sábado, 17 de novembro de 2012

Um bolo muito apetitoso


 
Extracto do meu artigo desta semana no jornal i:
 
Outro caso é o de Luís Mira Amaral (LMA), na mesma edição do “Expresso”/Economia [10 de Novembro]. Aí escreve que as pensões de reforma “correspondem no fundo a um seguro de velhice imposto pelo Estado e pago ao longo da vida contributiva pelo trabalhador e pela sua empresa. Neste caso o beneficiário já pagou a sua reforma e temos pois aí o Estado segurador e não o Estado social pago pelos contribuintes…”. Na realidade, as contribuições não pagam a reforma do próprio, apenas lhe dão direito à solidariedade dos trabalhadores mais jovens quando chegar o dia da sua reforma, mesmo que não tenha feito uma carreira contributiva completa. Mas percebe-se por que razão LMA oculta a natureza de repartição do nosso regime de segurança social, aliás típica do modelo continental europeu de Estado-providência. Recorrendo à metáfora do seguro (“imposto” pelo Estado), abre a porta à ideia de que os fundos de pensões privados serão mais eficientes na gestão das nossas contribuições, do nosso “seguro”.

Não creio que os portugueses estejam dispostos a converter o regime de repartição da Segurança Social num jogo de casino da finança global, com o desastroso resultado que se conhece em muitos países. Só no ano de 2008, a perda dos fundos privados de pensões, estimada pela OCDE para mais de duas dezenas de países, foi de cerca de 23%. Mas esta gente da finança não vai desistir facilmente porque estão em jogo muitos milhões em taxas para cobrar e muitos lugares de gestão com altos salários e comissões. Pouco lhes importa que os trabalhadores corram o risco de ficar sem pensões em resultado das perdas financeiras em que esses fundos incorram. Como o que está em jogo é uma calamidade social, o Estado não deixará de acudir quando chegar a hora do resgate.

4 comentários:

  1. Eu não defendo.a privatização da SS, mas dizer qur os privados jogam na economia de casino é no mínimo populismo barato: então os públicos aplicam o dinhiro em quê? Sei que têm mais regras, claro, mas daí até poder dizer tudo com esta ligeireza...

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  2. Caro Manuel Queiroz

    A especulação e as perdas dos activos dos fundos privados de pensões são factos.
    Se ler o artigo todo, perceberá que o essencial da nossa Seg Social é garantido por repartição. Não é um sistema de capitalização.
    Infelizmente, o seu comentário revela não só ligeireza como muita desinformação.

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  3. "Na realidade, as contribuições não pagam a reforma do próprio, apenas lhe dão direito à solidariedade dos trabalhadores mais jovens quando chegar o dia da sua reforma ..."

    Caro Jorge Bateira,
    este meu comentário tem alguns dias de atraso porque só agora vi o seu post.

    Devo começar por lhe dar os parabéns por ter colocado a questão do sistema retributivo de uma forma extremamente clara. No entanto acho que não explorou todas as consequências negativas que podem advir dum sistema deste tipo.

    Uma primeira questão deste sistema é precisamente o facto de nem todos os trabalhadores se aperceberem deste facto: o dinheiro que descontam todos os meses não é "guardado" numa conta, é pura e simplesmente gasto todos os meses.
    Daí decorre que a verba de que o Estado dispõe, num determinado momento para pagar pensões dependa do nível de contribuições dos trabalhadores nesse momento. Num cenário de aumento do nº de reformados (e respectivas pensões) e diminuição do nº de trabalhadores no activo, como pode o Estado garantir um valor nominal de pensões a pagar no futuro (sem ter o poder de emitir moeda para o fazer)? Neste sistema, não seria mais correcto e mais transparente as pensões serem determinadas e atribuídas no momento da reforma em forma de índice e não em valor nominal (podendo daí resultar uma diminuição do seu valor nominal)?
    Mesmo se o estado pudesse emitir moeda em qualquer momento e na quantidade necessária para cumprir compromissos nominais, a inflação daí resultante não estaria a diminuir as pensões em valor real?

    Ou seja, menciona uma perda de 23% do valor dos fundos privados de pensões em 2008. É um facto. Mas face ao que expus é capaz de garantir uma ausência de perdas (reais) num sistema de solidariedade? Não é também um facto que devido a alterações legislativas (fórmula de cálculo das pensões) e alterações fiscais os reformados do sistema de solidariedade perderam também uma parte significativa do valor das suas pensões? Terá sido mais ou menos de 23%? Estão as pensões do sistema de solidariedade assim tão ao abrigo da sorte ("casino")?

    Finalmente, pode haver quem ache que perdas de 23% no valor das pensões devido ao mercado é preferível a perdas de 100% caso, num determinado momento, a solidariedade se quebre. Infelizmente para esses, a solidariedade é obrigatória.

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  4. Peço desculpa mas, ao ler o último parágrafo do meu comentário anterior, posso ter induzido em erro acerca da minha opinião sobre a solidariedade.

    A solidariedade, que deve existir na minha opinião, dever-se-ia cingir aos casos em que as pensões (em sentido lato) pagas não são cobertas pelas contribuições de um trabalhador. É o caso, por exemplo, de um subsídio de funeral atribuído a quem nunca contribuiu ou para atingir um valor mínimo a quem não tenha feito uma carreira contributiva completa.
    Mas mesmo num sistema de solidariedade, esta parte das contribuições (necessária para cobrir os casos que exemplifiquei) devia ser claramente destacada do restante montante contributivo para que o trabalhador e futuro pensionista percebesse que a SS "perde" dinheiro com alguns trabalhadores pelo que nem todo o montante descontado vai ser "reembolsado".

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