida grega, incluindo desta vez os credores oficiais (UE e BCE). A UE recusa, até ver, este cenário, não estando disposta a sofrer quaisquer perdas. Ou seja, a UE opta pela estratégia de "empurrar com a barriga": vão prolongando o ajustamento até determinarem qual o melhor momento para o estoiro.
Dito isto, é importante aqui perceber a razão dos 120% como limiar sustentável da dívida. Se estão à espera de grandes sistemas de equações, desenganem-se. Este nível é o peso da dívida italiana no PIB. Uma dívida sustentável que, por isso, poderia ser replicada. Esquecem-se que mais de metade da dívida italiana é detida por agentes domésticos. Ou seja, o pagamento do serviço da dívida traduz-se sobretudo na redistribuição (provavelmente regressiva) do rendimento nacional e não numa sangria externa de riqueza como acontece no caso grego (e português). Só permanentes excedentes externos poderiam inverter esse empobrecimento permanente, mas isso está hoje no domínio do delírio económico. De qualquer forma, com o programa de ajustamento em curso a Grécia nunca atingirá120, 125 ou 140% da dívida em relação ao PIB em 2020.
A segunda dimensão está na intervenção do BCE e na sua nova arma de intervenção nos mercados (as compras ilimitada de dívida de curto e médio prazo). A ausência de compromisso europeu em relação à Grécia é, mais uma vez, notória. O programa foi desenhado à medida de Espanha (o programa estabelece como pressuposto um ambíguo “acesso aos mercados") o que coloca de fora não só a Grécia, mas também aquele que seria o primeiro candidato ao programa, Portugal. A linha na areia em relação ao Euro está definida e nós estamos do outro lado. Talvez seja uma oportunidade. Em vez de se andar a exigir as condições gregas para o nosso país, há que começar a pensar na estratégia pós-troika, pós-dívida e necessariamente pós-Euro.
A primeira dimensão diz respeito à aparente discordância entre FMI e UE sobre os cenários de sustentabilidade da dívida pública grega em 2020. O FMI insiste nos 120%, enquanto o Eurogrupo admite 125% nesse ano. Quem ler a imprensa nacional de hoje parece que o FMI faz agora de "polícia mau" e a UE de "polícia bom". É exactamente ao contrário. O FMI, ao insistir no cenário dos 120%, aponta para a necessidade de um maior corte no valor da dívida grega, incluindo desta vez os credores oficiais (UE e BCE). A UE recusa, até ver, este cenário, não estando disposta a sofrer quaisquer perdas. Ou seja, a UE opta pela estratégia de "empurrar com a barriga": vão prolongando o ajustamento até determinarem qual o melhor momento para o estoiro.
Dito isto, é importante aqui perceber a razão dos 120% como limiar sustentável da dívida. Se estão à espera de grandes sistemas de equações, desenganem-se. Este nível é o peso da dívida italiana no PIB. Uma dívida sustentável que, por isso, poderia ser replicada. Esquecem-se que mais de metade da dívida italiana é detida por agentes domésticos. Ou seja, o pagamento do serviço da dívida traduz-se sobretudo na redistribuição (provavelmente regressiva) do rendimento nacional e não numa sangria externa de riqueza como acontece no caso grego (e português). Só permanentes excedentes externos poderiam inverter esse empobrecimento permanente, mas isso está hoje no domínio do delírio económico. De qualquer forma, com o programa de ajustamento em curso a Grécia nunca atingirá120, 125 ou 140% da dívida em relação ao PIB em 2020.
A segunda dimensão está na intervenção do BCE e na sua nova arma de intervenção nos mercados (as compras ilimitada de dívida de curto e médio prazo). A ausência de compromisso europeu em relação à Grécia é, mais uma vez, notória. O programa foi desenhado à medida de Espanha (o programa estabelece como pressuposto um ambíguo “acesso aos mercados") o que coloca de fora não só a Grécia, mas também aquele que seria o primeiro candidato ao programa, Portugal. A linha na areia em relação ao Euro está definida e nós estamos do outro lado. Talvez seja uma oportunidade. Em vez de se andar a exigir as condições gregas para o nosso país, há que começar a pensar na estratégia pós-troika, pós-dívida e necessariamente pós-Euro.
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
Não aprenderam nada com a História (II)
A cegueira ideológica que salta à vista no discurso da
Chanceler Angela Merkel é arrepiante. Mostra-nos que, à semelhança dos economistas
que a aconselham e infelizmente são a maioria na Alemanha, não tem consciência de que a política que está a impor à Zona Euro foi a mesma que criou as condições financeiras,
económicas e sociais para a subida ao poder do Nazismo. [Ver aqui o que se
passou no Reino Unido]. Nos dias de hoje, essas mesmas políticas – e essa teoria
económica errada que hoje se ensina nos mestrados e doutoramentos em Economia –
são responsáveis pelo desastre que está a atingir a Europa do Sul. O futuro da
União Europeia como um todo está em risco, a Alemanha é a principal responsável
por este caminho suicida e, uma vez mais, os social-democratas revelam a sua
tibieza. Abaixo transcrevo a minha tradução de alguns parágrafos do
livro indicado na figura (p. 177-8).
[Heinrich] Brüning tentou restaurar a autoridade do seu
governo minoritário com uma consulta ao povo. Foi um dos mais desastrosos erros
de cálculo da história da democracia. As eleições para o Reichstag de Setembro
de 1930 deram um forte impulso ao extremismo, à esquerda e à direita. Nessa
altura, o desemprego registado tinha ultrapassado três milhões. Quaisquer que
sejam as explicações dos economistas, os desempregados consideravam a sua
situação intolerável e tendiam cada vez mais a apoiar soluções fáceis mesmo que
à custa do regime parlamentar. (…) Em Berlim, a polarização eleitoral reflectia-se
nas lutas de rua entre milícias nazis e comunistas.
Brüning manteve-se como Chanceler, apoiado no Reichstag pelos
sociais-democratas, mas a sua autoridade tinha sido enfraquecida e a opinião
política e financeira externa estava cada vez mais alarmada. Em Dezembro de 1931
foram decididos cortes adicionais em todos os salários, ordenados, preços,
rendas, tarifas e juros. Mas o que era necessário nesse momento era um estímulo e
não a deflação. No entanto, Brüning e os seus conselheiros sentiam uma
esmagadora obrigação de restaurar a destruída credibilidade da Alemanha.
Evidentemente, ele também esperava usar a deflação como instrumento para
conseguir pôr termo às reparações de guerra. O “Chanceler da fome” deu pouca
atenção às consequências internas, sociais e políticas, da sua política do
"quanto pior melhor". (…)
Os historiadores têm discutido sobre se havia alguma
alternativa séria às políticas de Brüning. Ele próprio não tinha qualquer
dúvida de que não havia nenhuma. Em Janeiro de 1932 um grupo de socialistas,
Vladimir Woytinsky, Fritz Tarnow e Fritz Baade recomendaram um programa
expansionista de obras públicas. Mas as suas ideias tiveram a oposição do antigo
ministro das finanças, o social-democrata Rudolf Hilferding, e a proposta
abortou.
Acordai
O que é mais extraordinário é a total impotência que revelam os povos do Sul – no nosso caso com genuíno síndrome de Estocolmo institucional. Como é que é possível que a Europa do Sul não discuta em conjunto a saída do euro, a única arma de negociação com peso de que dispõe? Tal como está, o euro vai matar o Sul da Europa e dar pouca saúde ao Norte. Esperar uma mudança substancial na Alemanha é sonhar com ladrões.
Ana Sá Lopes é uma rara editorialista que escapa à sabedoria convencional e que coloca a questão de economia política nacional, ou seja, de economia política europeia, que mais importa no presente contexto.
Ana Sá Lopes é uma rara editorialista que escapa à sabedoria convencional e que coloca a questão de economia política nacional, ou seja, de economia política europeia, que mais importa no presente contexto.
Ciclo de conferências "Ideias políticas, pensamento económico. Da Grande Depressão aos dias de hoje"
Começa hoje à tarde e continuará nas duas próximas 2ªs feiras, na FSCH, o ciclo de conferências "Ideias políticas, Pensamento Económico. Da Grande Depressão aos Dias de Hoje", com coordenação do José Neves e a participação de dois ladrões de bicicletas a par do Ricardo Noronha. Falar-se-á e debater-se-á economia e política, sempre duas faces da mesma moeda. Transcrevo em baixo o texto do site de apresentação do seminário:
Coordenação: José Neves (IHC-FCSH/UNL)
Local: Lisboa, FCSH-UNL, Torre B, Sala T16
Datas: 12, 19 e 26 de Novembro, sempre às 18h
Este ciclo de conferências é dedicado ao debate de três grandes linhas de pensamento que fizeram o seu caminho ao longo do século XX, mais especificamente no período que se estende da Grande Depressão de 1929 à entrada no novo século. Analisar-se-á a tradição keynesiana e a pluralidade dos seus legados, a crítica de que foi objecto às mãos do liberalismo económico e o processo de formação de um pensamento neoliberal e, por fim, discutiremos novas propostas vindas da área das chamadas esquerdas radicais. De um ponto de vista disciplinar, procura-se com este breve ciclo aproximar a história das ideias políticas e a história do pensamento económico.
12 Novembro
Alexandre Abreu (CEsA-ISEG): Keynes e keynesianos - um legado conflituoso
19 Novembro
João Rodrigues (CES-UC): O neoliberalismo não é um slogan - história de uma ideia com mercado
26 Novembro
Ricardo Noronha (IHC-UNL): "Sair do século XX" - Esquerdas radicais, crítica situacionista do espectáculo e autonomia operária
Coordenação: José Neves (IHC-FCSH/UNL)
Local: Lisboa, FCSH-UNL, Torre B, Sala T16
Datas: 12, 19 e 26 de Novembro, sempre às 18h
Este ciclo de conferências é dedicado ao debate de três grandes linhas de pensamento que fizeram o seu caminho ao longo do século XX, mais especificamente no período que se estende da Grande Depressão de 1929 à entrada no novo século. Analisar-se-á a tradição keynesiana e a pluralidade dos seus legados, a crítica de que foi objecto às mãos do liberalismo económico e o processo de formação de um pensamento neoliberal e, por fim, discutiremos novas propostas vindas da área das chamadas esquerdas radicais. De um ponto de vista disciplinar, procura-se com este breve ciclo aproximar a história das ideias políticas e a história do pensamento económico.
12 Novembro
Alexandre Abreu (CEsA-ISEG): Keynes e keynesianos - um legado conflituoso
19 Novembro
João Rodrigues (CES-UC): O neoliberalismo não é um slogan - história de uma ideia com mercado
26 Novembro
Ricardo Noronha (IHC-UNL): "Sair do século XX" - Esquerdas radicais, crítica situacionista do espectáculo e autonomia operária
domingo, 11 de novembro de 2012
Dispensar (amigavelmente) 50 mil funcionarios. No mínimo.
É com este trabalho de casa feito que o Governo volta a receber a troika, com a prioridade de cortar 4 mil milhões de euros. E espera convencer os credores internacionais de que é preciso dar a Portugal condições excepcionais que permitam ao Governo prosseguir com uma reforma tão profunda. A questão crítica é assegurar o financiamento de um programa de rescisões amigáveis na administração pública, que permita uma poupança estrutural e permanente ao Estado. Um programa dessa envergadura - que pode, no mínimo, envolver a dispensa de 50 mil funcionários - custa dinheiro que só pode vir de receitas extraordinárias, que dependem do aval da Europa e do FMI.